--ME TIRA DESSA POSIÇÃO, TÁ DOENDO! – Adma gritava – CADÊ ZAIDA, NÃO CHEGOU POR QUE? CADÊ? CADÊ?

 

--Isso são horas, Zaida? A agência não admite atraso, não! – Patrícia foi logo dizendo ao abrir a porta – A velha já tá dando crise aí! – reclamou – Que merd*! – estava de cara feia

 

--TÁ TUDO DOENDO, TÁ DOENDO! – gritava

 

--Vamos resolver isso logo e eu me explico depois. – entrou rapidamente na casa – Tô indo, dona Adma, só um minuto! – falou mais alto para a idosa ouvir

 

Quando tudo estava sob controle, Zaida fazia massagem nos ombros da idosa, enquanto Patrícia massageava-lhe os pés.

 

--Então, deixa eu contar por que me atrasei. – Zaida se explicava – Procurei por dona Adma na internet, encontrei informações no Fuçapédia e ainda vi um clipe que me deixou boba! – olhou para a colega – Tão fascinada fiquei que acabei perdendo o ponto e foi uma maratona voltar, porque tava tudo engarrafado.

 

--É mesmo? – Patrícia perguntou surpreendida – “Será?” – pensou desconfiada

 

--Viu clipe? – a idosa perguntou – Como pode? – não entendia

 

--Querem ver? Eu mostro. – interrompeu o que fazia e pegou o celular – Dona Adma, que voz maravilhosa! – elogiou com sinceridade – A música chama Tilka Al-Uyoon. Só não sei se pronuncio corretamente.

 

Leu o que encontrou sobre a cantora e ao final exibiu o clipe.

 

--Gente do céu! – Patrícia arregalou os olhos – Meu Deus, mas a senhora era uma celebridade internacional! Fez até filme! – sorria deslumbrada – Hollywood convidou, cara! – riu brevemente – Eu nunca pensei que trabalhava pra uma estrela! – estava radiante – E que voz linda! Entendi nada que cantou, mas adorei!

 

Zaida retomou a massagem – Conta pra gente, como foi tudo isso? – queria saber

 

-- Quantos filmes a senhora gravou? Era tudo filme do Egito, como era isso? – Patrícia estava interessadíssima – Terra dos faraós, que coisa incrível! – olhava admirada para a paciente

 

Adma gastou uns segundos calada até que resolveu falar: -- Eu foi sucesso como cantora muito rapidamente. Imprensa dizia que era um fenômeno. – pausou brevemente – Então eu cheguei a gravar com a grande celebridade egípcia, a cantora Oum Kalthoum, e pedi pra ela deixar eu fazer dança do ventre com uma de suas músicas e ela deixou. Daí dancei num show que fiz no Cairo.  – sentia saudades – O Egito tinha uma indústria de cinema muito rica e eles logo me convidaram pra participar de filme, onde dancei. Depois veio convite pra cantar em filme e depois pra atuar. – narrava sua história -- Até que veio o convite de Hollywood. Eles queriam que eu fizesse o papel de Cleópatra.

 

--Gente, quer dizer que a senhora concorreu pau a pau com Elizabeth Taylor?? – arregalou os olhos – AHAHAH! – tietou – “Vou contar essa história no meu LivrodasFuças e no Fuçagram!” – Patrícia pensou

 

--Tô admirada! – Zaida exclamou – E por que a senhora não ficou com o papel? – estava curiosa

 

--Porque nesse meio tempo conheci aquele que veio a ser meu marido e larguei tudo por ele. – respondeu com mágoa – Fim de história! – não queria mais conversar

 

--Homem é um atraso de vida! – Patrícia se revoltou – Eu que o diga! – pensava no ex – Mas, dona Adma, será que a senhora me daria um autógrafo? – pediu – E será que me deixaria fazer uma selfie pra postar nas minhas redes sociais? – sorria – Diz que sim, diz que sim!

 

--Humpf! – a idosa fez um bico

 

--Por que a senhora não aceita? – Zaida aconselhou – Uma vez estrela, estrela para sempre! – deu um beijinho na cabeça dela – Patrícia, por que você não conta essa história pras outras cuidadoras dela? – olhou para a colega – Acho que seria legal elas saberem.

 

--A gente tem um grupo de QQOV?, claro que eu vou contar! – respondeu empolgada – Quem não quer tirar uma onda de dizer que trabalha pra uma estrela internacional? – sorria – Concorreu com Liz Taylor, caraca!

 

“Ah, então elas têm um grupo e nunca me incluíram?” – Zaida pensou – “Deixa quieto. O importante é que elas mudem a conduta daqui por diante.”

 

***

 

Malika voltava da missa com uma conhecida.

 

--Adorei o sermão do padre hoje! – a idosa dizia animada – Ele falou tão bonito sobre o perdão, recomeço... Você não achou inspirador? – olhou para a outra

 

--Achei sim. Tanta coisa veio na minha cabeça como você não tem ideia! – respondeu nostálgica  – “O tempo todo Zaida vindo nos meus pensamentos...” – pensou pesarosa

 

Não comentou. – É, Malika, mudando de assunto... – pensava em como falar – A Nazira se uniu a alguma seita ou coisa do tipo? – queria saber – Só vejo aquela menina andando por aí com um vestidão branco, uns penteado estranho... – pausou brevemente – Aquilo é o que?

 

“Um misto de falta de noção com fogo no rabo pra conquistar o nerd do prédio!” – pensou mal-humorada – É que ela agora virou fã de Guerra nas Estrelas e cismou com isso de andar vestida de princesa Leia. – falou parte da verdade

 

--Ué? A essa altura do campeonato?? – não entendeu – Filme tão velho, porque Nazira cismou com isso agora?

 

--Vai entender, né, Silmara? Vai entender... – não queria se aprofundar no assunto – “Nazira sempre me fazendo passar vergonha!” – pensou contrariada

 

***

 

Vivinácia subia uma rua em Santa Teresa. Estava indo fazer limpeza na casa de uma nova cliente. Reparou em uma dupla de homens que seguiam na frente, os quais combinavam de se aproveitar da TV a cabo de alguém.

 

--É molezinha, cara. – um deles dizia – Basta tu me mostrar onde é o PI do prédio que eu faço um miau no cabo da tua vizinha.

 

--Fica no subsolo, no finalzinho da garagem. – o outro respondeu – O apartamento é o 403. – gesticulou – A dona mora sozinha, não manja nada disso, vai morrer sem saber que foi clonada! – riram

 

“Que sacanagem!” – prestava atenção – “Ih, mas será que é fácil de fazer isso? Quem tem TV a cabo na minha vizinhança, hein?” – pensava em possibilidades

 

Chegando no destino, a diarista percebeu que os homens entraram no mesmo prédio para onde ela se dirigia. “Eita, apartamento 403!” – arregalou os olhos – “Eles vão roubar a TV a cabo de minha cliente!” – deduziu

 

Após ser recebida pela mulher e ouvir as orientações quanto ao que e como fazer, Vivinácia resolveu tirar proveito da situação. – Olha, dona Dora, eu sou muito cuidadosa com essas coisas, mas... não tenho como ficar calada! – falava em tom solene – Sou médium vidente, clarividente e sensitiva. – fez um gestual  – Subindo a rua tive uma visão de que um de seus vizinhos quer lhe prejudicar. – lançou-lhe um olhar sorumbático – E minha intuição me diz que... – fingiu que vislumbrava algo -- ele tá fazendo isso nesse momento acompanhado por outro cabra! – deu um soco na mão – Tão no subsolo, lá no finalzinho da garagem!

 

--O QUE?? – arregalou os olhos – Pois é lá que fica a portinhola dos cabos de TV! – lembrou-se do fato – Vá faxinando aí que eu vou chamar o síndico e vamos ver isso agora mesmo! – decidiu

 

--Vá, vá mesmo! – incentivou – Enquanto isso eu vou faxinando aqui. – concordou

 

Após muito pânico, tumulto e histeria, a diarista já estava no final da faxina quando a dona da casa retornou para o apartamento. – Dona Vivinácia, fiquei impressionadíssima! – foi logo dizendo – Chamei o síndico, senti que ele até achou que eu tava ficando louca, mas quando chegamos na garagem demos de cara com os dois miseráveis querendo fazer gato na minha TV a cabo! – contava o que houve – A briga foi feia, chamaram a polícia e o síndico ainda disse que vai aplicar uma multa no vizinho ladrão!

 

--Graças a Deus que tudo se resolveu! – ergueu as mãos aos céus – Oh, Pai das Luzes, oh, meus guias iluminados, oh, falange caipiresca do Além, só tenho-vos a agradecer-vos pelo dom da vidência e da clarividência novamente salvar uma inocente do mal deste mundo velho sem porteira! – fazia um teatro – Amém!

 

--Amém! – benzeu-se – É... a senhora... -- pensava em como perguntar. – A senhora, assim... atende em algum lugar?

 

“Mordeu a isca!” – pensou satisfeita – Dona Dora, vou lhe dizer a verdade nua e crua sobre minha pessoa! – gesticulou com graça – De dia, sou Vivinácia: uma diarista honrada e humilde que labuta em casa de família pelo Rio e grande Rio! – caprichava nos salamaleques – E à noite, sou madame Vivi: a cigana caipira que obra pela seara do Bem num iluminado terreiro em Bonsucesso! – anunciou – Cobro pelas consultas, é verdade, mas todo dinheiro é destinado à caridade! – mentiu – Garanto que são quatrocentos reais muito bem investidos!

 

Balançou a cabeça pensativa. – Não é barato, mas... – considerava – Com certeza um bom investimento!

 

--Garanto que a senhora não vai se arrepender! – sorria – “Muito menos eu!” -- pensou

 

***

 

--Agradeço pela atenção, doutor. – Yesmin se despedia ao telefone – Vamos marcar uma consulta, sim. Tchau. – desligou – Incrível que tanto o dono da clínica de neuro reabilitação quanto esse médico da UFRJ conhecem Zaida e ainda a cobriram de elogios! – falava consigo mesma – Vou engolir o fato de que ela ainda não me apresentou as duas cartas de recomendação e alegar que voltei atrás porque maama me perturba dia e noite, o que não deixa de ser verdade. – falava consigo mesma – Vou pedir à agência que negocie com ela pra começar a fazer turnos de 24 horas. -- decidiu

 

--Com licença? – a secretária pediu ao se aproximar – Os investidores chegaram e já os acomodei na sala de reunião. – olhava para a chefe – Deixei passando aquele vídeo sobre a BoFe, o mais cheio dos efeitos especiais, como a senhora orientou. – sorriu

 

--Obrigada, Scheila. – passou a mão nos cabelos – Vamos encarar as feras! – levantou-se

 

***

 

--Você prometeu que seriam 6 meses, Yesmin, seis meses! – um dos homens reclamava contrariado – Agora vem dizer que não vai cumprir o prazo porque precisa de mais 2 meses adicionais! – reclamava – Estamos entrando com muito dinheiro e a última coisa que desejamos é sair perdendo nessa!

 

--Nós acreditamos nas suas promessas quanto ao FalaGPiTaco! – outro homem se pronunciou – Acreditamos na credibilidade do seu nome, no seu histórico e na trajetória da BoFe! – gesticulou brevemente – Mas se falhar conosco, não vai haver uma segunda chance! – ameaçou

 

Outros presentes também fizeram suas queixas.

 

--Por favor, senhores, vamos manter a mente calma para podermos raciocinar com clareza. – a CEO forjava uma expressão de tranquilidade – Eu me antecipei em dizer que não cumpriremos o prazo original não para dar desculpas ou alegar que precisamos de mais recursos. – andava calmamente pela sala – Precisaremos deste tempo adicional simplesmente porque tivemos acesso a um banco de dados internacional valiosíssimo e desejamos treinar nossos modelos com ele. – contava uma meia verdade – Estejam seguros de que não temos amadores aqui e tudo está saindo exatamente conforme planejado. – buscava tranquilizar os investidores – Todos os recursos tecnológicos, humanos e financeiros foram bem dimensionados desde o princípio. – continuava sua apresentação -- E o retorno do investimento será igual ou melhor que o inicialmente vislumbrado, dando-se através das seguintes formas: -- projetava o que falava para os demais – assinaturas mensais das versões Master do FalaGPiTaco, GPiTaco as a service via APIs pagas para empresas desenvolvedoras, integração com sistemas oferecidos pelas grandes BigTechs, licenciamento de tecnologia e, não menos importante, parcerias em novos produtos. – enumerava – Deixaremos sempre versões betas gratuitas disponíveis para o público, porém com menos funcionalidades, porque desejamos manter o engajamento além do fato de que o modelo estará continuamente sendo treinado e se desenvolvendo, inclusive capturando dados de seus usuários. – sorria – Os senhores não poderiam estar em situação mais cômoda!

 

Os investidores cochichavam entre si, mas Yesmin percebeu que os havia tranquilizado.

 

--Em suma, senhores, a BoFe não desejava pedir ajuda quando se antecipou dizendo que não cumpriria o prazo original. – falava com firmeza – Fizemos isso porque somos transparentes e trabalhamos na base da confiança! – reparava nos ouvintes – “Parabéns, Yesmin!” – cumprimentou-se mentalmente – “Yes, me, yes, me!” – comemorava

 

 

***

 

--Taí, galera, a baranguda liberou os gabaritos das próximas provas. – Stefany dizia para as amigas – Vamos armar nosso plano pra começar a arrebentar sem despertar muitas suspeitas. – olhava para as demais – E todo mundo postando vídeo tirando uma de estudiosa pra convencer geral! – aconselhou

 

--Já é! – Tatiana examinava o material pelo celular – Caralh*, que é isso? – arregalou os olhos – Nem com gabarito eu entendo essa porr*! – riu brevemente

 

--Pois agora tu vai fingir que tá dominando! – Luiza falou brincalhona – Irada essa ideia, Stefany! – sorriu

 

--É isso aí! – concordou com a amiga – E hoje quando a gente for pra balada vai nessa vibe: estudo a porr* toda e mando ver na night! – bateu uma palma e riu

 

As garotas esquentavam os motores em um barzinho na Lapa.

 

--E tua mãe, será que vai engolir esse kaô? Teu pai?  – Luiza perguntou curiosa – Cê tá levando esse teatrinho adiante em casa também?

 

--Meus pais quase não param em casa, então tá tranks. – respondeu de pronto – Mas pra garantir, vamos marcar uma noite dessas aí de vocês aparecerem lá e a gente fazer nosso teatro! – bebeu um gole da bebida – Leva tablet, caderno, a porr* toda!

 

--Formou. – Tatiana bebeu um gole da bebida – Mas hoje a gente vai zoar muito na balada, uhu!!! – deu um gritinho

 

***

 

--VIVINÁCIA SOARES SILVA!!! – Zaida gritou enfurecida – MAS SERÁ POSSÍVEL QUE VOCÊ VOLTOU A ATACAR COMO MADAME VIVI??

 

A diarista levantou-se da cama sobressaltada. – Que é isso, amor? – não entendia onde que havia errado – Da onde você me tirou isso? – caminhou em direção a sala

 

--Da onde eu tirei? – parou diante da esposa e mostrou duas peças de roupa – Encontrei isso aqui jogado de qualquer jeito dentro do tanque! – estava de cara feia – A maldita roupa da cigana caipira! – chacoalhava com uma das mãos

 

“Ave Maria, que rata que eu dei!” – pensou preocupada – Amor, eu posso explicar! – sentiu as roupas sendo jogadas contra seu peito – Eu dei uma geral nos meus trem, encontrei isso aí e separei pra lavar porque... – buscava pensar rápido –  porque eu vou vender como fantasia de carnaval pra filha de uma senhora pra quem fiz umas limpeza no Catete. – disse a primeira coisa que lhe veio à mente

 

--Ah, tá! – respondeu descrente – A gente caminhando pro meio do ano, carnaval já foi e tem alguém interessada em comprar sua roupa de cigana usada, tendo tanta fantasia nova e barata pra vender pela internet? – balançou a cabeça contrariada – Conta outra!

 

--Mas eu não tenho nem a presunção de inocência, uai? – fazia-se de vítima – Você nem tem provas de nada e já vem com tanta acusação pro meu lado? – forjou seu melhor olhar de cão pidão – Poxa, amor... – fungou

 

Deu um suspiro profundo. – Presta bastante atenção, dona Vivinácia! – falava com o dedo em riste – Se eu descobrir que você anda me enganando, vai ter separação, tá? – ameaçou – Tenha medo! – saiu pisando firme

 

“Ô, meu Pai Santo, ajuda pra ela nunca ter certeza!” – benzeu-se – “Eu sou nada sem essa mulher!”

 

***

 

“Ragaounee eineik lei ayame elee raheit... (Eles me trouxeram de volta, seus olhos, para os meus dias que...)

Aleinou nee andam, alal maadee wei geiraho (Eles me ensinaram a lamentar o passado e suas feridas)...”

 

Yesmin entrava desconfiada no apartamento da mãe. Como ninguém havia passado trinco na porta, ela pode entrar com suas chaves sem precisar tocar a campainha.

 

“Essa música...” – pensou – “Há quantos anos não ouvia!” – caminhou em direção ao quarto

 

“Elee shooftou, able ma tshoufak eineya (O que eu vi antes, vocês viram meus olhos),

Omr da-yea, yeihseibou eizai alaya (É uma vida perdida, contando isso, como em mim)...”

 

--Pessoas, tô eu aqui com minha paciente predileta, Adma Zahia, ouvindo um dos maiores sucessos do Oriente Médio da década de 60! – Patrícia gravava um vídeo para o Fuçagram – E olha minha estrela aqui! – colou o rosto no da idosa – Estrela internacional, gente! – contava – Quase jogou Liz Taylor na vala pra pegar o papel de Cleópatra e só não fez isso porque não quis!

 

Adma fez um bico e nada respondeu. Zaida massageava-lhe os pés.

 

“Essa Patrícia é uma figura!” – a cuidadora pensava divertida

 

“Inta omri, elee eibtada bei nourak saba (Você é minha vida que começou esta manhã contigo),

Adei eih men omree ablak rah wei ada, ya habibi (Muito da minha vida antes de você já passou, meu querido)...

Inta Omri. Intérprete: Oum Kalthoum. Compositores: Ahmed Shafik / Mohamed Abdel Wehab. In: Inta Omri. Sono Cairo, 1964. 1 LP (~59min)

 

--Boa noite? – Yesmin cumprimentou desconfiada – O que tá acontecendo aqui? – queria entender

 

--Boa noite. – as três responderam em coro

 

--Gente, e pra completar, -- Patrícia continuava gravando – a filha da minha paciente é simplesmente a poderosa CEO da Bofe, dona Yesmin Zahia Torricelli, olha só! – apontou a câmera do celular para a mulher

 

--Pode ir parando com isso! – protegeu o rosto com o braço direito – Tenho direitos de imagem e cobro por eles. A senhora com certeza não tem condições de pagar!

 

--Desculpe. – interrompeu a gravação e abaixou a cabeça envergonhada

 

--Aproveite e vá fazer um lanche na padaria aqui do outro lado da rua. – ordenou ao abaixar o braço – Preciso conversar em particular com maama e Zaida.

 

Esperou receber dinheiro, mas percebeu que não seria o caso. – Pode deixar. – guardou o celular no bolso – Com licença. – saiu do quarto apressadamente – “Poxa, nem pra liberar uns duzentinhos de novo!” – pensou decepcionada

 

--Nunca vi essa cuidadora com tanta satisfação como vi essa noite. – sentou-se na cadeira perto da cama da mãe – “E o clima da casa tá ótimo.” – pensou desconfiada

 

--Agora é todas elas assim! – Adma respondeu de pronto - -Zaida achou informação meu e clipe na internet, mostrou praquela uma que contou pras outras e todas felizes porque trabalhar pra estrela estrangeira. – resumiu a história – Bando de interesseiras! – fez uma careta

 

--O importante é que quem sai no lucro com tudo isso é dona Adma! – beijou a cabeça da idosa

 

“Maama não protesta contra os gestos de carinho dela.” – estranhou também – Enfim, vamos direto ao assunto porque não vou me demorar. – cruzou as pernas – Mal você começou com os turnos de 24 horas e logo a agência me passou a conta de produtos dermatológicos nada baratos que você comprou. – olhava para Zaida – Posso saber por que isso?

 

--Tenho uma conhecida dermatologista e falei do caso de dona Adma pra ela. – a cuidadora se explicou – Ela receitou esses produtos e foi tiro e queda! Acabaram-se as queimações na pele dela. – sorriu

 

--Acabou mesmo! – concordou – Quero usar produto sempre!

 

Balançou a cabeça em concordância. – Se assim é... – analisava a outra– Semana que vem maama vai começar com a hidroterapia e na quinta será a consulta com aquele médico pesquisador da UFRJ que você indicou. – pausou brevemente – Pra uma simples cuidadora você é cheia dos contatos influentes. – comentou

 

--Sorte a minha. – parou de massagear a idosa – E que bom que dona Adma vai se beneficiar desses tratamentos. – sentia-se feliz – Tenho certeza de que ela vai melhorar muito daqui pra frente! – sorriu para a paciente

 

--Inshallah (Tomara)! – a idosa desejou

 

--Tomara. – Yesmin concordou ao se levantar – Saiba que estarei prestando atenção; -- olhava firmemente para Zaida – em tudo!

 

--Fico feliz com isso. – a cuidadora respondeu – É muito importante que os filhos deem a devida atenção aos pais, o que vai muito além de pagar as contas. – olhava nos olhos também

 

Não gostou do que ouviu, mas não respondeu. – Vou indo, maama. – beijou-lhe a testa rapidamente – Até mais. – fez um gesto de cabeça e partiu

 

--Eu não entendo essas visitas de médico que minha filha tem feito de quando em vez! – Adma comentou para a outra – Parece que vive a espreita!

 

Achou graça. – Ela é cismada comigo, dona Adma. – disse o que pensava – Mas eu não me incomodo. O tempo dirá quem cada uma de nós é.

 

A idosa não respondeu.

 

***

 

Nazira chegava do mercadinho vestida de princesa Leia.

 

--Ei, dona Nazira! – o porteiro aproximou-se correndo – Finalmente descobri o nome do vizinho novo! – cochichou – E se prepara pra rir! – riu brevemente

 

--E qual seria? – perguntou desconfiada

 

--Jacinto Pikas! – não aguentou e riu – Pense num sujeito sem sorte! Hahaha! -- ria

 

Nazira não esboçou resposta e entrou no elevador atordoada. Minutos depois, sonhava cochilando na poltrona da sala.

 

“--Eu não acredito, mãe! – um jovem reclamava – Tanto homem normal pra casar e a senhora foi se arrumar justo com um Jacinto Pikas?? – protestava – Já não aguento mais servir de chacota no colégio!

 

--Nazinto Faruk Pikas, olha como fala do seu pai! – ralhou

 

--Ah, mãe, ele tá certo! – uma garota apoiou – Tenho ódio desse nome, ódio! – cruzou os braços revoltada

 

--Jazira Faruk Pikas, que rebeldia é essa, hein? – não gostava do comportamento – O pai de vocês é um nerd respeitável, tem nada de errado no nome dele!

 

--Senhora Pikas? – uma mulher se aproximou – A doutora lhe espera! – disfarçava o riso

 

--Senhora Pikas??? – outras pessoas zombavam – Hahahaha! – riam

 

HAHAHAHAHAHAHA – as gargalhadas se espalhavam no ar

 

--Parem! – tampava os ouvidos – Parem! – pedia em desespero – PAREM!!!!!!! – gritou”

 

--FUÊÊÊÊÊÊÊ!!!!!!!!!!! – o som da vuvuzela invadia a casa -- FUÊÊÊÊÊÊÊ!!!!!!!!!!!

 

--Meu Deus! – Nazira se levantou sobressaltada – Tô indo, dona Malika! – respondeu baratinada – Minha Nossa! – pôs a mão no coração – Não bastasse o trauma de descobrir o infeliz nome do homem amado, lá vem ela com essa maldita corneta da Copa! -- reclamava

 

--FUÊÊÊÊÊÊÊ!!!!!!!!!!!

 

--Já vou! – respirou fundo e seguiu para o quarto da idosa

 

 

Fim do capítulo