--Pessoas, tô indo embora! – Quézila sorridentemente veio cumprimentar Zaida e Adma – Até o próximo plantão! – pegou a mão da idosa e a beijou – Fiquem com Deus! – piscou para a colega – Tchauzinho!

 

--Eu vou te acompanhar, como sempre. – Zaida respondeu – Um instante, dona Adma. – seguiu atrás da outra

 

--O que foi, coleguinha, medo que eu roube alguma coisa? – perguntou debochadamente em voz bem baixa

 

--Preciso ter medo? – abriu a porta – Vai com Deus. – olhava para a outra

 

--Vai-te à merd*! – respondeu entre dentes e se foi

 

--Humpf! – fez um bico ao fechar a porta – Deus te ilumine o entendimento, mulher! – desejou para a outra – Ai, ai... – suspirou e voltou para junto da idosa. – E então, dona Adma, o que a senhora gostaria de fazer agora? – perguntou sorrindo

 

--Quero ver TV. – respondeu de pronto – Yesmin disse que audiência do caso da neta minha vai passar em horário nobre. – fez um bico

 

--É mesmo? – estranhou – Tá certo, vamos ver. – começou a mobilizar a paciente para isso – Que coisa, né?

 

--Yesmin odiou isso, mas é o preço da fama. – considerou – Sei bem como é! – olhava para a cuidadora – Mas o que eu queria mesmo era demitir essa Quézila! – mudou de assunto – Não confia nela. E tem energia ruim! – fez uma careta

 

--De fato... – concordou enquanto seguiam para a sala – E... a senhora já conversou com sua filha sobre isso? – queria saber

 

--E ela dá atenção? – retrucou de pronto – Desde que todo escândalo explodiu, ela só pensa no audiência! – reclamou – E essa Patrícia que não chega, hein?

 

--Vai chegar... – sentou a idosa no sofá – “Oh, Deus, que essa dona Yesmin dê atenção a esse problema em algum momento antes que algo de muito ruim aconteça!” – desejou mentalmente – Agora vamos à TV! – pegou o controle e ligou o aparelho

 

Minutos depois, Quézila estava prestes a entrar na estação de metrô quando foi abordada por uma mulher.

 

--Ô, moça, faz favor! – Vivinácia caprichava no sotaque – Eu cheguei faz pouco tempo de Goiás e conheço é nada aqui nesse Rio de Janeiro! – aproximou-se humildemente – Será que você podia me ensinar como que eu faço pra voltar pra casa? – sorria – Disseram que era pra pegar uns metrô, mas não sei nem como paga os ingresso desse trem.

 

A cuidadora não sabia, mas Vivinácia rondava o prédio de Adma desde às 19h30. Deduziu que Quézila era a única mulher que viu sair de lá por volta das 20h e a seguiu até aquela estação. Inclusive, havia tirado várias fotos da mulher nesse processo.

 

--Hum... – parou de andar e reparou na outra de cima a baixo – Posso até te orientar, mas nem vem me pedindo grana que a resposta é não! – respondeu impaciente

 

--Carece disso não, moça. Eu quero mesmo é orientação, não sabe? – comportava-se muito humildemente – Qual sua graça? Eu sou Maria das Dor. – apresentou-se com nome falso

 

--Quézila. – respondeu de má vontade – Vem comigo. – voltou a andar – Eu vou pagar meu tíquete e você faz como eu vou fazer. – orientou – E afinal de contas, pra onde tu quer ir?

 

--Bonsucesso. – pensava no endereço do falso centro que foi desmantelado – É nessa rua aqui. – mostrou um papelzinho – Fica perto de uma estação de trem! – balançou a cabeça positivamente

 

--Tu vai ter que baldear do metrô pro trem. – entraram na fila para pagar – Como é que cê veio pra cá? – perguntou curiosa

 

--De carona com uma vizinha, não sabe? – continuava mentindo – Foi meu primeiro dia de limpeza em casa de família aqui no bairro! – falou orgulhosa – Aqui, você pode escrever nesse papel os nome das estação pra eu descer, baldear e os trem tudo? – pediu – Ó, eu tenho caneta! – mantinha-se sorridente

 

Pensou antes de responder. – Tá. – decidiu – Vou quebrar essa pra você.

 

--Muito agradecida, moça! – balançou novamente a cabeça – “E uma vez com suas fotos e sua letrinha, meu bem, eu vou poder fazer meu feitiço muito bem direcionado!” – pensou – “Você não perde por esperar!” -- sorria

 

***

 

--Vem cá, dona Malika, vem assistir! – Nazira chamou – Tá passando a audiência do caso da filha da chefona da BoFe na televisão! – contava a fofoca – Diz que é coisa cabeluda, viu?

 

--E eu sei lá do que você tá falando? – a idosa respondeu sem entender – Pra mim, bofe é miúdo de boi e não tô interessada nisso! – seguia para a cozinha

 

Achou graça. – Não é isso! BoFe é a empresa incrível que inventou o FalaGPiTaco! – esclareceu

 

--Ah, tá! – respondeu em voz mais alta – Eu quero mais é que vá a falência! Odeio esse tal de PiTaco! – resmungou sozinha – Deixe eu fazer meu mingau que é bem mais interessante! – buscava os ingredientes no armário da cozinha

 

--Força, Yes me! – Nazira falava para a TV – “Depois de assistir isso aí vou bem perguntar pro FalaGPiTaco o que ele me sugere pra fisgar meu nerd de vez!” – pensou – “Desde que descobri o nome dele não tive mais nenhuma oportunidade prum bote certeiro!”

 

--NAZIRA, VOCÊ DEU TODO LEITE PRO SULTAN??? – Malika gritou enfurecida

 

--Ô, meu Pai, justo agora? – levantou-se sobressaltada – A senhora não diz que é pra manter o gato alimentado? – seguia pra cozinha – Alimentei!

 

--E PRECISAVA USAR O LEITE TODINHO? – continuava enfurecida – DEZ LITROS EM MENOS DE UMA SEMANA??

 

“Quando eu digo que esse bicho não é de Deus, ela não acredita!” – pensou revirando os olhos – Eu vou no mercadinho comprar mais. – parou diante da idosa – “Poxa, vou perder o buxixo da audiência...” – lamentou-se mentalmente – “Maldito gato!”

 

***

 

--Eu vinha seguindo Stefany no Fuçagram já tinha um tempo, mas nunca havia tido oportunidade pra falar com ela, porque tava sempre rodeada por amigas, rapazes... – Fernanda prestava seu depoimento – Aí um dia aconteceu e abordei ela no estacionamento, me apresentei, falei do meu sonho de trabalhar na BoFe, conhecer a dona Yesmin, mãe dela... – olhou rapidamente para a CEO – Na ocasião ela não me deu muita atenção mas, passado uns dias me deixou um recadinho no meu perfil marcando um encontro numa lanchonete. – narrava os fatos – E foi aí que ela me pediu pra hackear os sistemas do colégio e roubar as provas e gabaritos do terceiro ano pra ela bombar com umas amigas. – pausou brevemente – Disse que a depender do meu desempenho eu poderia vir a trabalhar na BoFe. – abaixou a cabeça brevemente – E eu aceitei.

 

--E desde então a senhora teria começado a fazer o que pretensamente lhe foi pedido e por causa disso as notas da senhora Stefany e das amigas dela, senhoras Tatiana e Luiza, teriam dado um salto em relação ao histórico anterior? – o advogado perguntou

 

--Eu não ficava acompanhando isso, mas creio que sim. – a hacker respondeu simplesmente

 

“A baranguda tinha que botar meu nome no meio dessa merd*!” – Luiza pensou contrariada – “Se ela não tivesse feito isso eu tinha deixado Stefany se fuder sozinha!”

 

“Vaca desgraçada!” – Tatiana mirava Fernanda com ódio nos olhos – “Me trouxe pra esse merdelê que podia muito bem ter ficado só na conta da Stefany!” – pensava revoltada

 

--E quando teria vindo a encomenda para hackear os sistemas da Faculdade Ecumênica e baixar as provas do vestibular e seus respectivos gabaritos para favorecer o ingresso da senhora Stefany naquela Faculdade? – o homem continuava perguntando

 

--Desde o primeiro encontro ela havia comentado sobre o vestibular, mas não foi clara quanto a isso. – Fernanda rememorava os fatos – Foi depois de um tempo, sei lá... dois ou três meses depois que passei pra ela o primeiro lote de provas e gabaritos que ela me cobrou explicitamente. – calou-se por uns instantes – Em mais de uma vez eu falei pra ela que era muito complicado invadir os sistemas da Faculdade mas ela disse que sem isso eu nunca iria conhecer a mãe dela e... – conteve-se para não se emocionar – Eu corri atrás, estudei, conversei com outros hackers... – passou uma das mãos sobre os olhos – Mas foi só depois que comecei a cair fundo no FalaGPiTaco que descobri como poderia quebrar as barreiras do sistema e... deu certo!

 

“Que babaca, quer ferrar até o GPiTaco!” – Stefany pensou revoltada – “Vai se fuder, baranguda!”

 

Um pequeno falatório tomou conta do ambiente e a juíza teve que ser enérgica para reestabelecer a ordem, o que levou alguns minutos.

 

“Desgraçada! Tinha que colocar o FalaGPiTaco na história!” – Yesmin pensou contrariada – “Eu tô aqui me controlando pra não voar no pescoço dessa maldita hacker!” – pegou discretamente o celular e teclou para o marido – “A imprensa deve estar adorando esse showzinho!” – digitava rapidamente – “Não bastasse a transmissão ao vivo ainda vem a tentativa de manchar o nome do mais incrível projeto de IA da atualidade!”

 

O homem sentiu o celular vibrar, leu a mensagem e respondeu. “Esta garota não tem a menor condição de levar a melhor, seja com nossa filha, seja em cima da BoFe.” – guardou o aparelho no bolso

 

--Como a senhora teria passado as informações para a senhora Stefany? – o advogado continuava perguntando

 

--Eu baixava tudo num pen drive, a gente ia pro ponto de encontro na data e horário previamente marcados e daí eu entregava pra ela. – Fernanda respondeu simplesmente – No nosso primeiro encontro na lanchonete ela me disse pra quando era a primeira entrega e onde a gente ia se encontrar. No segundo encontro falou como e quando seria o terceiro e assim sucessivamente. – olhava para o homem

 

--E a senhora teria alguma testemunha que confirme a ocorrência desses pretensos encontros? – o advogado questionou provocador

 

A hacker ficou envergonhada, gastou uns segundos calada e respondeu com a verdade: -- Não... – novamente buscava não chorar – Era tudo muito discreto e calculado. – pensava em algo que pudesse comprovar sua versão dos fatos – A única evidência concreta que eu tenho é a mensagem dela no meu perfil marcando o encontro na lanchonete. – olhou brevemente para a mãe e sentiu-se muito mal – “Como pude ser tão idiota?” – pensou com raiva de si mesma

 

“Stefany é mais inteligente do que pensei!” – Yesmin admirou-se com as artimanhas da filha – “Usou e abusou dessa pobre iludida!” – constatou

 

--Os jovens de hoje em dia são assim! – Adma falava para a TV – Não sabe fazer nada útil, mas quando o assunto é safadeza dão nó no rabo de aš-šeiTaan (Satan)!

 

Zaida achou graça do que ouviu. – A senhora acha que essa moça, a hacker, diz a verdade? – perguntou curiosa – “Não conheço a tal da Stefany, mas a julgar pelo conteúdo das postagens que faz, eu diria que sim!” -- pensou

 

--Pode ser que sim, pode ser que não. – ajeitou-se no sofá – Mas que não tem inocente nessa história, isso não tem! – afirmou tacitamente

 

--A senhora está ciente das acusações que pesam sobre seu nome. – o advogado falava para Stefany – Por favor, conte-nos a sua versão dos fatos. – pediu

 

“Puta que pariu, é agora!” – pensou buscando se controlar – É... então... – tinha dificuldade em se expressar – Deixa eu me concentrar pra não falar qualquer coisa no tribunal, tá ligado? – cuidava das palavras – Tem que mandar uma letra na categoria. – sentia-se nervosa

 

A juíza achou graça, mas disfarçou. – A senhora não precisa falar de uma forma diferente do que usualmente faz. – olhava para a jovem – Pode até usar de palavras de baixo calão, desde que não falte ao respeito com ninguém. – percebeu que não foi bem entendida – Pode xingar, mas não abuse. -- esclareceu

 

Sorriu para a mulher. -- Pô, valeu, meritíssima, demorou! – bateu uma palma e começou a falar com mais desenvoltura – Então, a real foi a seguinte: --voltou a olhar para o advogado -- ela não mentiu na parte que falou de me seguir e tals e que depois eu mandei recado marcando encontro na lanchonete. – gesticulava – No resto que falou foi que viajou! – mentiu – Eu não gostei que ela chegou chegando, veio toda pra cima de mim no estacionamento e situei a malandra. – cruzou as pernas – Mas depois fiquei bolada, porque a tal disse que era hacker, cagou a maior banca com essa porr*, daí eu pensei: “Capaz dessa maluca invadir minha conta no Fuçagram, sei lá, e querer me ferrar porque dei um gelo nela no estacionamento. Vou procurar ela pra gente conversar um pouco, faço uma social e depois é cada uma na sua.” – contava a história ensaiada – Ela insistiu com a história de trabalhar na BoFe, eu falei que não era a molezinha que ela tava pensando e foi isso.

 

“Canalha, maldita!” – a mãe de Fernanda pensava – “E olha como a juíza foi toda fofinha com ela!” – revoltava-se com a situação – “Filha de gente rica, o tratamento é outro!”

 

--E por que a senhora teria o interesse de procurar pela senhora Fernanda para... fazer a tal social a qual se referiu? – o advogado questionou

 

--Cara, quando se tem fama, tu tem que ficar sempre bem na fita, sabe qual é? – respondeu de pronto – Ela disse que era fã e de fã em fã uma influencer bomba e segue hitando nas parada. – passou a mão nos cabelos – Simples assim!

 

“Como um dia pude ter tanta admiração por ela?” – Fernanda questionava-se com tristeza – “A gente se encanta com essa vida dos sonhos que vê nas redes sociais e perde a noção de tudo!” – constatou – “Até do ridículo...”

 

--E como a senhora explica a súbita melhoria do seu desempenho escolar bem como o das suas amigas? – o homem continuava perguntando – Se não foi por causa dos pretensos serviços prestados por uma hacker, qual teria sido a causa?

 

“Vai filha, tá indo muito bem!” – Rogério pensava confiante – “Super convincente, segura, solta...” – repava em cada gesto da jovem – “Agora fale exatamente como sua mãe te orientou!”

 

“Deus, que Stefany não ponha tudo a perder!” – Yesmin cruzou os dedos das duas mãos por baixo da mesa

 

--Geral sabe que minha mãe é simplesmente a CEO da BoFe e que ela foi dessas alunas cedezinhas, cabeçuda e tals... claro que ela já andava puta com minhas notas, né? – falava como se conversasse com as amigas – Aí um dia, lá em casa, eu tava indo pra balada quando ela me puxou prum papo, me deu esporro e falou que me queria num projeto secreto da empresa. – gesticulava – Sabe como é, antes de lançar um produto novo, tem que testar, testar, aquela porr* toda... – olhou rapidamente para a mãe – Aí ela disse que me queria pra testar o FalaGPiTaco e pra ver até que ponto ele poderia dar um up nas notas porque ajuda a estudar e tals... – riu brevemente – Caralh*, tive que fazer até um cursinho de Engenharia de Prompt, sente o drama! – bateu uma palma – Eu perguntei se podia envolver umas amigas no projeto, Yes me disse que sim, mas tinha que ser no máximo duas e gente discreta porque tinha aquela porr* toda de ser secreto e tals... – olhou para as amigas – Convidei essas duas, elas toparam por pura diversão, mas depois a brincadeira ficou séria e a gente começou a bombar. – mantinha-se fiel à mentira – Eu até postava no Fuçagram que a gente estudava, ralava mas não deixava de curtir na night! – riu brevemente mais uma vez – GpiTaco é isso aí, gente, muito foda!

 

“Ela é uma fingida!” – Fernanda escandalizava-se com a jovem – “Mente sem qualquer pudor!”

 

--E se a versão da senhora Fernanda não procede, por que então ela teria roubado as provas e gabaritos do vestibular da Faculdade Ecumênica? – o advogado perguntou e olhou rapidamente para a juíza

 

--Cara, sei lá! – a jovem fez um gesto de desprezo – Geral sabia que eu ia fazer esse vestibular aí porque dona Yes me botou pressão. Deixei até as baladas de lado pra estudar pra essa porr*. – olhou brevemente para as amigas – Elas bem sabem! – passou a mão nos cabelos – Estudei muito com o FalaGPiTaco e nem sei se passei ou não, mas porr*! – riu mais uma vez – Se eu tivesse o gabarito prontinho na mão tinha mandado um dez ou nove nas provas, fala sério! Ninguém é tão burra assim! – provocou – Eu acho que, de repente, ela queria impressionar mostrando que era uma hacker do caralh* só que não contava que ia pro xilindró por causa disso! – provocou

 

--Canalha, desgraçada, maldita! – Ana se levantou gritando emocionada – Você é uma mentirosa, fingida! – acusou – Meteu minha filha nessa podridão e agora fica aí pousando de inocente!

 

--Ordem, ordem! – a juíza pediu energicamente – A senhora retire-se daqui agora mesmo ou terá que ser detida mediante força policial!

 

Um tumulto se estabeleceu no local levando a audiência a ser interrompida por conta disso.

 

--Gente, que barraco! – Nazira assistia aos últimos momentos após ter voltado do mercadinho – Perdi a maior parte mas pelo menos o barata voa eu peguei! – falava consigo mesma

 

--É lógico que o mercadinho ia tá fechado! – Malika resmungava sozinha sentada na mesa – Agora fico eu aqui roendo um pão seco e morta de vontade de comer mingau! – mastigava

 

--Caramba, hein? – Patrícia desligava a TV a mando de Adma – Que barraco no final! – aproximou-se de Zaida para ajudá-la com a idosa – Sei não, mas pra mim essa hacker queria se dar bem e se deu foi mal! – dizia para as outras duas – Pudera, querendo dar uma de esperta pra cima justo da filha da dona Yesmin! – colocaram a paciente na cadeira de rodas – Sua neta foi perfeita, dona Adma! – bajulava – Lacrou!

 

Fez um bico. – A tal da hacker vai se dar mal porque é pobre e ficou sem prova de nada. – dizia sua opinião sincera. – Aposta que Yesmin ainda vai aproveitar disso tudo e promover os projeto dela com coisa de computador!

 

--É... – Zaida concordava – Eu não sei até que ponto cada uma delas tá com a razão, mas uma coisa eu sei... – chegaram no quarto e foram levando a idosa para a cama – Passarinho que dorme com morcego acorda de cabeça pra baixo e essa hacker já era...

 

***

 

--Que foi, meu amor, você tá tão caladinha? – Vivinácia perguntou enquanto acariciava a esposa – Veio se deitar, se aconchegou no meu peito e não deu uma palavra! – estranhou

 

Gastou uns segundos calada até que resolveu responder. – Não sei explicar, mas eu ando tão confusa com tudo, amor... – pensava em como falar – Esse clima de tensão na casa da dona Adma por causa da Quézila tá me deixando tão fora do prumo! – brincava com uma mecha do cabelo da esposa – E essa fofocada toda envolvendo a neta da dona Adma e uma hacker que com certeza vai se ferrar... – suspirou – A gente que é pobre acaba indo trabalhar no meio dessa gente rica, poderosa e sei lá... acompanhando aquela audiência achei a tal da Stefany tão sem pudores, tão à vontade no meio daquilo tudo... – lembrava – E se ela tiver mentindo, como pode ser tão sem escrúpulos? – pensava em voz alta – Os pais ali do lado, ouvindo tudo, apoiando... Não duvido que tenham orientado ela em cada palavra do que falou! – ajeitou-se no colo da outra – E, bem ou mal, aquela Yesmin aparece no apartamento de vez em quando, sempre me provocando, criticando... – visualizava a mulher em sua mente – É o tipo de gente que se acha superior, que acha que pode tudo... pelo menos parece pensar assim! – pausou brevemente – Sabe... às vezes dona Adma também me diz umas coisas que me faz crer que quando ela era jovem e famosa era simplesmente uma artista fútil e arrogante! – imagens da cantora vinham em seus pensamentos – Linda, talentosa, cheia de bajuladores ao redor... o que será que deve ter feito naqueles tempos?

 

A diarista não entendeu o que realmente Zaida queria dizer. – É claro que essa elite é podre! E é claro que a tal da hacker vai dançar enquanto Stefany vai sair ilesa, mas você não deve se abalar com isso. – aconselhou – Essa crise com Quézila tá te fazendo mal, mas isso não vai durar pra sempre. – garantiu – Confia em Deus! – beijou-lhe a cabeça – “E nos efeitos que minhas mandingas vão fazer na vida dessa pilantra!” – pensou

 

--Você tá certa... – decidiu silenciar – Vamos dormir. – levantou a cabeça brevemente e beijou a esposa nos lábios – “Como eu vou explicar pra ela que tenho tido sonhos onde me vejo aos beijos horas com dona Adma na juventude e horas com a filha dela?” – perguntava-se mentalmente – “Ai, Zaida, pelo amor de Deus, toma jeito! Não vai dar uma de Fernanda que foi se meter com essa gente e se estrepou!” – pensou antes de fechar os olhos

 

***

 

Dois meses e meio depois...

 

--A Justiça Brasileira me surpreendeu! – Rogério dizia enquanto jantavam – Pensei que essa história levaria meses e meses, mas não. Finalmente acabou e estamos livres! – sorriu – Nem o recesso do Judiciário nos atrapalhou! – reconheceu -- Parabéns, doutor Borges! – levantou a taça de espumante – Um brinde a sua atuação magistral!

 

--Tintim! – todos responderam

 

--Não me agradeça, meu amigo! – o advogado respondeu após beber um gole da bebida – Vocês foram todos perfeitos, cada um de uma forma! – olhava para os demais – Você por ter feito chegar ao advogado da hacker algumas informações sobre as amigas da Stefany, no que o idiota prontamente mordeu sua isca, Yesmin por ter aproveitado a deixa para enfatizar o potencial do FalaGPiTaco e toda aquela retórica sobre a IA responsável e Stefany por ter sido tão natural em seus depoimentos que até eu fiquei convencido de que era verdade! – riram juntos

 

--Eu sabia que as famílias daquelas jovens deixariam minha filha sozinha no fogo e que elas mesmas não demonstrariam um pingo de amizade. – Rogério esclareceu – Induzir o advogado da hacker a citar os nomes delas invariavelmente traria ambas as famílias para o nosso lado. – deu uma garfada

 

--IA responsável não é retórica, doutor Borges. – a CEO respondeu educadamente – É uma bandeira que vou defender daqui por diante. – dizia a verdade – Sem contar de que a BoFe está trabalhando arduamente pra criar mecanismos que impeçam nossa IA de ensinar hackers a cometer crimes ou qualquer pessoa de sair fazendo bobagens por aí e depois dizer que nosso produto teve parte no ilícito. – limpou os lábios com guardanapo – Mas posso lhes dizer que a juíza me agradeceu efusivamente quando liberei pra ela, sem qualquer custo, um assistente de IA que a ajudaria a analisar processos volumosos em apenas alguns minutos. – piscou para os demais

 

--Cara, todo mundo aqui é muito foda! – Stefany se manifestou – E eu saí com mais followers do que nunca! – gabou-se – Eu acho que cê não sabe, -- olhou para o advogado – mas a Faculdade Ecumênica me ofereceu ontem uma vaga no curso que eu me inscrevi, mesmo tendo anulado aquele vestibular, tá ligado? – contava a novidade – Eles acharam que eu lá dentro ia dar moral praquela porr*! – bebeu um gole da bebida

 

--A garota propaganda do FalaGPitaco! – Yesmin complementou

 

--Incrível! – o advogado se admirou – Senhoras e senhores, perdoem o meu arroubo mas serei obrigado a concordar com Stefany. – pausou brevemente – Todo mundo aqui é fodaaa!! – afirmou brincalhão

 

Todos riram com a brincadeira e fizeram mais um brinde.

 

“Não foi exatamente como eu queria, mas...” – Yesmin pensava – “O ano de 2024 começa com minha filha na universidade!” – bebia seu espumante

 

***

 

--É tudo muito injusto... – Ana se lamentava ao se despedir da filha – O julgamento correu em tempo recorde, você foi condenada e ninguém nem fala mais nisso... – chorava contidamente – Ai, filha, eu não me conformo! – segurou as mãos da moça – Por que você tinha que se meter nisso?

 

--Não adianta lamentar, mãe... – respondeu com tristeza – Fui condenada a 8 anos mas o advogado falou que posso cumprir metade da pena por bom comportamento, bons antecedentes...

 

--Ele disse muita coisa que não aconteceu, filha. – lembrava-se do que já ouvira – Mas eu vou rezar e me dedicar em todos os dias que me restam daqui pra frente pra você sair daqui! – prometeu

 

--Vai dar tudo certo... – queria acreditar – Mas, por favor... – lutava contra as emoções – Me perdoa?

 

Mãe e filha se abraçaram chorando, sendo interrompidas somente no momento em que Fernanda foi reconduzida à cela.

 

***

 

Quézila se aproximava da casa de Adma e se preparava para atravessar a rua quando um rapaz que vinha correndo em sua bicicleta elétrica a atropelou. O jovem fugiu sem prestar socorro deixando a mulher desacordada no meio fio.

 

--Meu Deus, ela tá viva, morreu, o que houve? – pessoas se perguntavam

 

--Chama a SAMU, chama a SAMU! – um homem gritou

 

A cuidadora foi levada às pressas para a Emergência mais próxima.

 

NOTA DA AUTORA: Esse capítulo foi duro, reconheço, mas são contextos que precisavam ser tratados neste conto dentro dos propósitos daquilo que pretendo ir discutindo.

Fim do capítulo