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Acessos: 1553 | Postado em: 14/01/2025

QUEM SOMOS - 2

**NAZIRA**

--Tem umas pessoas que nasceram com o fiofó virado pra lua! – uma mulher falava sozinha enquanto olhava a tela do celular – Enquanto essas meninas só vivem nas festas, badalando, curtindo e tirando onda cercadas de homem bonito, minha vida tem nada de interessante pra postar... – suspirou – Também... elas são moças bonitas, novas, filhas de gente rica, podem se dar ao luxo de fazer nada pra ninguém e sair causando por aí. Eu nasci pobre, tenho que labutar e o que causo é só fuzuê! -- suspirou

--NAZIRA, ONDE VOCÊ ENFIOU A COMIDA DO MEU GATO?? – outra mulher gritava enfurecida – SULTAN TÁ QUASE COMENDO O PÉ DA MESA!!!

--Ih, meu Pai Santo! – levantou-se de um pulo e guardou o celular no bolso – Tô indo, dona Malika! Tô indo! – correu para a cozinha

Meu nome é Nazira Faruk, tenho 28 anos e sou órfã de mãe e pai desde a infância. Minha madrinha terminou de me criar, mas se foi quando eu tinha 17 anos. Desde então trabalho na casa de dona Malika, uma grande amiga dela, e sou uma espécie de governanta. Fui criada pra casar, aprendi a fazer todos os serviços domésticos, só que eu sou meio muito mais ou menos atrapalhada e um pouco surda também. Talvez seja por isso que não dei sorte e continuo solteira. E talvez seja por isso que eu viva metida em confusão...

--Alô? – atendeu o celular – Oi, dona Malika. Já fiz o almoço e a limpeza toda. A senhora já tá chegando?

--Nazira, chama o zelador, a vizinhança ou sei lá quem! – pediu exasperada – Eu tô presa no elevador!

--Chamar o pessoal por que tem surpresa no elevador? – concluiu errado ao sorrir – Oba, deixa comigo! – respondeu empolgada

A mulher ficou vermelha de ódio. – Sua louca, eu disse que EU, MALIKA, estou PRESA no elevador, PRESA no elevador, não tem surpresa nenhuma!! – ouviu o celular da outra ser desligado – CHAMA ALGUÉM PRA ME TIRAR DAQUI, SUA BESTAA!!! – gritou para ninguém

--Eu tô achando essa história de surpresa no elevador tão estranha! – uma vizinha comentou – Não é data santa, aniversário, feriado e nem nada!

--Eu também não entendi. – outro vizinho falou – E desde quando Malika é chegada a festa? – cruzou os braços – “Logo quem!” -- pensou

--Nazira, o elevador tá é parado! – o zelador constatava enquanto apertava o botão – Deve ter escangalhado só nesse tempo que eu fui dar uma olhadinha na fossa. – olhou para a mulher -- Eu acho que você entendeu tudo errado!

--NAZIRA, SUA DOIDA, ME TIRA DAQUI!!!!!!!!! – a voz de Malika se fez ouvir – EU VOU TE ARRANCAR O FÍGADO!!!!!!!

“Sinto que me dei mal...” – Nazira pensou engolindo em seco

Eu me esforço pra agradar, mas viver com dona Malika é complicado! Dinda dizia que ela ficou azeda desde que enviuvou e a filha foi embora. Ou foi ela quem colocou Zaida pra correr, vai saber. Parece que é porque a moça é sapatona e o caldo entornou na mesma época em que o falecido faleceu. Não me meto nessas fofocas, mas fico aqui pensando em como arrumar um marido e mudar de vida. Será que a internet podia me ajudar nisso aí? Hoje é tudo tão diferente que acho que o povo agora só sabe namorar se for online.

**MALIKA**

--Nossa, seus netos estão lindos! – comentou admirada – Tão crescidos, fortes... Allah yubarik al-atfal! (Deus abençoe as crianças!)

--Os netos são o que fazem a nossa terceira idade valer a pena! – a outra mulher respondeu orgulhosa – E você, Malika? Tem netos? – perguntou curiosa – Nunca mais soube de Zaida.

--Não, eu não tenho. – respondeu mal disfarçando o pesar – Minha filha não pode engravidar. – mentiu – “Uma vez que só se deita com mulheres!” – pensou desgostosa

--Oh, que pena! – olhou entristecida para a outra – Mas Deus há de abençoar a vida dela de outras formas. – desejou

--Inshallah! (Se Deus quiser!) – respondeu descrente

É muito triste você ter uma única filha, tão amada, tão esperada, e depois descobrir que ela é... como chama? Sapatona, LGBT, mulher macho! Ai, que desgosto! Engravidei aos 30, após muito tentar, e depois disso nunca mais. Sorte de meu marido que morreu antes de descobrir a infeliz verdade sobre Zaida!

--Não pode ser, minha filha! -- Malika gritava com os nervos em frangalhos. -- Isso é uma fase! Isso é... um engano!

-- Uma fase? Um engano? – Zaida respondeu com voz chorosa -- Vivo nessa "fase" desde que me entendo por gente, maama!

--Ai, que desgraça, meu Deus! – clamou com as mãos para o alto

Sou dona de casa, vivo no Rio de Janeiro em um apartamento no bairro de Bonsucesso e me sustento com a pensão que meu marido me deixou. De vez em quando faço umas costuras só para me distrair, frequento a igreja católica, às vezes viajo em algumas excursões baratinhas e conto com o trabalho de minha governanta Nazira, que acaba me atrapalhando mais do que ajudando. No começo fiquei com ela por pena, depois por necessidade. Atualmente estou com 60 anos e tenho medo ficar sozinha morando apenas com Sultan, meu gato. Ruim com Nazira, pior sem ela.

** ZAIDA**

--De hoje em diante eu vou administrar os bens do papai e ele vai viver numa casa de repouso. – um homem arrogante informava – Não iremos mais precisar dos seus serviços.

--Casa de repouso?! – estranhou – Mas o seu Orestes sempre me disse que queria viver aqui na casinha dele até morrer! – argumentou – Eu não acho que seja uma boa ideia! No meu plantão anterior, a gente conversava sobre...

--Não me interessa sobre o que vocês conversavam! – interrompeu a mulher bruscamente – A decisão está tomada e sua opinião é totalmente dispensável! – olhava para ela de cara feia – A senhora é uma mera cuidadora e não faz parte da família. Vou pagar o que lhe devemos e é vida que segue! Fui claro? – dava o assunto por encerrado

--Claríssimo. – respondeu com tristeza – Mas, por gentileza, me deixe ao menos me despedir dele? – pediu humildemente

--Não demore! – consentiu com má vontade

Eu sempre me entristeço quando perco um paciente para a morte ou para a mesquinharia de parentes sem coração. Meu ofício é muito mais que um ganha pão: sinto como se fosse minha missão de vida!

--Zaida! – a idosa exclamou dando uma festa com o olhar – Você veio me ver! – emocionou-se – Apesar de tudo veio me ver! – sorria

--Seus filhos não me pagaram o que me deviam mas isso é outro assunto. – aproximou-se da ex paciente – Nossa amizade nos une e eu não deixaria de vir visitá-la jamais! – segurou uma das mãos dela

--Oh, meu amor... – derramou uma lágrima – A única visita que recebi até agora nesse hospital ruim... – olhava para a cuidadora com carinho

--Fico aqui com a senhora enquanto me deixarem. – beijou-lhe a mão

Sou descendente de uma família libanesa, o clã dos Al-Bassam, e maama me expulsou de casa quando me assumi lésbica, por volta dos 18 anos. Fui ajudada por tios que já faleceram, fiz curso de cuidadora, primeiros socorros e procuro sempre me atualizar para melhorar minha atuação em prol dos velhinhos. Ao contrário de minha companheira, não me importo com dinheiro, embora precise dele para viver. Faço o que faço por Amor!

--Eu não acredito, Zaida, não acredito! – Vivi protestava revoltada – A mulher era rica, a família da mulher é rica e você nem pra tirar o que te era de direito? – olhava para a esposa -- Duvido que dona Rosa se zangasse contigo se você pegasse uns trem dela pra trazer aqui pra casa! Morreu, vai fazer o que, levar tudo no caixão? – gesticulava

--Eu não combinei isso com ela e não pego o que não é meu! – respondeu com seriedade – Não espere que eu faça as mesmas patifarias que você vira e mexe se permite fazer!

--E que patifaria tem nisso? – discordava -- Ave Maria, ô bicha custosa, sô! – deu um soco no ar

Tenho orgulho de ser brasileira, mas me envergonho com a forma tão infeliz com a qual muitas famílias tratam seus idosos. É como se as pessoas simplesmente perdessem o valor porque envelheceram. Direito à voz, à propriedade, direito de ser respeitado, é como se tudo morresse depois que cruzamos a linha dos 65. Ah, não, eu vou morrer lutando contra isso!

--Quem você pensa que é pra levar minha vó no médico sem minha permissão? – uma jovem tentava impedir Zaida e uma senhora de sair de casa – Basta passar um alcoolzinho na ferida que abriu e tá tudo resolvido!

--Olha só, dona Silvana, comigo a coisa é simples assim: -- parou de empurrar a cadeira da idosa – ou a senhora me deixa levar sua avó no hospital por bem ou deixa sob força policial! – encarava a patroa – O que vai ser, hein? – desafiou

--Não se atreva ou te demito! – ameaçou

--Perco o emprego, mas a senhora vai presa! – retrucou de pronto – Quem leva a pior?

Eu não me importo que minha profissão não tenha o mesmo status de muitas outras na área de saúde. E não me importo que até dentro de casa eu não seja bem compreendida. Há muito tempo deixei de me envergonhar de mim e mesmo não sendo nenhuma musa de beleza, isso não me proíbe de olhar para o mundo de frente pelo que eu sou: uma mulher, pobre, lésbica que tem orgulho de se declarar como

A CUIDADORA

Al-Murāʿiya

المُرَاعِيَة

Fim do capítulo

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Comentários para 2 - QUEM SOMOS - 2:

Minh@linda!

Em: 29/04/2025

Ué!!! Mas como?!

Sei que não deveria rir, mas esse problema auditivo de Nazira vai dar muito pano pra manga rsrs

Ela tem que fazer exames, pra ver se vai precisar usar aparelho auditivo ou fazer cirurgia.

Ela perdeu pessoas importantes, muito nova.

E essa Malika, será que é gente boa?!

Zaida, então, é filha de Malika que parece estar bem ranzinza.

De alguma forma, abrigou Nazira e desabrigou a filha por ser lésbica.

Então a cuidadora é Zaida!!

Jurava que seria Vivinácia.

Zaida tem um coração lindo!!

Malika tá perdendo uma filha e tanto.

Abra os olhos Vivinácia!!!

Zaida é muito correta, pra curtir malandragem.

Envelhecer não é nada fácil!!

Tanto por depender do outro, tanto por perceber que está deixando de ser auto suficiente, ou por envelhecer sozinho.

Apesar que alguns idosos vivem por muito tempo, ativos e lúcidos.

Tirar de alguém a sua autonomia é matá-lo em vida. Esse processo tem que ser visto com carinho e cuidado.

Mainha já deixou bem claro que não gosta de ser tratada como incapaz. Nem pegar na mão pra atravessar a rua, ela gosta kkk

São transições da vida que exigem cuidado... Como se tem da infância pra vida adulta.

Infelizmente, não é cultural cuidar dos nossos idosos.

Muitos são esquecidos sob todos os aspectos.

Viram a fonte de renda, a mais. Ou os que cuidam dos netos.

Muitas vezes, a trajetória de vida do idoso, influência no abandono.

Vi uma reportagem, uma vez, onde o ministério público, se não estiver enganada, obrigava um filho a cuidar do pai...

Porém, as justificativas que foi dada pelo filho pra não querer cuidar do pai, desobrigou ele.

No final tinha haver com abandono na infância e perdão, que o filho não estava disposto a dar.

Não sei como me comportaria em um caso, assim.

Solitudine Em: 02/05/2025 Autora da história
Olá querida!!!!

Ah, agora ficou claro quem é a cuidadora do conto: Zaida. Sim, ela é um amorzinho! Vivinácia que se cuide!

Nazira é muito atrapalhada. Ela e Malika ainda vão te surpreender muito. Talvez todas elas! rs

Espero que você goste. Pretendo trabalhar muitos temas aqui! Inclusive sobre IA.

Beijos,
Sol

A CUIDADORA por Solitudine

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