Capítulo 14 – Bianca

Os últimos dias haviam sido quase perfeitos. Bianca se sentia mais leve, como se a cidade pequena tivesse, enfim, se tornado casa. Já conhecia boa parte da população, ganhava doces caseiros de pacientes gratos e cumprimentos sinceros nas ruas. O hospital fluía bem, as rotinas estavam estabelecidas, e a sensação de recomeço agora tinha raízes.

Acordou naquela manhã com o som dos passarinhos na janela e um raio de sol gentil atravessando a cortina. Fez café, colocou sua música preferida para tocar e dançou descalça pela cozinha. O dia prometia. Ao chegar ao hospital, foi recebida com sorrisos e comentários animados sobre a festa da cidade que havia acontecido há alguns dias. Ela ainda se lembrava do breve instante em que seus olhos haviam cruzado com os de uma mulher desconhecida de cabelos castanhos e expressão serena. Algo naquele olhar havia ficado.

Mas Bianca não teve tempo de pensar muito nisso.

Perto das dez da manhã, enquanto conferia prontuários na sala da enfermaria, ouviu passos apressados e uma voz familiar ecoar por trás da porta entreaberta. Uma voz que ela conhecia bem demais.

— Bianca?

Virou-se, e lá estava ela. Clara. Com os mesmos olhos que um dia Bianca amou tanto, mas agora carregando uma inquietação desconcertante. Por um segundo, Bianca congelou. Não esperava vê-la ali. Não em seu novo mundo.

— Clara? O que você está fazendo aqui?

— Eu precisava te ver. Precisava conversar com você. — Clara entrou como se ainda tivesse lugar naquela vida, e Bianca, desconcertada, deixou que ela falasse.

A conversa, que deveria ser civilizada, rapidamente se transformou em tensão.

— Você só... foi embora. E agora tá aqui, fingindo que tá tudo bem, que seguiu em frente? — Clara disse, os olhos marejados.

— Eu não fui embora, Clara. Você foi. Você saiu. Eu só segui com a vida depois de juntar os cacos — respondeu Bianca, tentando manter a voz firme.

— Acha mesmo que isso entre nós acabou?

— Acabou. — A resposta saiu firme. Pela primeira vez em muito tempo, Bianca sentiu que era dona da própria história. — Eu não tenho mais espaço pra você na minha vida.

Nesse momento, a conversa começou a chamar atenção. Vozes alteradas, tons de mágoa no ar. Algumas pessoas no hospital começavam a olhar, discretamente.

Bianca se afastou um passo, constrangida. Foi quando ouviu uma voz calma e firme atrás dela.

— Está tudo bem por aqui?

Virou-se e viu a mulher da festa. A mesma dos olhos atentos. Sofia.

— Só um mal-entendido — respondeu Bianca, tentando conter a ansiedade.

Sofia olhou de Bianca para Clara e pareceu captar toda a cena em segundos. Deu um leve passo à frente, se colocando sutilmente ao lado de Bianca.

— Doutora Bianca, a dona Judith está esperando pela consulta. Posso acompanhá-la? — disse, com um meio sorriso.

Bianca entendeu o gesto. Sofia estava lhe dando uma saída. Uma rota de fuga elegante da confusão.

— Claro. Obrigada.

Virou-se para Clara.

— Por favor, não volte aqui. Não assim. Eu mereço paz.

Clara pareceu querer dizer algo, mas Bianca já caminhava ao lado de Sofia, sentindo o alívio de sair daquela tempestade.

— Obrigada. — Bianca disse, ainda sem fôlego.

— Não foi nada. Achei que talvez você precisasse de uma desculpa pra sair dali.

— Precisei sim. Muito. — Bianca sorriu, ainda nervosa, mas aliviada. — E você é...?

— Sofia. E você é Bianca. A doutora que todo mundo comenta na cidade.

Bianca riu, tímida.

— Espero que falem bem.

— Até agora, só elogios — respondeu Sofia, com os olhos brilhando em curiosidade.

Não foi um encontro romântico. Nem mágico. Mas foi o início de algo. Uma troca de palavras, um gesto gentil, uma conexão sutil no meio do caos. E quando Bianca voltou para sua sala, sozinha, percebeu que pela primeira vez em muito tempo, ela queria saber mais. Sobre aquela mulher. Sob

re aquele olhar.

E, quem sabe, sobre o que ainda estava por vir.

Fim do capítulo