CAP 21

POV ANA VITÓRIA

As coisas que disse ou até as que fiz ontem a noite jamais remetem a nenhuma versão minha, se eu falar pra Sophie que sempre fui quietinha e sem graça ela não vai acreditar em mim e eu a entendo, seria uma contradição dos meus atos nos últimos dias. Por falar em últimos dias, devo confessar que está sendo uma experiência maravilhosa conviver com ela, minha rotina mudou completamente, antes eu vivia pra trabalhar e nos dias de folga entrava em uma depressão forte sentindo falta das pessoas que mais amei e que me foram tiradas precocemente, mas hoje não tenho espaço pra isso, a maior parte dos meus dias são preenchidos por ela, quando não estamos no apartamento estamos andando, viajando, seja pra nossas praias, como Sophie gosta de chamar, seja pra qualquer cantinho num vilarejo, nas montanhas em Martins pra curtir um friozinho, o que eu não tive coragem até hoje foi de conhecer seus pais, mas confesso que já estava ficando sem argumentos diante da minha pequena.

Sophie e eu já estamos juntas a dois meses e nesse meio tempo tentei enrolar minha mãe e Sophie, pois não estava preparada pra apresenta-las, mas foi inútil, mamãe conhecendo bem a filha resolveu aparecer sem ser chamada.

CINCO DIAS ATRÁS

- Minha nossa senhora das mulheres peladas.

Acordei num susto enorme, minha mãe estava parada na porta do meu apartamento enquanto analisava a cena: duas garrafas de vinho vazia juntamente com duas taças no chão, na mesinha de centro uma bagunça enorme e pra completar a visão eu e Sophie deitadas no sofá dormindo peladinhas.

- Mãe pelo amor de deus sai daqui por favor.

Eu gritei, mas acho que não adiantou de nada ela ficou paralisada olhando pra nós. Sophie que sempre demora a acordar deu um pulo quando escutou a palavra mãe, e nesse movimento ficou peladinha e cara a cara com mamãe. Corri e peguei algumas almofadas pra nos cobrir enquanto esperava alguma reação.

- Mãe, por favor!!

- Oi, ah sim. Eu vou ficar aqui no corredor enquanto vocês vão pro quarto se trocar.

Mamãe saiu e eu puxei Sophie, ainda muda, pro quarto. 

- Vi, como vou olhar pra sua mãe depois dela nos ver desse jeito? Ela vai me odiar, vai dizer que eu desvirtuei a filha dela. Não que seja mentira, mas ela não precisava ver tanta coisa. Vitória o que eu faço agora???

Ela era até fofinha nervosa daquele jeito e eu fiz jeito de rir, mas ela ficou enfurecida.

- Vitória você não rir da minha cara porque ela viu nós duas peladas.

Fechei a cara lembrando desse detalhe.

- Tá ok. Eu não sei o que dizer então vamos tomar um banho, vestir uma roupa e enfrentar a mamãe, lembrando que ela nos pegou pelada.

- Vitória!!

- Eu estou brincando pequena, relaxa mamãe é de boa, ela só não esperava ver tanta coisa.

- Vitória você não ajuda em nada, eu desesperada aqui e você brincando com minha cara.

- Vamos tomar banho senão ela vai pensar que estamos fazendo outra coisa. Kkkkkk

- Que coisa Vitória? Não estamos fazendo nada.

Puxei Sophie pra tomar banho e ela ainda estava de cara emburrada, ainda dei uns beijinhos pra acalma-la, mas só consegui piorar a situação. Quando chegamos na sala percebi que estava limpa, deixei Sophie na sala e fui em direção a cozinha e mamãe estava preparando um café delicioso.

- Cheirinho bom é esse?

- Bom dia minha filha, que bom que está vestida.

- Mãe pega leve, a Sophie está morta de vergonha da senhora.

- Onde ela está? Não precisa dessa cerimônia.

- Tá ali na sala, vou lá chamar ela e te apresentar oficialmente. Pega leve viu.

Quando cheguei na cozinha com Sophie mamãe fez questão de tirar toda vergonha, abraçou e beijou seu rosto mostrando que estava muito feliz por nós duas.

- Oi minha criança, não precisa ficar com vergonha, tudo bem que eu não esperava essa recepção, mas eu entendo a paixão jovem.

- Mamãe a senhora prometeu.

- Eu não prometi nada. (Só revirei os olhos)

- Dona Ana, me desculpe, nunca imaginei estar numa situação dessas. Ai que vergonha.

- Não precisa dessa vergonha, e aliás isso é tudo culpa da sua namorada, eu mandei ela te levar lá em casa e ela não levou, então estou eu aqui. (Sophie me olhou com a cara feia)

- E precisava ser tão cedo? (falei braba por ela ter me dedurado)

- Vitória já passa das onze da manhã, eu realmente nunca imaginei que você acordava essa hora, pra falar a verdade pensei que não estaria em casa.

- A gente... é...chegou um pouco tarde ontem...

- Sei... e dormiram muito mais tarde né..

- Mãe!! Tá bom já, vamos comer, estou morrendo de fome.

Sophie se animou depois de um tempo entre brincadeiras na mesa do café, mamãe ficou pra almoçar e foi bom demais, fomos pra cozinha como fazíamos antigamente só nós duas, a tarde chegou e nos despedimos, mas a sensação de tirar um peso das costas foi gigante, posso dizer que sou o tipo de pessoa que adio as coisas na minha vida e depois não sei como resolver, a verdade é que não sei porque nunca levei Sophie pra apresentar a minha mãe, mesmo sabendo que seria tudo numa boa. Agora me encontro sozinha no meu apartamento, Sophie não falou nada enquanto minha mãe estava conosco, mas quando ela saiu  pensando a briga foi homérica, tudo por não querer conhecer seus pais.

Tinha uma frase martelando em minha cabeça ultimamente: “a maioria dos gays e lésbicas são as que tem mais preconceitos consigo mesmo”, acho que foi de um filme que assisti e ela caiu perfeitamente bem no meu momento, eu inventei tantas histórias e desculpas pra não ir a Fortaleza e o fato de minha mãe aparecer em meu apartamento só reforçou a Sophie a verdade que ela já sabia. Uma das coisas que ela passou na minha cara era de que eu tinha tanta vergonha e tanto preconceito que não queria apresenta-la nem a minha mãe que era tão legal, e ela não mentiu, mas eu estava presa nos meus conceitos e vergonha e não conseguia abrir meus olhos. Era frustrante pra mim chegar no trabalho e perceber olhares, andar na rua e ser reconhecida como um casal, era um bloqueio que eu precisava quebrar dentro de mim, mas tudo tomou proporções gigantescas quando cheguei no trabalho e Sophie jogou na minha mesa seu pedido de dispensa por quinze dias com urgência.

- Sophie, você não precisa fazer isso. Vamos conversar e chegar a um acordo.

- Não tenho mais nada pra falar delegada, eu preciso de um tempo sozinha.

- Isso vai atrapalhar nossas férias juntas. Temos uma viagem marcada Sophie.

- Você tem muita vergonha pra viajar comigo e no momento o que eu preciso é estar com minha família.

- Droga Sophie, tá me punindo por causa de ontem, fica aqui, nós conversamos e planejamos direitinho, por favor.

- Porr* Vitória, você passa dois meses com vergonha de se expor comigo e não quer que eu fique com raiva? Eu não quero mais isso pra mim, não vou ficar me escondendo feito uma criminosa, afinal não estou fazendo nada de errado e nem sozinha, você só me quer quando não tem ninguém por perto.

- Ei não fala isso, é claro que você não está sozinha, me dá só mais um tempo, eu prometo que não vai ser assim pra sempre.

- Vitória você tem o tempo que quiser, eu só não vou ficar vendo você fazer isso com a gente e ficar de boca calada. Por favor, assina logo esse documento que eu preciso ir.

- Droga!! Pra onde você tá indo?

- Eu vou pra Fortaleza, será muito bem vinda, se quiser é claro.

Assinei aquele documento com o coração na mão, eu sabia que tanto eu quanto ela precisava de tempo pra esfriar a cabeça, só não imaginava que o pior estava por vir. Sophie viajou no outro dia logo cedo sem me dar nenhum beijinho, não me deixou nem ir deixa-la no aeroporto. Voltei pra casa e já se passaram três dias que ela não me atende, eu já estou em desespero, estou morrendo de saudade da minha pequena, saudade do seu cheiro, dos seus carinhos, do seu sorriso que me acalmava, ela sabe como me deixar doida eu devo admitir, eu olhava suas redes sociais e só a via nas festas, nas praias, com várias mulheres e meu coração ficava pequeno a cada foto, a cada postagem. Era noite e eu precisava dormir pra trabalhar no outro dia, mas estava tão angustiada que peguei minhas coisas e fui pra casa da minha mãe, no momento só ela pra acalmar a angustia do meu coração.

- Mãe, ela me abandonou.

- Lá vem ela com seus dramas, mas é bem feito mesmo, queria ver o que você ia fazer se ela resolvesse ir embora de vez.

- Mãe não fala assim, tá doendo tanto, eu to com tanta saudade dela.

- Não parece, deixou ela ir sem fazer nada.

- Como assim eu deixei? Não posso impedir a Sophie de fazer nada.

- Você é lerda mesmo. Ela foi na esperança de você ir atras dela porque o que ela quer só vai se resolver lá em Fortaleza que é conhecer os pais dela e você com essa cabeça dura que não se resolve. O que te impede Vitória?

- Eu não sei mãe.

- Você sabe sim. Tá aí cheia de vergonha e de preconceito. Deixa isso de lado e vai se encontrar com a mulher que tu ama. Se desprende disso tudo e corre atrás porque pelo que eu vi a garota tá curtindo a vida longe de você sua besta. Vai acabar perdendo-a por medo de assumir seus sentimentos.

- Mãe não é fácil assim, com que cara vou chegar pros pais dela e dizer: “ Oi, sou a namorada da sua filha”. E se eles me botarem pra correr? E também tem o trabalho, não posso abandonar tudo e correr atras dela.

- Desculpas, desculpas e desculpas. Apois fique ai se martelando e perdendo aquela mulher maravilhosa que por um milagre se apaixonou por você, poque vou dizer, tem horas que nem eu te aguento Ana Vitória.

- Mãe!!!

- É verdade, santa Sophie se ela ainda te querer. Vitória, eu te amo, mas não vou passar a mão por cima dos seus erros, você está com esse bloqueio sem motivos, ela contou que os pais já sabem de você, que eles apoiam vocês duas e você inventando coisas pra brigar. Vai dar um frio na barriga? Vai sim, afinal são os pais dela, mas vai valer a pena, isso vai mostrar pra ela que você a quer de verdade, quer um compromisso, não só se esconder dentro de casa. Você precisa mostrar pra ela a sinceridade dos seus sentimentos, porque deve ser isto que ela deve tá pensando, que você não a quer de verdade.

- Mas eu a quero mãe, eu só não tenho coragem pra muita coisa, eu tenho vergonha.

- Coloca a vergonha de lado e vai à luta, senão você vai perder ela.

Dormi muito mal depois daquele esporro, mas pra amenizar ela veio dormir comigo e me deu colo, me senti tão especial. No outro dia fui trabalhar muito mal, mas já com um plano em minha mente.

Fim do capítulo