Capitulo XVIII
Eu permanecia embriagada pelos efeitos do adeus doloroso quando Madison tomou a frente no deque jogando algo sólido no lago causando várias ondulações na superfície pelo impacto na água. Sua atitude inesperada me fez olhá-la seriamente, sendo totalmente ignorada enquanto a garota ruiva passava direto por mim, retornando para dentro do chalé. Não ousei questioná-la, somente continuei admirando os desenhos uniformes que a garoa também fazia delicadamente na extensão líquida, lar dos destroços metálicos do outrora relógio.
Não permanecemos por muito tempo no chalé, caminhamos silenciosas até a casa principal cada uma digerindo à sua maneira o desfecho daquela noite. Quando alcançamos as dependências do casarão, Olivia nos aguardava na varanda de trás, nos surpreendendo ao avançar eufórica sobre Kiara quase às derrubando. As irmãs se abraçaram emocionadas, enquanto eu e Mads sorrimos satisfeitas pela cena comovente. Depois de tanto tempo, podíamos respirar aliviadas e virar a página daquele capítulo assombroso que vinha perdurando durante meses. Quase tudo havia voltado ao seu lugar, mesmo que ainda sentisse a ardência em meus olhos junto ao meu coração batendo dolorido, me sentia satisfeita por ter ajudado Kiara a retomar o controle de sua vida e consequentemente ter libertado Caleb e Ylena.
— Preciso de uma bebida forte, urgente! – manifesto dramática, cortando o momento saudoso das irmãs.
— Todas nós! – Kiara emendou, nos causando risadas quando nos direcionamos para dentro do Château.
Fomos cuidadosas pelo caminho até a biblioteca, evitando chamar a atenção indesejada do restante dos moradores que dormiam no andar de cima. Chegando lá, Kiara se adiantou até o aparador de mogno pegando um dos decantadores para nos servir. A garota parecia igualmente desejosa pelo entorpecimento proporcionado pelo álcool. A imagem do líquido dourado caindo no copo de vidro ecoou fogos de artifício em meus ouvidos seguido do coro de trombetas, saudando-o. Podia jurar sentir minha língua formigando ansiosa por seu gosto macio e amargo. Eu merecia aquele mimo depois daquele espetáculo assombroso. Com os copos em mãos brindamos pelo sucesso impactante do nosso plano arriscado. Cada uma de nós reagiu de forma diferente ao recepcionar o sabor marcante do whiskey envelhecido. Contrária à minha evidente satisfação com o líquido âmbar, a repugnância forçada de Olívia nos rendeu provocações e risadas divertidas. Me sentia privilegiada por enfim termos momentos tão leves depois de todo aquele caos.
A figura de Kiara ao meu lado me pôs agitada. Sua presença trouxe consigo as familiares sensações inquietantes que precediam sua aproximação, desencadeando os efeitos devastadores por meu corpo, bagunçando minha mente. Se em sonhos a garota se mostrava intensa, estando ali, bem na minha frente, quase podia tocar aquela intensidade. Kiara era por si só uma força natural notável, irradiando sua aura altiva displicentemente, cativando a curiosidade de meus olhos.
— Obrigada! – agradeceu baixinho, não querendo atrapalhar a conversa entre as outras garotas.
— Não tem porque agradecer. – digo a olhando atentamente.
— Tem sim, mas você é modesta demais para aceitar. – sua reclamação humorada me fez rir sem graça e desviar os olhos de seu sorriso convencido e bonito. Ela parecia se divertir com minha reação.
— Gostaria de me desculpar por tê-la machucado. – murmurei, recordando dos instantes em que minhas mãos envolveram seu pescoço. As marcas vermelhas, mesmo fracas, estavam visíveis como uma incômoda lembrança. Percebendo meu desconforto, Kiara sorriu com ternura tocando minha mão com a sua, me confortando.
— Às vezes é preciso certa brutalidade para intimidar a maldade, principalmente quando se deseja convertê-la. – suas palavras gentis me fizeram abraçá-la. Kiara me envolveu de volta com seus braços, causando um sentimento bom, preenchendo meu coração de gratidão e apreço.
Não queria me desfazer de seu carinho agora que podia senti-lo de verdade, mas Madison parecia ter outros planos quando cortou nosso momento me chamando para irmos embora. Não podíamos correr o risco de sermos pegas. Nos despedimos sob os insistentes protestos para que ficássemos, porém, como deveríamos ser o mais discretas sobre os acontecimentos daquela noite, apenas partimos.
— Podemos falar sobre aquele abraço? – não demorou muito para que eu ouvisse os questionamentos curiosos de uma Madison intrometida, quando saímos da propriedade. Ela quem dirigia de volta enquanto deixava meus olhos vagarem cansados pela paisagem noturna da janela do carro. Apesar de me sentir exausta, a menção da troca de afeto com a Santiago mais velha esquentou meu rosto. Não me senti nenhum pouco preparada para falar sobre isso. Semicerrei os olhos em direção a minha amiga, que sorria sardônica.
— Definitivamente, não! – decretei.
**************
Doze meses haviam se passado depressa, trazendo consigo muitas mudanças, a principal delas foi a surpreendente evolução no quadro de saúde de Kiara. Naquela noite, não inventamos nenhuma história mirabolante sobre a aparente melhora da morena, pois chegamos no consenso de que seria mais adequado que aquilo fosse feito gradualmente, para que não levantasse suspeitas que nos complicassem.
Com o milagroso retorno da primogênita dos Santiago nosso grupo aumentou, assim como todas nos aproximamos bastante, tornando minha presença recorrente no velho casarão onde eu e Kiara passávamos longas horas pelos jardins conversando. A morena me contou cada detalhe de como foi estar no relógio e algumas lembranças de Ylena a que tivera acesso, inclusive falou sobre sua convivência com Caleb, cuja saudade não me machucava tanto quanto meses antes.
Apesar da palpável e persistente tensão existente entre mim e a Santiago mais velha, não me sentia preparada para embarcar na intensidade do que aparentemente sentíamos. Entendendo isso, entramos num acordo mudo de deixar as coisas acontecerem naturalmente, o que ao ver de nossos amigos não passava de perda de tempo e enrolação pura, como naquele exato momento o qual Madison me olhava com a expressão desapontada do outro lado da mesa da cafeteria, enquanto Kiara levantou-se alegando ir buscar mais cerveja, quando novamente aquele assunto foi insinuado. A garota ruiva intrometida deveria se preocupar com Aidan – seu finalmente namorado, sentado ao seu lado conversando animadamente com Ella e Olívia, ao em vez de tomar conta da vida romântica alheia. Mas a quem eu queria enganar, estamos falando de Madison Inconveniente Taylor, afinal.
— Deixa de ser devagar e vá atrás dela, Zahir! – olhei a ruiva severamente, que bufou, impaciente, negando com a cabeça. – Levante-se daí logo, garota! – bateu a mão na mesa atraindo alguns olhares assustados para si. Todos da mesa me incentivaram com sorrisos encorajadores. Sob um falsa sensação de confiança, segui o caminho no qual a morena se fora ultrapassando as portas da cafeteira que nos abrigava em seu aconchego caloroso. Aquela noite estava bem fria nos obrigando a usar camadas extras de roupa para continuarmos aquecidos. Olhei ao redor, procurando-a, encontrando a silhueta de Kiara do outro lado da rua escorada em uma das inúmeras árvores da praça principal, observando atentamente as estrelas.
— Hey…– proferi cuidadosa, tocando de leve seu braço.
— Nunca entendi meu fascínio com as estrelas e os céus, até vê-los dentro dos teus olhos. — Kiara recitou letárgica, fixando seus olhos nos meus. O simples ato me revirou inteira de ansiedade. Tinha uma certeza perigosa dançando em seus castanhos profundos. Meu coração disparou agitado quando ela aproximou seu corpo do meu, envolvendo meu rosto em suas mãos com delicadeza, dando-me tempo para negar o que viria a seguir. Eu não tinha forças para lutar contra aquele desejo – não mais, por isso deixei me levar, fechando os olhos quando nossos narizes se tocaram levemente. Sentir sua respiração tão próxima da minha desfez completamente minha lucidez, o inevitável encontro de nossas bocas consumiu a decência de minha força de vontade, me deixando a mercê de seus exigentes e volumosos lábios reivindicando os meus. Seus cautelosos movimentos elevaram minha consciência, incitando cada parte de meu corpo a correspondê-la. Eu desconhecia tamanho frenesi de sensações.
A necessidade de ar rompeu nossa conexão, fazendo com que nos afastássemos por míseros centímetros. Meu coração batia desgovernado, sentia meu equilíbrio seriamente debilitado quando as pontas de seus dedos fizeram um doce carinho em meu rosto, me convidando a abrir os olhos, e me perdesse nos seus. Eu cedi ao seu apelo silencioso, e minha estúpida coragem me incentivava a manter aquele olhar, a incerteza se sobreviveria àquela tempestade castanha pairava sobre mim. A insegurança e a excitação se entrelaçavam, fazendo meus músculos retraírem nervosamente. Eu só queria que ela me libertasse da prisão deliciosamente inquietante de seus olhos fascinantes para conseguir dizer tudo o que passava em meu coração sem parecer uma tola enfeitiçada, mas ela parecia ter outros planos ao se soltar devagar de meus braços sorrindo endiabrada, voltando para dentro da cafeteria me deixando para trás.
Aquela garota tinha motivações próprias, que somente ela as entendia.
Não havia porque me enganar, estava completamente entregue a suas hipóteses cativantes.
Ela me tinha com um simples olhar.
Fim do capítulo
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