EpÃlogo
Olhava atenta a garota na minha frente, sem entender por que ela estava sorrindo daquele jeito. Tão largo era o sorriso que Kiara carregava, que me arrepiou inteira. Ele – o sorriso – aumentava de forma astuta e presunçosa espelhando sua personalidade tão única. Podia ver o orgulho estampado em seus olhos tempestuosos, admirava seus detalhes mesmo não vendo todo seu rosto já que não ela me olhava diretamente.
— Você não vai dizer nada? – disse ainda olhando à nossa frente, não me dando qualquer atenção.
— Não sei o que dizer. – o revirar ostensivo de olhos quase a fez jogar a cabeça para trás, tamanha a intensidade com que o fez. Estávamos próximas do Château, mais precisamente em frente ao pequeno chalé da propriedade – sim aquele mesmo chalé. Ela havia me dito algo sobre ter uma surpresa, então fomos até lá. Fazia algum tempo que aquela parte do vasto terreno me era proibida, havíamos combinado de reformar todo o Château antes de inaugurá-lo para hospedagem, e o chalé obviamente estava incluso nas reparações necessárias. A velha cabana agora totalmente revitalizada estava quase irreconhecível. Ao entrar pude ver prateleiras de madeira repleta de livros de todas as cores e tamanhos, muito bem-organizados. A esquerda da porta de entrada podia-se ver toda a extensão do lago através da larga janela, abaixo dela um sofá preto feito de pallets e almofadas. Um pequeno escritório/suíte podia ser visto no mezanino, ao fundo do primeiro andar um banheiro social e à direita uma compacta cozinha. O ambiente estava aconchegante. Não se via mais os traços do abandono, poeira e maus tratos outrora encontrados facilmente ali. Ela conseguiu transformar aquele lugar feio em algo belíssimo.
— Então? – dou mais uma olhada ao redor, andando até a pequena área do lado de fora, onde se estendia o tablado de madeira com alguns bancos nas laterais. Nas muradas, também de madeira, haviam ornamentos de flores dando um toque ainda mais delicado ao ambiente já tão repleto de árvores e pequenas flores. Dali podia-se ver a varanda traseira do Château e a campina a sua frente.
— Ficou muito bonito! – disse simplista. Kiara estava a poucos passos atrás de mim, porém quando a respondi numa indiferença forçada, logo tomou a frente buscando meus olhos, me observando de maneira incrédula e indignada pela falta de entusiasmo no meu comentário.
— É tudo o que tem a dizer? Bonito? – vi o quão indignada a deixei. Ora, era o que ela fazia de melhor, dar vida aos ambientes, e lá estava eu desmerecendo sua criatividade, seu esforço e trabalho duro. Quase deixei minha risada escapar vendo sua expressão fechada. Depois de tudo o que passamos há 5 anos, tivemos dificuldade em nos adequar a uma rotina, mas acabamos conseguindo. Kiara havia se encontrado na arquitetura e paisagismo, era incrível como ela conseguia transformar o destruído no apreciável. Em contrapartida, após ter concluído recentemente a faculdade de administração, eu vinha auxiliando o patriarca Santiago – meu agora sogro, que a três anos deixara em minhas mãos a responsabilidade de administrar as novas atividades do Château, além do Middlem que passou integralmente a ser de meus cuidados. Diego Santiago vira em meus olhos o carinho com o qual tratava aquele lugar – ao contrário do que muitos pensavam eu não odiava o casarão. Depois de tudo o que passamos ali, a propriedade merecia novas histórias, só que dessa vez felizes.
— Sabe, chega a ser bonitinha a forma como leva a sério minhas provocações. – fixo meus olhos sob os de Kiara, enquanto a puxo para um abraço. Em meus lábios um sorriso faceiro se expandia, fazendo com que ela suspirasse irritada encostando sua cabeça em meu ombro. Sinto o cheiro gostoso emanar de seus – não mais tão longos – cabelos castanhos. Não sei por quanto tempo durou nosso silêncio, mas não nos incomodou, nos entendíamos bem nele. Sinto-a erguer a cabeça, buscando grudar seu olhar no meu.
—A verdade é que não sei como ainda te suporto, cariño! – disse atrevida, dando outro de seus sorrisos devastadores e um beijinho na ponta do meu nariz me fazendo rir.
Poderiam se passar anos, e o seu efeito jamais deixaria de ser inefável.
Aquela garota sabia que me tinha completamente a sua mercê, mesmo assim eu não me importava, era uma batalha vencida, afinal. Pela primeira vez não me importei em perder, desde que isso significasse permanecer completamente apaixonada por Kiara Santiago.
Fim do capítulo
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kasvattaja Forty-Nine
Em: 01/02/2024
Olá, tudo bem?
Agora, sim, um bom final.
Não que o final de 'Nefário' não tido seu significado, mas aqui a história foi mais 'palatável', se a Autora permitir-me o uso desta palavra.
Parece-me que a Autora gosta de escrever contos 'fantásticos', ou seria 'sobrenaturais'? No entanto, você encadeia muito bem suas ideias.
Parabéns!
É isso!
Post Scriptum:
'O passado, mais ou menos fantástico, ou mais ou menos organizado posteriormente, age sobre o futuro com um poder comparável ao do próprio presente.'
Paul Valéry,
Ensaísta e Filósofo
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Maysink Em: 01/02/2024 Autora da história
Olá,
Encaro meus contos como góticos... o teor sombrio e sobrenatural, me fascina.
Nefário de fato não foi feito para ter um "final feliz", mas sim, uma "explicação".
"Os fins justificam os meios."
O termo me soa adequado. Inefável é um sopro de ar fresco pós turbulência.
Obrigada mais uma vez!
Abraços ^ ^