De volta pra casa
Quando falei que estava indo, Cristiano parecia estar conformado de certo modo.
— É o que tu quer mesmo?
E, mais uma vez, repeti o que me levava a tomar aquela decisão, no qual ele respondeu dando de ombros.
— E você volta?
Mesmo dizendo que sim, ele riu de canto, como se soubesse que a resposta era ao contrário do que dizia. Seus pais diziam estar tristes com a situação que saísse daquela forma, mas entendiam. Eles me acolheram tão bem que, por vezes, esqueci que era uma visita e me sentia completamente da família. Tudo ali soava como um lar, e a minha casa como se fosse o lugar estranho.
Mas, não mais do que aquilo que não tinha nome entre mim e Catarina tinha se tornado. Ela me evitava, ou eu evitava ela, mas tinha um bom motivo. Se estava indo embora de lá, não queria pensar no fato de ter que ficar longe da sua presença. Meu corpo repudiava isso, ao mesmo tempo que se atraía profundamente por ela, como se fôssemos lados opostos de um ímã.
Na noite anterior, fiquei na porta do seu quarto. Bati, e entrei. Ela estava ouvindo música, lendo, esfregando os pés devagar um nos outros devagar, então tomei coragem e fiz a proposta.
— Posso roubar uma camiseta sua?
Catarina arqueou as sobrancelhas, sugestiva, e deixou o livro de lado.
— Quer uma lembrancinha minha?
Respondia, com um dar de ombros, e ela pressionou os lábios em um sorriso sarcástico.
— Acho mais justo fazermos uma troca.
Só queria um motivo para ter um pouco mais dela comigo. Ela foi até o guarda-roupa e fui até o quarto em que dormia, trazendo algo que realmente significava pra mim. Assim que fizemos a troca e sentei ao seu lado, encarando-a de relance, sentia realmente a tristeza tomar conta de mim.
Porque sabia que, de volta, sozinha em minha cama bem distante dali, não a teria para me fazer companhia. Ao mesmo tempo que estava feliz em ver minha mãe de novo, não conseguia me animar em ver como as coisas se encontravam.
— É isso mesmo que você quer, Teodora?
Era uma pergunta que não sabia responder.
A fumaça subia mais uma vez entre nós. Ela parecia estar indiferente, já eu estava tudo, menos isso. Esperava que ela pudesse me dar alguma resposta, ajuda, o que quer que fosse, mas, ela se prestou a ouvir tudo com seriedade enquanto acendia um cigarro, tragava e o deixava descansando no cinzeiro.
Continuava sem resposta enquanto analisava seus movimentos, me perguntando o que seria de nós, se é que tínhamos algo pra chamar de nosso.
— Não é o que quero, mas o que acho que tenho que fazer...
Os óculos caíam em seu rosto, e ela os ajeitou, assim como colocou o cabelo para trás. Olhou para a janela, cruzou as pernas e se espreguiçou.
— Então... – ela pressionou os lábios – Vai quando?
— Depois de amanhã.
Nada foi dito entre nós além do cigarro encontrando seus lábios, até que seus olhos encontraram o meu mais uma vez.
— E eu pensei em...
Minhas unhas raspavam pelo tecido da colcha da cama devagar, e desviei o olhar do seu. Não era como se toda essa situação fosse fácil.
— Pensou em quê?
Achei melhor deixar pra lá.
— Em nada demais.
Ela suspirou baixo, e deu mais uma tragada naquilo. Me sentia incomodada com tudo. Desde o encontro com aquela mulher que dizia ser minha avó, as confusões, as palavras não ditas, omitidas ou perdidas, o jeito confuso que olhava para Catarina.
— Bem... – dizia finalmente apagando o resto do cigarro no cinzeiro – Não é como se fosse ficar feliz com essa notícia, mas, não é como se isso nunca fosse acontecer, né?
— De que eu fosse embora?
Ela concordou com um aceno, entrelaçando os dedos, pensativa.
— Talvez eu esteja mau acostumada com a sua presença.
Queria tanto que ela me beijasse e dissesse que tudo vai ficar bem.
Eu desejava tanto que ela fosse comigo, mas seria tão egoísta da minha parte a arrastar para o meio de tudo que estava acontecendo que me prestei a engolir em silêncio minhas vontades.
Ela se levantou e foi até mim, sentando devagar sobre meu colo, e levou os dedos até a minha nuca. Fechei os olhos e respirei profundamente, tomando aquele cheiro e seu toque como se fosse necessário. Apoiou a cabeça no meu ombro, e roçou os lábios contra meu lóbulo esquerdo antes dos seus lábios encontraram os meus.
Era um beijo desejoso como costumávamos dar uma na outra, mas não conseguia sentir aquilo realmente. Minha cabeça não me deixava em paz, e ela, em um dado momento, acabou percebendo, se afastando aos poucos e jogando meu cabelo pra trás.
— E é mais fácil pensar que nos encontraremos em breve.
Meus ombros pesavam mais uma vez, refletindo o peso da decisão que tomava. Por mais que soubesse que, no fundo, eu não tinha outro caminho, ainda assim não significava que era fácil.
Um pai que omitia a vida, uma mãe que nunca se importou de mostra-la. Uma avó que repudiava a tudo que isso representava pelo receio do que os outros achariam, uma tia que não teve medo de nada. Uma filha e neta que fazia o que era necessário, mas que se importava com o que podiam achar em um equilíbrio imperfeito que procurava, a cada passo no escuro, o seu lugar.
O silêncio sobre o que eu realmente significava em meio a tudo aquilo corroía como ferrugem, e minhas perguntas tinham cada vez mais questionamentos como resposta.
Parecia que, aos poucos, eu entendia por que minha mãe me queria distante deles. Provavelmente sabia que estar ali seria, mais cedo ou mais tarde, um problema, mas, tudo não passava de meras suposições.
Mas, eu faria tudo de novo se pudesse estar aqui onde estou.
— Não acho que seja uma tarefa fácil ficar longe de ti.
Ela deu um sorrisinho de canto, enquanto analisava cada parte do seu rosto com a ponta dos meus dedos, me fazendo gravar cada pedaço dela com meu toque.
Não que isso fosse mudar minha vida de algum modo. De qualquer forma, eu ainda seria Teodora, mas, pelo menos, sabendo o que me fez estar aqui, poderia entender melhor o que houve antes de mim, mesmo que isso me fizesse ficar longe dela.
Eu estava indo de volta pra casa.
Permiti-me a abraçar com firmeza, como se desse o indireto recado de que ela não tinha permissão de me soltar. Ficamos um bom tempo apenas aproveitando a companhia uma da outra, como se meu corpo armazenasse o que tivesse dela e poder levar comigo, mas sei que não seria o suficiente.
Estar apaixonada doía.
Ainda mais quando sabia que iria ficar longe da pessoa que tanto estimava, então se tornava quase insuportável.
Então, imagine pensar que, enquanto isso acontecia, você também descobria que sua vida pode ter sido uma mentira, e não só a sua, como a dos seus pais, sua família e tantas outras coisas.
Era coisa demais pra digerir e, ainda assim, aparentar estar bem.
Ele e sua irmã foram me buscar no dia seguinte. Minha despedida com aquela família que me acolheu como uma filha foi silenciosa e, por dentro, me enchia de angústia ao saber que, saindo dali, não seria mais a mesma e que não fazia ideia do que, a partir dali, mais uma vez, o futuro guardava pra mim.
Me despedir dela era o pior. Por dentro, tinha vontade de chorar, mas não iria fazer isso. Demos um abraço apertado e ela sussurrou que as coisas iam dar certo para mim, e me prestei a encará-la sem dizer nada. Sentia-me como uma criança acuada que só precisa do colo de alguém porque ela nem ela consegue compreender o que está acontecendo consigo.
E se, na pior das hipóteses, fosse a última vez que estivéssemos nos vendo? Se ela não se interessasse mais por mim, achasse alguém mais legal , com mais coisas para oferecer e acabasse ali mesmo antes de começar? Pensar nisso me deixava ainda pior, me congelava por inteiro.
Quando entrei no carro e vi aquela casa no qual estive nas últimas semanas sumir no mapa, abaixei a cabeça e apoiei meu rosto entre minhas mãos, puxando o ar com firmeza na tentativa de não desmoronar. Sem sucesso.
— Todos nós queremos que você fique, Teodora – ele voltou a falar – tem até a sala de embarque pra poder mudar de ideia, sabe disso, não é?
Não queria falar mais nada. Só a minha existência pesava o suficiente ali.
Quando chegamos, meu pai desceu com a única mochila que eu carregava, e minha tia me deu um abraço apertado.
— Se você não vier logo, vamos mandar te buscar, viu? – dizia ela em um tom sério – Então, por isso, até logo, viu, Teodora?
Já meu pai parecia não saber o que fazer. Se despedia com um aperto de mão, um abraço ou um até mais ver, acenado de longe enquanto ia embora. No final, acabou chegando na conclusão que poderíamos um abraço, mesmo que desajeitado.
— Me avise assim que chegar, tá bom? – ele deu um breve tapinha no topo da minha cabeça – Se cuide. Qualquer coisa, por favor, me ligue, qualquer coisa mesmo, no que eu puder ajudar...
— Obrigada, pai.
Sentia o misto de felicidade e confusão no seu rosto toda vez que o chamava pelo que ele representava para mim. Naquela altura, Tadeu já não era um mero desconhecido ou somente um laço familiar, e sim o homem que se construía como pai assim como eu me via como sua filha.
Talvez isso fosse o suficiente para que tomasse a decisão que tomei de continuar indo atrás da verdade, seja lá o que ela fosse ou se ela realmente existisse.
Meu pai sumia no horizonte repleto de carros, e lá estava eu, mais uma vez, sozinha.
O caminho de volta para casa foi mais tranquilo e rápido do que esperava, diferente da ida para lá, eu parecia que nunca iria chegar. Quando vim, era um misto de empolgação, dúvida e curiosidade para que minhas perguntas tivessem respostas.
Agora, voltava confusa, frustrada e triste de estar indo embora dali, sem saber se era por pouco tempo ou não. Assim que desci as escadas rolantes, segurando apenas a minha mochila e passando pelo portão de desembarque, sentia que até mesmo o ar dali era diferente.
O clima estava frio, e eu sentia meu corpo arrepiar mesmo usando um moletom por cima da camiseta. Começava a sentir falta até mesmo do clima quente e os céus azuis indo contra ao frio, neblina e dias cinzas ao qual já era tão acostumada.
Realmente, eu já não era mais a mesma.
Logo que eu passei pelas portas de correr, elas já me esperavam ali, ansiosas. Assim que minha mãe me viu, não hesitou em correr até mim e me recepcionar com um abraço.
— Teté, meu amor, estava com tantas saudades!
Abracei minha mãe com firmeza, me prendendo a todos os detalhes dela. Nada ali tinha mudado, nem seu cheiro, nem sua voz, seu sotaque carregado, seu toque firme.
— Você está tão bronzeada – minha mãe cerrou os olhos como se me analisasse, jogando meu cabelo para trás, visivelmente maior do que da última vez que nos encontramos. Não demorou para que sentisse o abraço convidativo da minha tia em seguida.
— Está tão linda, meu amor – ela acariciava minha bochecha devagar – estava morrendo de saudades de ti.
— Vai me dizer que só por que ela estava na casa do pai ficou melhor do que aqui?
— Calma, Elisa – minha tia disse séria, voltando a me abraçar e olhar para mim, com as mãos no meu rosto – vamos, você deve estar cansada.
Seguimos para o carro, mas ainda assim, minha mente não me deixava em paz. Olhei para o telefone, avisei meu pai que já tinha chego e outra mensagem que dizia que talvez sentisse minha falta.
Olhava pelo vidro. Trânsito, paisagem cinza, o barulho das buzinas incessante ao nosso redor. Minha mãe dirigia, brevemente estressada e minha tia ouvia música, esticando a mão para tocar na minha por alguns segundos antes de se voltar para a frente, como um lembrete de que ela estava ali.
— Já tinha se desacostumado? – perguntou minha mãe, apontando para o redor caótico que nos cercada. Me prestei a responder dando os ombros.
— Talvez um pouco pior do que me lembrava.
Encostei a cabeça na janela sem dizer mais nada. Fechei os olhos e, por um segundo, minha lembrança foi até o dia de sol em que ficava na beira do rio de água corrente ao seu lado.
Mas, querendo ou não, ali também era meu lar.
E, assim, eu teria que voltar pro lugar de onde eu vim para poder entender o que seria eu no futuro a partir dali.
Fim do capítulo
Textinho amargo, viu?!
E agora, o que será que o futuro nos reserva nessa volta pra casa? Foi de vez, um período para resolver os problemas ou vai logo voltar para os braços daquela que não sai dos seus pensamentos?
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