Após a ligação de minha madrinha corri para a sala dos alunos da pós e pedi para dois de meus orientandos me substituírem nas aulas daquele dia e do dia seguinte. Liguei para casa e orientei Rute a preparar maama sem dizer toda verdade. Chegando lá, foi só o tempo de alguns preparativos básicos e pegamos a estrada para encarar as quase 6 horas de viagem que nos separavam de Triunfo. Apenas no caminho contei o que realmente havia acontecido e maama ficou penalizada. Também havia ligado para Bianca, que não poderia se ausentar da cidade por conta de audiências presenciais as quais deveria atender, mas me pediu para mantê-la a par de tudo.

Viemos caladas durante a maior parte da viagem. Percebi que maama orava e eu me alternava entre orações mentais e inúmeras lembranças do passado que me visitavam sem pedir licença.

 

“--Por que você e eu não é irmã? – a pequena Elzira perguntava – Gosto tanto docê, Camillinha! – sorriu – Queria que fosse minha irmã!

 

--Não tem precisão de ter a mesma maama e o mesmo baba pra ser irmã! – uma Camilla criança respondia resoluta – A gente é irmã de alma, não sabe? – sorriu – Vai ser assim inté... o fim dessa vida! – abriu os bracinhos

 

--Oba! Eu quero! – Elzira concordou e se jogou nos braços da prima”

 

“E você tá querendo antecipar esse fim, Elzira?” – perguntei mentalmente enquanto dirigia

 

“--Eu tenho medo, prima! É muito alto! – Elzira dizia com medo de saltar no rio – Tem outro caminho não? – perguntou aflita

 

--Outro caminho vai demorar mais uma hora com a gente andando debaixo de sol! – Camilla respondeu com a verdade – E ainda vamos ter que ouvir nossas maamas ralhando por causa da demora! – destacou -- Tenha medo não, mulherzinha! – segurou a mão dela – Pule comigo assim que eu contar no três e não me desagarre de jeito algum! – olhava para seu rosto – Num instante a gente chega do outro lado! – garantiu – Eu nado nesse rio por lá e cá desde que tinha 6 anos, não sabe? – afirmou orgulhosa

 

--Oxe, mas você só tem 13, nem faz esse tempo todo! – retrucou receosa

 

--São simplesmente 7 anos de experiência, visse? – argumentou desaforada – Não confia mais em mim, é?

 

--Em você eu confio sempre! – respirou fundo – Ai, tá bom! Conta que no três a gente pula, Ave Maria! – benzeu-se

 

Camilla achou graça, contou até três e as duas pularam juntas gritando bem alto.”

 

“Ela sempre vinha comigo pra onde quer que eu a levasse...” – sorri saudosa

 

“--Não, Elzira, não adianta querer resolver os exercícios com pressa, não sabe? – a jovem Camilla devolveu o caderno a outra – Preste atenção no enunciado de cada um deles e lembre de tudo que estudamos até aqui! – olhava para a prima – Você não pode acreditar que tem bloqueio com matemática, isso não existe! – afirmou enfática – A matemática é regida por leis. Entenda as leis e tudo se desenrola fácil! -- aconselhou

 

--As nota dela nessas matemática já melhoraram um bocado! – Elissa aproximou-se enquanto enxugava um prato – Seguisse os conselho de tua prima e visse que deu certo! – olhava para a filha – Faz o que ela tá dizendo e estude mais mode entender essas lei que ela fala! – balançou a cabeça positivamente

 

--Tá bom... – concordou ao pegar o caderno de volta – Eu vou estudar mais, ter mais atenção e no futuro vou me formar e arrumar um emprego bem bom! – afirmou sonhadora – O que a senhora vai querer ganhar quando eu receber o primeiro pagamento, mãínha? – olhou para a mulher mais velha

 

--Ver vocês bem encaminhada na vida é tudo que eu quero! – Elissa respondeu de pronto – Carece de mais nada não!

 

--Pois eu prometo que a senhora vai me ver mais que bem encaminhada! – Elzira garantiu – A prima vai ser professora de faculdade e eu vou ser uma gerentona poderosa! – sorriu – Minha sala vai ser maior que essa cozinha! – olhava para todos os lados – Aí os homens vão fazer fila pra querer casar comigo e eu vou escolher o mais bonitão e cavalheiro! – sonhava – E nós vamos ter dois filhos lindos!

 

Elissa achou graça. – A essa altura já escolhesse até o nome de meus neto! – caminhou até a pia para terminar de cuidar da louça

 

--Eu já! – confirmou – Como tenho a decoração de minha futura casa prontinha na minha cabeça! – gesticulou – Mas não se aperreie que vai ser perto daqui, mãínha! – prometeu – E Camilla vai ser a madrinha de meu casamento e de meus menino tudo!

 

--Se Deus quiser! – a prima concordou sorridente – Mas, por enquanto, dona gerentona bem casada e mãe de dois filhos, de volta ao trabalho visse? – brincou”

 

“Você sonhou tantas coisas, minha prima, e realizou praticamente nada...” – derramei uma lágrima discreta

 

***

 

--A paciente ingeriu um pequeno frasco de uma substância venenosa usualmente conhecida como chumbinho. -- o médico explicava – Mas como um parente a encontrou pouco depois da ingestão, ao que pudemos concluir, foi possível realizar um atendimento eficaz em antecipação à fase aguda dos vômitos, sangramentos, suderose excessiva, tremores... – olhava para os familiares de Elzira – Ela experimentou episódios de falta de ar e arritmia quando deu entrada aqui, mas pudemos reverter o quadro rapidamente. – garantiu – Confirmada a intoxicação, procedemos uma lavagem gástrica e administramos soro para que o veneno logo seja eliminado. – gesticulou brevemente – Também estamos administrando a devida medicação para evitar hemorragias, convulsões e outras complicações típicas do envenenamento.

 

--Muito obrigado pelas explicações, mas agora podemos considerar que Elzira tá fora de perigo? – Camilla perguntou apreensiva – Já se pode pensar numa alta? – arriscou

 

--Fora de perigo aparentemente está, mas precisa ficar em observação e por isso a mantivemos na ala vermelha. – o médico afirmou – Se continuar evoluindo positivamente poderemos transferi-la para a ala amarela amanhã e dar alta depois de amanhã ou no domingo.

 

--Graças a Deus! – Suhaila, Leyna e Camilla exclamaram ao mesmo tempo. As duas mais velhas se benzeram

 

--E quando poderemos visitá-la? – a professora queria saber – Eu só não vim voando porque maama tava no carro, do contrário nem sei! – desabafou – E foram quase 6 horas de viagem segurando o coração! -- destacou

 

--Entendo a ansiedade, mas infelizmente a visitação será possível somente a partir de amanhã, às 14h. – fez um gesto de cabeça – Agora preciso ir, com licença. – despediu-se e saiu rapidamente

 

--Eu não entendi grandes coisa do que ele falou, mas o importante é que Elzira escapou dos perigo, não sabe? – Leyna olhava para as outras mulheres – E vocês fizeram viagem longa, a comadre deve de tá toda doída e Camilla também precisando descansar. Simbora todo mundo pra minha casa! – convocou ao começar a andar

 

--Doída é meu estado normal, comadre! – Suhaila concordou – Mas não tinha como não vir! – deu o braço a filha e veio caminhando lentamente – Elzira fez uma de mestra e eu queria entender isso!

 

--E eu! – a morena concordou – Zyah falou que nos procura assim que sair do trabalho pra contar tudo que aconteceu. Yurem também me mandou um zap dizendo que quer nos ver – olhou para a madrinha – A senhora deixa eles irem na sua casa, dinda? Provavelmente irão com as esposas e filhos. – advertiu – Xarid até agora não se manifestou, então não sei se vai aparecer com a família também.

 

--Oxe, mas é claro que deixo eles ir! – concordou de pronto – A comadre tem que receber visita e eu tô doidinha pra entender o que houve porque até agora inda tô zonza! -- gesticulou – Foi uma correria louca, menina, pense! – chegaram na saída do hospital – Mas diz que Xarid tá em João Pessoa e Aline Maria não sei.

 

--João Pessoa?! – soltou o braço da mãe – Fiquem paradinhas aqui que vou pegar o carro e vocês embarcam, tudo bem? – as outras duas concordaram – Dinda, segura o braço dela aqui, por favor.

 

--Vem comadre. – Leyna fez conforme pedido

 

--Em um segundo tô de volta! – a professora se afastou andando apressadamente – “O que diacho meu irmão foi fazer em João Pessoa?” – pensava curiosa – “Não me diga que foi badalar às custas de Elzira?” – revoltou-se com a ideia – Não, Camilla, não seja maldosa! – aconselhou-se em voz alta – Vamos ouvir primeiro. – acionou o alarme do carro e entrou no veículo

 

***

 

--Mana, ói, não fosse pelo teu telefonema nem sei o que seria da prima! – Zyah contava a história – Cheguei na porta dela, chamei três vez, não atendeu, então não conversei! – gesticulava – Pulei o muro e depois entrei na casa pela janela da cozinha. – olhava para os demais – Vi a prima estatelada no chão com um vidrinho na mão e logo reconheci que era chumbinho!

 

--Aí ele me ligou apavorado e a sorte foi que nós já tava acordado por causa de um alarme de carro que disparou na rua. – Yurem complementou – Uma amiga de Quézila tá trabalhando com as ambulância, nós liguemo pra ela e num instante a bicha tava lá mode socorrer a prima.

 

--E mais sorte ainda foi que inauguraram de pouco tempo essa UPA na cidade pra atendimento de emergência, não sabe? – Quézila destacou – Não fosse isso, nem sei pra onde tinha que levar Elzira!

 

--Mas ninguém tem nem ideia de porque a menina fez o que fez? – Suhaila perguntou agoniada – Eu até agora tô de bexiga lixa por causa disso! – agitou-se na poltrona – E o sonho de Camilla com minha irmã, Ave Maria! – olhou rapidamente para a filha – Também sonhei, mas foi uma emboleira doida!

 

--Minha sogra, ói: mistério total! – Andrea respondeu gesticulando – Também tô bocaberta! E com tudo!

 

--E Xarid e Aline Maria, hein? – Camilla perguntou olhando para os demais – Que história é essa de João Pessoa?

 

--Diz que o chefe dele que mandou ir pra lá. – Zyah respondeu – E a mulher dele tá na cidade. Disse que os menino tão com dengue e ela tá cuidando, não sabe? Por isso que não foi hoje no hospital e nem veio aqui.

 

--E pra que existe telefone, hein? – Suhaila retrucou – Ah, mas eu vou falar muito desaforo pra esse meu filho! – gesticulou – Diacho de compadre é esse, vôti? – fez cara feia – Sem consideração!

 

--Também achei muita falta de consideração! – Leyna concordou, assim como os demais

 

--Ricky e Martin bem falaram que vão se mudar pra João Pessoa! – Emmanuel se manifestou de repente – Mas tá todo mundo fazendo segredo porque o chefe de tio Xarid inda pode mudar de ideia, não sabe? – olhava para os adultos – Eles me contaram isso antes de pegar essas dengue!

 

--Mas espie pra isso, que coisa mais feia! – Andrea ralhou contrariada – Menino fuxiqueiro, se metendo nas conversa dos adulto! – cruzou os braços

 

--Paulinho, mas eu não mandei você tomar conta das criança lá fora? – Zyah se levantou de cara feia – Oxe, mas cadê esse menino? – seguiu em direção a varanda

 

--Soubesse disso, homi? – Quézila perguntou ao marido

 

--Eu não! – Yurem respondeu de pronto – E duvido que alguém aqui soubesse. Xarid anda com boca de siri!

 

Camilla ficou apenas calada e pensando no que ouviu.

 

***

 

--Aí ela levou alta no domingo e dinda se ofereceu pra recebê-la em casa e ficar cuidando nesse primeiro momento de recuperação. – a professora contava – Depois de tudo resolvido e Elzira devidamente acomodada, maama e eu tentamos conversar com ela, sabe? – gesticulava -- Falei dos sonhos que tivemos e do fato que a falecida tia Elissa, de uma forma ou de outra, a impediu de cometer suicídio, mas ela não quis saber de dizer coisa alguma. E até agora, todo mundo sem entender o que realmente aconteceu. – passou a mão nos cabelos – Por mais que meus irmãos tivessem tentado esconder o que houve, a fofoca se espalhou e o povo tem dito que Elzira tentou se matar porque foi demitida do hotel e do mercadinho onde trabalhava. O dono dos dois é o mesmo. – balançou a cabeça negativamente – E eu que nem dessas demissões tava sabendo... – pausou brevemente – Mas eu sei que o motivo não foi esse. Eu sei, eu sinto! – olhou para a psicóloga – Seja como for, maama e eu tínhamos que voltar pra cá no domingo porque ela tem os tratamentos pra fazer e eu perdi dois dias de trabalho, não poderia perder mais. – pausou brevemente – Mas no momento devido volto ao assunto com Elzira. – decidiu – Não é por mera curiosidade ou fofoca, mas eu preciso entender o que aconteceu!

 

--Essa história é realmente impressionante! – Simone afirmou – Especialmente a parte do seu sonho com a mãe de Elzira!

 

--Ah, e você não sabe! – Camilla destacou – Essa parte da história também se espalhou pela cidade e agora tem gente querendo meu endereço pra marcar consulta comigo! – contava – Cismaram que sou vidente, pense nisso! – acabou rindo – Proibi todo mundo da família de alimentar essa conversa! Já tenho muito problema pra resolver! – frisou

 

A psicóloga riu gostosamente. – Ai, ai, fique tranquila... – balançou a cabeça divertida – Essa fofoca, assim como a outra com o nome de Elzira, invariavelmente vão passar. Outras virão pra chamar a atenção e distrair as pessoas. – cruzou as pernas – Mas, Camilla, você já me disse várias vezes que Elzira sempre foi como uma irmã pra você. Ao mesmo tempo me parece que existe uma certa distância entre as duas... – comentou – Estou errada? – questionou – Será que você me falaria mais sobre essa relação?

 

--Você nunca erra, Simone... – achou graça e gastou uns segundos calada – Elzira e eu éramos carne e unha e continuamos assim mesmo depois que eu vim pra Recife estudar. A distância não atrapalhou nossa amizade, não isso... – pensava na prima – E nós éramos uma espécie de dupla dinâmica na cidade, sabe? – sorriu – Eu era conhecida como a menina mais inteligente de Triunfo e ela como a mais bonita. Chegou a ser rainha de rodeio e tudo. – gesticulou -- Os rapazes eram doidos pra ficar, pra namorar com ela. – mirou um ponto no infinito – Mas ela era muito exigente e não ficava com nenhum. E como não me via com ninguém, achava que eu era igual. Mal sabe ela que é porque meu negócio já era bem outro... – riu brevemente – Aí, um dia, quando eu tava no finalzinho da faculdade, ela arrumou um namorado sério. E o cabra era um esnobe, filho de fazendeiro, recém formado em Veterinária, dirigia um carro quatro por quatro... – visualizava o homem em sua mente – Acho que Elzira ficou meio metida por causa disso, sabe? – comentou com certa mágoa -- Ela se afastou de mim e sempre que podia vinha tirar uma, dizendo coisas como: – fez aspas com os dedos – “Eu tenhoôô, você não teêêm!” – fez uma voz fininha – Então eu me afastei também e não quis mais saber. – fez um gesto de desprezo

 

--Hum... – ponderava sobre o que ouviu – Certa vez você me disse que sofreu muito preconceito e críticas por ser filha de um pai ausente e não se portar segundo o modelo feminino que todos esperavam. – lembrava – Creio que esse não era o caso de Elzira. Mas ela também não me parece ter tido o seu sucesso no que diz respeito a vida acadêmica, profissional... talvez também fosse criticada por isso. – estudava o rosto da paciente – Será que não havia uma certa disputa entre vocês? – provocou – Embora a amizade feminina seja sabidamente muito forte, a sociedade patriarcal faz muito isso: joga mulheres umas contra as outras. – avaliava as reações da paciente – Será que esse namorado não foi apenas a gota que faltava pra transbordar um caldeirão de disputas veladas?

 

Refletiu sobre o que ouvia. – De fato... – balançou a cabeça positivamente – Por várias vezes me peguei com inveja da beleza e da graça de Elzira. Ela chegava e todo mundo olhava... – confessou – Era do tipo que conseguia o que queria com alguns sorrisos e olhares, sabe como? Talvez por isso sempre foi muito passiva. – considerou – Ao contrário dela, eu sempre fui do tipo que corre atrás, chega e faz! E por várias vezes pude sentir que ela invejava isso em mim, além de minhas notas, meu desempenho acadêmico... – pausou brevemente – Talvez a gente competisse e ao mesmo tempo não, sinceramente não sei... mas aquele namorado dela foi um divisor de águas, com toda certeza. Nossa relação nunca mais foi a mesma depois dele. – admitiu

 

--E parece que o namoro não deu certo, não é? Tanto que Elzira é solteira. – Simone comentou

 

--Eu nunca entendi o que aconteceu entre eles. – afirmou pensativa – Tiveram sete anos de namoro, do nada terminaram... e depois daquele cabra nunca mais a vi com ninguém. – constatou -- Elzira acabou se tornando uma mulher solitária, um tanto quanto nostálgica, sempre trabalhando em empregos exploradores e se endividando pra bancar os luxos dos compadres, que fingem estar atendendo os pedidos das crianças. – fez um bico – Acredita que Xarid e Aline Maria se limitaram a mandar uns desejos de melhoras por zap? E somente no dia em que ela levou alta! – destacou – Dinda disse que até agora não deram as caras pra visitar!

 

Estranhou o comportamento. – E por que será que Elzira se coloca em posição tão vulnerável a ponto de permitir-se viver uma relação tóxica com os compadres? – queria saber – Será que eles representam a vida de casal que ela sonhou em viver? Será que os afilhados seriam os filhos que ela sonhou ter?

 

--Talvez... já pensei nisso também. – balançou a cabeça positivamente – Mas se eu sou discreta com meus sentimentos, Elzira é o próprio mistério...

 

--Dizem que o desejo de todo mistério é ser desvendado. – Simone devolveu provocando – Assim como uma certa autora que conheço e suas histórias na internet. – piscou para a outra

 

Achou graça. – Se você diz...

 

***

 

https://www.youtube.com/watch?v=8w_E3fyzPnw

Camilla terminava de arrumar os últimos detalhes. Olhou para o relógio brevemente e ligou a TV. Selecionou o clipe que desejava e deixou no ponto. Correu para o banheiro, terminou de se aprontar e voltou para a sala assim que uma mensagem de zap fez o celular vibrar. Parou diante da porta e esperou. Ao ouvir o som de passos no corredor, apertou o botão play no controle remoto e abriu a porta sorridente.

 

“Sono umane situazioni (São situações humanas),

Quei momenti fra di noi (Aqueles momentos entre nós dois),

I distacchi e i ritorni (A distância e o retorno),

Da capirci niente poi (Nada para entender então)…”

 

--Tesoro mio! (Meu tesouro!) – saudou com uma festa no olhar -- Mio regalo più gradito! (Meu presente mais bem-vindo!) – deu passagem – Se não podemos passar seu aniversário na Costa Amalfitana, ela vem até você! – fechou a porta após a namorada entrar na casa

 

“Come se questo tempo non fosse passato mai (Como se esse tempo nunca tivesse passado),

Dove siamo stati, cosa siamo poi (Onde estamos, o que somos então)...”

 

--Habibem! – surpreendeu-se com o ambiente – Amei tudo isso! E eu amo essa música! – envolveu o pescoço da outra com os braços e a beijou – Amo! – beijou-a novamente

 

“Confinati di cuore solo che orgoglio sta (Fronteira de coração só que todo mundo é),

Dietro gli steccati degli orgogli suoi (Atrás das cercas de seu orgulho...)”

 

–No que pensasse, como foi que você...? – a advogada foi silenciada por mais um beijo

 

--Shii... – Camilla pediu gentilmente – Pergunta não... – beijou-a – Vive isso comigo e só! – abraçou-a pela cintura com força

 

--Ui... – suspirou excitada – Adoro quando você me pega assim! – beijou-a novamente

 

“Sto pensando a te (Estou pensando em você),

Sto pensando a noi (Estou pensando em nós)...”

 

--Feliz... aniversário... Bianca... – cumprimentou entre beijos – E que essa noite nunca tenha fim! – a professora começou a conduzir uma dança lenta enquanto se beijavam

 

“Sono cose della vita (São coisas da vida),

Vanno presse un po' così (Vão pressionar um pouco assim),

È già stata una fática (Já foi uma luta),

Arrivare fino a qui (Chegar aqui)...”

 

--Não me faça perguntas e não pense em nada. – Camilla sussurrou no ouvido da amante – Chegamos até aqui, estamos aqui... juntas... – mordeu-lhe a pontinha da orelha – E juntas vamos ficar!

 

--Ai... – Bianca gem*u excitada

 

“Già, come vedi (Sim, como você vê),

Io sto ancora in piedi (Eu ainda estou de pé)...”

 

--Hum, amor, espera... – interrompeu o beijo sem parar de dançar – Eu não queria ser aquela a cortar o clima, só que... – não sabia como dizer – Tô naqueles dias... – confessou constrangida – E quando eu tô assim cê sabe que eu não gosto de...

 

--Entre nós nunca foi só uma questão de sex*. – respondeu olhando nos olhos – Já me basta te sentir perto de mim! – afirmou com intensidade

 

--Ai, eu fico louca quando você fala assim! – beijou-a com paixão

 

“Perché (Porque),

Sono umani tutti i sogni miei (Todos os meus sonhos são humanos),

Con le mani io li prenderei, si perché (Eu os levaria com minhas mãos, sim, porque)...”

 

--Amo você, minha linda! – Camilla declarou-se ao colar testa com testa – Behebbik ya, habibit (Amo você, minha querida)!

 

--Wana ahbik aydana, ya gamil (Também te amo, minha linda)! – respondeu emocionada -- Estoy pensando en ti, estoy pensando em mi! – abraçou a namorada com força e fechou os olhos apenas para sentir as emoções ao som da música

 

“Sono umani questi sogni miei (Estes meus sonhos são humanos),

Con le mani io li prenderei (Eu os levaria com minhas mãos)”

Cose Della Vita. Intérprete: Eros Ramazzotti. Compositores: Eros Ramazzotti / Piero Cassano / Adelio Cogliati. In: Tutte Storie. Sony / BMG, 1993. 1 CD, faixa 1 (4min48).

 

***

 

Camilla e Bianca tomavam café da manhã na varanda da casa que as hospedou na noite anterior.

 

--Que delícia esse café da manhã maravilhoso, em excelente companhia e de frente pra um visual lindo que só Olinda tem! – sorria para a namorada – Eu amei tudo, habibem! O lugar, a música, a massagem, o jantar, dormir abraçadinha com você... – suspirou – Só que você não deveria ter gasto dinheiro e tempo providenciando tudo isso. Duas coisas que você não tem de sobra!

 

--Não se preocupe. Tive uma dose de sorte nisso. – bebeu um gole de água de coco – Um colega do Departamento metido a Don Juan queria conquistar uma turista italiana que pousava no Recife. Daí ele alugou essa casa e providenciou 90% do que você vê. Mas a mulher foi embora sem nem saber dessa fofoca e ele ficou na pista. – contava a história – Então negociei com ele e os 10% que faltavam pra completar meu plano tratei lá em casa diretamente, como foi o caso da comida, ou pela internet. – sorriu – Eu tinha que ressignificar os planos não concretizados pro seu aniversário na Itália. E tô feliz que dessa vez deu certo. – piscou para a amada

 

--Com certeza, ressignificasse! – passou a mão nos cabelos – Mas você por sua vez, não vai me dizer não quando eu levar você e sua maama prum banho de loja! Reparei que as duas andam muito pobrinhas nos trajes e eu não aceito isso! – deu uma colherada

 

Achou graça. – Tá bom. – concordou – Temos um trato. – respondeu brincalhona – Falando em maama, deixe ver como as coisas vão lá. – pegou o celular e acionou a câmera do robô – Ah, tá fazendo a fisioterapia remota. – observou – Rute tá do lado acompanhando. – sorriu – Ih, linda, entrou uma mensagem de áudio da dinda. Licença que eu vou ouvir, tá? – pediu

 

--Claro, amore, por favor. – respondeu de pronto – Pode ser algo importante com Elzira. – considerou

 

Camilla acionou o áudio para ouvir a mensagem: -- Bom dia, Camilla, Deus te abençoe. – Leyna cumprimentou – Ói, Elzira tem ido bem e hoje ela teve uma consulta bem cedinho no hospital. O médico leu os exame dela e disse que tá tudo bom. Em mais uma semana pode considerar que ela tá nos trinque, não sabe? – pausou brevemente – Mas pra ter certeza mesmo tem que fazer um outro exame, que o médico mandou fazer no particular pra não ficar esperando, e eu já liguei pra Xarid e mandei ele tirar dinheiro do rabo pra pagar! – a professora riu ao ouvir – Deixei áudio pra comadre também orientando ela mode dar a mesma ordem pro filho. Tenho certeza que ela vai! – terminou

 

--Bom dia, dinda! Obrigada por dar notícias. Com certeza maama vai enquadrar Xarid! – a professora gravava um áudio também – Ele e Aline Maria têm que se mancar e minimamente ajudar Elzira nessa hora. Beijo e tudo de bom. -- finalizou

 

--Absolutamente sim! – Bianca concordou – E vou te contar, amore, até agora não entendi o que aconteceu! – bebeu um gole de suco – Mas é aquela coisa, nunca vi mulher mais misteriosa que sua prima! – gesticulou – Sei lá, mas desconfio que essa loucura toda tem relação com o amor bandido da vida dela. – mordeu um pedaço de pão

 

--Amor bandido?! – não entendeu – Como assim? Elzira não tem namorado! – afirmou tacitamente – Quer dizer, pelo menos não que se saiba... – considerou – Mas por que você diz isso? – perguntou intrigada

 

--Olha, habibem, posso até ter me enganado, mas pouco tempo antes daquela vez que Elzira foi pra Triunfo e quando voltou veio com todos os seus irmãos, cunhadas e tals, teve um lance na sua casa. – contava – Sua maama te pediu pra ir no banheiro e eu fui beber água na cozinha. – lembrava -- Chegando lá, flagrei sua prima aos cochichos com alguém. E ela tava cheia de fogo!

 

Espantou-se. – Mas... você chegou a ouvir alguma coisa? – debruçou-se sobre a mesa – Pense bem, minha linda, isso é muito importante! – pediu

 

--Não muito. – respondeu pensativa – Na verdade, lembro apenas dela dizendo: “Eu vou pegar esse buzuzo pela antena!” – repetiu a fala da outra – Acho que foi isso... buzuzo, sei lá.

 

A morena paralisou em choque.

 

***

 

Após uma longa viagem de carro, Camilla entrava na casa de um homem mal contendo a fúria. Ao vê-lo preguiçosamente se balançando numa rede, foi até lá, segurou a rede e com um solavanco brusco o derrubou no chão.

 

--AH! – o homem gritou ao cair no chão – Puta que pariu! – sentou-se esfregando os joelhos doloridos – Tá maluca, merd*? – olhou para um dos cotovelos – Que foi, Camilla, que porr* é essa? – perguntou de cara feia

 

--Que porr* é essa, digo eu! – abaixou-se diante do homem – Vou te perguntar uma única vez e não admito enrolação ou conversinha fiada pra ganhar tempo! – olhava nos olhos – Desde quando você e Elzira são amantes? – perguntou à queima roupa

 

Xarid abriu a boca e não conseguiu verbalizar palavra.

 

Fim do capítulo