Capítulo 2

                                                            Caçadora de Isyra

Meu corpo estava paralisado, minha única reação foi fechar os olhos e esperar as garras da criatura me atingirem, o som do tiro e o chiado de algo queimando me fez abrir os olhos, o lugar da cabeça do monstro estava vazio e apenas algo queimava como papel, do outro lado a loira apontava uma pistola e ofegava como se tivesse corrido até ali, nos encaramos por algum tempo até que não aguentei me segurar nas pernas já bambas pelo medo e adrenalina e me encostei na parede escorregando até ao chão.

"eu estava enlouquecendo de vez"

_Você está bem? Ele te feriu de alguma forma?

Encarei a loira que agora estava agachada próxima a mim, ela havia guardado a arma e agora eu percebia que seu sotaque era estranho, mas não pareceu diferente antes, mas eu também não estava no meu melhor momento para decifrar de onde seria aquele arrastar das silabas, estava mais preocupada em entender o que estava acontecendo.

_Estou bem apesar de tudo, mas o que são aquelas coisas e quem são vocês?

 Queria parecer forte, mas minhas mãos tremiam e eu me esforçava para não cair no choro. A loira fez menção em falar algo mas foi interrompida pela outra mulher que a acompanhava, a que segurava o arco e flechas.

_Kaesy temos um problema.

 A mulher do arco e flecha parecia ser um pouco mais velha cabelos trançado e de um loiro quase brancos, seu rosto era pontudo e seu semblante era de poucos amigos, estranhei o fato dela não ter o sotaque e a loira que parecia se chamar Kaesy ao respondê-la também parecia não ter mais aquele arrastar nas silabas, aquele dia já estava o ápice da estranheza e do surreal então não comentei nada, Kaesy se levantou e me deu a mão para me ajudar a levantar também.

_O que houve agora?

_Mylo foi ferido e nosso último cristal de fissuras foi destruído.

_Onde ele está? Temos que encontrar um lugar para ficar até conseguirmos reforços ou encontrarmos uma fissura natural, se tiver alguma nesse lugar.

Elas conversavam como se eu não estivesse ali, eu precisava de mais tempo, eles não poderiam sumir assim logo agora que eu começava acreditar que eu não era louca.

_Vocês podem ficar no meu apartamento, na verdade é um loft, mas é espaçoso o suficiente para todos. - Eu já começava sentir o vento frio da madrugada me atingir fazendo minha voz tremer um pouco.

As duas se entreolharam como uma conversa interna e aceitaram a proposta, encontramos Mylo escondido em um beco e seus ferimentos eram bem parecidos com os do meu pesadelo, seu sangue estava sendo contido pela jaqueta da arqueira em uma forma de fazer pressão, mas não tinha certeza se estava funcionando, pegamos dois taxis, em um foi Mylo se agigantando na parte de trás e a arqueira no banco da frente, pensei que seria complicado eles entrarem armados mas para minha surpresa os itens foram suprimidos com um simples gesto em suas pulseiras que eu só havia reparado agora.

_Depois de tudo que você passou hoje é com isso que está surpresa? – Kaesy parecia se divertir com minha reação.

_Olha para ser sincera ainda acho que estou tendo um dos meus pesadelos e que vou acordar a qualquer momento, então sim estou surpresa em como um machado gigantesco, uma espada e um arco com aljava cheia de flechas possam sumir dentro de uma pulseira. - Me sentia meio insultada com o riso debochado da loira ao meu lado, entramos no taxi em silencio eu tinha um milhão de perguntas, mas não seria um papo para os ouvidos do motorista.

Chegamos no prédio de dois andares que mais parecia um loja por fora, era uma construção de tijolos vermelhos e com uma porta de aço que abria correndo para cima e dava para uma pequena garagem, havia uma escada de ferro que levava ao segundo andar do lado de fora, entrei dando passagem para que o homem ferido fosse levado ao banheiro do andar de baixo que ficava no quarto de hospedes e aconselhei que o lavassem na banheira, ele parecia com febre, enquanto as duas o ajudavam fui até meu quarto que era o único cômodo no andar de cima em busca de um kit de primeiros socorros, abri o sofá cama na sala para que as duas pudessem descansar caso não quisessem ficar com o homem no quarto, era tudo que eu poderia fazer por eles salvarem a minha vida.

Depois de um tempo vi as duas carregarem o homem apenas com uma toalha em volta da cintura para a cama que mesmo sendo de casal ficava um pouco pequena para ele, o rasgo em seu peito parecia aberto e com uma camada de algo que eu não sabia bem o que era, mas deveria ser alguma pomada antisséptica e analgésica, pelo menos ele não estava sangrando, das feridas algo escuro se enraizava por entre sua pele e parecia doer.

_Aqui trouxe esse kit não sei se vai ajudar, acho que precisamos levá-lo ao hospital ele não parece bem.

_Obrigada, mas seus médicos nada podem fazer por ele. Naya aqui tem linhas e agulha acho que deve servir. – A loira mal me encarava sua atenção era apenas para os amigos.

_Vai ajudar a não voltar a sangrar, mas não sei se a pasta vai funcionar com a infecção, só temos duas doses de antidoto agora não sei se só a dose dele fará efeito com esse ferimento. - A arqueira que agora descobri se chamar Naya começou a trabalhar em fechar as feridas e Mylo parecia nem sentir.

_Daremos tudo a ele e espero que seja o suficiente até irmos para casa. – Kaesy segurava a mão do homem como se ele fosse uma criança dava para sentir o afeto que ela tinha com ele.

Voltei para meu quarto em busca de tomar um banho e trocar de roupas escolhi uma calça de pijama e um blusão confortável também separei algumas peças para as duas mulheres que claramente precisavam se lavar e trocar as roupas sujas, quando voltei para a sala vi a loira colar algo nas portas e janelas.

_ O que está fazendo?

_Colando selos de inibição, assim os despertos não vão nos encontrar aqui.

_Fala daquelas criaturas? - Me aproximei curiosa, enfim alguma explicação.

_Isso, eles são criaturas das trevas que se alimentam de tudo que há de ruim nos planetas que eles invadem ou são invocados. - A loira colou o último e se voltou para me encarar. _O que eu não entendo é o motivo de você conseguir vê-los e nos ver com as armas como elas são. - Ela se aproximou de forma intimidadora e eu dei um passo para trás esbarrando na grade do mezanino.

_Eu também não sei como consigo vê-los, minha vida toda fui tratada como uma aberração por dizer o que vejo, fiz tratamentos para doenças mentais e transtornos e ninguém nunca conseguiu fazer parar e até hoje vocês são os únicos que eu conheço que também os veem.

_Isso realmente não é comum para seres dessa terra, até hoje de todas as terras que visitei você é a única que os vê e a única que os vejo caçar.

_Então vocês são algum tipo de extraterrestre? -Aquela conversa soava ainda mais confusa.

_Impressionante as suas prioridades na hora de ficar surpresa, deveria se preocupar em ser o alvo deles, mas não. Enfim não somos extraterrestres e nem sei se eles existem, somos de uma Terra irmã a esta chamada Ifigaya onde a magia ainda existe. – A loira tinha uma voz rouca e sexy, mas o que me chamou atenção era sua forma gentil e paciente em falar.

_Então esses braceletes são mágicos?

_ Sim, as pulseiras são receptores mágicos eles podem guardar equipamentos e armas claro que há um limite de peso e depende de cada guerreiro.

_Entendi, bom eu não me apresentei com essa loucura de hoje, meu nome é Beatrice.  -Estendi a mão para cumprimentá-la. _ Obrigada por salvar a minha vida.

_Sou Aisha, obrigada pela hospitalidade. – O aperto de sua mão era quente e firme.

_Pensei que se chamava Kaesy?

A loira sorriu e algo em seu olhar me prendeu nele, agora poderia ver que seus olhos eram de um azul esverdeados, muito bonitos.

_Kaesy é meu título significa capitã dos caçadores de Isyra, em resumo caçamos os seres despertos que cruzam as fissuras entre os mundos, mas, o que me intriga é que você realmente entendeu o que falamos.

_Como eu não entenderia vocês falam português, confesso que até achei que você não era daqui por que em alguns momentos você arrasta as sílabas, mas agora quase não percebo, o que me faz pensar então que de onde você vem é meio que parecido com aqui certo?

_Mais ou menos, mas não falamos seu idioma, eu falo o seu pois estou com encantamento para que você me entenda quando falo com você, Naya e Mylo não estão encantados e você entendeu o que nós conversamos.

_E o que isso quer dizer?

_Ainda não sei, mas pretendo descobrir em breve.

Naya saiu do quarto nos procurando no andar de baixo e nos encontrou assim que olhou para o mezanino, ela pareceu desconfiada, mas não foi rude ao interromper a conversa.

_Mylo dormiu, acho que a febre está mais baixa, amanhã darei outro antídoto a ele e espero que ele acorde.

_Fico feliz pelo seu amigo, eu separei roupas para vocês e tem toalhas no armário daquele banheiro no quarto de hospedes fiquem à vontade, vou fazer algo para comermos porque eu não sei vocês, mas estou faminta, a propósito eu sou Beatrice obrigada por tudo.

Naya apertou minha mão ainda meio estática por eu ter a entendido e se apresentou meio contida, depois de comermos Naya achou melhor dormir com Mylo já que ele era seu irmão mais novo e Aisha ficou no sofá, me despedi deles, mas eu sabia que aquela noite eu não dormiria muito.

Acordei três horas depois de pegar no sono, havia tido outro pesadelo, mas este eu não lembrava felizmente, desci depois de um longo banho quente coloquei um short de tecido mole e uma camiseta, ao chegar na sala Aisha já vestida com minha calça jeans escura e meu suéter preto, colocava a pistola no cós da calça na parte das costas, ela se virou assim que me ouviu chegar, seu olhar se demorou em mim antes de desviar o olhar e continuar a se aprontar.

_Já está de partida? – Por algum motivo eu não queria me despedir.

_Preciso tentar contato com a torre de fissura ou encontrar alguma fissura natural daqui para voltarmos o quanto antes, não sei se o que temos é o suficiente para salvar Mylo e nosso trabalho aqui já foi feito de qualquer forma.

_Ah é claro, então isso seria um adeus?

_Ainda não, mas em breve, devo voltar na hora do almoço se não for te incomodar podemos ficar até que tudo se resolva?

_Claro fique o tempo que precisar, é o mínimo que posso fazer.

_Certo. Vou indo até mais tarde.

Aisha partiu para sabe lá onde e eu fiquei apenas com seu perfume de banho tomado e uma vontade louca de que ela ficasse mais um pouco, que me contasse mais sobre sua origem e sua magia, sobre os despertos e tudo que agora começava a fazer algum sentido para mim. Eu precisava de mais, precisava conhecer mais da loira gentil e sexy que havia salvado a minha vida.

Fim do capítulo