Capitulo 11
CAPÍTULO 11 – SOFIA
Era fim de tarde quando Sofia passou o último pente no cabelo, ajeitou o vestido de algodão azul claro e suspirou diante do espelho. A festa da cidade era algo simples, mas simbólico. Desde pequena, lembrava-se do pai ajudando nos preparativos, colocando bandeirolas, organizando os tratores com flores para o desfile, sorrindo com a comunidade. Era a primeira vez que ela participaria sem ele, mas não havia tristeza em seu coração naquele dia. Quase onze meses haviam se passado, e, embora a saudade ainda morasse nela, havia espaço para novos sentimentos.
— Mãe, tá pronta? — perguntou, batendo de leve na porta do quarto de Eunice.
— Já vou, só tô decidindo o brinco, menina! — respondeu ela com uma risada abafada. — Acredita que a Júlia disse que hoje eu preciso colocar cor?
Sofia sorriu. A mãe estava cada vez mais disposta, mais viva. A ausência de seu pai ainda doía, mas também parecia ter despertado um desejo em Eunice de viver cada instante.
Lá fora, Júlia já as esperava na caminhonete. Vestida com uma blusa colorida e saia jeans, ela acenou animada.
— Até que enfim! Vocês acham que é baile de gala? — brincou, quando as duas surgiram.
— Quase — respondeu Sofia. — Vamos ver gente, comer coisa boa e dançar um forrozinho, quem sabe?
O caminho até o centro da cidade foi tomado por conversas leves. As ruas estavam enfeitadas com bandeiras coloridas, luzes piscando em cordões altos e um palco modesto sendo montado na praça principal. Era uma celebração das colheitas, das amizades, da vida. Gente de todo canto estava ali.
— Essa cidade tem uma força — comentou Júlia, observando o movimento. — Mesmo quando parece que nada vai melhorar, ela vem e abraça a gente.
Eunice sorriu ao lado da filha. — Igualzinho ao que seu pai dizia.
Sofia sentiu o peito aquecer. Era reconfortante ouvir a voz do passado sem que ela doesse como antes.
A festa seguiu alegre. Crianças corriam entre barracas de comida, senhores conversavam encostados nas árvores, casais jovens dançavam ao som de um trio de sanfona que ensaiava no palco.
— Olha só quem tá ali! — disse Júlia, cutucando Sofia. — O pessoal do hospital.
Sofia virou a cabeça devagar, curiosa. Nunca prestava muita atenção nos rostos dos médicos e enfermeiros da cidade. Mas, naquele momento, um grupo de mulheres caminhava rindo entre a multidão e, entre elas, uma figura capturou seu olhar.
Cabelos castanhos soltos, vestido leve, sorriso discreto. Bianca não percebeu o olhar de Sofia de imediato, mas quando os olhos das duas se encontraram, houve um breve instante de pausa no mundo. Nada grandioso. Só um olhar curioso, respeitoso, quase imperceptível. Mas o suficiente para fazer Sofia virar o rosto rapidamente, como se tivesse sido pega fazendo algo que não devia.
— Quem é aquela? — perguntou, tentando soar casual.
— A doutora nova. Bianca. Acho que veio do sul, ou do litoral, não lembro. Gente boa, pelo que escutei. Tem atendido bastante na parte de clínica geral. — Júlia a observou com o canto dos olhos. — Bonita, né?
— É — respondeu Sofia, distraída. — Tem um jeito... tranquilo.
— Tá interessada?
— Júlia!
— Ué, só perguntei. — Ela riu. — Mas olha, se for, ela tá solteira. E dizem que é simpática.
Sofia balançou a cabeça, tentando desviar o assunto. Mas, por dentro, a imagem daquele olhar ainda estava ali, grudada como semente na terra depois da chuva.
Mais tarde, enquanto dançavam, comeram milho assado e assistiram à apresentação de um grupo de jovens tocando zabumba e triângulo, a noite foi avançando. Eunice encontrou amigas de longa data, Júlia reencontrou alunos e pais de alunos, e Sofia? Ela aproveitou. Riu, comeu, dançou. Não se lembrava da última vez que tinha se sentido tão leve.
Porém, em algum momento entre uma conversa e outra, seus olhos voltaram a buscar aquela figura. E, de longe, viu Bianca outra vez. Ela também olhou. Dessa vez, sorriu. Um sorriso curto, quase educado. Sofia respondeu com um aceno discreto, o coração pulsando de um jeito esquisito.
Não era amor. Não era desejo. Era só... um primeiro olhar. Mas às vezes, era exatamente assim que tudo começava.
E naquela noite, entre luzes coloridas e música popular, Sofia soube que algo novo havia se instalado dentro
dela.
Mesmo que ela ainda não soubesse o que era.
Fim do capítulo
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