O mês de fevereiro transcorreu sob minha correria para tirar uma licença sem vencimentos e deixar substitutos para minhas atividades. Ao mesmo tempo acompanhava a situação de maama conversando diariamente com ela, falando com dinda, com meus irmãos e, claro, monitorando tudo com meu robô. Antes de maama decidir ficar de vez em Triunfo, uma das médicas que a consultou achou que ela tomava remédios demais e reduziu drasticamente a quantidade deles, além de ter mudado a posologia. Maama continuava sofrendo com dores e ansiedade da mesma forma, porém decidiu-se por manter aquele receituário enxuto, pois, segundo ela, eu só estava gastando dinheiro à toa com um monte de remédios que não funcionavam. Claro que meu coração doía sempre que pensava na situação dela, mas percebi que não havia arrependimentos; maama estava muito segura quanto à decisão que tomou. Por que eu também não deveria estar?

Bianca andava ainda mais à mil, pois março estava em seus primeiros dias e ela deveria viajar ao final dele. Eu só iria quando minha licença saísse, o que para minha surpresa, parecia que iria acontecer em abril. Barbara finalmente se comunicou para dizer que foi deixada pelo namorado e estava deprimida e sozinha no Canadá, enquanto dona Jade continuava desiludida pelo fim do casamento. Talvez por tudo isso, Bianca me parecia um tanto quanto descontrolada em alguns momentos.

Aproveitando a liberdade que voltei a ter, me dispus a frequentar algumas reuniões do meu sindicato de classe para me informar quanto ao que estava se passando no seio da categoria.

 

--Andasse tanto tempo sumida, mulher! – Karim comentou sorridente – Já havia quem pensasse que virasse professora pelega! – brincou -- Mas tudo bem, a gente ficou sabendo que desde o início da pandemia sua mãínha esteve com você, adoeceu, ficasse cuidando dela...

 

--É verdade... -- Camilla balançou a cabeça confirmando – E fiquei tão à parte de tudo que nem sabia dessa movimentação de greve e do que tem acontecido. – gesticulou – Aliás, a categoria tem que se organizar melhor, porque ameaçou greve, não fez, agora ameaça de novo... Do jeito que tá, nada vai ser conquistado e usualmente pra ganhar qualquer migalha tem que se fazer muita disputada! – ponderou

 

--A pandemia acabou com a gente, essa é a verdade! – Paulo declarou – O pessoal ficou desorganizado, acomodado e mais essa bestagem de acreditar que governo de Luiz Horácio é governo do povo! – franziu o cenho – Eu acho que não vai ter é greve nenhuma!

 

--E vai ter mesmo não! – Caio respondeu de pronto – O sonho da maior parte das lideranças sindicais de todas as categorias é se tornar um futuro Luiz Horácio! Aí é aquela coisa, igual eu com meus ex maridos: -- explicava – às vezes você se envolve com alguém simplesmente porque aquela pessoa representa o que você queria ser e não porque seja de fato um amor! – gesticulava

 

--Oxe, e o que tem a ver o teu fetiche por machões alfa com a greve da categoria? – Bernadete protestou – Eu hein, Caio? – acabou achando graça

 

--Vocês que entenderam nada! – o homem respondeu desaforado – A vida inteira meu pai quis que eu fosse um macho alférrimo e eu não sou, né? – afirmou afetadamente – Então eu vivia buscando pra me relacionar exatamente esse tipo de masculinidade tóxica! É igual a maioria desses dirigentes sindicais! Não querem bater no governo porque é exatamente o que eles querem ser: um futuro Luiz Horácio! – concluiu

 

--Faça-me o favor! – Dirceu reclamou de cara feia – É cada coisa que a gente tem que ouvir!

 

Camilla nada comentou e ficou apenas pensando em tudo que ouviu.

 

***

 

--Dona Sibele veio aqui de manhã mais um homem todo engravatado, dizendo que era o advogado dela, não sabe? – Valdo contava – Falou um monte, mas resumiu dizendo que topa aceitar as condições que colocasse na reunião passada. – olhava para Camilla – No entanto, quer que se anule o processo contra ela e quer uma eleição extraordinária pra disputar o condomínio contigo!

 

--O que?? – a professora acabou achando graça – Mas é claro que ninguém vai anular coisa nenhuma!! – discordou de imediato – E sinceramente, se ela receber um voto que seja de alguém daqui é porque o pessoal ficou maluco!

 

--Pois eu acho que ficou, visse? – Marta respondeu de pronto – Eu não sei o que tá acontecendo, mas tem um bocado de morador aqui dizendo que você só serviu pra botar ordem nas conta. Segundo esse povo, dona Sibele era muito melhor! Teve quem dissesse: roubava mas fazia!

 

--Eu também andei ouvindo essas bestagem! – Valdo concordou – Ando até desconfiado que a véia ladrona tem subornado uns e outros por aí!

 

Camilla balançou a cabeça indignada. – Dona Marta, o processo tá no meu nome e no da senhora porque somos as atuais síndica e subsíndica. – olhou para a mulher – Não sei de sua parte, mas eu não vou me mexer pra anular coisa alguma! – afirmou resoluta – Quanto às eleições, já que o pessoal anda tão saudoso, vamos marcar uma assembleia extraordinária e quem quiser que vote nela! – gesticulou contrariada – Eu tô pra ir embora mesmo, que se danem! – franziu o cenho – Gostaram de ser roubados, então que sejam roubados de novo! Só sei que se ela ganhar, não pago mais condomínio e que me processem! Que me processem! – estava furiosa

 

--Calma, mulher! – Marta pediu – Eu não quero saber de processo anulado e nem quero ver dona Sibele como síndica de novo!

 

--Nem eu! – Valdo esclareceu – Só viemos te falar dessa história porque você tinha que saber do que se passa nesse prédio!

 

“Vou te contar!” – Camilla pensava revoltada – “O povo brasileiro tem memória fraca até pra eleição de síndico!” – balançava a cabeça de cara feia – “Ainda bem que daqui a pouco vou ficar longe desse prédio!”

 

***

 

--Eu não acredito, essa gente é demais! – Elzira exclamou boquiaberta – Depois de tudo que aquela dona pilantra e desonesta andou aprontando nesse prédio ainda tem quem queira ela de volta como síndica? – olhava para a prima – Ave Maria, o mundo tá perdido! – revirou os olhos

 

--Pois é! – Camilla respondeu após dar uma colherada – Nesse prédio não se tem gentileza, se tem gente lesa!

 

Elzira achou graça. – Mas, ói, o importante é que você vai simbora pra bem longe e eu não vou dar o menor cabimento praquela dona ladrona! – garantiu – Bem fez Pombinha que deu uma mijada na cabeça dela e ainda botou bigode na foto da bicha naquele calendário! – as duas riram brevemente ao lembrar – Ai, ai... – gastou uns segundos calada – Prima, estranhasse que eu cheguei mais tarde do escritório hoje, mas foi porque me aconteceu uma coisa que eu não esperava. – olhava para a outra – Aline Maria me mandou mensagem de zap marcando encontro urgente comigo hoje pra conversar. – contou -- Aí a gente foi lá prum barzinho perto de meu trabalho mesmo.

 

--Oxe? – surpreendeu-se – Ela tá aqui na cidade? – estranhou – Não me diga que descobriu tudo sobre você e Xarid e veio tirar satisfações?

 

--Quase isso... – desviou o olhar – Ela disse que veio resolver uns problema de documento aqui no Recife e aproveitou pra conversar mais eu. – esclarecia – Falou que nesse tempo que se passou, matutou demais sobre as coisa do relacionamento dela com seu irmão e chegou a conclusão que nós dois devia de ter um caso, assim como ele também teve caso com uma ruma de mulher no antigo serviço. – novamente olhou para a professora – Soubesse disso, dessas traição de Xarid? Eu nunca soube! – bebeu um gole de suco

 

“Sinto muito, Xarid, mas eu não vou dizer que você assumiu essa mentira só pra manter seu caso com Elzira bem escondido!” – pensou – Ouvi dizer, mas não sei detalhes. – respondeu com uma meia verdade

 

--Xarid, hein? – fez um bico – Mas, enfim, eu assumi a verdade. – limpou os lábios com guardanapo – Não aguentava mais viver com essa mentira e abri o jogo, contei tudo! – ajeitou-se na cadeira – Pra minha surpresa, ela teve uma reação... – pensava em como dizer – Solidária, não sabe? – pausou brevemente – Ela entende que nós duas fomos usadas por ele! E disse que é muito grata por tudo que fiz pelos menino.

 

--Ora, mas isso é maravilhoso! – Camilla considerou – Você contou a verdade pra sua comadre e ela não ficou com ódio! Também não esperava que isso pudesse acontecer! – limpou os lábios com guardanapo – Mas e então, como terminou essa prosa? E dos meninos, ela falou alguma coisa?

 

--Ave Maria, mulher, a primeira coisa que fiz quando a gente começou a prosear foi perguntar pelos menino... morro de saudade, não sabe? – sorriu – Tudo terminou com ela dizendo que não pensa em voltar pra Xarid e que se eu quisesse o caminho tava livre. Também falou que não vai me impedir de ver os menino, que eles morrem de saudade de mim e que nas férias de meio de ano vai deixar os dois passar dias mais eu! – pausou brevemente – E eu quero! Você deixa eles vir pra cá? Afinal de contas, eu vou ficar morando sozinha aqui, mas o apartamento é seu... – pediu timidamente

 

--Elzira, os meninos são meus sobrinhos, é claro que podem vir! – respondeu sorridente – Fiquei feliz com tudo isso; surpresa e feliz! Mas me diga... – estudava o rosto da outra – O que sentiu quando ouviu Aline Maria dizer que o caminho tava livre pra você? – queria saber – Ficou tentada a investir?

 

--Sabe, prima... há uns tempos atrás, juro que ouvir isso era tudo que eu mais queria! Só que... – refletia sobre a situação – Eu não quero mais! – afirmou resoluta – Não quero mais Xarid na minha vida, como um relacionamento amoroso! Nunca mais! – suspirou profundamente – Não falo por orgulho, mas é pra nunca mais!

 

Camilla ficou ainda mais feliz ao ouvir. “Acho que a vida tá colaborando pra eu sair de cena em paz!” – pensou satisfeita – “E o condomínio, e eu odeio condomínio, que se dane!”

 

***

 

--Eu não imaginava que você fosse ter coragem, mas acho que vai ser muito bom pra sua carreira passar esse tempo fora. – Suellen dizia – Esse Sensors Group vai ser o que há de mais top na área de sensores em neuro informática e você vai tá na crista da onda! Aproveite e volte cheia de novidade pra nós aqui. – pausou brevemente – Se é que você volta! – considerou

 

--Nós não pretendemos viver na Suíça até o fim de nossos dias. – Camilla respondeu enquanto arrumava suas coisas – A ideia é ficar por uma temporada com início, meio e fim. – olhou rapidamente para a aluna – Tô passando minhas atividades para várias pessoas nesse Departamento mas um dia eu volto e vou querer tudo de volta! – afirmou brincalhona

 

--Eu me senti super honrada porque me escolhesse pra tocar as aulas de laboratório pro ciclo básico. Não imaginava... – sorriu

 

--Você é doutoranda e quer ser professora, não é? – continuava arrumando seus pertences em uma caixa – Tem que começar de algum lugar.

 

--E falando nisso, quem vai me orientar na sua ausência? – a doutoranda perguntou preocupada – Por favor, que não seja professor Ramalho! – postou as mãos em súplica

 

As duas mulheres conversavam na sala que a professora estava desocupando.

 

--Como assim quem vai te orientar? – interrompeu o que fazia e colocou as mãos na cintura – Tô saindo numa licença sem vencimentos mas continuo professora dessa instituição, continuo doutora e cada orientando meu continua comigo! – olhava para Suellen – Você só passa pra orientação de outro colega meu se quiser!

 

--E eu não quero! – esclareceu de pronto – Se é assim, tá ótimo! – dava a conversa por encerrada – Deus me livre de passar pra outro, Ave Maria! – benzeu-se

 

“Suellen, Suellen, quem te viu e quem te vê!” – pensou divertida ao voltar a arrumar suas coisas – Então tá então. – respondeu brincalhona – Mas, olha só, não vá abandonar as crianças, viu? Você começou um trabalho com as escolas então continue! – aconselhou – Os professores não somente devem ensinar o conteúdo programático aos alunos como também devem lhes orientar como cidadãos críticos e conscientes! Colocar alguma coisa na cabeça dessas crianças e jovens!

 

--Eu sei... não vou deixar as escolas de lado, tem minha palavra. – garantiu – E quanto a isso de colocar cidadania e consciência na cabeça das pessoas... – pausou brevemente – Colocasse muito bem colocado na minha e isso eu nunca vou esquecer!

 

--Boa tarde! – uma voz séria se fez ouvir – Será que... cheguei numa hora inconveniente? – perguntou com certa ironia

 

--Ora, mas é claro que não, Bianca! – Suellen se levantou e caminhou até a porta da sala – Há quanto tempo, né? – saudou a outra com a cabeça – Bem, vou indo lá. Até a próxima e se não te encontrar mais, boa viagem. – deu tchauzinho ao se despedir

 

--Obrigada! – respondeu de cara feia sem desviar o olhar da namorada – Camilla Isfahan, hora de dar satisfações! – caminhou para perto e falou mais baixo – Mandasse eu me afastar de Suellen pra que? Pra ter um casinho com ela? – deu-lhe um tapa no braço – O velho clichê da professora experiente e a aluninha sedenta de aprendizado! – gesticulava furiosa -- O que andasse colocando tão bem nas coisa dela, posso saber? – cobrava – E não me venha de conversinha porque ouvi muito bem o papo erótico que tava rolando aqui!

 

--Ah, Bianca, faça-me o favor! – virou-se de frente para a advogada – Será possível que os anos passam e você não cresce? – reclamava com voz contida – Tô indo embora contigo e ainda tenho que ouvir umas bestagens desse tipo? – gesticulou – Eu só vou relevar esse show gratuito porque sei que você anda nervosa com a viagem e com o que tá acontecendo na sua família, mas paciência tem limite! Ou esse assunto morre aqui ou o que vai morrer será a NOSSA relação! – ameaçou de cara feia

 

Ficou sem graça com o que ouviu e mudou o tom. – Eu me sinto insegura, amore... – abaixou a cabeça brevemente – Viajo nesse mês, você só vai no outro... E ao invés de pedir mais tempo, pedisse um ano de licença... É muito pouco...

 

--Um ano que é renovável com facilidade e você sabe muito bem! – respondeu de imediato – Agora me deixe terminar o que tô fazendo e a gente vai embora, mas enquanto estivermos aqui, chega de show, entendeu? – falava com seriedade

 

Bianca consentiu com a cabeça. – Mas eu quero saber direitinho o que andasse enfiando por aí e aonde! – falou que nem criança manhosa

 

***

 

--Ontem tive uma conversa de duas horas com Barbara. – a advogada contava – O traste me saiu pior que a encomenda, porque não bastasse viver como um gigolô e depois tê-la abandonado, ainda roubou minha irmã e a deixou numa situação muito difícil no Canadá! – gesticulava – Eu falei pra ela deixar o pouco que sobrou pra lá e voltar pro Brasil! – cruzou as pernas – Aí aproveitava e ficava com mãínha pra ver se botava juízo na cabeça dela. – pensou no que falou – Se bem que minha irmã já deu prova de que não tem condições pra isso, né? Haja visto a história dela com aquele traste! – revirou os olhos – Mas enfim, acabou que ela não me disse o que vai fazer!

 

--Que coisa! – balançou a cabeça contrariada – E sua maama, como tem ido? Já se recuperou depois daquela tentativa de suicídio? – a professora perguntou interessada

 

As namoradas conversavam na sala da advogada.

 

--Minha tia continua com ela, mas as duas vivem se engalfinhando e daqui a pouco se separam de novo. – respondeu sem muita paciência – Amore, sério? Chega, eu não quero saber! Não vou mudar meus planos por causa dos problemas de minha mãe ou de minha irmã! – afirmou decidida – Cada uma que cuide de si!

 

--É... – passou a mão nos cabelos – Eu sei que você pensa assim. – levantou-se do sofá – Por um lado é bom, você se desapega fácil. – caminhou até a janela – Já eu, tenho uma dificuldade danada, mas as circunstâncias estão me dando um incentivo pra tentar. – olhava para fora – Maama continua na mesma: sofrendo com dor e crises de ansiedade, mas pelo menos ela tá segura de si e as coisas em Triunfo não têm se saído tão mal quanto pensei que seriam.

 

--Eu me desapego fácil? – aproximou-se para abraçar a amada por trás – A senhora é a pessoa menos indicada pra dizer isso uma vez que não desapeguei de você desde o primeiro beijo. – beijou-lhe o ombro – E nem penso! – abraçou-a pela cintura com força

 

--Não te dá uma sensação estranha, minha linda? – segurou uma das mãos dela e a beijou – Você não se ressente de deixar sua família do jeito que tá e sua atuação na luta contra o trabalho escravo? – continuava olhando para fora

 

--Até parece que nunca estudasse fora! – retrucou

 

--Sim, estudei! – virou-se de frente para a amante – Saí de Trinfo desde jovem pra fazer minha vida, mas agora é diferente! – olhava nos olhos da advogada – Não te dói nenhum pouco? Você consegue ligar o tal botão e ir em frente?

 

--Consigo! – segurou o rosto da professora com as duas mãos – E você consegue também! – beijou-a nos lábios com intensidade

***

 

--Eu não poderia ir embora antes de vir aqui mais uma vez! – estava ajoelhada diante da mãe – Já falei com todo mundo, verifiquei cada detalhe e prometo que vou sempre estar de olho. – beijou-lhe as mãos – Por favor, maama, não destrua o robô! – pediu

 

--Humpf! – fez um bico – Aquele pistingo é a única coisa que você me deu que não me desce! – franziu o cenho – Mas tá bom, não vou mais dar chute naquela desgraça! – prometeu

 

--E a senhora chutava? – surpreendeu-se – Ah, maama, tadinho! – acabou rindo

 

--Você vai ficar fora por quanto tempo, filha? – Leyna perguntou curiosa – Já não estudasse tanto e ainda vai estudar mais coisa? – cruzou os braços – Ói, não vá ficar que nem meu falecido padrinho que de tanto estudar se abaixava pra cuspir! -- advertiu

 

Achou graça novamente. – Vai depender de muita coisa, dinda. Podem ser dois anos, quatro... vai depender. – olhava para a madrinha – Mas eu sempre vou voltar pra cá nas férias pra ver vocês! – prometeu

 

--Se apoquente não, minha filha! – Suhaila beijou a testa de Camilla – Siga seu destino e seja feliz! É só isso que eu quero! – sorriu

 

--Pode ir sem susto, menina! – Leyna complementou – E de quando em vez peço pra Lutfi me levar pro Recife mode ver Elzira no seu apartamento, pra ver se anda esperta ou se continua uma pomba sem fé!

 

Mais uma vez riu. – Elzira tá esperta, podem acreditar. Engrenou no trabalho, disse que vai estudar de noite... tô levando a maior fé na prima!

 

--Amém! – as duas mulheres mais velhas se benzeram – Teus irmão também tão tomando jeito. – Suhaila garantiu – A comadre e eu tamo botando eles na linha, não sabe? E até Paulinho tem ajudado. – referia-se ao neto mais velho

 

--Eu não levo fé é em Raimundinho! – Leyna foi logo dizendo – Já arrumou outra namorada pelas internet e a bicha é estrangeira! Diz que é uma paraguaia que mora no Japão! Desenhista de mangá, ingá... sei lá! – contava – Falei pra Lutfi que se ele me inventar de casar de novo que não me peça presente e nem me convide!

 

Camilla se levantou e puxou as duas gentilmente para abraçá-las ao mesmo tempo. – Vou morrer de saudades! – fechou os olhos – Meus bebezinhos! – beijou a cabeça de cada uma

 

***

 

--Vai dar tudo certo, você vai fazer uma ótima viagem e o primeiro mês vai se desenrolar bem. – Camilla segurava as duas mãos de Bianca – Fique tranquila e tenha cuidado! É confiar desconfiando! – aconselhou

 

--Tá bom, mãínha! – brincou – Mas não demore, visse? – abraçou-a com força

 

--Um mês passa rápido! – beijou-lhe a testa – Quando menos você esperar, tô lá! – prometeu

 

--Filha? – uma voz fraca se fez ouvir – Também vim me despedir.

 

--Mãe? – a advogada se surpreendeu ao se desvencilhar lentamente da namorada – Como que...? – interrompeu a pergunta no meio – Claro, eu disse que iria embora hoje. – lembrou-se

 

--Jade quis vir se despedir e eu também queria te dar um abraço. – Jasmine afirmou sorridente – Será que podemos? – pediu

 

--Por favor! – Camilla se afastou um pouco para as outras mulheres se cumprimentarem – “Coitada de dona Jade!” – pensou ao reparar na sogra – “Tá tão acabada! Parece que envelheceu dez anos...” – constatou – “Igual minha maama...” – reconheceu com tristeza

 

***

 

--Eu fiquei muito feliz em saber que a senhora foi com sua neta, sua filha e a companheira dela pra Trinfo visitar maama. – Camilla dizia sorridente – Estive lá pra me despedir e ela me contou de sua surpresa.– gesticulou brevemente – A gente não se encontrou lá por muito pouco! Vocês indo embora e eu chegando!

 

--Se eu soubesse, tinha esperado um pouco mais, não sabe? – Rute respondeu animada – Tua mãínha inda sofre mas eu gostei de ver. Ela tá firme!

 

--Maama é uma grande guerreira, sempre foi! – concordou – E como vai a vida, dona Rute? Tem se dado bem cuidando da mãe daquela minha colega de faculdade?

 

--A mãínha dela é uma senhorinha muito boazinha, calma... eu tô gostando sim. – balançou a cabeça – Mas era muito mais divertido com dona Suhaila, com toda certeza! – riram juntas – Sinto muitas saudades dela, não sabe?

 

--Ela me disse que também sente sua falta, mas não tem jeito. Foi pra Triunfo e a senhora vive aqui. – passou a mão nos cabelos – Aliás, nem vou dizer que fiquei sentida que a senhora me escondeu os planos de maama e eu fui a última a saber que ela não voltaria pra cá. – reclamou com jeito

 

Rute havia ido visitar Camilla para se despedir. Sabia que a professora estava para ir embora do país.

 

--Não me tenha mágoa, minha filha, por favor! Sua mãínha me fez jurar aos pé da Virgem que guardaria segredo, então não podia voltar atrás! – justificou-se – E de mais a mais, ela tá certa! Você fez tudo que podia, não tem do que se arrepender. – pausou brevemente – Já eu me arrependo de muita coisa e tô tentando recuperar o tempo perdido. – pegou o celular – Espia minha neta fazendo umas explicação no colégio! – mostrou um vídeo rápido – Ela diz que quer ser professora quando crescer, pense! – sorriu orgulhosa – Que orgulho pruma vó!

 

--Ai, que linda! – Camilla assistiu ao vídeo – Se ela quer ser professora, posso dizer que leva jeito! – olhou para a cuidadora – Obrigada por vir se despedir de mim, dona Rute! – pausou brevemente – E obrigada por sempre ter sido muito boa com maama! – agradeceu

 

--Minha obrigação! – respondeu de pronto – Serei eternamente grata por tudo que fizesse por mim e minha família! Você e sua mãínha! – reconhecia – Só lamento não ter encontrado sua prima Elzira em casa porque queria ver ela também.

 

--Mesmo quando eu for embora, venha sempre que puder. – pediu – E se quiser trazer Astraia será melhor ainda! Elzira adora crianças e ela vai amar recebê-las, tenho certeza!

 

--E eu venho mesmo, visse? – respondeu empolgada – Ói, Elzira é solteira, né? Então... – pensava em como falar – Será que ela zangaria se numa dessas visita eu convidasse algum irmão solteiro da igreja? – ofereceu – Lá tem um tanto de irmão solteiro querendo casar, não sabe?

 

Achou graça. – Eu não sei o que ela iria pensar, mas... arrisca! – sugeriu – Só faz o favor de escolher muito bem o tipo, pelo amor de Deus! – pediu bem-humorada – “Não gosto dessas alcovitações, mas... vai que?” – a professora pensou

 

***

 

--E eles tão investindo pesado no estudo das doenças neurodegenerativas como Parkinson e Alzheimer. – Camilla explicava – Sensores pra monitorar o acúmulo de certas proteínas no cérebro da pessoa, como a alfa-sinucleína, por exemplo. – falava sobre seu dia – Eu me interessei bastante, até porque pode ser útil no caso de maama. – beijou a cabeça da namorada – Notei que eles também se empolgaram quando apresentei os trabalhos que temos feito lá no Departamento.

 

--Hum, tô gostando de ver! – Bianca levantou a cabeça e beijou os lábios da amada – Também noto que o pessoal da OIT tá empolgado comigo. – contava – Eles não tão acostumados com advogados que vão no campo e também trabalham fora de salas com ar condicionado como eu! – sorriu orgulhosa

 

--Que não se empolguem com o fato da advogada ser inteligente, culta, gostosa e gata é o que me basta! – beijou-a também

 

As duas mulheres estavam deitadas na cama, nuas, nos braços uma da outra. Camilla estava de barriga para cima e Bianca repousava em seu peito.

 

--E depois só eu levo a fama de ciumenta aqui. – mordeu-lhe o lábio inferior

 

--Nem vem que eu não faço o que a senhora faz! – inverteu as posições e deitou-se sobre a outra – Tô apenas de olho no patrimônio, só isso! – brincou antes de beijá-la – Os suíços e suíças que respeitem! – beijou-a novamente

 

--E o patrimônio é todo seu! – abriu as penas para acomodar a mulher entre elas – Só seu!

 

--É mesmo? – perguntou provocando – Então me deixa conferir isso aí beeem direitinho... – seguiu beijando e sugando lentamente o corpo da amante

 

--Ai, habibem, confere! – fechou os olhos ao sentir um seio sendo sugado e mordiscado – Confere... ah... -- gem*u

Fim do capítulo