Nossas férias em Triunfo terminaram mais cedo que o planejado, pois maama começou a estranhar a cama e não conseguiu mais dormir, reclamando que o colchão era macio demais. Fizemos um verdadeiro intercâmbio de colchões mas não deu certo. Apesar disso, a estadia na cidade foi muito boa e voltei cheia de esperanças de que Elzira aceitasse a proposta de Bianca, embora ela houvesse pedido um tempo para pensar e se organizar. Minha tristeza, no entanto, é não ver maama melhorar, mas permaneço firme na fé.

Uma vez no Recife, organizei tudo que deveria para finalmente realizar uma de minhas grandes metas como síndica: a CPI do condomínio.

 

--Dona Rute, eu lhe agradeço por aceitar ficar aqui até mais tarde hoje e lhe garanto que assim que a reunião terminar, a senhora será levada de carro pra casa! – Camilla prometeu

 

--Confie que eu lhe deixo direitinha na porta de casa. – Bianca piscou para a mulher mais velha

 

--Não tem por que agradecer. – a cuidadora respondeu com sinceridade – Vocês são patroa muito boa pra mim e é um prazer ficar aqui mais dona Suhaila, não sabe? – olhou para a paciente

 

--Nós vamo ficar bem aqui, agora vocês duas vão simbora e faz a orelha daquela bicha torcer sem sair sangue, visse? – Suhaila recomendou

 

--Pode deixar, maama. – a professora respondeu achando graça – Doutora Bianca, -- olhou para a namorada – uma reunião de condomínio nos aguarda. – caminhou até a porta e a abriu

 

--Tô super pronta! – a advogada encaminhou-se até a porta – Essa CPI vai pegar fogo!

 

***

 

--Reiteradamente dona Sibele declarou que o condomínio estaria carente de recursos para realizar pequenos reparos e procedimentos de manutenção nas instalações gerais, tendo por essa razão o hábito de viver propondo taxas extras. Além disso, era recorrente que propusesse a realização de obras sempre muito onerosas. – Camilla falava em assembleia – Tenho aqui comigo para a apreciação das senhoras e senhores, evidências de que a corrupção foi a grande causa dessa pretensa falta de recursos. – mostrou uma pasta

 

--OH!!! – os demais exclamaram surpreendidos

 

--Protesto! – Sibele reagiu – Por anos a fio, fui uma síndica exemplar que fez com os minguados recursos desse condomínio o mesmo que o Mestre fez com alguns poucos pães e peixes na Terra Santa! – discursava afetadamente – Multipliquei-os, para que pudessem saciar a fome de meus condôminos!

 

--A única coisa que a senhora multiplicou foram seus ganhos em propinas obtidas através de obras superfaturadas, além de ter saciado sua fome com o desvio de recursos do condomínio para gastos pessoais! – a professora respondeu firmemente – A Comissão de Investigação que instituí levantou todas as provas do que digo e elas estão aqui nessa pasta! – sacudiu-a com a mão – Nós fizemos uma auditoria no recorte temporal de cinco anos. Paralelamente, obtivemos cotações atualizadas referentes a todas as obras realizadas no período, além da conferência dos preços de material de construção, de asseio e conservação e até de papelaria. – explicava para os demais – Mesmo que todos os gastos do condomínio em cinco anos tivessem sido executados nos dias de hoje, ainda assim, haveria uma diferença de mais de 800%, graças às propinas recebidas por dona Sibele! – acusou

 

--Hashtag tô passada! – uma moradora exclamou boquiaberta – E eu que nunca pensei!

 

--Eu fui pessoalmente curiar com três empresas que trabalharam aqui! – Marcos tomou a palavra – Fiz pressão e botei os cabras contra a parede! – olhava para os demais -- E em todas elas confessaram terem pago propina pra dona Sibele. Coisa de 20%! – gesticulou enfático

 

--Oh, quanta calúnia, meu Pai! Vocês falam pela boca de Satanás! – Sibele postou as mãos para o alto -- Eu sempre prestei contas, mostrei as notas fiscais, fui de uma transparência ímpar! – gesticulava – Como posso ter recebido propina se o contador do condomínio atestou a pertinência de cada centavo gasto? – provocou – O senhor Queiroz é um homem honesto, temente a Deus, probo...

 

--E que tá foragido, visse? – Nilda interrompeu a fala da outra – Fui curiar a vida dele e conheci a ex mulher que me entregou cada podre, que nem te digo! – contava a história – Queiroz já tem uma senhora ficha corrida por causa de notas fiscais frias e todo tipo de fuleiragem fiscal, não sabe? – olhava para os demais – Aí uns oficiais de justiça bateram na casa dele por causa de uma dessas safadezas aí e o homem se mandou! Queiroz vazou!

 

--Eu também andei investigando e levantei todos os gastos que dona Sibele fez nos últimos cinco anos! – Genaro se manifestou – Só pra citar alguns: -- pegou uma lista e começou a ler – aluguel de quatro salas comerciais situadas no Pina e em Santo Amaro, três carros, uma lambreta, um carro de boi, uma ruma de eletrônico e telefone celular, cem galinhas, cinquenta porcos, duzentos patos, dez gansos, quatro vacas, dois bois, além de dois milheiros de calendário com as fuça dela. – terminou de ler – E com que dinheiro, hein? – provocou

 

--Gente, e onde foi que enfiasse tanto pato, tanta galinha? – uma mulher perguntou para a ex síndica – Até ganso! Aquele bicho belisca, Deus que me guarde!

 

--Ela enfiou num sítio que mantém em Gravatá! – Clea respondeu de pronto – Fui lá investigar e vi tudo! – olhava para os demais – Tem nem como negar que é dela, porque tem um baita busto de Sibele logo assim, bem uns dez passos depois da porteira! – gesticulava – E ao contrário do que falou na última reunião, o lugar é infestado de pedalinho! Eu vi uma ruma de bem uns quinze! – denunciou – Tirei foto e tá tudo aqui no meu celular!

 

--Isso é um acinte! – Sibele novamente protestou – Eu sou uma cristã de alma limpa! – afirmou em alta voz – Um espírito lavado e enxaguado nas águas santas da purificação!

 

--Se algo foi lavado e enxaguado aqui foi a verba que a senhora lavou em suas obras superfaturadas. – a professora continuava acusando – Porque além de ter usufruído dos recursos do condomínio com gastos pessoais, nossa ex síndica também aproveitou pra lavar o dinheiro de suas negociatas. – declarou – E sobre o contador Queiroz, minha advogada conseguiu fazer um levantamento de todos os processos que ele sofreu por improbidade administrativa, esquemas com notas fiscais frias e lavagem de dinheiro.

 

--Aqui comigo. – Bianca mostrou outra pasta em suas mãos

 

--Minha Nossa Senhora! – um condômino exclamou boquiaberto – E ela precisa lavar dinheiro por causa de que? Quais são as negociatas de dona Sibele? – queria saber

 

--É mentira! – Sibele protestou – Eu não sei da onde veio tudo isso mas são calúnias! Obra de Satanás pra tentar uma abnegada filha de Deus! – levantou-se gesticulando como louca – Queima, Pai Santo! Sapeca a língua dessa professora possuída, meu chicotinho de fogo! – bradou

 

--Ah, é mentira? – Camilla se levantou também – Quero ver a senhora desmentir todas as provas que estão aqui e gostaria de ouvir sua explicação pra isso! – mostrou uma foto impressa de Sibele – Nossa ex síndica é simplesmente uma traficante internacional de artigos eróticos, tendo sido até fichada pela Polícia Federal por sonegação de impostos! – denunciou – E é por isso que precisa lavar dinheiro: pra esconder seu lucro com a venda desses brinquedinhos que entram irregularmente no Brasil! – olhou para a mulher – Creio que quando andou chicoteando os vírus pelo condomínio a senhora deve ter usado um item de seu acervo, não? -- ironizou

 

--Hã! – Sibele caiu sentada na cadeira sem saber o que dizer

 

--Dona Sibele, viu? Que diabinha! – uma idosa deu-lhe um tapa no ombro

 

--Ela tem que pagar! – um homem falou em voz alta – Isso é um absurdo e não pode ficar impune!

 

--Mas não vai ficar. – Bianca interferiu – Como foi comprovado que houve desvio de verbas por parte da ex síndica, ela irá responder por apropriação indébita de recursos do condomínio. – explicou para os demais -- Conforme determina o artigo 168 do Código Penal, o crime tem pena de um a quatro anos de prisão e pagamento de multa. – cruzou as pernas – Camilla e dona Marta, atuais síndica e subsíndica, entraram hoje com um processo contra dona Sibele e eu pedi priorização nos trâmites, uma vez que dona Marta tem mais de 80 anos e a lei lhe concede o direito de ter seus pleitos legais atendidos em tutela de urgência. – olhou para Sibele – A senhora será autuada em breve.

 

--Meu Deus! – Sibele se levantou novamente – Eu quero morrer! – rodopiou e se lançou sobre uma parede – Mata-me, oh, Pai! Livrai-me dessa sina triste! – clamou

 

--Hashtag teje presa! – uma mulher exigiu – Ladrona sem vergonha!

 

--Nós já calculamos tudo que a senhora deve ao condomínio. – Camilla esclareceu – Podemos entrar num acordo no decorrer do processo: a senhora devolve a quantia que roubou e retiramos a queixa que lhe prescreve os quatro anos de xilindró mais multa. – sorriu – Que tal?

 

--Eu quero morrer! – Sibele deslizou até o chão e ensaiou um desmaio

 

--Morre, bicha ladrona! – uma idosa gritou – Mas paga o que deve primeiro!

 

--Hashtag teje presa! – outros gritaram

 

E o falatório foi generalizado. Pânico, tumulto e histeria tomaram conta do condomínio.

 

***

 

Camilla e um grupo de alunos visitavam uma escola estadual no bairro de Casa Amarela. Estavam se preparando para apresentar alguns projetos de robótica educacional para as crianças, que aguardavam em algazarra.

 

--Que escolinha fuleira, faça-me o favor! – Suellen resmungava consigo mesma – Não sei pra que eu tinha que vir nisso! Não bastou ter arrumado da visita acontecer? – ajudava na preparação

 

--A partir do momento que a senhora se formou em uma Universidade Pública e de qualidade, fez seu mestrado por essa mesma Universidade e pretende seguir o mesmo caminho no doutorado, nada mais justo que devolva à sociedade brasileira o que dela recebeu. – Camilla respondeu, para surpresa da outra – Além do mais não existem escolas fuleiras. Toda escola é um jardim e nossa função deve ser a de fazer as sementes germinarem. – sorriu – Cada criança dessas é uma sementinha! – afirmou convicta

 

--Mas eu não quero ser professora! – Suellen retrucou de pronto

 

--Embora os professores sejamos os jardineiros por excelência, qualquer pessoa pode ajudar a fazer as plantas brotarem. Até uma resmungona como você. – piscou para a outra – Atenção, garotada! – falou mais alto para chamar a atenção da turma – Já já nós vamos começar e vai ter atividade muito massa pra todo mundo! – anunciou

 

--Humpf! – Suellen fez um bico discreto

 

***

 

--E você, meu bem, por que ficou aí sozinha só espiando de longe? – Camilla abordava uma menina – Não gostou do que a gente mostrou? – sorria para ela – Não quer brincar com um robozinho? -- abaixou-se para ficar da altura da criança – Aliás, qual o seu nome?

 

--Meu nome é Astraia. E eu gostei sim, mas não me misturo com essas criança daqui. – a garota respondeu timidamente – Elas só vive pra bulir comigo e mangar de mim, não sabe? – queixou-se

 

--E por que isso? – queria saber – O que acontece pra eles só viverem fazendo essas coisas feias com você?

 

--Porque eles diz que sou filha de muié macho. – justificou de cabeça baixa – E fica falando de mãínha e tia Gardênia.

 

Suellen ouviu essa parte da conversa e começou a prestar mais atenção.

 

--Ora, pois se você ama sua mãínha e sua tia Gardênia não tem por que ficar encolhidinha por causa das bestagens que os outros digam! – aconselhou – Venha comigo brincar com os robôs e se alguém disser qualquer coisa feia, eu mesma vou resolver o problema. – garantiu -- Também vou falar com sua professora. Pode ser assim? – estendeu a mão para a criança

 

--Pode! – sorriu e segurou a mão da outra

 

***

 

Camilla apreciava a interação entre as crianças, seus alunos e os robôs. Suellen aproximou-se titubeante.

 

--Gostei daquela garotinha. – indicou Astraia discretamente – Ouvi o que te disse e deduzi que é criada por um casal de lésbicas. – falou em tom mais baixo – Ela é inteligente mas vive acossada pelos outros que só sabem ficar se metendo com a pobre. – reparava na menina – Teve uma época que eu pensei em ter filho mas não fui adiante exatamente por causa dessas merd*s! -- confessou

 

--Então adote ela. – a professora respondeu de imediato

 

--Oi? – não entendeu – Como assim? – olhou espantada para a outra

 

--Adote Astraia como uma tutoreada sua. – explicou-se – Você pode fazer até melhor: adote a escola, a turma dela, sem deixar de ficar de olho nela que é sua preferida. – olhou para a mulher – Vai que um dia ela entra pra Universidade e vai estudar no Departamento como aquela moça pra quem você tentou falar mal de mim um dia desses? – lembrava do fato – Ou então ela pode se interessar por outra profissão, mas terá levado o aprendizado pra vida da mesma forma.

 

Suellen ficou sem graça e ao mesmo tempo tinha pontos de interrogação na cabeça. – E como eu poderia fazer isso? – não entendia – Além do mais vou fazer o doutorado, cadê tempo?

 

--Procure você as respostas, que elas virão. – Camilla respondeu de imediato – Mas já que a menina tocou seu coração de alguma forma, não deixe passar. – aconselhou – Quando essas coisas acontecem, nunca é em vão ou sem razão. – percebeu que um de seus alunos a chamava – Com licença. – afastou-se para ver do que se tratava

 

Suellen ficou pensando no que ouviu.

 

***

 

--E aí eu conheci a neta dela. – Camilla contava para a mãe – Já me aproximei ciente de quem se tratava porque logo a reconheci por causa daquelas fotos de Facebook que a senhora me mostrou. – olhava para Suhaila – É uma criança tão meiguinha! E inteligente também! Pena que viva perturbada pelos colegas de turma.

 

--E a professora não faz nada? – Suhaila perguntou revoltada – Bicha mais frouxa!

 

--Eu não posso dizer como é o caso lá, não trabalho naquela escola, mas tem professor que deixa correr frouxo mesmo. – considerou – De qualquer forma, conversei com a professora dela sobre isso, que me falou que vai prestar mais atenção. – cruzou as pernas -- “Sei bem o que passei em escola em certas fases da vida sem que ninguém me defendesse...” – pensou

 

--Tomara que ela tome atenção porque essa fuleiragem tem que acabar, não sabe? – balançou a cabeça contrariada – Mas ói, eu gostei muito de você ter arrumado de aparecer na escola da menina. – sorriu orgulhosa – Você achou que a bichinha tem precisão das coisa? Será que passa fome? – queria saber

 

--Isso não deu pra saber, maama. Porém se eu pudesse especular diria que não passa fome, mas é bem pobre. – considerou – Como a maioria absoluta das crianças daquela escola.

 

--Eu não sei como Rute não tem vergonha! Nem quer saber da neta, vôti! Depois fica aí, futicando internet de filha e suspirando pelos canto! – fez um gesto de desagrado – Ói, mudando de assunto... e meu remédio novo? Quando que vai chegar lá dos estrangeiro?

 

--Pelo que vi no rastreio seria hoje mesmo. – pegou o celular para conferir – Diacho pra demorar, viu? – olhou o resultado da consulta – É isso, chega hoje! Se Deus quiser! – colocou o celular no braço da poltrona – “E tomara que valha a pena! Cada frasco por quase três mil reais, Deus que nos defenda!” – pensou horrorizada

 

--A doutora disse que esse remédio é tiro e queda e vai aliviar as dor! Então eu tô com fé! – ajeitou-se no sofá – Filha, me endireita aqui que não tô bem sentada? – pediu franzindo o cenho – Já tá tudo começando a doer mais forte! – reclamou

 

Levantou-se rapidamente. – Vamos ver isso, maama! – ajeitou o corpo da mulher – E agora?

 

--Ainda não! Ai! – gem*u – Levanta eu de novo!

 

--Vamos de novo. – ajeitou o corpo da mãe novamente – “Ô, meu Pai, o lombinho não aguenta!” – pensou dolorida

 

--Agora foi. É o que dá... – suspirou – Põe o choquinho?

 

--Vou pegar maama. – foi até o quarto buscar o fisio TENS

 

Logo após colocar o TENS nas costas de Suhaila, a campainha tocou.

 

--Filha, tem alguém tocando aí! Será que é alguém com meu remédio? – perguntou esperançosa

 

--Deixe ver. – caminhou até a porta e olhou pelo olho mágico – Seu Valdo. – reconheceu o vizinho e abriu a porta – Boa tarde, tudo bem? – sorriu mas logo mudou de expressão – Nossa, que cara é essa? Aconteceu alguma coisa? -- estranhou

 

--Boa tarde. – cumprimentou seriamente – Eu vinha chegando no prédio quando o correio trouxe isso. Recebi pra vocês. – entregou um pacote nas mãos da professora

 

--Obrigado! – sorriu ao receber a caixinha -- Acertou, maama! – olhou brevemente para trás – Seu remédio!

 

--Oba! – Suhaila exclamou empolgada – Agradecida, seu Valdo!

 

--Não há de que. – o homem respondeu – Mas essa era a parte boa, não sabe? Inda tem a notícia ruim! – pausou brevemente – Soube hoje que dona Sibele fugiu pros Estados Unidos com os três filhos! – fez um gesto de contrariedade – Mais uma CPI que acaba em pizza!

 

--Ah, mas isso nunca! – respondeu revoltada – Se dona Sibele fugiu pra não pagar o que deve, ela vai ter uma triste surpresa, porque vou pedir pra minha advogada cobrar em juízo a penhora dos bens dela e aí vai entrar tudo: o apartamento aqui do prédio, o tal sítio cheio de pedalinho, carro, lambreta, carro de boi e seja lá o que for! – gesticulava com a caixa na mão -- Um dia ela vai ter que voltar e aí quero ver se vai tá pronta pra morar debaixo da ponte! – franziu o cenho

 

--Então corre pra ver isso, porque se bobear, ela já até passou esses troço tudo pro nome dos outros, não sabe? – considerou – Dona Sibele tem parte com o Cão!

 

“Será que dona Sibele conseguiu me dar uma calça arriada?” – pensou decepcionada

 

***

 

--Olha, amore, o fato dela ter fugido só depõe contra, então é perfeitamente possível que eu peça a penhora dos bens. – Bianca explicou – Não é tão fácil nem rápido assim passar imóveis pro nome de outras pessoas, mas não se pode garantir que dona Sibele não tenha feito isso. – gesticulou – De qualquer forma, vamos descobrir!

 

--Essa é minha última carta na manga! – Camilla andava de um lado e outro na sala da namorada – Se dona Sibele conseguiu se desfazer de tudo que tinha no nome dela passando pros nomes de outras pessoas... aí a gente não vai ter mais o que fazer! – passou a mão nos cabelos -- Só mesmo esperar o dia em que volte dos Estados Unidos pra voltar a carga! – pausou brevemente – Isso se ela voltar praquele prédio! Capaz até de ir pra outro canto!

 

--Nada que me surpreendesse. Cheia de gatilho como aquela mulher é... – a advogada observava a amada

 

--Dona Clea e Marcos me disseram que vão lá na igreja dela fazer enxame. – contava o que ouviu – Acham que se sujarem a reputação dela por lá isso pode fazer a diferença. Não sei...

 

--Pode ou não pode. Vai saber? – levantou-se do sofá – Mas eu também tenho uma novidade pra te contar, habibem. – a professora parou de andar e virou-se de frente para a namorada – A OIT me enviou um e-mail dizendo que preciso me apresentar lá em outubro. – sentiu que Camilla congelou – Fui aprovada mas empatei com outra pessoa, então eles querem tipo assim: uma prova pra desempatar, sabe como? Passaram até o conteúdo pra eu me preparar pro exame. – explicou brevemente – E se eu for finalmente a escolhida, tenho que me mudar pra Suíça até janeiro do ano que vem.

 

--Ah! – ficou sem palavras – Nossa, minha linda, eu... – foi até a amada e a abraçou com força – Vai dar tudo certo! – fechou os olhos – Ainda estamos em agosto, você tem tempo pra se preparar e chegar lá arrebentando!

 

--Mas a questão principal não é essa, amore. – desvencilhou-se gentilmente – E nós? Como ficamos?

 

--Ainda não sei responder a essa pergunta... – afirmou com sinceridade – Por ora eu só quero que você dê o seu melhor pra passar nessa tal prova!

 

--Se Elzira aceitar minha proposta, ela pode vir morar no Recife de vez, ficar com sua maama com a ajuda de Rute e colocar o imóvel dela em Triunfo pra alugar! – sugeriu – E você pode ter notícias todos os dias, vir pra cá nas férias...

 

--Linda... – balançou a cabeça negativamente

 

--Já é hora de você buscar o pessoal da Universidade Técnica de Zurique pra ver se dá pra ir pra lá como professora convidada e depois ver como é pra ser efetivada de vez e... – continuava falando

 

--Bianca, por favor! – segurou-a pelos braços e interrompeu a fala dela – Pare com isso! – pediu com seriedade – Vamos vivendo um dia de cada vez, já te pedi! Por favor!

 

--Por favor digo eu! – retrucou de cara feia – Você tem adiado uma decisão dia após dia, mas será que não vê que não tá dando mais? – desvencilhou-se chateada – O que você vai fazer se eu for selecionada? – cobrou – Eu já pensei mil vezes e quero muito ir! Tô doida pra ir! Mas quero você comigo!

 

Camilla se afastou e andou um pouco pela sala. – Eu já lhe disse minha situação qual é! Você sabe minha situação qual é! – pausou brevemente – Não me pressione, por favor! Já bastam as pressões que encaro diariamente!

 

Deu um suspiro profundo. – Camilla Isfahan, entende uma coisa: -- cruzou os braços – eles darão a resposta final em novembro! – olhava nos olhos – Você tem até lá pra decidir o que fazer!

 

“Ô, meu Pai, me defenda!” – pensou nervosamente

 

***

 

--Mas e no final, Camilla? – Simone perguntou mansamente – O que você deseja fazer?

 

--Parte de mim gostaria muito de ir com ela! – confessou – Experimentar uma vida nova, só nós duas juntas, novos ares, novos aprendizados... eu poderia pedir uma licença não remunerada na Universidade... – elucubrava – E teria uma vida mais suave, ao contrário dessa rotina tão pesada que vivo aqui... – suspirou – Mas ao mesmo tempo não tenho coragem de abandonar maama... Tadinha, ela sofre tanto e eu não vejo sinal de melhora! – pensava na mulher mais velha – Não dá pra confiar que ela seria bem tratada, com a mesma atenção que eu dou... e ela nunca me abandonou!

 

--Não necessariamente seria abandono, Camilla. – a psicóloga ponderou – Você precisa aprender que não é sua obrigação resolver todos os problemas do mundo! Além do mais, você tem irmãos, tão filhos de dona Suhaila quanto você. – olhava para a paciente – Não acha que já é mais que hora deles também terem responsabilidades e arcarem com alguma coisa? Não é justo que você fique se acabando enquanto eles ficam só olhando de longe!

 

A professora pensava no que ouvia.

 

***

 

Camilla chegava em casa com mil pensamentos turbilhonando em sua mente. Mal entrou e cumprimentou as mulheres, Rute veio logo contando a novidade: -- Olha, você não sabe o que aconteceu! Tamo aqui até agora matutando pra entender o que houve! – fez um mistério – Tua madrinha ligou e contou que Xarid foi demitido hoje! – gesticulou – Sem dó nem piedade!

 

--E não se sabe porquê! – Suhaila complementou enfática – Xarid não deu palavra com ninguém!

 

--Oxe! – arregalou os olhos – E só faltava essa! – parou no meio da sala – “É agora que Elzira não vai nem querer saber de aceitar a proposta de Bianca!” -- pensou baratinada

 

Fim do capítulo