Capitulo 12
Capítulo 12 – Bianca
As luzes penduradas entre os postes improvisados balançavam suavemente com o vento da noite. A praça da cidade estava lotada, tomada por um clima de festa que há muito tempo Bianca não sentia. As pessoas sorriam com facilidade, os risos ecoavam entre as barracas, e o cheiro de milho assado, canjica e quentão tomava conta do ar. Era o tradicional Arraiá da cidade, organizado anualmente pelo grupo cultural local, e aquele ano prometia ser um dos mais animados.
Bianca estava ali há cinco meses. Quando chegou, não imaginava que em tão pouco tempo pudesse se sentir parte de algo de novo. Mas aos poucos, os rostos deixaram de ser estranhos. Aprendeu os nomes de algumas ruas, os horários dos ônibus — poucos, é verdade — e os nomes das senhoras que levavam biscoitos de polvilho na recepção do hospital só para “dar uma olhadinha no doutor Marcos”.
Ela chegou à festa com algumas colegas do hospital: Marina, a enfermeira-chefe, risonha e um tanto intrometida, mas de coração imenso; Flávia, técnica em enfermagem, com um talento especial para fofocas e simpatias; e o próprio Marcos, o clínico geral, que era também o “mestre de cerimônias” daquela noite. Ele insistira que Bianca fosse, dizendo que ela precisava viver um pouco fora dos plantões e dos fantasmas.
— Você vai adorar — dissera ele mais cedo —. Prometo que não vou te colocar pra dançar quadrilha. A não ser que você queira.
— Só se for com direito a trajes típicos — ela brincou, sorrindo pela primeira vez em dias.
Na praça, Bianca se deixava levar. As luzes aqueciam o céu, as músicas tradicionais tocavam em alto-falantes que chiavam levemente, e o coração dela estava leve. Flávia entregou a ela uma taça de vinho quente e logo emendou uma história sobre uma paixão platônica que teve por um professor de matemática no ensino médio.
— Sério, ele parecia o Rodrigo Santoro. — Flávia gesticulava. — Só que com menos cabelo. E com uma voz mais grossa.
Bianca ria com facilidade, o olhar vagando entre os detalhes da festa. Foi então que seus olhos pousaram, como por acaso, num ponto mais afastado, próximo à barraca de pamonha. Duas mulheres conversavam tranquilamente: uma, loira, com traços delicados e postura de professora; a outra, morena, expressão firme, roupas simples, mas um porte marcante. Havia algo em sua presença que prendeu Bianca sem que ela soubesse o motivo exato.
A mulher sorriu para a amiga. Não era um sorriso largo, nem explosivo, mas tinha aquela serenidade de quem sabe exatamente onde está. E naquele instante, como se tivesse sentido o olhar, ela virou levemente o rosto. Os olhos das duas se encontraram.
Foi rápido. Um segundo talvez. Não houve troca de palavras, nem gestos, nem nada além daquele olhar breve, quase despercebido por quem passava. Mas, dentro de Bianca, algo acendeu. Não era desejo, nem curiosidade exagerada. Era apenas... um reconhecimento. Como se, por um instante, dois mundos tivessem se tocado de maneira sutil.
Bianca desviou o olhar primeiro. Sorriu de leve, sem saber por quê. Voltou a atenção para os colegas, para a música, para a bebida morna em suas mãos. Mas não conseguiu evitar lançar um último olhar disfarçado para o outro lado da praça.
A mulher ainda estava lá. Agora falava com uma senhora de cabelos brancos, que ria enquanto apontava alguma coisa. Bianca não sabia seu nome, nem de onde era. Mas algo nela parecia pertencer àquele lugar de forma intensa. Havia força naquele olhar, mas também doçura escondida nas entrelinhas. Uma mulher que parecia conhecer a terra sob os pés, como se fosse parte dela.
— Tá com a cabeça onde, doutora? — Marina cutucou. — Vi você olhando ali... achou o amor da festa, foi?
Bianca riu, balançando a cabeça.
— Tô só observando... a vida. Nada demais.
Mas dentro dela, algo dizia que talvez fosse, sim, um pouco demais.
A festa seguiu. Bianca dançou, bebeu um pouco mais, gargalhou com Flávia e até tirou foto com um grupo de senhorinhas que exigiram que ela posasse com um chapéu de palha na cabeça. E, mesmo quando a noite avançou e a praça começou a esvaziar, aquele breve instante ficou guardado, como uma semente enterrada em silêncio.
Ela não sabia quem era aquela mulher. Mas tinha a sensação de que não fora a últ
ima vez que cruzariam olhares.
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Fim do capítulo
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