Capítulo 3

Aisha

Ainda estava escuro quando sai do apartamento de Beatrice, estávamos no inicio do inverno e mesmo estando em um país tropical o ar estava frio e pela formação das nuvens não demoraria a chover, peguei meu localizador de fissura e comecei a caminhar sem rumo em busca de algum sinal para fazer contato com a torre, andei por algum tempo e durante minha busca minha mente me levava a jovem intrigante que eu havia deixado no apartamento, ainda era um mistério para mim como alguém fora de nossa terra possa entender e falar nosso idioma sem nunca ter estado entre nós, mas acredito que Beatrice não saiba que conversamos normalmente em meu idioma em boa parte do nosso ultimo contato, fiz questão de testar a troca no meio da conversa e o máximo que ela notou foi meu sotaque, isso era incrível jamais soube de alguém fora de Ifigaya capaz de tal ato.

Minha caminhada me levou até a orla da praia a duas quadras da casa de Beatrice, o mar estava agitado e a maresia salgava minha pele quando trazia as gotas do mar, o cristal em minha mão enfim começou a esquentar e me levou em direção as grandes pedras do Arpoador naquela hora poucas pessoas se arriscavam por ali, muitas corriam na orla, outras se arriscavam em surfar no mar revolto então quase ninguém reparava em mim. Encontrei um lugar onde a pedra em minhas mãos mudou de cor e isso era sinal de que ali era um bom lugar para tentar contato, fiz o círculo de comunicação e coloquei a pedra agora vermelha no meio e recitei as palavras que me foram ensinadas desde a minha formação, demorou algum tempo, mas logo ouvi o zunido característico e lá estava o início do contato.

_ Kaesy da unidade especial pedindo contato, alguém a postos?

_Até que enfim Aisha quer me matar do coração?

  Sorri ao ouvir a voz de Tany, ele era como um irmão mais velho e crescemos juntos até que nos separamos devido nossas vocações, eu com talento para batalha e ele para a magia de comunicação.

_Me desculpa Tany, mas as coisas ficaram complicadas, precisamos de um ponto de transferência ou reforços para nos mandar de volta para casa, nosso cristal de fissura foi quebrado e Mylo está muito ferido, estamos ficando sem tempo.

_Sem problemas deixa eu ver o que posso fazer, lhe retorno daqui a uma hora vou ver se temos equipes de resgate disponíveis ou uma fissura natural.

_Certo obrigada.

Uma parte de mim estava mais calma por encontrar um ponto de comunicação relativamente perto, agora era torcer para que Tany conseguisse nos levar de volta. Deixei a pedra no circulo e me sentei mais a frente para ter uma visão melhor do horizonte, aquela cidade era bonita apesar das perceptível auto destruição, se as pessoas desta Terra ainda tivessem crenças de comunhão iriam entender como a natureza é importante para a sobrevivência delas, se elas ainda sentissem a conexão iriam perceber a dor daquela terra que estava claramente machucada, em um futuro próximo ela iria se ressentir e tomar o que era dela e infelizmente não havia nada que nós de Ifigaya pudéssemos fazer, já tínhamos nossas próprias sombras para lutar o máximo que podíamos fazer era evitar que o nosso mal também se estendesse para outras terras e esse era o meu trabalho. Pensar nisso me fez lembrar de uma profecia muito antiga onde dizia algo sobre a semente da Deusa na Terra, muitos achavam que ela nasceria em Ifigaya por causa da conexão de nossa Terra com a Deusa mãe, mas a profecia também dizia que a semente seria tocada pela dor e as trevas iriam caçá-la para que fosse germinada em seu seio ou algo assim eu não me lembrava mais, e se a semente na verdade fosse uma pessoa? O som do zunido me tirou de meus devaneios e fui me conectar a chamada de Tany, uma hora já havia passado eu nem se quer havia percebido.

_ Me dê uma boa notícia Tany. – Minha ansiedade ficava evidente em minhas palavras, porém a hesitação do meu amigo me fez ficar alerta.

_Aisha, sinto que não vou poder te enviar reforços, tivemos... muitas baixas na última missão e os que sobreviveram estão fora de convocação por tempo indeterminado.

_Como assim, pensei que as missões que faltavam eram de baixa periculosidade? Eu mesma verifiquei o nível energético dos despertos, todos eram nível azul! – Meu coração estava disparado e eu me recusava a perguntar sobre Miriam, eu ficava revisando as análises como flashs em minha cabeça.

_Não se culpe Aisha, suas análises estavam certas eu mesmo as revisei antes de liberar os grupos e pelos relatórios que li tudo estava normal, mas algo mudou no meio do caminho e criaturas de nível verde e amarelo surgiram e nem todos conseguiram concluir as missões. – O tom de meu amigo estava tremulo como se segurasse o choro.

Preferi não me concentrar no que aquilo significava, o que estava acontecendo? Nunca em toda a história criaturas desses níveis se organizaram de forma tão estratégicas e pensando bem até as de ontem pareciam estar agindo diferentes, elas pareciam com algum tipo de consciência. Ao lembrar em como o líder conduziu o bando para nos manter distraídos para ele próprio ir atras de Beatrice mostrava que sim ele tinha algum tipo de raciocínio além do instinto natural e isso era péssimo, porque se havia consciência entre eles ou estavam evoluindo ou havia alguém os aperfeiçoando.  

_Aisha, você está aí?

_Estou aqui Tany, precisamos voltar o quanto antes, encontrou alguma fissura pelo menos?

_Ah sim! Mas ela só irá nascer amanhã as 23horas e fica um pouco longe de onde você está então sugiro que saia cedo, vou encaminhar o mapa para a bússola de Kron só um momento.

Senti a bússola vibrar em meu bolso e a peguei, abri o dispositivo mágico e logo um mapa se projetou, mostrando onde estávamos e para onde devíamos ir, era um local com mata e precisava fazer uma caminhada para chegar, isso nunca seria um problema se Mylo não estivesse tão debilitado eu orava a Deusa que ele se recuperasse pelo menos o suficiente para poder andar até amanhã.

_Obrigada, pelo menos é uma boa notícia, vocês estão seguros? - Forcei minha voz para que saísse o mais firme que consegui.

_Sim não se preocupe o Daesa já está cuidando de tudo.

_Que bom que ele já está de volta, fico mais tranquila, preciso ir Tany obrigada pela ajuda e que a Mãe lhe cuide.

_Ela está em nós, se cuide e volte em segurança.

Quando desci das pedras as primeiras gotas de chuva já caiam forte o que resultou que eu chegasse encharcada ao apartamento, mal eu havia entrado Beatrice apareceu me entregando uma toalha.

_Quem bom que já chegou com essa chuva aqui costuma encher em alguns lugares, minha cidade é bonita, mas com muitos problemas. – Ela sorriu me entregando a toalha e como eu queria poder retribuir o sorriso.

_Obrigada, vou tomar um banho para trocar essa roupa.

_Ah a sua roupa antiga está ali em cima, nada como uma lavadora lava e seca em nossas vidas, mas se quiser algo mais confortável posso emprestar um pijama.

Beatrice parecia tentar evitar olhar para minha roupa grudada ao meu corpo, ela ficava muito fofa quando ficava sem graça e se estivéssemos em uma situação menos turbulenta eu poderia até flertar com ela para ver até onde ela iria, mas no momento tudo que eu precisava era ficar um pouco só.

_Prefiro o pijama se não for incomodo, pode deixar no quarto com a Naya por favor. - Percebi seu semblante murchar quando mal a encarei e me dirigi ao quarto.

Naya passava mais uma camada de pomada nas feridas de Mylo que não pareciam muito melhores que ontem e ele ainda seguia dormindo e acordando vez ou outra por causa da dor da infecção que não avançava, mas também não retrocedia e isso era preocupante. Fiz um sinal para Naya simbolizando que depois iria conversar com ela e entrei no banheiro me trancando lá, tirei a blusa molhada ficando apenas com o sutiã me olhei no espelho, cabelos soltos e olhos que demonstravam meu cansaço, apoiei na parede encostando minha cabeça no espelho grande sentindo a dor me atingir em cheio, Tany não havia me dito e eu não precisei perguntar para saber que Miriam havia morrido, senti em sua hesitação ao falar dos grupos massacrados, minha pequena irmã faria sua primeira expedição, ela iria apenas para suporte e reconhecimento de campo, eu mesma havia a colocado em um grupo apenas de observação, era sua primeira vez  passando por uma fissura conhecendo outra terra, se eu soubesse eu nunca  teria a colocado nesta expedição.

As lágrimas caíram sem meu comando e em pouco tempo eu soluçava, a dor me domava como um animal selvagem, eu queria gritar, quebrar tudo, mas apenas me sentei no chão frio e deixei as lágrimas tentarem abrandar minha dor e preencher aquele vazio, eu precisava ser forte e levar meus guerreiros para casa, mas não agora, nesse momento eu só era a Aisha e havia acabado de perder sua única irmã.

Fim do capítulo