capitulo trinta e tres: dia de merd@
CAPÍTULO TRINTA E TRÊS. DIA DE MERDA.
O mundo jurídico parou depois do dia 19 de dezembro. Era recesso forense e todos os advogados autônomos já estavam na praia desde esse dia. Nós, meros mortais, advogados empregados, estaríamos de serviço até dia 29.
O clima no escritório estava diferente, sem aquele ritmo frenético de audiências e prazos apertados, havia silêncio nos corredores, como se fosse necessário essa pausa antes de começar o caos do próximo ano. Dra Baldez já havia me confessado que pretendia fazer mudanças no escritório, em todos os setores. Entretanto, por mais que eu tivesse medo dessas mudanças, o trabalho ainda era um refúgio.
Quando ficava tudo muito em silêncio, eu colocava a vitrola que Fê me deu pra tocar baixinho. Era impressionante que, mesmo ela estando alguns andares abaixo, eu conseguia sentir uma saudade absurda. Nesse momento, nossa playlist está preenchendo o ambiente em um volume baixo no escritório. O som de “Feel”, de Robbie Williams, ecoa suavemente enquanto decido abrir o whisky que tinha guardado na minha sala. A garrafa havia sido um presente de um cliente no início do ano, mas nunca tive coragem de experimentá-lo antes.
Estava folheando alguns papéis, tentando manter a mente ocupada, quando duas batidas na porta quebraram a tranquilidade do momento. Pedi para que a pessoa entrasse e era Roberta Baldez e seu olhar avaliador, notando a cena ao seu redor: eu, com o copo na mão, a música preenchendo o ambiente e uma pilha de documentos espalhada sobre a mesa.
Ela tranca a porta e se senta na poltrona que fica próxima à mesa de centro da minha sala. Ela tira ligeiramente seus sapatos e põe os pés descalços em cima da mesa. Arqueio as sobrancelhas, mas pego um copo de whisky e a sirvo, logo depois sento-me ao seu lado.
— Estou tendo um dia de merd*. – Ela suspira
— O que aconteceu? – Mil cenários passaram pela minha mente, imaginando as pressões e cobranças do conselho durante as últimas reuniões.
— Quer por relevância ou ordem de acontecimentos? — perguntou com ironia, mas não esperou por minha resposta. — Renata brigou comigo, não estamos nos falando, e, para piorar, estou sendo pressionada pelo conselho a fazer algo que eu não quero: colocar outra pessoa no lugar do Proetti.
Ela fez uma pausa para tomar mais um gole do whisky antes de continuar.
— Eu não quero mais um traidor. Não consigo confiar em ninguém. Sinto que vou explodir a qualquer momento.
Pôs as mãos no rosto em um gesto desesperado e aquilo me atingiu. Era raro ver alguém como ela, sempre tão segura e imponente, deixando escapar esse tipo de emoção.
Respirei fundo e escolhi as palavras com cuidado.
— Roberta... Calma. Vamos por partes, tudo bem? Me conta sobre Renata.
Ela dá um longo suspiro antes de continuar.
— Ah, Anna... meu casamento está por um fio. Quando não é ciúme, é cobrança. Eu estou meio que de saco cheio dessa situação e eu não tenho tempo para salvar meu casamento agora, pois estou perdendo meu tempo sendo uma advogada de sucesso.
Sem aviso, ela deu um soco na almofada ao seu lado:
— Que droga!
Esperei um momento, deixando que ela se acalmasse um pouco antes de intervir.
— Você já falou isso para ela? — perguntei, mantendo o tom sereno.
— Falar o quê? Que não suporto mais as brigas? Que me sinto sufocada pela rotina? Pelas cobranças que ela me faz? — Ela balançou a cabeça, exasperada. — Não adianta, Anna. Já tentei de tudo. E ela… só piora as coisas.
— Talvez ela só esteja tentando chamar sua atenção — sugeri, arriscando.
Ela riu sem humor, esfregando as têmporas.
— Se é isso, está funcionando. Mas o que eu faço com isso? Não posso largar o trabalho agora. Não posso...
— E não precisa — cortei, minha voz firme. — Você não tem que escolher entre ser uma advogada de sucesso e ser feliz no casamento.
Ela me lançou um olhar meio que duvidoso, como se o que eu falasse era bonito, mas que não dava pra colocar em prática.
— Eu sei que parece impossível agora, mas, talvez, o que vocês duas precisam seja de um tempo juntas. Não como obrigação, mas como prioridade.
Ela bufou, mas não respondeu de imediato.
— Talvez, mas onde eu arranjo tempo, Anna? Onde? — O desespero em sua voz era palpável.
Pensei por um momento e depois dei um leve sorriso.
— Bom, você sempre pode fazer como eu. Coloque uma vitrola no meio da sala, abra um whisky e toque Feel. Quem sabe isso não resolve? Sério, deita no chão da sala, chama ela e criem um momento.
Ela riu, desta vez com mais sinceridade, e jogou a almofada que estava segurando em minha direção.
— Você é impossível, Florence.
— E você sabe que isso é um elogio. — Pisquei para ela, tentando aliviar o clima.
Ela me observou por um instante.
— Você e Fernanda se acertaram?
O tom dela era mais leve, quase cúmplice.
— Sim — respondi com um sorriso também — A vitrola ganhei da minha ruiva de presente de Natal.
Roberta estendeu a mão e segurou a minha direita, observando com atenção o anel de compromisso que eu usava. O brilho suave da prata a fez refletir, porque quando ela olhou para o dedo que deveria ter sua aliança de casamento, ela ficou em silêncio.
Dra. Baldez estava reflexiva, e eu me permiti observá-la de maneira diferente. Eu amava Roberta e admirava a Dra. Baldez, mas quem estava sentada ao meu lado naquele momento era Roberta — a mulher com medos, que amava alguém incondicionalmente, mas, por algum motivo, não mostrava isso ao mundo.
Bingo. Era isso.
— Você já parou para pensar que ela está de saco cheio de ser escondida também?
Ela voltou a olhar em minha direção, seus olhos confusos.
— Como assim? — Ela retrucou, o tom defensivo.
— Para de esconder o seu relacionamento de todos. Assim como você é uma advogada incrível, você também é esposa incrível de alguém. E esse alguém, às vezes, só quer ter um relacionamento comum, sem ser às escondidas.
Ela abriu a boca para responder, mas hesitou.
— Você tem 46 anos, Roberta. É lésbica. E daí? Quem vai tomar o seu lugar por isso no escritório?
— O conselho? — Ela respondeu como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
Suspirei, apertando de leve a mão dela.
— O conselho não pode mandar na sua vida pessoal, Roberta. Imponha limites também.
Ela ficou me encarando, mas eu sabia que as minhas palavras tinham ficado na sua mente, talvez eu a estivesse desafiando a pensar de uma forma que ninguém fez antes.
— Limites, hein? — murmurou, mais para si mesma do que para mim.
Assenti com um sorriso.
— Todo mundo precisa deles. Inclusive você.
— Por falar em limites, Dra. Florence... — Ela cruzou as pernas e me lançou um olhar sério, embora um brilho divertido não fosse possível de ignorar. — Não vim aqui lhe ocupar apenas com as minhas lamentações. Preciso de uma garrafa de vinho e você lá em casa me dando um ombro amigo, mas, nesse momento, preciso do meu braço direito. Você pode vestir sua armadura agora?
Ela ajustou o tom de voz, assumindo novamente sua postura profissional, e eu me sentei ereta na poltrona.
— Sim, Dra. Baldez. Do que precisa?
— Esse ano deixei passar, mas no próximo quero que você comece o ano com uma maldita secretária.
— Anotado. Não vou mais desobedecê-la. — Respondi com firmeza. — Próximo tópico?
Ela suspirou, mexendo o líquido no copo, e continuou:
— O conselho quer que eu escolha um advogado sênior para o cargo de sócio administrador. Pensei em Roberto pela competência, mas ele já ocupa um cargo de advogado master aqui.
— Desculpe, o que é um advogado master? — perguntei, franzindo o cenho.
Ela levantou as mãos, como quem se rende a um absurdo.
— Eu não sei, Dra. O Conselho criou esse cargo exclusivamente para ele, então não me pergunte.
Eu ri de leve, mas logo recuperei a seriedade.
— Não dá para um puxa-saco ser seu sócio, Dra. Baldez. Vamos pesquisar outros, está bem? Vou fazer uma lista com todos os sócios seniores e suas atribuições, currículos, números que trouxeram para a empresa, e você toma sua decisão.
Ela me observou por um instante, antes de assentir.
— Você vai me trazer mil sócios e eu não vou me sentir segura com nenhum.
— Segurança e confiança se constroem, você não acha? — Perguntei, olhando diretamente nos olhos dela.
Ela desviou o olhar por um momento e disse simplesmente:
— Não sei...
— Quanto tempo demorou para confiar em mim? — arrisquei, já me preparando para o pior.
— Não sei se confio. — Ela deu de ombros, lançando a bomba e me deixando boquiaberta.
— Ah, não. Agora serei obrigada a invadir nosso lado pessoal, Roberta. — Bebi um gole do meu whisky, tentando disfarçar minha incredulidade. — Se você não confiasse em mim, não teria me chamado para conhecer sua casa e sua esposa.
— Isso não quer dizer nada, Anna. — Ela bebeu um gole do whisky também, mas não conseguiu esconder a risada que começava a se formar.
— Você confia em mim — falei com convicção.
— Mas que droga, Anna. Confio. Tá! Você venceu. Está satisfeita? — Ela revirou os olhos, mas o tom era de puro divertimento.
— Sim, senhora.
O sorriso dela suavizou ainda mais. Antes que eu pudesse reagir, Roberta me puxou para um abraço inesperado.
— Você é como uma filha pra mim. Desde quando vi você pela primeira vez, achei que tinha algo especial em você, só não sabia como chegar perto. Você também não se permitia.
O abraço dela era quase maternal, e por um instante me vi sem palavras.
— Eu... não sei o que dizer — murmurei, sentindo meu ficar quentinho… poucas coisas o faziam ficar desse jeito.
— Não precisa dizer nada, Anna. Só saiba que, mesmo com todo meu jeito duro, você tem meu respeito e eu quero que voe longe, ok?
Depois do momento com Dra Baldez, decidi voltar ao trabalho. Estava quase próxima ao meu horário de saída e precisava fazer algumas dosimetrias da pena. Ela saiu do meu escritório com o semblante mais leve, enquanto eu permanecia ali, cercada de cálculos que eu odiava, mas que eram necessários.
No entanto, eu estava incomodada. Não sabia dizer com o quê, mas que existia. Decidi me levantar e caminhar até a janela de vidro que dava vista para a Av. Rio Branco. Via carros indo e vindo e observei o VLT tocando seu sino andando naquela velha lentidão. Voltei à mesa, mas antes que pudesse me sentar, meu celular vibrou. Peguei o aparelho e vi uma mensagem de um número desconhecido:
“O ano ainda promete surpresas. Assinado: X.”
Franzi o cenho. O tom da mensagem era estranho. Não havia nada que a tornasse diretamente ameaçadora, mas o contexto e o momento me deixaram em alerta. Decidi não grilar com isso agora, tentaria rastrear o número mais tarde. Agora eu só queria sair da empresa com a minha ruiva do meu lado. Havíamos combinado de eu deixá-la na casa dela hoje.
Parece que ela ouviu meus pensamentos, pois ouvi suas batidas na porta e ela colocou a cabeça para dentro da minha sala. Quando eu a vejo, dou um largo sorriso.
— Oi, amor. Acabou aí? — ela pergunta
— Sim, vou pegar a bolsa e já vamos.
Ela fecha a porta atrás de si e se senta na minha cadeira, girando-a levemente de um lado para o outro enquanto observa meu escritório.
— Você sempre deixa tudo tão organizado... Um contraste enorme com o caos da minha mesa.
— Precisa de ajuda para arrumar sua mesa, doutora? — perguntei, aproximando-me enquanto pegava minha bolsa.
— Não se atreva — ela riu, apontando para mim com um dedo acusador. — Meu caos tem lógica, mesmo que só eu entenda.
Me aproximei e inclinei-me sobre ela, colocando minhas mãos nos braços da cadeira, encurralando-a de leve.
— Sabe que eu adoro a sua bagunça, né?
— Sei... — ela respondeu, um pouco mais baixo, os olhos brilhando com aquele tom de provocação que eu tanto amava.
— Mas agora você vai deixar de monopolizar a minha cadeira — sussurrei, inclinando-me mais perto, o suficiente para sentir o calor do rosto dela.
Fernanda sorriu e, num gesto rápido, escapou por baixo do meu braço, levantando-se com a agilidade de quem já havia previsto meu movimento.
— Ah, não mesmo. Essa cadeira é muito confortável. Acho que vou pedir uma igual para o Roberto...
Ela pegou minha bolsa da mesa e a segurou como refém, enquanto andava em direção à porta com um sorriso travesso.
— Tente. Depois peça para eu lhe encontrar lá no RH — brinquei, alcançando-a antes que ela pudesse sair.
Tomando minha bolsa de volta com um movimento suave, segurei sua mão e entrelacei nossos dedos.
— Vamos?
Encarei o celular novamente.
— O que foi?
— Nada, só... uma mensagem estranha — falei, tentando desviar.
Ela me observou com atenção, uma expressão de desconfiança aparecendo em seu rosto.
— Uma mensagem estranha? — repetiu, a voz mais séria. — Beatriz?
— Não! Não tem nada a ver com essa pessoa.
Suspirei e, por um momento, hesitei. Não queria envolver Fernanda em algo que ainda não entendia totalmente, mas ela me conhecia bem demais para não perceber a mudança.
— Eu não gosto do tom dessa mensagem — falei, finalmente. — Não sei de quem é o número, mas... algo na forma como escreveram me deixou em alerta.
A expressão de Fernanda demonstrava preocupação.
— Quer me contar o que dizia?
Eu balancei a cabeça, passando a mão pelo cabelo, tentando parecer mais tranquila do que realmente estava.
— Não sei... só parecia... incomodativa. Nada que realmente me ameace, mas... tem algo de estranho.
Fernanda apertou minha mão, apertando-me para que olhasse para ela.
— Vai me deixar preocupada com isso?
Eu não queria que ela ficasse tensa também, mas não conseguia esconder o que estava sentindo.
— Não precisa se preocupar, eu vou resolver. Só... não consigo parar de pensar nisso.
— Então vamos para casa e você me conta tudo depois. Dorme lá que eu faço uma massagem que vai tirar um pouco disso da sua cabeça, vem.
Respirei fundo, sentindo um alívio por ela não ter insistido mais.
— Vamos.
Estávamos no elevador, indo em direção ao estacionamento. Fernanda falava com alguém por mensagem e eu estava perdida nos meus pensamentos. A música de fundo do elevador era extremamente ridícula, me sentia em uma novela do Manoel Carlos, acho que era Bossa Nova ou algo assim, mas era irritante. Ou eu não estava de bom humor hoje. Que seja. Estava me sentindo uma Helena – sem o dinheiro e a vida da Helena.
O elevador para na garagem do subsolo e espero as pessoas saírem primeiro. Noto uma movimentação estranha, muita gente ao redor de um carro próximo ao meu, mas não dou muita importância, eu só queria chegar em casa.
— É dela! O carro é dela. – Noto um associado falando e apontando pra mim
Porr*, o que aconteceu com meu carro?
Minha respiração ficou mais pesada enquanto eu caminhava em direção ao local indicado. Os olhos de todos estavam voltados para o meu carro, como se fosse o centro da grande fofoca. O que, até aquele momento, não parecia tão grave, começou a tomar uma proporção estranha.
Cheguei mais perto e vi o que havia acontecido. O vidro do meu carro estava quebrado, o alarme estava disparado e as portas arranhadas, mas ninguém se aproximava de fato para dar explicações. Meu estômago apertou, a sensação de incômodo aumentando.
— Doutora, nós não sabemos como isso aconteceu. A segurança não notou nada de anormal, só vimos quando a ronda nos alertou pelo rádio. — Um dos seguranças explicou, visivelmente incomodado com a situação.
Fiquei alguns segundos em silêncio, tentando processar o que estava acontecendo, enquanto observava a cena ao meu redor. Uma enxaqueca estava começando a surgir. Era difícil não pensar que isso era um simples incidente. Algo me dizia que era mais que isso.
— Alguém tentou roubar o carro? — perguntei
O segurança hesitou, olhando para o outro.
— Não... não parecia. O carro estava intacto, mas alguém claramente tentou acessá-lo. O vidro estava quebrado do lado de dentro, o que é estranho. Não há sinais de tentativa de roubo, mas o alarme foi acionado.
Me aproximei mais do carro, as pessoas saindo da frente como se fosse em sincronia. Me abaixei para olhar os bancos da frente e abaixei o quebra-sol. O dinheiro que eu mantinha ali para alguma eventualidade e o documento do carro também estavam, uma xerox da minha CNH também. Abri o porta-luvas do carro e meus óculos de sol e um de grau que eu guardava, mas que não gostava de usar estava ali, bem como minhas maquiagens e outros itens pessoais que estavam intactos. Não tinha nada faltando no meu carro.
Quem fez isso, queria me deixar puta. Me desestabilizar.
Porr*. Meu carro. Novo. Acabei de comprar. Caralh*.
— E agora? O que você vai fazer? — Fernanda perguntou, aproximando-se de mim, agora com um tom de preocupação.
Olhei para ela e, por um momento, me senti completamente perdida. Não sabia como reagir a isso, nem o que isso significava. Mas, ao olhar o carro danificado, senti um ódio absurdo.
Eu queria matar o idiota com as minhas próprias mãos se eu pudesse.
Pego meu telefone, disco o número da Dra Baldez. Ela atende, mas não a deixo falar.
— Roberta, vem aqui no estacionamento, por favor. Preciso de você – Desligo, tentando manter minha voz firme, mas a minha vontade naquele momento era de desabar. Seja lá quem fez isso, poderia estar no meio daqueles curiosos que ali estavam.
Fiquei ali parada, olhando para o meu carro enquanto Fernanda conversava com o segurança. A Dra. Baldez chegou em poucos minutos, apressada, seu olhar logo se fixando no meu carro danificado. Ela observou o vidro quebrado e os estragos.
— O que aconteceu, Anna?
Não respondi de imediato, apenas apontei para o carro, sem conseguir tirar os olhos dele. Ela se aproximou, dando uma olhada rápida, e então voltou a me olhar.
— Doutora, chegamos aqui e o carro estava dessa forma. O segurança foi passar a ronda e encontrou o carro assim. – Explicou mais uma vez o chefe da segurança
— O que levaram? – Ela se dirige a mim
— Nada. Os pertences estão intactos. – Disse com a voz rouca
— Isso é ameaça. – Constata
Eu sabia disso. Mas o que me incomodava mais era o fato de alguém ter se permitido fazer isso. De alguém estar me observando, me intimidando.
— Vou chamar a polícia — disse Roberta, pegando seu telefone.
Não queria envolver a polícia, não queria que isso fosse oficial, mas não podia ignorar o que estava acontecendo.
— Não. – Respiro fundo – Isso é briga de poder. Não envolve a polícia nisso.
Me afastei do carro, o ódio ainda queimando dentro de mim, mas eu estava me sentindo vulnerável. Eu não sabia quem estava por trás disso, mas sabia que estava em perigo.
Fernanda não dizia nada, ela sabia que eu era uma bomba prestes a explodir, mas ficou perto de mim como se soubesse o que eu precisava sem dizer nada. Era reconfortante, mas também me fazia sentir mais frágil do que eu gostaria de admitir.
Quando Roberta terminou de falar com a equipe de segurança, ou melhor, gritar com a equipe de segurança e humilhá-los até a última reencarnação, ela se virou até mim.
— Vamos resolver isso, Anna. Não se preocupe. A empresa vai cobrir os danos. – Me assegurou — Mas preciso chamar a polícia.
Passar a noite em uma delegacia era o que eu menos queria agora.
— Eu só queria ir embora agora — murmurei, tentando controlar a raiva que ameaçava tomar conta de mim.
Fernanda colocou a mão nas minhas costas, como se quisesse me acalmar, mas eu não sabia se conseguia ser acalmada naquele momento. Eu queria dar um soco em quem fez isso, mas eu também queria chutar o saco do chefe da segurança. Porém, deixei a Dra Baldez se encarregar disso.
A polícia chegou em poucos minutos. Tomaram os depoimentos de todos os envolvidos e fecharam a cena do crime para perícia. Eu me sentia completamente impotente, vendo meu carro ser isolado como uma evidência de algo que eu ainda não entendia muito bem.
Mas o que estava sendo de foder era ficar sem carro mais uma vez.
Que ódio.
Roberta me ofereceu carona até a casa de Fernanda. Nenhuma das duas falou nada durante o trajeto.. O rádio do carro tocava músicas leves, mas nenhuma delas tirava a situação da minha cabeça. Quando chegamos à casa de Fernanda, finalmente quebrei o silêncio.
— Eu não sei mais o que fazer... — murmurei, olhando para o chão. — Estou com medo de ir para casa e encontrar mais alguma coisa... Não sei... Mais uma surpresa, mais um recado...
— Anna, nós vamos descobrir quem está por trás disso. E ninguém mexe com os meus. Pode ficar tranquila. Eu vou te proteger. Amanhã mesmo tomarei providências dentro daquele lugar — Sua voz estava firme, como sempre, ela também estava com raiva. — Tire a manhã de folga, vá apenas a tarde. Deixa que tomarei a frente.
Fernanda, que estava ouvindo tudo, olhou para mim com uma expressão que eu não podia ler direito, mas senti sua mão apertar a minha, me passando força. Eu sabia que ela iria dar a opinião dela, mas não dentro do carro da Dra Baldez.
Roberta estaciona em frente à casa de Fê e no momento que ela para o carro, eu a abraço. Eu realmente precisava do apoio de Roberta agora, caso contrário eu ia explodir.
— Eu sinto tanta raiva nesse momento, Roberta. Eu não estou chorando por medo e sim, por raiva. Não acredito que uma pessoa teve coragem de fazer isso pois não consegue gostar de mim, do meu trabalho ou sei lá o quê! Porr*, meu carro! – Levanto o tom de voz
— Anna, eu te asseguro: eu vou resolver. Não se preocupa. Quem fez isso, vai pagar. E vai pagar bem caro, me certificarei que pague. Meu escritório não é a casa da Mãe Joana e ninguém ameaça os meus. Me mande o print da mensagem quando entrar, por favor.
Eu apenas acenei com a cabeça, sem conseguir expressar tudo o que sentia.
— Vamos, amor? – Fernanda sugere, colocando a mão no meu ombro
— Roberta, me mantenha informada sobre qualquer coisa que conseguir. – Digo à ela – Mais uma vez, obrigada por tudo.
— Anna, lembra do que conversamos na sua sala hoje? – Eu assinto com a cabeça, lembrando da nossa conversa sobre confiança. — É mais um motivo para ficarmos juntas, unidas. Eu, você, Fernanda, Diana. Não confie em ninguém. – Me adverte – Agora vá descansar. Eu assumo daqui.
Assenti, tentando absorver as palavras dela, mas a raiva ainda estava muito presente. Sabia que precisava me recompor. Antes que saísse, Fernanda me segurou pela mão e me guiou para dentro da casa, fechando a porta atrás de nós. Seus pais não estavam em casa, deveriam estar trabalhando no restaurante ainda, pois estava tudo escuro. Apertei a mão de Fernanda com força. Ela notou e tratou de acender as luzes. Ela passa o braço ao redor da minha cintura e subimos para o quarto. Ela tentava me acalmar, mas, no fundo, ainda sentia aquele nó na garganta.
Entramos no banheiro e ela tira minha roupa, cuidando de mim. Ela também retira a dela e tranca a porta do banheiro, me leva em direção ao box e deixando que a água quente caia sobre mim, enquanto ela massageia meus ombros.
— Eu te entendo — Fernanda disse, enquanto apertava o frasco do sabonete para me ensaboar — Eu sei que você está com raiva e que tudo isso está fora de controle. Mas nós vamos enfrentar juntas.
Eu estava deixando as palavras dela fazerem efeito aos poucos. Embora tudo estivesse complicado, em algum lugar dentro de mim, havia uma parte que acreditava que, com o apoio delas, eu poderia lidar com isso.
Saímos do banho, eu estava tremendo de frio e algo mais. Fernanda me enxugou e me levou até o quarto, coloquei uma camisa larga do Slipknot e me deitei em sua cama. Ela não demorou a vir deitar comigo, não sem antes trazer um remédio para enxaqueca e um copo d’água. Porr*, ela me conhecia sem reservas.
— Obrigada por me cuidar. – Digo, olhando nos seus olhos e pegando o comprimido e o copo d’água de suas mãos para tomar
— Eu estou aqui, amor. Quer um calmante para dormir melhor? – Ela pergunta preocupada e eu afirmo que sim com a cabeça. Ela vai até o seu armário e pega um dos meus clonazepans que mantenho escondidos ali. Ela tinha brigado comigo várias vezes por conta dos meus remédios sem receita, mas naquele momento, ela parecia entender que eu precisava.
Tomo metade de um comprimido e deito com a cabeça em seu peito, Fernanda dá um beijo na minha cabeça e sou tomada por seus carinhos no meu cabelo meio molhado. Eu me aninhava mais contra o peito dela, buscando um mínimo de conforto, como se ali eu pudesse encontrar um pouco de paz. A sensação de segurança que ela me dava, mesmo com tudo o que estava acontecendo, era um refúgio maravilhoso. Porém, a raiva, o medo e a incerteza ainda estavam ali, só esperando o momento de explodir novamente.
— Eu não sei se vou conseguir dormir, Fê... – murmurei, minha voz abafada pelo seu peito.
— Vai sim, amor. A gente vai passar por isso, eu te prometo. – Ela sussurrou, apertando um pouco mais os braços ao redor de mim. — Confia em Roberta, ela vai resolver.
Eu fechei os olhos, tentando focar nas palavras dela, tentando fazer com que a tranquilidade dela chegasse até mim. Aos poucos, o sono começou a me dominar, mas as últimas palavras que consegui ouvir antes de cair em um sono inquieto foram de Fernanda, ainda me envolvendo com suas palavras suaves.
— Eu estou aqui, vida. Não importa o que aconteça, vão pegar esse desgraçado e logo isso vai passar.
E, por um breve momento, eu acreditei.
Fim do capítulo
Meus amores, postei!
Mais uma treta para nossa Anna resolver. O que será que vai acontecer a seguir? Vocês conseguem ter alguma ideia? O que está passando na cabeça de vocês? Quem é o X?
Confesso que esse capítulo foi muito trabalhoso de escrever, quase surtei achando que não ia dar tempo de postar, minha mente deu um block que eu não conseguia desenvolver nada, mas depois deu tudo certo.
"O Nosso Recomeço" está prevista para 45 capítulos e não pretendo fazer uma segunda temporada. Pretendo terminar em Janeiro, mas talvez se estenda para Fevereiro. Preciso fechar essa história para focar na minha vida profissional que está um verdadeiro caos, mas tenho o compromisso com vocês e comigo mesma.
Comecei a história com o intuito de "fugir da realidade" e não achei que eu fosse levar tão a sério essa fuga. Obrigada por acompanharem até aqui.
Até quinta!
Insta: @rodriguesnathh
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Sem cadastro
Em: 01/01/2025
Ahhh não, não há paz para a Dra Anna Florence
nath.rodriguess
Em: 01/01/2025
Autora da história
Amanhã tem capítulo novo, já está escrito... Grandes emoções por aí!
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Dan_ny
Em: 30/12/2024
Coitada não tem um dia de sossego kk
nath.rodriguess
Em: 30/12/2024
Autora da história
KKKKKKKKKKKKKK nao tem um dia de paz, inclusive vc me deu uma ideia pra um nome de capítulo
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Mmila
Em: 29/12/2024
Mais uma provação para a Anna.
nath.rodriguess
Em: 01/01/2025
Autora da história
Ela passa por muitas provações diariamente rs
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nath.rodriguess Em: 09/01/2025 Autora da história
Todo mundo é suspeito KKKKKKK até a mãe morta de Anna é suspeita, quem sabe?