Nenhuma das duas sentiu os meses que se passaram. A rotina leve e cheia de companheirismo fazia com que os dias fossem da mesma forma. Essa mesma rotina também proporcionava pequenos desentendimentos, mas nada que não fosse esquecido no fim do dia, ou que as duas não resolvessem com uma conversa.

            Marisa havia alugado um escritório, não muito grande, mas onde conseguia receber os clientes que já eram muitos. Tinha uma secretária e um estagiário que a ajudavam, e já estava considerando contratar um outro advogado.

            Saiu mais cedo naquele dia para conseguir passar no cartório de registros e na loja que precisava. Depois passou em um restaurante que Laila adorava, comprou comida e um vinho, e foi para casa. Quando chegou, ela também já tinha saído do trabalho. Colocou a sacola em cima da mesa da cozinha, onde Laila estava com um copo d’água na mão:

            — Trouxe comida.

            Lendo o nome do restaurante na embalagem, Laila sorriu e brincou: 

            — Eu sabia que era uma boa ideia te chamar pra morar comigo.

            Se aproximaram e trocaram um beijo rápido:

            — Como foi seu dia?

            Marisa respondeu acariciando o rosto dela:

            — Bom… E o seu?

            — Também.

            Não se alongou no assunto porque a ansiedade não permitia. Queria logo contar:

            — Tenho uma coisa pra te mostrar.

            Se afastou, foi até a bolsa e pegou um envelope. Estendeu pra Laila e pediu:

            — Abre.

            Assim que Laila tirou o papel, entendeu do que se tratava:

            — Então quer dizer que agora você é oficialmente divorciada?

            Marisa perguntou, se aproximando dela, com as mãos no bolso da calça social:

            — Sabe o que isso significa?

            Estendeu a mão esquerda para Laila:

            — Que eu estou livre para ser pedida em casamento.

            Laila riu e brincou:

            — Eu já fiz o pedido de namoro, agora é sua vez. 

            Seguindo exatamente o que Marisa havia imaginado que ela faria.

            Sorriu de antecipação pois, aquela fala de Laila, era perfeita para o que ela já tinha planejado fazer a seguir:

            — Então…

            Se ajoelhou imediatamente na frente dela, tirou uma pequena caixa do bolso e a abriu, mostrando duas alianças:

            — Você aceita se casar comigo, meu amor?

            O sorriso de Laila deu lugar a uma expressão de incredulidade tão grande que até a deixou pálida. Ficou olhando para Marisa com a boca entreaberta por alguns segundos, sem acreditar. Quando conseguiu falar alguma coisa, só o que saiu foi:

            — Isso é… De verdade?

            Segurou os braços de Marisa a fazendo levantar:

            — Meu Deus!

            Já de pé, Marisa tentou brincar, querendo afastar o nervosismo que começava a surgir:

            — Você precisa responder sim ou não…

            Pareceu uma eternidade até Laila responder, primeiro com os olhos que brilharam, e depois dizendo:

            — Claro que eu aceito, meu amor.

            Só quando Laila estendeu a mão, Marisa percebeu que ela estava tremendo. Colocou o anel no dedo dela e depois deixou que Laila fizesse o mesmo.

            O abraço foi apertado e depois o beijo um misto de paixão e emoção. Laila ficou olhando para a própria mão, a aliança cintilando, sem conseguir acreditar:

            — Você simplesmente acordou e decidiu me pedir em casamento?

            Marisa ainda mantinha os braços em volta da cintura dela:

            — Eu já queria que você fosse minha esposa há muito tempo… Mas não podia te pedir em casamento estando oficialmente casada. A averbação saiu ontem… Não quis perder nenhum segundo.

            Depois a beijou de leve nos lábios e disse, parecendo ficar sem jeito de repente, quase se desculpando:

            — Agora pensando melhor... Eu acabei de te pedir em casamento no meio da  nossa cozinha... Não foi uma boa ideia.

            Laila gargalhou, passando os braços em volta do pescoço dela:

            — Meu amor...

            Completou com os lábios quase tocando os de Marisa:

            — Não importa o lugar... A única coisa que me importa é que seja com você.    

            *****

            Marisa desligou a chamada com o coração acelerado. Era a primeira vez que falava com a mãe desde a conversa que tiveram — no sofá da casa que dividia com Edgar — muito tempo atrás. Quase não acreditou quando viu o nome dela na tela do celular. O corpo inteiro gelou, imaginando que algo ruim pudesse ter acontecido. A conversa foi rápida, a mãe perguntou como ela estava e pediu que se encontrassem, pois queria ver Marisa. A surpresa maior foi quando ela disse:

            — Leve a moça que está com você. Quero conhecê-la.

            Chegou em casa primeiro que Laila e começou a preparar algo para as duas jantarem. Estava quase pronto quando ouviu a porta do apartamento se abrindo e o barulho das patinhas de Caju correndo para encontrá-la.

            — Que cheiro maravilhoso!

            Marisa sorriu no momento em que Laila a abraçou por trás, enquanto ela ainda mexia a panela no fogão:

            — Tá com fome?

            Virou-se para Laila e a beijou, antes dela responder:

            — Com certeza. Dá tempo de tomar um banho antes?

            Marisa deu um selinho na boca dela:

            — Não demora, senão vai esfriar.

            E se virou de novo para o fogão. Achou que ela estivesse indo para o banheiro e foi surpreendida ao sentir os lábios de Laila em seu pescoço e as mãos a apertando pela cintura:

            — Você está um tesão cozinhando para a sua noiva.

            Sorriu, completamente arrepiada, e ainda sentiu a mão de Laila apertar sua bunda antes dela finalmente ir para o banheiro.

            Só depois que as duas terminaram de comer, mas ainda estavam sentadas à mesa, Marisa tocou no assunto:

            — Minha mãe me ligou hoje.

            Laila a olhou:

            — É mesmo? Tá tudo bem?

            Marisa balançou a cabeça em afirmação, depois falou:

            — Ela marcou um almoço comigo… E pediu que você fosse também, pra te conhecer.

            Sem jamais esperar por aquilo, Laila hesitou antes de responder. Apesar do receio de como aquele encontro poderia ser, não negaria uma chance de conhecer a mãe da mulher que amava:

            — Tudo bem.

            Marisa perguntou, refletindo a própria insegurança:

            — Tem certeza? Se você não quiser ir, eu vou entender perfeitamente.

            Se manteve firme, dessa vez respondendo sem hesitar:

            — Tenho. Nós duas vamos nos casar. Se ela quer me conhecer, eu também quero.

            Marisa deu um leve sorriso, pegou a mão de Laila e beijou, antes de ouvir ela perguntar:

            — E o seu pai?

            — Ela não falou nada sobre ele. Só disse que estava bem. Eu também não aprofundei o assunto, achei melhor.

            Entrelaçou os dedos nos de Laila:

            — Tenho quase certeza de que ele não sabe que ela me ligou… Muito menos que quer me encontrar.

            Laila apertou ainda mais a mão dela:

            — Já disse que quem perde com isso é ele.

*****

            A perna de Marisa balançava sem parar, nervosamente, fazendo com que o corpo dela também sacudisse um pouco.

            Laila espalmou a mão sobre a coxa dela delicadamente:

            — Calma.

            Pediu, tentando acalmá-la e escondendo o próprio nervosismo. Apesar de não estar tão nervosa quanto Marisa, também estava apreensiva. E entendia perfeitamente a tensão dela, pois tinha sentido o mesmo quando a apresentou para os amigos pela primeira vez.

            Marisa parou de sacudir a perna ao ver a mãe caminhando na direção delas. Se levantou quando ela se aproximou, mas ficou parada sem saber o que fazer, achando horrível aquela sensação de parecer uma estranha para a própria mãe. Ficou extremamente aliviada quando ela se aproximou e a abraçou. Depois olhou para Marisa, com uma das mãos no rosto dela:

            — Como você está?

            Tentou sorrir um pouco:

            — Bem… E você?

            A mãe apenas retribuiu o pequeno sorriso, sem responder. Depois olhou para Laila — que se levantou —  e disse:

            — Olá, como vai?

            Antes de Laila responder, Marisa as apresentou:

            — Essa é minha mãe…

            E olhando nos olhos de Laila, completou:

            — Mãe, essa é minha noiva.

            Sandra estendeu a mão e apertou a de Laila:

            — Prazer.

            Só então se sentaram, e um silêncio incômodo pairou. Foi a mãe quem falou primeiro:

            — Você está mesmo bem? Tá precisando de alguma coisa?

            Marisa respondeu sabendo do que ela estava falando:

            — Tá tudo bem, fica tranquila.

            Sorriu e completou, para que ela soubesse que não precisava de ajuda financeira e que sua vida estava andando:

            — Eu já voltei a trabalhar…

            A mãe sorriu e disse apenas:

            — Que bom.

            Fazendo Marisa achar que novamente um silêncio incômodo se estabeleceria, mas não foi o que aconteceu. Sandra olhou para Laila e perguntou:

            — Você é daqui mesmo?

            Laila respondeu tentando sorrir, escondendo a falta de jeito:

            — Moro aqui há muitos anos, mas nasci no interior.

            A mãe de Marisa meneou a cabeça antes de dizer:

            — Fiquei sabendo que você é uma ótima advogada.

            Completamente encabulada, Laila se limitou a agradecer:

            — Obrigada.

            Sandra pegou o cardápio e não olhou para nenhuma das duas ao perguntar:

            — Então vocês vão se casar?

            Laila e Marisa se olharam, antes dela responder à mãe, com bastante firmeza:

            — Vamos.

            Sandra manteve os olhos no cardápio, apenas meneando a cabeça. Diante do silêncio dela, Marisa continuou, olhando para ela, tentando ler as reações da mãe:

            — E eu gostaria que você estivesse presente… Quando marcarmos a data…

            Sandra continuou impassível, olhando para frente. Depois deixou o cardápio sobre a mesa devagar e só então olhou para a filha:

            — Não me peça isso, Marisa. Eu não conseguiria…

            Laila percebeu a decepção nos olhos de Marisa. Sandra provavelmente percebeu o mesmo, pois pegou a mão dela:

            — Eu amo você. Se sua vida agora é assim, eu espero que você seja feliz… Só não me peça ainda para fazer parte de tudo isso…

            Marisa olhou para baixo ao perguntar:

            — Meu pai sabe desse almoço?

            O tom de voz de Sandra era pesaroso:

            — Não… Ele ainda não está preparado…

            Marisa tirou a mão da dela antes de dizer:

            — Tudo bem. Vamos pedir?

            Ela continuou olhando para Marisa, depois olhou para Laila, e foi para as duas que falou:

            — Não quero que me vejam como uma inimiga. Eu sei que agora não consigo oferecer muito… Preciso me acostumar… Mas desejo muito que vocês sejam felizes.

*****

            Estavam na cama, assistindo à um filme, com Caju deitado aos pés das duas. Marisa sorriu, sendo preenchida por uma onda de felicidade que veio de repente, apenas pelo simples fato de estarem ali, vivendo a vida delas, sem mentiras, barreiras ou impedimentos. Aproximou o rosto do de Laila, e a beijou demoradamente na bochecha, tentando extravasar aquele sentimento intenso.

            Laila riu com aquele gesto totalmente inesperado. E deu o troco. Segurou o rosto de Marisa e a beijou na boca.

            A movimentação das duas fez Caju levantar as orelhas e se aproximar abanando o rabo. Se enfiou no meio delas, como se também quisesse participar da brincadeira. Laila o abraçou e teve que desviar das várias tentativas dele de lamber seu rosto.

            E essa foi mais uma das incontáveis memórias que as duas iam construindo no dia a dia. Coisas simples, mas que tinham um valor sentimental imensurável. Como o dia em que convidaram Sônia, Tales e Bárbara para serem padrinhos do casamento. Assim como a risada absolutamente divertida e deliciada que Laila ouviu — do quarto — Marisa soltar na sala, ao receber no e-mail profissional um currículo para vaga de advogado no escritório dela: o currículo de Laila. E três meses depois as duas já estavam trabalhando juntas, sócias no escritório que passou a ter o sobrenome das duas. Mas o momento que, para Laila, tinha sido mais marcante foi quando decidiram procurar uma casa — com um quintal grande — já que Marisa fez questão, para que Laila pudesse ter bastante espaço para cultivar os mais diversos tipos de planta e Caju ficasse livre para correr à vontade. Apesar de ter achado desnecessário no começo, acabou cedendo aos poucos, gostando da ideia a cada imóvel que visitavam. Se derreteu inteira quando Marisa tinha argumentado:

            — Foi você mesma quem disse que preferia casa… E eu sempre guardei isso na minha mente, imaginei milhares de vezes isso se tornando realidade, nós duas… Na nossa casa… Mesmo quando ainda era uma realidade muito distante.

*****

            — Esse nervosismo todo… Tá parecendo que você nunca se casou antes…  

            Marisa sorriu da brincadeira e se aproximou de Laila, contendo a vontade de beijá-la, para não correr o risco de borrar as maquiagens antes da hora:

            — Com o amor da minha vida é a primeira vez… Pelo menos nessa vida.

            Laila segurou a mão dela, enquanto as duas esperavam para o momento de entrar para a cerimônia:

            — Você está linda… Maravilhosa…

            Por sorte, a cerimonialista bateu na porta e disse que estava na hora de começar, senão Marisa não poderia garantir que aguentaria ficar tanto tempo sem tocar Laila.

            Se olharam nos olhos, sorriram, apertaram ainda mais as mãos e caminharam até o jardim de casa, que estava enfeitado com flores e cadeiras já ocupadas pelos seletos convidados.

            Caminharam juntas, sorrindo, cada uma carregando um buquê. Pararam em frente à celebrante, com Marisa já começando a se emocionar. Não conseguiu conter o choro quando Laila começou a ler os votos e quase não conseguiu falar quando foi sua vez de ler os seus. No final, as duas já estavam chorando, sem tentar evitar, assim como alguns dos convidados.

            A comemoração foi no próprio jardim, um jantar que se estendeu até quase meia-noite, quando os últimos convidados foram embora.

Quando as duas entraram em casa, estavam cansadas, mas radiantes. Já tinham se livrado das sandálias de salto há muito tempo, no meio da festa, mas ainda estavam com os vestidos brancos. Laila se largou no sofá, de olhos fechados, só os abrindo ao ouvir a música que Marisa tinha acabado de colocar no toca-discos. Sorriu com os primeiros versos:

            — Ainda bem… Que agora eu encontrei você…

            Fechou os olhos novamente e cantou alto:

            — Eu realmente não sei… O que eu fiz pra merecer você…

            Sentiu os lábios de Marisa em seu pescoço, abriu os olhos e a abraçou. Ficaram unidas, uma nos braços da outra, apenas ouvindo a música por alguns instantes.

            Até Marisa levantar e a puxar para dançarem. Muito diferente da primeira vez que tinham feito aquilo, quando ainda só existiam atração e paixão veladas, agora os corpos já se conheciam e se reconheciam, já sabiam o ritmo uma da outra, e a dança era perfeita. Foi a vez de Marisa acompanhar a música, olhando nos olhos da esposa:

            — Você veio pra ficar… Você que me faz feliz… Você que me faz cantar assim…

            Os lábios se aproximaram devagar, se tocaram no momento em que as duas fecharam os olhos, desfrutando do prazer e do privilégio que era poder ser parte daquele sentimento transcendente.

 

Fim do capítulo