capitulo vinte e nove: mas que inferno
CAPÍTULO VINTE E NOVE. MAS QUE INFERNO.
Ela se levanta ao me ver, limpando sua calça pois estava sentada no meio fio da calçada, provavelmente havia sujado de terra. Joga os cabelos – aquela mania de sempre – e me olha para ver minha reação.
— Anna, precisamos conversar. — Diz
Fico muda. Claramente surpresa por vê-la ali absolutamente do nada. Minha mente tentando não bugar ao vê-la ali pedindo para conversar comigo. Era muita informação para processar.
— O que você quer, Beatriz? – Suspiro – Eu estou cansada, eu tive um dia enlouquecedor no trabalho, então se você não se importa, eu preciso entrar.
Beatriz suspira, passando as mãos pelos braços como se tentasse reunir coragem.
— Eu sei que você está cansada, Anna. Mas eu não podia mais esperar. — Ela dá um passo em minha direção, hesitante. — Eu preciso falar com você. Sobre nós.
"Nós."
A palavra me incomoda. Respiro fundo, tentando manter o controle, mas meu corpo inteiro reage àquela presença.
— Não existe "nós", Beatriz. — Minha voz sai firme, mas sinto a garganta apertar. — Não mais.
Ela dá um sorriso amargo, balançando a cabeça.
— Será que você realmente acredita nisso? Ou só está tentando me convencer?
Engulo em seco, desviando o olhar. Não quero entrar nessa conversa que, diga-se de passagem, ela sabe conduzir muito bem pra onde ela quer.
— Eu não tenho tempo para esse tipo de conversa. Não hoje. Não com você.
— Você nunca tem tempo, Anna! — Ela ergue a voz, mas logo controla o tom. — Porque é mais fácil fugir do que encarar o que ainda sente por mim.
Ela me acusa. E minha paciência esgota.
— Fugir? Você acha que fugir foi o que eu fiz? Quem foi embora, Beatriz? Quem decidiu que o "nós" não era suficiente? — Minha voz treme, e odeio como isso expõe o que ainda está guardado em mim.
Ela abaixa o olhar, mordendo o lábio como se buscasse as palavras certas.
— Eu errei, eu sei. Mas estou aqui agora, Anna. Tentando corrigir isso.
— Tarde demais. — Dou um passo para trás, sinalizando que a conversa acabou. — Você não pode apagar o que aconteceu. Nem mudar o que somos agora.
Ela me olha, e por um instante parece vulnerável, uma expressão que raramente vi em Beatriz.
— Tudo o que quero é que você me escute. Só uma vez.
Respiro fundo, lutando contra o impulso de ceder.
— Beatriz, eu não posso. Já escutei mil vezes. Eu não quero. Estou com Fernanda, devo respeito a ela e a história que estamos construindo juntas. Então, por favor, aceite que acabou.
— Você não disse nada sobre as flores.
Respiro fundo, lembrando do quanto essas flores me deram uma enorme dor de cabeça.
— Beatriz, eu odeio flores. – Disparo – Principalmente quando o intuito de mandá-las significa interferir no meu relacionamento. Você mandou para o meu trabalho, Fernanda trabalha comigo. E depois para minha casa. Você fez isso de caso pensado, acha que não te conheço?
Beatriz arregala os olhos, claramente surpresa com a firmeza das minhas palavras. Ela hesita por um instante, mas logo recupera aquele ar desafiador.
— Eu não estava tentando interferir no seu relacionamento, Anna. — Sua voz soa defensiva, mas seus olhos claramente dizem que é mentira — Só queria me desculpar e prestar solidariedade por conta da sua mãe, eu sei o quanto você a amava e o quanto está sendo difícil pra você. E vim aqui me certificar que você está bem, eu me preocupo com você.
— Desculpas? — Dou uma risada incrédula, cruzando os braços. — Você acha que enviar flores e me colocar em uma posição desconfortável foi uma forma sincera de pedir desculpas? Você sabia exatamente o que estava fazendo. E sobre minha mãe, poupe-me. Aconteceu, morreu, já é passado.
Ela balança a cabeça, desviando o olhar por um momento.
— Talvez eu tenha exagerado. Mas você não entende, Anna... Eu precisava encontrar um jeito de me fazer ouvir. E não fale assim sobre sua mãe, pois eu sei que isso não é verdade. Você sente a morte dela. Eu te conheço, Sapinha. Não se feche assim, não se fecha pro mundo mais uma vez. Não crie um coração de pedra que você não tem, por favor.
Balanço a cabeça negativamente diversas vezes para evitar ouvir aquelas palavras que me acertaram em cheio. Porr*, ela me conhecia tão bem.
— E escolheu o jeito de fazer com que eu te ouvisse o mais egoísta possível. — Minha voz está firme, mas sinto a exaustão me invadindo. — Beatriz, você não está tentando se desculpar. Está tentando criar caos na minha vida.
Ela me encara, agora sem conseguir esconder a frustração.
— Não é isso! — Ela quase grita, mas logo baixa o tom. — Eu só... eu só não consigo aceitar e acreditar que você não esteja sentindo a morte dela. Você não é assim, Anna. Você é a pessoa mais doce que eu já conheci. Nunca você falaria dessa forma da sua mãe. Eu sei que ela não foi a melhor mãe do mundo pra você, que houveram mágoas, mas você não é assim.
Novamente suas palavras me atingem. Por um momento, fico sem saber como responder. Inspiro profundamente, buscando manter o controle. Ela se aproxima e meus olhos ficam marejados com suas palavras, ela percebe e me puxa para um abraço, me permito chorar ali em seu abraço e começo a soluçar.
— Você não precisa ser forte o tempo todo... — Ela diz em tom suave — Eu tô aqui, você pode conversar comigo, não precisa guardar isso somente pra você, eu sei que está doendo. — Ela acaricia meus cabelos, mas eu não consigo sentir nada além da dor da perda.
Por alguns minutos, deixo a dor tomar conta. O abraço de Beatriz é quente, familiar, mas também carregado de significados que não quero explorar agora. Quando meus soluços finalmente diminuem, me afasto, limpando as lágrimas com a palma da mão.
— Eu não devia ter feito isso. — Minha voz sai baixa, quase inaudível.
— Por que não? Chorar não é fraqueza, Anna. Você está lidando com muito mais do que qualquer pessoa deveria enfrentar sozinha.
Desvio o olhar, sentindo a tensão retornar.
— Porque isso não muda nada entre nós, Beatriz. — Minha voz é mais firme agora, mas ainda carrega um tom cansado. — Eu agradeço... por se preocupar. Mas não quero confundir as coisas.
Ela dá um pequeno passo para trás, parecendo hesitar.
— Não foi minha intenção confundir nada. Só queria estar aqui por você, como já estive antes.
Essas palavras me atingem como uma faca. "Como já estive antes." Como se ela não tivesse sido a mesma pessoa que partiu e me deixou recolhendo os cacos sozinha.
— Não é mais o seu lugar, Bea. — Uso o apelido quase sem querer, mas o arrependimento logo me invade. — Eu tenho alguém ao meu lado agora e eu preciso respeitar isso.
Ela baixa os olhos, apertando os braços como se tentasse se proteger.
— Entendi. — Sua voz está mais suave, quase resignada. — É a ruiva, não é? É ela que está te roubando de mim? Você a ama, Anna?
— Espero que entenda mesmo. — Suspiro, me obrigando a manter a calma. — Porque, por mais que eu esteja agradecida por você ter se preocupado, isso não muda o fato de que nós... — Pauso, buscando as palavras certas. — Nós não temos mais nada além de lembranças, Beatriz. E eu prefiro deixar elas no passado. E sim, é a ruiva. Minha Fernanda. Só pra deixar claro: eu a amo muito. E ela merece me ter por inteira.
Ela me encara, e vejo algo quebrar em seu olhar. Mas não há mais nada que eu possa fazer para amenizar isso.
— Por quê? – Ela diz com um fio de voz
— Porque quando eu achei que não tinha mais volta pra mim, quando eu me afoguei na escuridão que você... — faço uma pausa, contendo a emoção que ameaça transbordar. — Que você e os meus pais me deixaram, ela chegou. E me fez enxergar quem eu era. Me fez ver que eu era importante. Que eu merecia amor. Ela me trouxe de volta à vida.
— Você não entende... — Beatriz murmura, a voz carregada de uma emoção que me desarma por um instante. — Eu te amei de um jeito que nunca amei ninguém. Você lembra, Anna? Como éramos juntas? No colégio, quando nos pegávamos escondidas no banheiro... ou naquele almoxarifado apertado? Eu tremia toda vez que você me tocava. E eu nunca senti isso... com mais ninguém. Só com você.
Minha respiração para por alguns segundos, memórias passam pela minha mente como o trailer de um filme. Não é apenas o que ela diz, é como ela diz. Aquele tom rouco, carregado de saudade, de desejo, que um dia já foi minha perdição.
— Beatriz, não começa... — Tento interrompê-la, mas ela avança outro passo, próxima demais.
— Eu deixei tudo por você, Anna. — Sua voz se quebra, e vejo lágrimas começarem a escorrer por suas bochechas. — Meu marido, minha vida confortável... Eu achava que, se fizesse isso, teria uma chance com você de novo. Que você perceberia que nunca foi outra pessoa, que sempre fomos nós.
— Você fez isso por você mesma, não por mim. — Minha voz sai cortante, mas por dentro sinto uma mistura perigosa de raiva e pena. — Não me culpe pelas suas escolhas.
Ela solta um soluço baixo, e antes que eu possa reagir, seus dedos tocam meu braço, subindo devagar até meu rosto.
— Só me dá uma chance. Uma última vez. — Sua voz é quase um sussurro enquanto ela se inclina, pressionando os lábios contra meu pescoço.
O toque dela é quente, gostoso, e por um segundo sinto meu corpo vacilar. É um instante cruel de fraqueza, e minha mente é invadida por flashes de nós duas, do que fomos.
Mas então, minha mente fodida me joga um bote salva-vidas. Fernanda surge na minha cabeça. O som da risada dela, o calor do abraço, a sensação de pertencer a algo que ela me dá, suas penugens ruivas e suas singelas sardinhas no rosto. Isso tudo me faz sentir que é ela. Nunca foi Beatriz que ia me dar o amor que eu mereço, sempre foi Fê.
Respiro fundo, reunindo forças para me afastar. Seguro os ombros de Beatriz com firmeza e a empurro para trás, determinada.
— Chega, Beatriz. Eu já escolhi, e não é você.
Ela me encara, os olhos marejados e incrédula que eu a rejeitei e posso notar um pouco de desespero.
— Você vai me deixar assim? Depois de tudo?
— Eu não estou te deixando, porque nunca estive aqui pra você. — Meu tom é frio, mas necessário. — Você precisa seguir em frente. Assim como eu segui.
Ela dá um passo para trás, as lágrimas agora rolando livremente.
— Você vai se arrepender disso, Anna. — Sua voz é uma mistura de dor e ameaça, antes de ela se virar e sair por aquela calçada sem nem olhar pra trás.
Fico ali, observando-a ir embora, sentindo o peso daquela conversa esmagar meu peito. Quando ela finalmente desaparece na esquina, entro em casa e fecho a porta.
Encosto-me na madeira fria, soltando um suspiro trêmulo. Minha mente é um caos. Parte de mim sente culpa, outra sente alívio, e uma terceira parte, mais silenciosa, apenas deseja que o dia acabe.
Caminho até a cozinha e encho um copo d'água, tentando acalmar os nervos. Meu celular vibra no bolso, e ao pegá-lo, vejo uma mensagem de Fernanda:
**monstrinha ♥:**
Cheguei em casa, amor. Você chegou bem? Confesso que estou sentindo a sua falta.
Um pequeno sorriso escapa, apesar de tudo. Digito uma resposta rápida, tentando manter a leveza:
**Anna Florence – Adv**
Oi, amor. Eu cheguei bem sim e tudo o que eu mais queria era que você tivesse aqui comigo.
Termino de enviar a mensagem e encaro a tela do celular por alguns segundos. Minha mente ainda está na conversa com Beatriz, em como suas palavras tocaram partes de mim que eu tento manter adormecidas.
Minha mãe. A ausência dela é como um buraco negro dentro de mim, sugando qualquer tentativa de racionalizar o que sinto. E agora Beatriz, como uma sombra do passado, me fez encarar algo que eu tentava evitar: eu não sou tão forte quanto gostaria de parecer em relação a esse assunto.
Minha mãe me amou de verdade? Caso não amasse, ela não se separaria do boçal do meu pai para me acolher. Bom, não foi bem um acolhimento, ela quis evitar que meu pai me matasse. Minha mente viaja novamente à Beatriz. Preciso contar pra Fê, caso contrário ela perderia a confiança em mim, ela já ficou chateada com as malditas flores.
Não é justo com Fernanda. Ela merece mais, merece a minha transparência.
Pego o celular novamente e digito rapidamente:
**Anna Florence – Adv**
Amor, posso te ligar? Preciso falar com você.
Ela responde quase de imediato:
**monstrinha ♥:**
Claro, me liga.
Respiro fundo antes de apertar o botão de chamada. O telefone toca duas vezes antes de Fernanda atender.
— Oi, meu amor. — Sua voz é suave, carinhosa e a culpa no meu peito cresce ainda mais. — Você está bem?
— Estou... melhor agora. — Respondo, mas minha voz sai hesitante. Sei que ela percebe.
— Anna? O que aconteceu?
— Fernanda, eu preciso te contar uma coisa. — Faço uma pausa, buscando como dizer — A Beatriz veio aqui agora.
Do outro lado da linha, ouço Fernanda respirar fundo, mas ela não diz nada de imediato.
— Ela foi até a sua casa? — Sua voz é firme, mas não rude. Isso me desarma.
— Foi. — Confirmo, sentindo a necessidade de explicar antes que ela tire suas próprias conclusões. — Me esperou no meio fio e conversamos lá mesmo. Ela queria conversar, pedir desculpas, mas... Fernanda, foi difícil. Eu disse a ela que estou com você, que te amo e que o que tivemos acabou.
— Ela aceitou isso? — Pergunta, o tom ainda controlado, mas há uma nota de vulnerabilidade que me corta.
— Não. — Admito. — Foi uma conversa longa, emocional. Ela tentou justificar as flores, disse que só queria se desculpar, mas acabou mexendo com coisas que eu ainda não sei lidar... sobre a minha mãe, sobre o passado.
Há um momento de silêncio, e eu quase posso ouvir os pensamentos de Fernanda do outro lado.
— E você? — Ela finalmente pergunta. — Como você se sente?
Essa pergunta me pega de surpresa. Não era o que eu esperava ouvir. Achei que ela iria ficar enciumada e iríamos acabar brigando, mas ela se importa comigo e talvez isso seja algo que mexa muito com ela também.
— Sinto que estou carregando um peso que não sei como soltar. — Minha voz sai em um sussurro, e admiti-lo me faz sentir vulnerável. — Sobre a minha mãe, sobre a Beatriz... Mas eu sei o que quero agora, amor. Eu quero você.
— Anna... — O tom dela é mais suave agora, quase um sussurro. — Eu estou aqui. Não importa o que você esteja sentindo, o que aconteceu hoje. Estou com você.
— Obrigada, amor. — Fecho os olhos, deixando a sinceridade na voz dela me acalmar. — Só queria que você estivesse aqui comigo agora.
— Eu também. — Ela diz, e posso ouvir um sorriso em sua voz. — Você quer que eu vá?
Eu quase digo "sim" no mesmo instante, mas paro para pensar. Não quero que ela sinta que estou sendo dependente dela para lidar com isso, mas, ao mesmo tempo, sei que sua presença faria tudo parecer menos pesado. E, também, combinamos de nos ver menos para não pularmos etapas. Mas eu preciso tanto, tanto, tanto dela agora que eu estava cagando pra etapas.
— Você viria? — Pergunto, quase com medo da resposta.
— Claro que sim. — Ela responde sem hesitar. — Me dá 1 hora, eu vou tomar um banho e vou pedir o app.
Sorrio pela primeira vez em horas.
— Obrigada, vida.
— Sempre, meu amor.
Quando a ligação termina, sinto um peso a menos em meus ombros. Ainda preciso processar tudo o que aconteceu hoje, mas sei que, com Fernanda ao meu lado, talvez eu consiga enfrentar esses demônios um de cada vez.
Enquanto espero Fernanda chegar, minha mente não me dá trégua. O silêncio da casa só amplifica os ecos das palavras de Beatriz. "Você não é assim, Anna. Você é a pessoa mais doce que eu já conheci." Por mais que eu tenha tentado ignorar, aquilo ficou gravado, como uma tatuagem emocional.
Ela estava certa? Eu estava me fechando, endurecendo meu coração? Sempre me orgulhei da minha força, mas, agora, parece que estou apenas me escondendo atrás dela. A morte da minha mãe trouxe à tona mais do que eu estava pronta para lidar. Não é apenas a perda, é a bagagem inteira que ela deixou: as memórias, as palavras não ditas, a ausência no momento em que eu mais precisei.
Me levanto e começo a andar pela sala, tentando aliviar a inquietação. Meu olhar recai sobre a estante, onde algumas fotos estão emolduradas. Não há nenhuma da minha mãe ali. Nunca houve. Sempre foi mais fácil fingir que aquela relação não existia, mas agora a ausência dela é impossível de ignorar.
Será que Beatriz entende isso? Será que ela realmente acredita que me conhece melhor do que eu mesma? Talvez. Por 2 anos, ela foi a única pessoa que eu deixei se aproximar de verdade. Mas ela me quebrou. E por mais que eu tenha colado os pedaços, algumas rachaduras ainda estão ali.
Fernanda, por outro lado, chegou devagar, como quem não quer nada, mas acabou se tornando tudo. Ela trouxe algo que eu nem sabia que precisava: paz. E, ao mesmo tempo, eu sinto que essa paz está ameaçada agora, não por Beatriz, mas pelo meu próprio caos interno.
Respiro fundo, tentando organizar meus pensamentos. Eu preciso contar tudo para Fernanda, não só sobre o que aconteceu hoje, mas sobre o que eu estou sentindo. Ela merece isso. Não posso deixar que o medo ou o orgulho me impeçam de ser honesta com ela.
Olho para o relógio. Ainda faltam alguns minutos para Fernanda chegar. Pego meu celular e, sem pensar muito, começo a digitar uma mensagem para ela:
*Anna Florence – adv”
"Amor, quando você chegar, quero conversar com você sobre o que estou sentindo. Eu quero que você saiba o quanto você significa pra mim, mesmo que, às vezes, eu não saiba expressar isso direito."
Leio a mensagem duas vezes antes de apagar. Não quero que ela sinta o peso das minhas palavras antes mesmo de estar aqui. Em vez disso, deixo o celular de lado e vou até a cozinha e me sirvo uma dose de whisky puro e sem gelo. Bebo de uma só vez. Argh. Amargo.
Vou ao banheiro e me olho no espelho, prendo meus cabelos em um coque e entro no chuveiro deixando a água cair sob as minhas costas, como se aquilo fosse limpar tudo o que eu estava sentindo. Acabo de tomar meu banho rápido e enquanto estou me enxugando ouço a campainha tocar. Era ela. Visto meu roupão e respiro fundo mais uma vez. Caminho em direção à porta e abro, ela olha minha expressão e me olha com preocupação, mas logo abro os braços para recebê-la em um abraço.
— Sei que hoje não é nosso dia de ficarmos juntas, que prometemos ir devagar, que não queríamos acelerar as coisas, pular etapas, mas... — Ela me interrompe
— Shh, shh, shh. — Coloca o dedo indicador nos meus lábios e continua a me abraçar, fecha a porta ligeiramente com o pé e vai me empurrando até o sofá da sala.
Sentamo-nos uma de frente para outra, ela está carregando aquela aura calma e segura que sempre me faz sentir que tudo vai ficar bem, mesmo quando tudo dentro de mim parece estar desmoronando. Ela me encara por um momento, com um pequeno sorriso nos lábios, mas seus olhos estão atentos, avaliando meu estado.
Essa seria uma conversa em que eu colocaria tudo às claras para ela, eu não queria mais me fechar, eu queria que a Fê participasse da minha vida sentimental como um todo, eu queria que ela soubesse como me sentia, eu não sou um monstro. Não posso me fechar até para a mulher que amo.
— Oi, meu amor. — Sua voz é suave, tentando chamar minha atenção, mas noto que está cheia de preocupação.
— Oi. — Respondo, tentando sorrir de volta, mas sei que não convenço ninguém.
Ela se aproxima, me puxando para um abraço. Por um momento, me deixo afundar na segurança dos braços dela. O cheiro do seu body splash me acalma, mas a culpa e a confusão ainda estão lá, insistentes.
— Você está com essa carinha de quem pensou demais enquanto esperava. — Ela comenta, — E você também bebeu — Constata, se afastando apenas o suficiente para olhar para mim. — Quer me contar?
Aceno, engolindo em seco.
— Quero. Preciso, na verdade.
Ela espera pacientemente, sem me pressionar. Tomo um gole da água que deixei preparada antes de finalmente encontrar as palavras.
— Eu sei que já te contei que a Beatriz veio aqui hoje, mas acho que não te falei o suficiente sobre o que aconteceu... ou sobre como isso mexeu comigo.
Ela permanece em silêncio, mas seu olhar me encoraja a continuar.
— Foi intenso. Ela começou pedindo desculpas, mas, no fim, acabou falando coisas que... mexeram com partes de mim que eu tento manter enterradas. — Respiro fundo, procurando coragem para ser completamente honesta. — Sobre a minha mãe. Sobre como eu lidei com a morte dela. Sobre quem eu sou agora.
Fernanda entrelaça nossos dedos, apertando levemente minha mão, um gesto silencioso de apoio.
— E você acha que ela tinha razão? — Sua pergunta é calma, mas direta, e me faz desviar o olhar por um momento.
— Não sei. Talvez em algumas coisas, mas... O jeito que ela fez isso foi tão egoísta. Como se ela quisesse me desestabilizar, não realmente ajudar. — Faço uma pausa, olhando para ela. — Mas o que mais me incomoda é o fato de que eu chorei nos braços dela. Não porque queria ou porque ainda sinto algo por ela, mas porquê... eu precisava desabar, e ela estava ali.
Fernanda não solta minha mão, mas seu semblante mudar no mesmo momento. Insegurança? Ciúmes? Tento consertar antes que qualquer mal-entendido cresça.
— Fernanda, eu quero que você saiba que isso não muda nada entre nós. Eu amo você. Você é o meu presente, o meu futuro. Eu disse isso a ela, e não foi da boca pra fora. Foi a coisa mais verdadeira que já senti.
— Então você chorou nos braços dela?
— Fernanda, não foi... — Tento começar, mas ela ergue uma das mãos, me interrompendo.
— Me deixa terminar, por favor. — Sua voz treme, e vejo as lágrimas começarem a se acumular em seus olhos.
Eu fico em silêncio, meu coração apertado diante da dor evidente dela.
— Eu sei que você está passando por muita coisa, Anna. Sei que a perda da sua mãe te abalou de um jeito que você nem sabe como processar ainda, mas você tem ideia de como isso me faz sentir? Saber que você... que você se permitiu ser vulnerável com ela, mas não comigo?
— Não foi sobre isso... — Tento justificar, mas Fernanda dá uma risada amarga, interrompendo-me novamente.
— Não foi? — Ela me encara, e agora vejo o brilho das lágrimas escorrendo por seu rosto. — Então me explica, Anna. Me explica por que ela foi a pessoa que você escolheu naquele momento e não eu. Eu estou aqui por você desde o início, e mesmo assim parece que sempre existe espaço para ela no meio do que é nosso.
— Fernanda, eu não escolhi isso. — Minha voz sai mais alta do que eu pretendia, carregada de frustração. — Ela apareceu na minha porta! Eu não planejei nada disso, e, se pudesse, teria evitado!
— Mas você não evitou. — Ela rebate, agora limpando as lágrimas com raiva. — E sabe o que mais? Eu estou cansada, Anna. Estou exausta de sempre me sentir como... como se estivesse competindo com uma sombra.
— Não é uma competição. — Minha voz soa suplicante
— Mas é assim que parece! — Ela se levanta, cruzando os braços como se tentasse se proteger de mim. — Ela manda flores, te procura, mexe com você, e eu? Eu fico aqui, tentando ser a namorada compreensiva, tentando segurar o que sinto para não te sobrecarregar ainda mais.
Ela faz uma pausa, as lágrimas escorrendo livremente agora.
— Só que eu também tenho limites, Anna. E essa situação já passou de todos eles.
Eu me levanto, tentando me aproximar, mas ela recua, me lançando um olhar que é uma mistura de dor e raiva.
— Fernanda, eu não quero que você se sinta assim. Eu te amo. Eu estou tentando, mas...
— Mas o quê? — Ela interrompe, sua voz quebrando. — Você está tentando se ajudar ou a ela? Porque, honestamente, eu já não sei mais.
Tento alcançá-la novamente, mas ela balança a cabeça, dando um passo para trás.
— Eu preciso de um tempo. — Ela diz, quase em um sussurro. — Um tempo pra mim. Pra respirar, pra pensar. Porque, do jeito que as coisas estão, eu... eu não sei como continuar.
Fico paralisada enquanto vejo Fernanda pegar sua bolsa e caminhar até a porta.
— Fernanda, por favor... — Minha voz sai quase inaudível.
Ela para por um momento, a mão na maçaneta, mas não se vira.
— Eu te amo, Anna. É por isso que isso dói tanto.
A porta se fecha atrás dela, e eu fico ali, sozinha no silêncio sufocante da sala, com o peso do que acabei de perder pendendo sobre meus ombros.
Fim do capítulo
Oi, meninas.
Espero que curtam o capítulo!
Tudo tem limite, né? O que vocês acham?
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Mmila
Em: 15/12/2024
P..... Anna..... menos......
nath.rodriguess
Em: 15/12/2024
Autora da história
calma, minha gente
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Socorro
Em: 15/12/2024
Pqp Anna ... vc realmente é uma ..... ( e melhor ) não falar ..
Algumas pessoas merecem sofrer!
Aquelas que tem a oportunidade de serem livres do sofrimento, mas enfim não querem.
tem pessoas que se merecem viu ....
afff..
autora, que presente de niver kkk nem deveria ter lido kkk
nath.rodriguess
Em: 16/12/2024
Autora da história
Meus parabéns, meu amor! Desejo uma infinidade de coisas boas pra ti.
Anna precisa urgentemente de terapia, né?
Quinta feira tem mais! Obrigada por ler.
Mais uma vez, feliz aniversário ^^
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