E com a correria da vida fazia um tempo que não íamos mais ao centro espírita. Propus a maama que voltássemos a frequentá-lo e paralelamente iniciei o culto do Evangelho no Lar junto com ela e Elzira. Intensifiquei minhas orações para voltar a ter mais paciência, especialmente devido ao fato de as crises de ansiedade ainda não terem sido superadas e por causa delas maama não me deixar dormir.

Na família de Bianca as coisas também estão tumultuadas. Os pais têm vivido em pé de guerra e Barbara vinha em contagem regressiva para pousar no Canadá. Ela partiu um dia depois da viagem de Bianca para fazer a tal prova da OIT. E com tudo isso Elzira teve que começar a trabalhar entrando num ritmo avançado. Apesar de muita insegurança e algumas crises de choro quando chega em casa, ela parece estar disposta a superar o desafio.

Suellen organizou mais uma visita à escola de Astraia e dessa vez deixei que ela fosse a responsável por tudo. Interessante como junto às crianças ela se mostra uma mulher bem melhor.

E no condomínio, tivemos algumas reviravoltas que nos fizeram comemorar.

 

--Nesse processo de penhora dos bens de dona Sibele, também acabamos descobrindo que ela possui treze jazigos vazios, todos no cemitério Canteiro das Lembranças. – Camilla dizia aos demais – Conseguimos a penhora deles e já estamos negociando com meu sindicato de classe, que mostrou interesse pra poder oferecere-los aos sindicalizados como um plano funeral. – sorriu – E graças a divulgação que alguns de meus alunos estão fazendo em suas redes sociais, apareceu um interessado em adquirir os dezessete pedalinhos do sítio dela. – contava as novidades – Como também um pequeno produtor rural se interessou em comprar o carro de boi e os animais que estão lá. – gesticulava – O neto de dona Marta comprou a lambreta e um dos carros foi vendido pro genro de seu Valdo. Esses documentos aqui comprovam tudo que lhes falei até agora. – apresentou uma pasta

 

--Ave Maria, mas até jazigo aquela uma andou comprando! – uma condômina reclamou contrariada – E deve de ter sido tudo com nosso dinheiro, não sabe?

 

--Hashtag continuo passada! – uma das moradoras exclamou – Mas pelo menos agora vai começar a entrar um dinheiro pro nosso caixa e esse condomínio vai sair da pindaíba! – benzeu-se

 

--Já tá entrando! – a professora respondeu animada – Estamos resolvendo alguns detalhes pra colocar o apartamento dela aqui no prédio pra alugar e o sítio é mais complicado, mas minha advogada tá trabalhando pra ver se a gente vai colocar pra vender, alugar, arrendar, o que for mais interessante pra nós. – terminava de contar as novidades

 

--E dona Clea mais eu fizemos um fuxico muito do bem feito na igreja dela! – Marcos dizia aos demais – A notícia das roubalheira deixou todo mundo besta e eu duvido que não chegue aos ouvidos do povo da igreja que ela deve frequentar lá nos Estados Unidos! -- gesticulou

 

--Eles quase caíram pra trás quando souberam que a bicha ainda era traficante de pistinga erótica! – Clea complementou – Tenho certeza que o fuxico vai correr mais rápido que fogo em rastro de pólvora! – destacou

 

--Dona Sibele saiu daqui corrida e não teve tempo de armar nenhum golpe, ao contrário do que cheguei a temer! – Camilla salientou – Ela fique por lá ou volte pro Brasil, não me interessa! No ritmo em que estamos indo poderemos reverter o prejuízo que ela nos deu em relativamente pouco tempo e aí, minha gente, quem vai amargar um baita prejuízo vai ser ela! – achou graça

 

--Camilla, tu tinha que ser a síndica até o fim da vida! – um dos moradores pediu gesticulando – Esse prédio parece até que mudou de cara depois do impeachment de dona Sibele, não sabe?

 

--Hashtag Camilla síndica forever! – uma moradora bradou

 

--Hashtag Camilla síndica forever! -- os demais concordaram e ficaram falando várias coisas ao mesmo tempo.

 

“Pois sim!” – pensou fazendo um bico discreto – “Basta resolver o destino dos bens de dona Sibele em favor do condomínio e acertar as contas que passo a bola adiante!” – balançou a cabeça negativamente – “Odeio condomínio, Deus me livre!”

 

***

 

--E agora que me contasse as novidade daí, se prepare que eu só tenho notícia pra abestalhar, não sabe? – Leyna falava ao telefone – Até deixei a comadre falar bastante mode se preparar pro que vai ouvir!

 

--Oxe, o que será que houve? – Camilla perguntou desconfiada

 

--Fique quieta! – Elzira pediu curiosa

 

Suhaila e Leyna conversavam ao telefone e a mãe da morena havia deixado o viva voz ativo para que todas pudessem participar.

 

--Xarid e Aline Maria vão se separar! – a mulher noticiou de uma vez – Parece que ela já até pegou os menino logo hoje cedo e foi pra casa de uma conhecida!

 

Elzira estremeceu, o que não passou despercebido à professora.

 

--Mas por que?? – Suhaila não entendeu – Não pode ser porque ele tá desempregado, não é a primeira vez que isso acontece.

 

--Olha, comadre, dizem as más língua que o menino perdeu o emprego por causa de... cumé? – pensava no que ouviu – Sédio, é sédio... negócio com mulher, visse?

 

--Assédio sexual?? – Camilla se meteu na conversa – Mas será possível??– perguntou contrariada

 

--Ave Maria, meu filho virou tarado, é? – Suhaila chocou – Mas é muito desgosto! – balançou a cabeça revoltada

 

Elzira novamente chocou.

 

--Tem que ver tudo direitinho, comadre, mas o que eu fiquei sabendo é que parece que Xarid fez o tal do sédio sexual no trabalho, a mulher denunciou e ele foi demitido. – contava – E parece que agora Aline Maria descobriu e quer separação, não sabe? – pausou brevemente – Fui no mercadinho fazer umas compra e era o fuxico do dia!

 

--Não é possível... – Elzira balbuciou para si mesma. Estava perplexa

 

--Ultimamente Xarid tem se envolvido em muita conversa estranha! – Camilla comentou contrariada – A senhora sabe como ele tá? – perguntou curiosa – E meus outros irmãos, não dizem nada?

 

--Não tive com eles e desde que Elzira foi simbora praí nunca mais que vi Xarid. – Leyna respondeu de pronto – Também não sei o que Aline Maria vai fazer: se volta pro marido ou se toma o rumo dela por aí afora, não sabe?

 

--Humpf! – Suhaila fez um bico – Não posso me meter em casamento de filho e nem quero. Só sinto mesmo pelos menino. Os bichinho deve de tá triste!

 

--Longe de mim, agora longe do pai... – Elzira pensava em voz alta – Tadinhos de Ricky e Martin... – suspirou

 

--Quando a gente puder ir em Triunfo nós vamos assuntar sobre isso, mas se a senhora tiver notícia dos meninos, fale pra gente por favor, dinda! – a morena pediu – Também sinto muito por eles! – pensava nos sobrinhos – “Meu irmão só faz titica, vou te contar!” – pensou revoltada

 

--Pode deixar! – garantiu -- E a outra notícia de abestalhar é que meu neto Raimundinho vai casar em Fortaleza e vai viver mais a moça por lá, não sabe? – continuava falando – O avô do menino, sogro de meu filho, é que deu o apartamento. – pausou brevemente -- E eu que num sabia que o velho tinha imóvel por lá!

 

--E eu nem sabia que Raimundinho tinha namorada! – Suhaila respondeu surpreendida – A comadre não disse que ele vivia dia e noite no computador, nas internet? – lembrava do que ouviu -- Com que foi isso de conhecer moça e morar em Fortaleza?

 

--Conheceu pelas internet! E a moça não é de Fortaleza, ela mora mais a família em Mossoró. – esclareceu de imediato – Essa história de Fortaleza foi que Raimundinho cismou de se mudar mais ela pra lá e meu filho e o sogro vão bancar esse gosto, não sabe? – explicava a história – Decidiram que até o casório vai ser lá e Lutfi mandou convidar vocês tudo! Vai ser em dezembro.

 

--Oba, uma festa! – Camilla respondeu empolgada – Depois passa tudo direitinho pra gente se organizar, comprar presente, ver como vai dar pra fazer... – olhou para a prima, que não estava mais prestando atenção em nada

 

--É... – Suhaila balançou a cabeça concordando – Se eu tiver bem, a gente vê como vai fazer, como vai pousar... – considerou – E você, comadre, já conheceu a moça?

 

--Oxe, pois se nem Raimundinho conhece! – respondeu de pronto – Acredita que ele e a moça vão se ver pela primeira vez nas véspera do casamento?

 

--Vôti, mas que doidiça é essa?? – Suhaila tinha pontos de interrogação na cabeça

 

--É a modernidade, maama. – Camilla respondeu achando graça – Primeiro eles viveram um romance virtual, agora vai começar o real! – considerou – E tomara que dê certo, né? – olhou discretamente para Elzira, que parecia em alfa – “Depois eu tenho que conversar com essa criatura! Espia pra isso, nem pisca!” – pensou ao constatar– “Não dá pra ela ter uma recaída e querer ir atrás de Xarid a essa fundura do campeonato!” – deu um suspiro profundo

 

***

 

--Tá tudo muito meio louco demais, sabe? – a professora dizia – Maama continua com seu sofrimento, mas acho que ao menos as idas no centro e o Evangelho no Lar têm nos feito bem. Tenho buscado ser mais paciente... – considerou – Bianca voltou de viagem e disse que continua sem saber o que esperar, mas se tivesse que dizer alguma coisa diria que passou. – repetia o que ouviu – As coisas na família dela andam tensas, o pessoal do escritório tá botando a maior pressão e ela fica muito descompensada... já rodou baiana comigo por duas vezes por causa de ciúmes, umas coisas totalmente sem propósito... – passou a mão nos cabelos – Desabafando uma intimidade, ontem não consegui fazer amor e ela ficou toda cismada... – afirmou constrangida – Sei lá, parece até que de repente perdi a libido... mas não quer dizer que não sinta mais nada por ela!

 

--Acho até que você sentiu essa “perda” de libido – Simone fez aspas com os dedos – mais tarde do que normalmente aconteceria tendo em vista a vida que tem vivido. – considerou – E uma pessoa que dorme tão mal... – cruzou as pernas – Bianca devia ser mais compreensiva em relação a isso, mas também não podemos desconsiderar que o que ela está vivendo aumenta as inseguranças que alimenta há anos. – pausou brevemente – No fundo ela não acredita que você vá junto pra Zurique, não acredita que você tenha coragem de deixar tudo aqui pra viver uma nova vida com ela por lá... isso deve estar sendo muito difícil pra ela lidar. – deduziu

 

--É difícil pra mim também. – respondeu de imediato – É sério, Simone, ainda não sei o que fazer! – desabafou – Cada vez mais tenho vontade de ir, mas ao mesmo tempo, as razões de sempre me inibem... – pausou brevemente – Bem, como uma notícia boa devo te dizer que depois daquela sua indução e do sonho que tive com tia Jandira, parece que o peso da culpa diminuiu bastante sobre mim. – sorriu – Sofri um bocado, durante e depois daquilo, mas valeu a pena!

 

--Fico feliz em ouvir. – a psicóloga sorriu também

 

--Acho que isso não é muito adequado, mas hoje eu queria falar da prima. – mudou de assunto – Porque me sinto responsável por ela e ando preocupada com o que vai fazer da própria vida.

 

--Você pode me falar sobre o que quiser, Camilla. Não tem isso de ser adequado ou não. – esclareceu com brandura – Quanto a se sentir responsável, é até bom que fale a respeito porque você precisa desapegar dessa postura de sempre se sentir responsável por alguém. – aconselhou – Não carregue a cruz dos outros sobre seus ombros. Ser solidária não é isso!

 

--Talvez você tenha razão... – considerou – Mas o ponto é que, como você sabe, te contei em segredo de análise que descobri que Elzira e Xarid foram amantes por anos a fio e ela tentou se matar quando ele ameaçou ir embora. – olhava para a outra – Depois de tudo mais que houve pensei que ela estaria firme na decisão de recomeçar, só que saber que Xarid e Aline Maria se separaram a deixou toda balançada. – contava – Ontem soubemos que Aline Maria e os meninos seguiram pra Aracaju, porque ela tem irmã que mora lá e daí vão viver juntas. Parece que a mulher se separou também... – gesticulava – Elzira ficou igual galinha quando quer botar ovo, sabe como?

 

Achou graça. – Não seja tão dura com ela, querida. – repreendeu suavemente – As pessoas também têm dificuldades em desapegar de relacionamentos tóxicos. – considerou – Mas, seja lá o que Elzira decida fazer, você terá que aceitar. É a vida dela, escolhas dela e não te cabe interferir; no máximo aconselhar!

 

Deu um suspiro profundo. – Tá certa... – balançou a cabeça pensativamente – Eu já tenho problemas suficientes por mim mesma, né? – sorriu desanimada

 

--Certamente. – concordou – Aliás, gostaria de aproveitar o caso de Elzira pra lhe propor um exercício. – observava a outra – Você entende que ela viveu uma realidade com Xarid e interpretou outra coisa que coubesse melhor nos sonhos dela. – pausou brevemente – Pense em até que ponto este não seria o seu caso também.

 

A professora ficou pensando no que ouviu.

 

***

 

--E aí a gente pode fazer desse jeito: eu pego daqui e sigo até Mossoró, lá você assume o volante e nos deixa em Fortaleza. – propôs – Se quiser fazer igual ou inverter na volta, pra mim não tem problema! – sorriu

 

--Ai, habibem, só por você eu aceito uma dobradinha dessas pra pegar 11h de estrada por causa do casamento de um primo seu que sequer conheço! – achou graça – Mas tudo bem, vai ser divertido! – concordou

 

--Maama, dinda e Elzira vão com a gente. Mas maama tem que ir no banco do carona, porque do contrário não vai aguentar!

 

--Tudo bem. – cruzou as pernas – Se as passagens aéreas não tivessem custando os olhos da cara dava pra gente pegar um voo rapidinho e chegar lá. – suspirou – Fazer o que? – balançou a cabeça contrariada – E vamos pousar aonde, hein? – perguntou curiosa

 

--Encontrei uma casa de três quartos em Praia do Futuro por um preço ótimo! – olhava para a amada – Dá até pra acordar de madrugada no domingo pra tomar um banho de mar! – exclamou empolgada

 

--VOCÊ vai acordar de madrugada, não eu! – retrucou bem-humorada – Depois de uma festa de casamento, dançando a noite toda, vou querer é dormir!

 

--Você e Elzira, as duas dorminhocas do grupo, vão ficar dormindo na casa enquanto convenço maama e dinda a ir na praia comigo. – planejou – Nem lembro da última vez que tomei banho em Praia do Futuro!

 

--Parece até que não mora no litoral! – achava graça

 

As duas mulheres conversavam na sala da casa da advogada.

 

--E como andam as coisas lá no escritório? – Camilla perguntou interessada– Elzira chega em casa antes de mim e maama diz que sempre vem nervosa. – contava – Já cansei de acompanhar as crises de choro...

 

--Ela se enrolou muito no começo, bateu fofo, mas todo mundo vê que é dedicada e quer aprender. – respondeu prestando atenção na namorada – Não demora muito vai ficar no jeito.

 

--Graças a Deus! – desejou – Tomara que ela tome muito gosto por esse trabalho e não queira saber de voltar pra Triunfo! – postou as mãos rapidamente – “Só assim pra ver se fica livre de meu irmão de uma vez por todas!” – pensou

 

--E por que tanto interesse, hein? – perguntou desconfiada – Se Elzira voltasse pra Triunfo qual seria o problema?

 

--Oxe, mas você não deduz? Podia querer se matar de novo! – respondeu como quem diz o óbvio – “E o que é pior: voltar pra Xarid e ser usada por ele de novo!” -- pensou

 

--Sabe o que eu acho? – cruzou os braços – Que a senhora anda muito interessadinha na vida de Elzria! – afirmou de cara feia – E é um tititi, uma fosquinha entre vocês duas que não me passa despercebida! – espremeu os olhinhos – Camilla Isfahan, hora de dar satisfações: voltasse a se apaixonar por ela? – pressionou

 

--Como assim, voltasse a se apaixonar? – levantou-se de um pulo – Eu não sou e nunca fui apaixonada por Elzira! – protestou – Será possível, Bianca, você tá com ciúmes dela a essa fundura de campeonato? – não acreditava

 

--Então me diga que segredinho é esse entre as madames que parecem até duas baratas esfregando as anteninhas e fazendo cochicho! – levantou-se também e foi até a outra – Quando passamos as férias em Triunfo, eu ouvi uma conversa de que fosse corrida pra lá curiar não sei o que! – falava desaforada – E eu lembro bem o desespero que ficasse quando ela tentou se matar!

 

--Razões óbvias, não acha, meu bem? – respondeu ironicamente – Meu avô cometeu suicídio e eu não quero passar por isso de novo com mais ninguém nessa família! – gesticulou exasperada

 

Desacreditava. – Eu li todos os seus contos, Camilla Isfahan! Lembro muito bem daquele da pandemia! – falava com o dedo em riste – O chamego entre a professora e a prima da roça no meio do mato! – riu brevemente – Espia pra isso, a verdade sendo esfregada ali, na minha cara, e a trouxa não viu!

 

--Que verdade, criatura? – acabou achando graça – Sinceramente, Bianca, você anda muito surtada pro meu gosto!

 

--Ando é? Então tá! – caminhou até a porta e a abriu – Vá simbora atrás da prima pra viver esse amor bandido reprimido, vá!

 

Respirou profundamente, pegou a bolsa em cima do sofá e se encaminhou até a porta. – Quando eu penso que a gente tá andando pra frente, -- olhou para a advogada -- vem você com as suas, e damos dez passos pra trás! – balançou a cabeça contrariada – Tchau, Bianca! Passar bem! – saiu da casa da outra ouvindo a porta se fechar pesadamente atrás de si

 

***

 

--Sem sono, prima? – Elzira perguntou ao se aproximar – Acordei com sede e levei um susto com você aí na varanda. – falava baixo – Justo hoje que a tia dorme pesado você fica de pé? –queria entendê-la

 

--Pensando na vida... – virou-se de frente para a outra – Também tive uma discussão sem sentido com Bianca e me aborreci muito com ela. – passou a mão nos cabelos – Nem sei se a gente tá ou não tá. – pensava em um provável término por parte da outra

 

--Oxe! – estranhou – Eu ainda não sou muito habituada com essas coisa, assim... – pensava como falar – De mulher com mulher, não sabe? – sorriu constrangida – Brigasse com ela por causa de que? – perguntou curiosa

 

“Por sua causa, imagina!” – pensou com vontade de rir – Problemas nossos, vai passar... – cruzou os braços – Mas aproveitando que estamos sozinhas aqui, queria saber de você. – foi direto ao ponto – Ficasse balançada com a separação de Xarid, não foi?

 

--Nossa, você agora falou igual pernambucana! – sorriu sem graça – A mulher deixa até de ser cidadã do mundo... – brincou

 

--Responde, Elzira! – insistiu – Eu não contei seu segredo pros outros, não sei se maama ou dinda perceberam o jeito que você ficou, mas eu notei muito bem! – prestava atenção na outra – Não tenho a intenção de mandar na sua vida, mas sinceramente não gostaria de te ver fazendo papel de tola nas mãos de Xarid mais uma vez! – dizia a verdade – Ele tá na pior agora: sem mulher, sem os filhos, desempregado... com certeza se você fosse atrás ele iria te prometer um monte de coisas só pra que você arrumasse a bagunça que deve estar a vida e o coração dele!

 

A mulher gastou uns segundos calada antes de responder. Caminhou até as grades da varanda e se debruçou olhando para o mar. – Não vou mentir, prima... fiquei balançada sim... – confessou – Ressuscitei um monte de sonhos que um dia ele me fez sonhar em vão... – os olhos marejaram – Mas eu não vou voltar atrás... sei que Xarid nunca me amou... – abaixou brevemente a cabeça – Você e a tia estranharam porque cheguei mais tarde ontem e eu menti culpando o trânsito, mas o que aconteceu foi que me inscrevi num grupo de mulheres. – calou-se por mais alguns segundos – Mulheres que assim como eu se tornaram dependentes de alguém a ponto de quase morrer por causa disso.

 

--Um grupo de ajuda! – sorriu – Muito bom, prima! – aproximou-se dela e se debruçou nas grades também – Fez muito bem! – incentivou – Não sabe o quanto me deixou feliz em ouvir isso! – virou o rosto em direção a ela

 

Deu um sorriso triste. – Eu nunca te contei como foi lá em Triunfo, depois que voltei pra minha casa e vocês vieram simbora pra cá... – olhou para Camilla – Nunca te disse o que aconteceu pra de repente eu chegar aqui de mala e cuia. – voltou a mirar o mar – Só falei que esperava resolver as coisa mode alugar minha casa e vim; mas foi uma parte da verdade. – suspirou – Eu pedi uma luz, uma orientação e tudo aconteceu assim, do jeito como vou te contar.

(NOTA DA AUTORA: Esta parte em diante até o final do capítulo é a narrativa da história segundo a ótica de Elzira e não mais de Camilla)

 

--Pai Amado, meu Senhor, noite e dia tenho-vos pedido: ilumina minha vida e me oriente quanto ao que fazer, eu vos imploro! – Elzira orava de joelhos dentro do quarto – Mãínha, onde quer que a senhora esteje, continue orando por mim, por favor. – falava olhando para o alto – Pai Nosso que estais nos Céu... – orou um Pai Nosso, uma Ave Maria e uma Oração do Credo, benzeu-se e se levantou

 

E nisso a campainha tocou.

 

--Oxe, mas a essa hora? – foi até a janela e olhou para o exterior – Vixe! – surpreendeu-se com a visita – Ave Maria! – saiu da janela rapidamente e correu até o espelho para se ajeitar – E justo hoje eu tô toda despinguelada! – reclamou consigo mesma – Ah, seja lá o que Deus quiser! – respirou fundo e foi abrir a porta – Viesse fazer aqui o que? – perguntou forjando indiferença – Agora que os plano de ir simbora pra João Pessoa mixaram, lembrou-se do endereço que queria esquecer? – deu passagem para o homem

 

--Vamos conversar lá dentro, não sabe? – olhava para todos os lados – Aline Maria nem sonha em saber que vim pra cá! – entrou correndo na casa da outra

 

Ficou chateada com o que ouviu e entrou na sala encostando a porta. – E viesse fazer o que mesmo? – insistiu com a pergunta

 

--Camilla me proibiu de vir te ver! – aproximou-se da outra olhando nos olhos – Ela me fez chantagem e disse coisa pra ferir a honra de qualquer homem! – parou diante da ex amante – Mas em compensação, ela me fez ver o quanto eu fui idiota! – caprichava no tom da voz – Tive a ponto de perder o maior tesouro que a vida me deu!

 

--Ai... – suspirou – Mas, olhe pra você! – balançou a cabeça contrariada e se afastou dele – Aposto que vem aqui a essa hora me dizendo essas coisa só porque não vai mais se mudar e quer a amante de volta! – cruzou os braços – Tanto que a primeira coisa que me dissesse é que a esposa nem pode sonhar em saber de seu paradeiro!

 

--Tenho dois filhos, Elzira, não posso me separar, você sabe disso! – argumentou de pronto – Mas a verdade é que depois de tudo... – gesticulava – Não posso mais negar: você é o amor de minha vida! – declarou-se

 

“Será verdade?” – pensou esperançosa – Você me diz isso e não quer se separar! – tentava manter-se firme – Difícil acreditar!

 

--Se as palavra não te mostra... -- aproximou-se, puxou-a pela cintura com força e beijou-a

 

--Ai, o que é isso? – interrompeu o beijo e se desvencilhou desconsertada

 

--É amor! – aproximou-se para beijá-la de novo – Preciso tanto de você pra acertar minha vida... – abraçou-a com força – Teu buzuzo tá aqui! – beijou-a mais uma vez

 

Xarid falava de um jeito que fazia meu coração querer acreditar. Quando senti seus lábios úmidos beijando meu pescoço, abri os olhos devagar e de repente me pareceu que mãínha nos olhava de longe. Ela balançou a cabeça dizendo não e me fez lembrar das tantas vezes em que ele me explorou e me fez sofrer.

 

Rouge - Dona da Minha Vida (youtube.com)

“Não pense que eu vou ficar vivendo no passado,

Cansei, você nunca vai mudar,

Sempre tão complicado...”

 

--CHEGA, XARID! – eu me afastei dele falando alto – NÃO QUERO MAIS! – meus olhos se encheram d’água

 

--Mulher, mas o que foi? – perguntou assustado – Nunca gritasse comigo!

 

“Eu vou viver todos os sonhos que tirou de mim,

Tudo o que você disse que eu não sou...”

 

--Pois sempre tem uma primeira vez! – respondi com firmeza – E pela primeira vez eu te digo que abro mão do teu falso amor!

 

“Olha que ironia,

Tudo que eu tinha era seu falso amor, ô, ô,

Bye bye, siga!

Num caminho onde eu não tô, ô, ô, ô, ô...”

 

--Não te quero mais! – eu falava mais pra mim do que pra ele

 

“E agora eu vou,

(Oooh ooooh oooh)

Voltei e dessa vez eu vou por cima...”

 

--Você fique na sua vidinha de mentira, desempregado e se virando pra resolver seus rolos! – gesticulei atrevida – Eu vou pro Recife me refazer! – decidiu

 

“(Oooh oooh oooh)

Sou eu dona da minha vida...”

 

--Como assim vai pro Recife? – perguntou revoltado – Camilla já inventou ideia pra você lá de novo? Maama tem cuidadora!

 

“Eu mereço ter o que tirou de mim,

Vou encontrar a saída...”

 

--Quem decide sou eu, meu bem! – bati no peito – A vida é minha e você tá fora!

 

“(Oooh oooh oooh)

Porque eu sou dona da minha vida...”

Dona da Minha Vida. Intérpretes: Rouge. Compositores: Aline Wirley / Fantine Thó / Karin Hils / Li Martins / Lu Andrade / Pedro Dash / Marcelinho Ferraz / Karen Rodriguez / Mr Paradise / Lucas Nage / Pedro Tofani / Joey Mattos / Jão. Sony Music, 2018. EP5, faixa 1 (3min03)

 

Fim do capítulo