capitulo trinta: sorte no jogo, azar no amor
CAPÍTULO TRINTA. SORTE NO JOGO, AZAR NO AMOR.
Estou em uma delegacia acompanhando o flagrante de um cliente. Tem duas semanas desde que Fernanda foi embora pela minha porta e disse que precisava de um tempo para pensar. Até tentei mandar mensagens, aparecer na sala dela no escritório, mas ela disse que precisava de espaço e assim respeitei.
O policial chama minha atenção e diz que o delegado quer falar comigo. Droga. Odeio ficar aérea nesse tipo de situação. Reviro os olhos e tento voltar meu pensamento para o caso a minha frente.
A sala do delegado está abafada, com um ventilador pequeno empurrando o ar quente de um lado para o outro. Ele fala algo sobre os procedimentos do flagrante, mas as palavras chegam distantes, como se viessem debaixo d’água. Tento me ancorar na pasta de documentos que seguro, mas meus dedos tremem levemente.
Penso em Fernanda, na expressão da minha ruiva enquanto dizia que precisava de um tempo. O tom na voz, aquela mistura de tristeza e determinação, volta para me assombrar quando menos espero.
— Doutora, está tudo bem? — a voz do delegado corta meus pensamentos e percebo que ele me observa com uma sobrancelha levantada.
— Sim, desculpe. — Minha voz soa firme, mas sinto a pressão no peito aumentando.
Volto para o escritório horas depois, exausta de um dia em que mal consigo lembrar o que fiz. Minha sala está do mesmo jeito, mas parece maior, mais vazia. Tento focar no relatório do caso, mas, quando menos espero, meus olhos vão parar no celular. Nenhuma mensagem dela. De novo.
Diana entra, avisando que Dra. Baldez quer me ver. Respiro fundo, ajusto o blazer e saio. Por fora, estou impecável; por dentro, tudo desmoronando.
— Sim, Dra Baldez? — Entro após dar singelas batidas na porta, deixando-a entreaberta com a minha cabeça para dentro e o corpo para fora
— Entre, Anna. Por favor. – Ela diz, dando um sorriso antes de voltar aos seus papéis
Sento-me na sua poltrona macia e dou um suspiro longo, ela dá um meio sorriso e se senta ao meu lado. Logo, Diana entra com dois cafés. Minha chefe agradece a ela e logo volta sua atenção pra mim.
— O que está havendo? – Diz colocando o adoçante no seu café
— Como assim? – Pergunto a ela, tentando entender o que ela quer dizer.
— Você está distante tem uns dias. – Ela afirma, mexendo a colher na xícara – Tem algo que eu possa fazer por você? É o trabalho? Está sobrecarregada?
Olho para o café nas minhas mãos, está quente de forma que aquece meus dedos, mas por dentro eu estava gélida, mecanizada. Minha cara no trabalho nas últimas semanas não deveria ser das melhores, meio que simplesmente não consigo esconder nada do que está acontecendo comigo no momento.
— Não, não é isso. O trabalho está... tudo bem. — Minha voz soa mecânica, e sei que não a convenço. Dra. Baldez não é do tipo que aceita respostas superficiais.
— Anna, você sabe que pode falar comigo. Não é só o trabalho que nos conecta. — Sua voz é baixa, quase um sussurro, mas carrega uma firmeza que me desarma.
Suspiro novamente, segurando a xícara com mais força do que o necessário.
— Eu... — começo, mas minha garganta aperta. Não quero desmoronar ali. Não quero admitir que estou uma bagunça. — É só... coisas pessoais.
Ela dá um pequeno aceno com a cabeça, como se esperasse por essa resposta, mas seus olhos não me deixam escapar.
— Entendo. Mas quero que saiba que, se precisar de algo, ou de um tempo para lidar com isso, estou aqui. — Ela toma um gole do café, me dando um momento para respirar. — Você tem feito um trabalho incrível, Anna, mas não quero que se acabe de trabalhar. Como eu disse: não pegue uma carga de trabalho mais pesada do que pode aguentar.
As palavras de Roberta são gentis, o que me deixa pior. Na verdade, eu estava tentando compensar minha dor com trabalho, como sempre. Workaholic sim, admito. Mas naquele momento, nada parecia surtir efeito. O amor nos prega umas peças que às vezes, fica difícil encaixá-las no quebra cabeça. Por que na minha vez tem que ser tão difícil, Deus?
— Obrigada, Roberta. — Minha voz sai baixa, e finalmente consigo levantar o olhar para ela.
Ela sorri de leve e se levanta, indo até sua mesa novamente e colocando seus óculos de grau.
— Certo. Se precisar conversar, minha porta está sempre aberta. Agora, volte ao seu café antes que esfrie. — Sua tentativa de leveza é quase reconfortante.
Levanto-me, agradecendo mais uma vez. Saio da sala com o café na mão e a sensação de que estou por um fio. Fernanda está em cada pensamento meu, droga.
No corredor, vejo Diana me lançar um olhar curioso, mas não digo nada. Volto para a minha sala, fecho a porta e me permito um minuto para encarar o vazio. Meu celular vibra na mesa, e meu coração acelera.
É uma mensagem.
Não dela.
Beatriz.
Meu peito aperta enquanto pego o celular. É quase automático: desbloqueio a tela, meus olhos acompanham a notificação subir e ela está lá:
Beatriz:
"Anna, sei que você está ocupada, mas por favor, podemos conversar? Sinto que deixei coisas importantes sem dizer."
Reviro os olhos, o que ela poderia mais me dizer? Respiro fundo, tentando fazer com que a irritação se dissipe. Ela tem o dom de aparecer nos piores momentos. Só que agora, minha vontade é de mandá-la para marte, bem longe de mim e de Fê.
O som do celular vibrando novamente me faz semicerrar os olhos e apertar a mandíbula de tanta raiva. Contra a minha vontade, minha curiosidade vence. Pego o aparelho de novo.
Beatriz:
"Eu não quero atrapalhar sua vida. Só achei que deveria tentar. Me deixe saber se você pode me ouvir."
Ouvir? Ouvir o quê, exatamente?
Minha vontade é bloquear o número, acabar com essa insistência absurda. Mas ao invés disso, me vejo encarando a tela, os dedos hesitantes sobre o teclado.
Finalmente, digito:
"Não é um bom momento, não quero te ver e nem te ouvir nunca mais. Por favor, se afaste. Desista. Não vê o que está fazendo com a minha vida? Se me ama mesmo, deixe-me ir.”
A resposta vem quase que instantaneamente, como se ela estivesse esperando do outro lado, ansiosa.
Beatriz:
"Como eu posso desistir do meu amor assim? Você não desistiu de mim.”
Meu estômago revira.
Jogo o celular de volta na mesa e passo as mãos pelo rosto, tentando dissipar a névoa de sentimentos confusos. A porta do meu coração está fechada para Beatriz, mas como eu poderia fazê-la parar de insistir?
Preciso de ar. De distância. De qualquer coisa que me faça esquecer essa sensação sufocante de estar no limite.
Levanto-me da cadeira e saio da sala, ignorando o celular vibrando de novo.
Decido produzir um pouco de serotonina. Vou à concessionária e assino todos os papéis possíveis para que meu carro chegue o mais rápido possível. Escolho o que Fernanda havia falado e dou um sorriso quando faço o test-drive, criando uma fanfic na minha cabeça, imaginando Fernanda dentro desse carro comigo, nós duas indo viajar, eu levando-a em casa depois do trabalho, abrindo a porta pra ela entrar, como ela gosta que eu faça.
Porr*, duas semanas longe e eu já sinto que foi uma vida.
O vendedor aperta minha mão a fim de selar o negócio que acabei de fechar. O carro chegaria em 2 dias e eu já estava radiante, decido que quem não vai desistir do meu amor sou eu.
Decido ligar para um restaurante japonês e fazer uma reserva. Iria levá-la pra jantar, assim poderíamos conversar sobre todas as coisas e ter uma conversa definitiva. Olho para o meu smartwatch e já são 18h da tarde, foda-se que eu saí do escritório no meio do expediente, eu precisava urgentemente pensar.
Peço à recepcionista do restaurante que reserve o espaço íntimo que havia no andar de cima para nós duas. Não queria ninguém incomodando e olhares curiosos sobre nós. Decidi mandar uma mensagem pra Andressa para ver se ela topa chamar
Fernanda pra jantar e não contar pra minha ruiva que, quem ia no lugar de Andressa, era eu. Fizemos isso na festa da empresa e deu certo. Decidi tentar de novo, tomara que ela queira ir. Logo, Andressa me responde dizendo que sim e que ela topou. Ótimo.
Chego em casa e resolvo tomar um banho para jantar. Agora eu não vivia tanto de iFood pois Fê como amava cozinhar, fazia marmita pra mim para a semana toda e deixava congelada. Ela dizia que eu gastava muito com comida e meu bolso agradeceu. Agora só fazia compras de mês com a minha namorada mandona e ela me fazia comer direito: frutas, legumes, verduras... Comida de gente saudável.
Impossível não lembrar de Fernanda quando olho para cada cantinho dessa casa. Minha miniadega quase vazia, pois sempre que ela cozinhava tomávamos um vinho para relaxar – A sua parte no meu guarda-roupa, a minha cama com o cheiro dela, tudo me lembrava a minha ruiva.
Deito-me na cama por alguns instantes e abraço o travesseiro sentindo seu cheiro. As lágrimas ameaçam cair, mas eu não as deixo. Estou firme com o meu propósito de ficar com Fê pra sempre e não queria perder tempo com lamentações. Ao mesmo tempo que estou aqui, minha mente já viajou para nosso jantar. Fico me perguntando qual vai ser a reação dela, o que ela vai dizer, se ela vai me expulsar e dar as costas e ir embora, ou se vai apenas se deixar levar pela surpresa.
Fernanda era uma incógnita. Eu a magoei com a minha atitude – ou falta dela – e teria que consertar esse grande erro. O problema é que Fê quando era boa, sabia dar amor, carinho, atenção, sabia ser cura. Quando ela era má, ela dá todo desprezo do mundo e nem olha mais na cara da pessoa – Assim como aconteceu com Alessandra. Eu estava perdida, a ansiedade toma conta de mim e eu decido olhar o feed do Instagram pra saber se ela tinha postado alguma coisa, algo que me fizesse vê-la ou tê-la um pouquinho perto de mim, nem que seja pela tela do celular.
Ela fez um storie com León, seu gato. Ele tentava pegar algum tipo de brinquedinho novo da mão da Fê – e falhava miseravelmente – o que me fez dar risada, pois ele era um gato totalmente desajeitado e preguiçoso.
Por um instante, penso em postar algo também, algo que ela possa ver. Mas o que eu mostraria? Minha vida inteira ultimamente se resume a trabalho e planejamentos silenciosos sobre como reconquistá-la. Nenhuma foto ou vídeo faria jus ao caos que estou sentindo por dentro.
Subo com o copo de whisky na mão e me jogo na cama novamente. Ligo a televisão no streaming e escolho um filme para tentar relaxar. Coloco A Sociedade da Neve, pensando que talvez um drama pesado me distraia da bagunça dos meus próprios pensamentos.
Faço um vídeo curto e posto que estou assistindo, deixo o celular de lado e viro minha atenção toda para o filme. Vez ou outra minha mente vai até Fernanda, como eu a queria assistindo comigo. Já imagino ela deitada no meu colo, fazendo cafuné nos seus cabelos, roubando beijos... que saudade sufocante da porr*.
É quando ouço meu celular apitar, uma notificação. Pego o celular rapidamente para ver quem mandou e é o nome dela, Fernanda.
Engulo seco. Meu peito dói de tanta ansiedade, mas foi tanta ansiedade que meu dedo errou o aplicativo e abri outro sem querer. Eu sou patética. Por um segundo, hesito em abrir, mas a saudade que eu tô da minha Fê era sufocante, essa saudade vencia qualquer hesitação.
**Fernanda**
Descumprindo sua promessa?
Que droga. Ela viu o copo de whisky na foto. Falei para ela que ia parar de beber coisas fortes, pois aumentavam a minha ansiedade.
**Anna Florence**
Perdão. Precisava de algo forte hoje.
**Fernanda**
“Está tudo bem?”
**Anna Florence**
“Vai ficar, monstrinha. Não se preocupe comigo. Você tá bem?”
**Fernanda**
Indo. Vai ficar tudo bem também. Vou dormir, Anna. Acordo cedo amanhã, você também deveria ir.
**Anna Florence**
Sim senhora, capitã rs
**Fernanda**
Boba! Beijos.
**Anna Florence**
Fê?
**Fernanda**
Diga.
**Anna Florence**
Amo você. Bons sonhos, monstrinha.
**Fernanda**
Anna... não vamos entrar nisso agora, por favor.
**Anna Florence**
Certo. Boa noite.
Bloqueio o celular e respiro fundo, mas o peso da conversa não me deixa. O copo de whisky na minha mão parece tão inútil quanto eu me sinto agora. Meu coração está apertado, e aquela última mensagem dela ecoa na minha cabeça: "Não vamos entrar nisso agora, por favor."
Me sento na cama e encaro a parede. A minha casa, tão cheia de lembranças dela, de nós duas, parece sufocante agora. Tudo me lembra o que eu poderia perder – ou o que já perdi.
Minha última mensagem para ela foi sincera. Eu a amo, independente de tudo. Só não sei se isso será suficiente para fazê-la voltar. O filme continua na televisão, mas eu nem presto atenção. O mundo inteiro parece distante, como se tudo tivesse perdido a cor.
Minha mente manda eu fazer uma coisa: apagar Beatriz de todas as redes sociais possíveis para que ela não saiba de nada sobre a minha vida. Bloqueio-a em tudo, principalmente no WhatsApp. Não quero mais saber disso, foi isso que me afastou de Fernanda e eu não quero mais nada em nosso caminho, principalmente ela.
Deixo o aparelho de lado e me deito novamente, mas o silêncio parece ensurdecedor. Tudo que quero é Fernanda de volta, aqui, comigo. Quero que ela veja o quanto estou disposta a lutar por nós, o quanto estou disposta a deixar para trás qualquer coisa que nos machuque.
Fecho os olhos e respiro fundo, mas minha mente ainda está agitada. As memórias de Fernanda são um consolo e, ao mesmo tempo, uma tortura. Seu sorriso, seu toque, sua voz. O jeito que ela me chamava de “boba” enquanto me olhava com aquele brilho no olhar.
Porr*, como eu deixei isso chegar a esse ponto?
Decido que, amanhã, vou me esforçar ainda mais para mostrar a ela que tudo isso – todo esse amor, essa vontade de sermos felizes juntas – ainda vale a pena. E que eu estou disposta a fazer o que for preciso para reconquistá-la.
Fecho os olhos novamente, com a esperança de que talvez, só talvez, Fernanda ainda sinta o mesmo.
🍣🍣🍣
Estou saindo do presídio, mais conhecido como “Acapulco”. Fui fazer a visita de um réu preso por estelionato. O caso não era nem complicado em si, mas era da Dra Baldez e eu tive que checar com meus próprios olhos para ter certeza da melhor técnica processual a ser utilizada no processo dele, tive que fazer a oitiva do cliente. Não gosto de errar, odeio errar. Dra Baldez estava confiando em mim.
Ligo meu telefone e são mais de quatro chamadas perdidas de Roberto e Andressa. O setor de civil estava pegando fogo e eles estavam tentando me avisar? Roberto nunca me ligava, a menos que fosse importante. Fora isso, ele sempre pedia que Norma, sua secretária, me ligasse. Decido retornar a ligação e ele me atende esbaforido.
— Anna, precisamos de você agora. É um caso complicado, e Fernanda está no meio disso. — O tom de voz dele era tenso
Senti o coração acelerar ao ouvir o nome de Fernanda.
— O que aconteceu?
— Um cliente importante foi acusado de assédio dentro da empresa. Fernanda é a responsável por mediar a situação, mas a coisa está saindo do controle. Precisamos da sua ajuda para lidar com os aspectos legais.
— Já estou a caminho.
Ao chegar no escritório, me dirijo até o 12º andar. O clima naquele setor estava pesado. Caminhei em passos rápidos até a sala de reuniões, não bati e não pedi licença, fui entrando e encontrei Fernanda de pé, com as mãos apoiadas na mesa e uma expressão exausta.
— Anna... — Fernanda parece surpresa ao me ver
— Roberto me chamou. O que está acontecendo? — Decido manter um tom profissional, mas é impossível ignorar a tensão no ar.
Fernanda hesita por um segundo antes de explicar.
— O cliente está negando as acusações, mas temos vídeos da câmera de segurança e depoimentos que comprometem a situação dele. Ele assediou nossa funcionária, a recepcionista. Ele trouxe um advogado, e agora estão tentando intimidar a vítima. — A voz dela quebra levemente no final, denunciando o estresse do momento.
— Certo, deixe-me ver os documentos. — Sentei-me ao lado de Fernanda, a proximidade trazendo à tona uma onda de emoções. Que cheiro gostoso que ela tem.
Estamos analisando o caso juntas, a sala de reuniões se torna um campo de batalha entre o nosso profissional e o nosso pessoal não resolvido. A cada troca de olhares que damos, é como se as palavras não ditas ameaçassem sair.
Céus, como eu quero beijá-la agora.
— Por qual motivo não passaram esse caso ao setor de criminal? – Arqueio a sobrancelha
— Porque eu pedi o caso.
— Seria melhor ter ido para o meu setor, eu poderia cuidar pessoalmente.
— Está me chamando de incompetente, Anna? – Ela diz, visivelmente irritada
— Não foi isso que eu quis dizer! — Respondo rápido, sentindo o peso das palavras mal escolhidas. — Só quero que você entenda... é um caso delicado, com gente da empresa envolvida. Isso precisa ser tratado com cuidado.
Fernanda suspira profundamente, cruzando os braços enquanto me encara irritada.
— Não precisava vir aqui para me supervisionar. Eu sei fazer meu trabalho. — Ela rebate
Fixo meu olhar em Fernanda por alguns segundos, sentindo o peso da tensão no ar.
Porr*, ela queria brigar.
— Eu não estou aqui para isso. Estou aqui porque pediram minha ajuda. Podemos, por favor, focar no cliente em vez de nós? — Tento manter minha voz calma, mas sinto meu rosto queimar denunciando a minha dificuldade em ser profissional nesse momento.
Antes que Fernanda responda, a porta da sala de reuniões se abre com força, revelando o advogado do cliente acusado. Ele entra acompanhado de outro homem, provavelmente o cliente.
— Imagino que temos um impasse aqui, doutoras? — O advogado sorri de forma cínica, os olhos avaliando nós duas como se fossem peças de xadrez.
— Não. Estamos completamente alinhadas. — Respondo rapidamente, mudo minha postura para a habitual confiança que tenho nas negociações.
Fernanda também muda sua postura para uma mais rígida, mas evita olhar diretamente pra mim.
— Espero que o senhor esteja ciente de que as evidências contra seu cliente são robustas. — Fernanda diz, tentando esconder qualquer sinal de fraqueza.
O advogado ri, provocando.
— Evidências podem ser interpretadas de várias maneiras, doutora. E devo lembrar que os segredos de empresas como esta costumam ser vulneráveis em casos sensíveis como este.
Sinto o meu sangue ferver com a ameaça implícita.
— O que você está sugerindo? Esse escritório não age de má-fé. — corto logo
O advogado apenas dá de ombros, enquanto o cliente desvia o olhar, parecendo desconfortável.
Fernanda quebra o silêncio, a voz dela firme:
— Vamos resolver isso seguindo os trâmites legais, com ou sem a cooperação de vocês.
Os homens saem, mas o ar aqui na sala de reuniões permanece pesado. Dou alguns minutos para ver se alguém não vai entrar na sala novamente, quando vejo que estamos sozinhas, olho para Fernanda:
— Isso vai ser complicado. — Digo em um tom baixo, balançando a cabeça negativamente
Fernanda finalmente levanta o olhar para me encarar.
— Não mais do que já é.
O caso pode ter trazido nós duas juntas novamente, mas existia uma distância emocional cruel entre nós e estávamos longe de superar, pelo visto.
Depois que Fernanda saiu da sala de reuniões, fiquei por mais alguns minutos analisando as anotações no meu bloco. Minha mente, no entanto, não estava focada. A conversa entre nós ecoava em minha cabeça, assim como o olhar dela, carregado de mágoa.
Olho no smartwatch as horas, mas a tela de fundo é nossa foto na festa da empresa.
Droga. Por que as coisas tinham que ser assim tão difíceis?
Recolho os papéis e saio, caminhando direto para a sala de Roberto. Preciso garantir que todas as medidas legais sejam tomadas antes que o advogado adversário tente algo mais ousado. Ele me recebe com uma expressão cansada, e após atualizá-lo sobre o andamento do caso, sigo de volta ao meu andar.
No corredor, vejo Fernanda conversando com Andressa. Ela gesticula, explicando algo, e Andressa acena com a cabeça, preocupada. Tento passar despercebida, mas, ao me aproximar, Fernanda levanta o olhar e nossos olhos se encontram. Desvio o olhar primeiro, seguindo meu caminho, mas sinto o peso do olhar dela nas minhas costas.
Quando finalmente entro na minha sala, fecho a porta e solto um suspiro pesado. A pilha de documentos sobre a minha mesa parece menor do que o peso que carrego por dentro. Fico com os olhos marejados, mas sou interrompida pelo meu celular vibrando, me distraindo. Uma mensagem.
Meu celular vibra sobre a mesa, me distraindo. Uma mensagem.
Roberta Baldez:
Anna, preciso de você na minha sala agora. É sobre o caso do cliente acusado de assédio.
Droga. Parece que esse dia não vai acabar.
Levanto e sigo para a sala de Roberta. Ela está sentada atrás da mesa, com as mãos cruzadas sobre um relatório. Quando me vê, faz um gesto para que eu me sente.
— Como está a situação? — Ela pergunta direto, sem rodeios.
— Controlada, por enquanto. Mas o advogado do cliente fez algumas insinuações preocupantes. — Minha voz sai firme, mas minha mente ainda está presa na tensão com Fernanda.
Roberta me observa por um momento, e sinto que ela percebe mais do que eu gostaria.
— Sei que esse caso é delicado, especialmente considerando... os envolvidos. — Ela escolhe as palavras com cuidado, mas há uma ponta de compreensão no tom dela. — Anna, preciso que você se mantenha focada. Isso é importante, não só para o escritório, mas também para você.
Aceno, mesmo sabendo que minhas emoções estão longe de estar sob controle.
— Claro, Dra. Baldez. Pode contar comigo.
— Ah. Anna... — Ela chama minha atenção
— Oi. – Digo girando meu corpo para olhá-la, enquanto ponho a mão na maçaneta para abrir a porta
— Você e Fernanda terminaram? – Ela pergunta em um tom baixo
Não sou capaz de responder, só assinto afirmativamente com a cabeça.
Ela vem em passos firmes na minha direção e surpreendentemente me dá um abraço acolhedor. Algo que nunca esperei que ela fosse fazer. Permito que algumas lágrimas caiam. Não acredito que estou chorando nos braços da minha chefe.
Ela se desvencilha do abraço para me olhar, me lança um olhar preocupado.
— Tá tudo bem. Eu não desisti dela, só não dói menos por isso — Dou um sorriso fraco — Se importa se eu voltar ao trabalho agora? – Digo mudando a postura
— Não desista, tá na cara que a ruivinha te ama. – Ela pisca pra mim
Ao sair da sala, recebo mais um lembrete do quanto estou à beira de um colapso emocional. Preciso resolver isso com Fernanda, de um jeito ou de outro.
Depois de sair da sala de Roberta, decido fazer algo que sempre me ajuda a organizar os pensamentos: subir até o terraço do prédio. Encosto na grade de proteção e deixo o vento bagunçar meus cabelos loiros. Tento focar no caso, nos fatos, nas evidências. Mas tudo o que consigo ver é a expressão de Fernanda na sala de reuniões. Aquela mistura de mágoa e cansaço.
Eu deveria ter sido mais cuidadosa com o que disse. Talvez tivesse sido mais fácil deixar ela conduzir sozinha, mas isso seria me afastar ainda mais.
O som de passos atrás de mim me tira dos pensamentos. Não preciso me virar para saber quem é. O perfume dela chega antes.
— Eu sabia que te encontraria aqui. — A voz de Fernanda é contida, as lembranças tomam conta do meu pensamento e meu peito aperta.
Que vontade de te abraçar nesse momento, monstrinha.
— Precisava de um tempo para respirar. — Respondo sem olhar para ela, meus dedos se fechando na grade como se fossem âncoras. A grade estava bem suja por sinal.
Ela para ao meu lado, mantendo uma distância segura, mas próxima o suficiente para que eu sinta a presença dela.
— Anna, eu não... — Ela começa, mas para, como se estivesse escolhendo as palavras. — Eu não queria que fosse assim.
Viro o rosto para encará-la, e vejo os olhos dela fixos no horizonte.
— Assim como?
— Esse conflito constante. — Ela finalmente olha para mim, os olhos cheios de emoções que ela tenta esconder. — Eu sei que você está tentando ajudar, mas às vezes parece que... você quer assumir tudo, como se eu não fosse capaz.
— Não é isso. — Dou um passo na direção dela, mas me contenho antes de chegar muito perto. — Eu só... me preocupo com você.
— Eu sei. — Ela suspira, cruzando os braços. — Mas a sua preocupação às vezes sufoca, Anna.
— Fernanda, o que aconteceu entre nós... isso não muda o fato de que eu confio em você, na sua competência. Mas esse caso... é complicado. Sou sócia júnior agora e braço direito da dona da empresa, ela espera que eu resolva tudo. Não quero que você se machuque, nem aqui no trabalho, nem fora dele.
Ela sorri de leve, um sorriso triste.
— Eu não sou de vidro, Anna.
— Eu sei. — Desvio o olhar, sentindo o peso do que não estamos dizendo.
— Vamos resolver isso. — Ela finalmente diz, com uma determinação que sempre admirei.
Assinto, mas não consigo evitar um pensamento: resolver o caso é fácil. O difícil vai ser resolver nós duas.
— Você vai descer agora? – Fernanda pergunta, a voz suave, quase hesitante.
— Não. Acho que não consigo ainda, preciso ficar mais um tempo aqui. – Respondo, abaixando a cabeça.
Ficamos olhando uma para a outra, o silêncio entre nós duas. O som do centro da cidade, tão movimentado lá embaixo agora parece estar distante, mas o aperto que sinto no peito é insuportável. Me sinto perdida nesse momento, como acho o caminho de volta para algo que já se foi?
Merda. Eu merecia.
— Por que tudo tem que ser tão difícil entre nós? – A pergunta sai mais forte do que eu esperava. Olho para os olhos azuis de Fernanda, mas eles parecem perder o brilho, também estava doendo nela.
Ela não responde de imediato. Eu queria dizer tantas coisas, mas nada parece certo. A saudade, o arrependimento e o medo se misturam dentro de mim, e eu não sei mais como lidar com isso.
Ela era tão linda. E como eu queria abraça-la agora.
— Eu só... não sei o que mais fazer, Fernanda. – Minha voz sai rouca, quebrada. — Eu sei que te machuquei, e a culpa é minha. Mas... é como se não houvesse espaço para nós duas nesse caos, como se eu estivesse falhando com você a cada passo que dou. Eu sei que não posso consertar isso agora, mas não consigo entender... por que não conseguimos ficar bem?
— Anna, você precisa entender que não é só você quem está lutando com isso. Eu também estou. Só que eu também preciso de espaço para respirar.
Eu queria que fosse mais fácil. Eu queria poder simplesmente abraçá-la e fazer tudo se arranjar, mas sei que não é assim.
Ela vira as costas e sai.
Eu me dou conta de que, por mais que eu queira lutar por ela, por nós, eu ainda não sei se sou capaz de desfazer a distância que se formou entre a gente. E nem sei se ela quer que essa distância se desfaça.
Sorte no jogo, azar no amor. Seria sempre assim?
Fim do capítulo
Meninas, decidi postar um dia antes, pois amanhã seria impossível.
O que vocês acham: Fê volta ou não com a Anna?
Hahaha
Contem nos comentários.
Até domingo!
Meu insta: @rodriguesnathh
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Socorro
Em: 19/12/2024
Autora,
Volta aqui,
chega dessa separação!!!
duas semanas ja foi tempo suficiente tá hora de uma boa conversa e voltarem logo ...
Para de complicar ... ate no trabalho interferindo, ta legal nao ..
nath.rodriguess
Em: 20/12/2024
Autora da história
Gente, essa separação era necessária... acham que é fácil pra mim fazer a Anna sofrer? hahaha
O que vocês acham que vai acontecer durante essa separação?
Socorro
Em: 20/12/2024
Necessária sim ok só que até certo ponto ..
É importante que ambos os parceiros entendam as razões para o pedido de tempo, para evitar mal-entendidos.
Certeza que vai ter com essa separação..
esses conflitos são chatos kkk poderia ser evitado e trabalharem juntas …
Urubus vão se aproveitar disso já vi …aff
Poxa autora !!!
nath.rodriguess
Em: 21/12/2024
Autora da história
Foi necessário a Anna perder a Fê pra ela entender o quanto é importante se posicionar dentro de um relacionamento. Ela não queria machucar a Fernanda, mas com a sua falta de atitude em relação à Bia, acabou fazendo isso da mesma forma.
Domingo vocês saberão tudo o que vai acontecer. Capítulo 31 vem com tudo e eu já estou mais ansiosa que vocês hahaha
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Mmila
Em: 19/12/2024
Ah não!!!!!!!!!
Acredito no amor que elas sentem. Falta o entendimento, a conversa. Será no jantar!?!?!?!?
nath.rodriguess
Em: 20/12/2024
Autora da história
Será que vai chegar a ter um jantar?
Anna solteira, Bia rondando... Sei não, será?
Até domingo!
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nath.rodriguess Em: 09/01/2025 Autora da história
Odeio quando elas brigam.