Capitulo 13
Capítulo 13 – Sofia
Curiosidade do novo
O sol já estava alto no céu quando Sofia terminou de verificar a ordenha. A fazenda fluía como um rio tranquilo. Quatro meses haviam passado desde a festa da cidade, e tudo parecia encaixar-se aos poucos. O luto ainda existia em nuances leves no olhar de Eunice, nas noites em que os dois se sentavam na varanda e deixavam o silêncio falar. Mas havia florescendo, pouco a pouco, uma rotina de paz.
Ela caminhava com passos firmes entre os espaços da fazenda, cumprimentando todos com o sorriso sincero que se tornara sua marca. A confiança havia se instaurado não só nela, mas entre os trabalhadores, que agora a viam como uma líder real, presente, atenta e humana.
— Dona Sofia, as vacinas do rebanho chegaram! — anunciou Henrique, o rapaz novo que ficara encarregado do controle veterinário.
— Ótimo! Me avisa quando o pessoal estiver pronto pra aplicar. Quero acompanhar. — respondeu, confiante.
Ela havia aprendido tanto nos últimos meses que nem parecia a mesma garota que, tempos atrás, fugia da responsabilidade. Agora, amava cada parte daquilo. Até os desafios. Principalmente os desafios.
Na varanda, Eunice a esperava com dois copos de suco e um pedaço de bolo de fubá fresco.
— Hoje você está mais animada que o normal — brincou a mãe, entregando o copo.
— É que tudo parece estar indo bem, mãe. Sabe aquela sensação de que você finalmente parou de remar contra a corrente?
Eunice sorriu. — Eu sei, filha. E fico feliz por ver você assim. Seu pai também ficaria.
O nome do pai ainda causava um pequeno aperto no peito de Sofia, mas já não doía como antes. Era saudade. Pura e simples saudade.
— Ele amaria ver como a fazenda tá bonita. E você... tão no comando.
— E você... tão à vontade com tudo isso — Eunice completou.
Depois de um tempo em silêncio, apenas saboreando o bolo e o vento da manhã, Sofia ouviu o som da caminhonete se aproximando. Era Júlia, com seus cabelos presos num coque malfeito e aquele jeito de quem sempre traz boas novas.
— Bom dia, minhas rainhas do campo! — gritou antes mesmo de descer.
— Achei que só vinha amanhã — disse Sofia, indo ao encontro da amiga.
— Troquei a folga com outra professora. Queria vir ver você hoje.
Abraçaram-se com carinho. A presença de Júlia sempre trazia leveza.
— Preparei café e bolo — disse Eunice, sorrindo. — Já vou colocar mais uma xícara.
— Dona Eunice, a senhora é um presente! — elogiou Júlia, já se sentando.
Sentaram-se as três na varanda, como faziam de vez em quando. As conversas passearam entre os temas da cidade, os alunos de Júlia, os casos engraçados da escola, os planos para a colheita do mês seguinte. Sofia ria alto, coisa que não fazia com tanta frequência antes. Ela estava diferente. Mais solta. Mais leve.
Em dado momento, enquanto falavam da festa da cidade, Júlia lançou uma pergunta aparentemente aleatória:
— E aquela médica nova do hospital, hein? Bianca? Bonita, né?
Sofia arqueou uma sobrancelha, surpresa com o rumo.
— Bonita, sim. Mas por que o interesse?
— Curiosidade — Júlia disse com um sorriso malicioso. — Você viu como ela olhou na sua direção aquele dia na festa?
— Eu nem percebi isso, Júlia...
— Ah, mas eu percebi. Sou observadora, amiga. E você também não é de ferro. Tava olhando também.
Sofia riu, balançando a cabeça.
— Olhar não é crime, né?
— Claro que não. Mas sabe o que eu fiquei me perguntando depois?
— O quê?
— Se você tá pronta... sabe? Pronta pra viver algo novo. Porque... deixar o passado pra trás é uma coisa. Mas permitir que algo novo entre é diferente. Você se sente capaz de amar de novo?
A pergunta ficou no ar. Eunice, discreta, se levantou com um pretexto qualquer, deixando as duas sozinhas.
Sofia demorou para responder. Não porque não tivesse palavras, mas porque não tinha certeza.
— Eu não sei — disse enfim. — Acho que eu tô aprendendo a viver comigo mesma, sabe? A amar isso aqui. Essa vida. A cuidar de mim. Talvez isso já seja um bom começo.
— É sim. É um ótimo começo. Mas só não fecha as portas, tá? Às vezes, a vida manda sinais… e se a gente estiver de olhos fechados, perde.
— Você acha que a vida manda sinais?
— Acho. Principalmente através de olhares distraídos numa festa qualquer.
Sofia riu outra vez. Mas, diferente das outras vezes, essa risada veio acompanhada de um leve rubor nas bochechas. Lembrou-se do momento exato em que seus olhos cruzaram com os de Bianca. Foi rápido. Mas foi. E agora, revendo mentalmente, percebia que realmente houve ali uma faísca de algo que ainda não sabia nomear.
— Ela parecia simpática — murmurou, quase como se estivesse admitindo a si mesma.
— E parecia interessada — completou Júlia.
Passaram o resto da tarde andando pela fazenda. Júlia quis ver os bezerros novos, experimentar colher ovos com as próprias mãos e até se arriscou a subir no trator. Riram, tiraram fotos, sujaram as botas. No final do dia, deitadas na rede da varanda, com os pés entrelaçados, conversaram sobre a vida como nos tempos de adolescência.
— A gente cresceu, né? — disse Sofia, com um suspiro de quem percebe o tempo passar.
— Crescemos. Mas ainda temos muito o que viver. E a vida ainda pode surpreender a gente. — Júlia respondeu, olhando para o céu que começava a se pintar de laranja.
Naquela noite, enquanto se preparava para dormir, Sofia ficou olhando para o teto do quarto. A pergunta de Júlia ecoava.
"Você se sente capaz de amar de novo?"
Ela não sabia a re
sposta. Mas pela primeira vez, não teve medo da pergunta.
Talvez fosse esse o primeiro sinal.
Fim do capítulo
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