Capitulo XVII
Envolver Olivia não havia sido de todo ruim. Durante a noite anterior, a Santiago caçula nos ajudou a preencher algumas das lacunas restantes daquela história, nos contando que fora Kiara, num dos raros momentos de lucidez, a idealizadora do retorno da família para São Valeriano, alegando sua adoração pelo lugar principalmente por ser um ambiente pacífico que contribuiria na melhora de sua condição. Na minha cabeça aquilo soava uma clara desculpa para camuflar a real intenção, vez que o relógio foi deixado no Château depois de sua fracassada apresentação com o abridor de cartas e os pulsos da morena. Era óbvio que ela o queria de volta.
Além disso, a Santiago caçula se responsabilizou pela parte mais importante do épico confronto final, trazer Ylena para o local e hora marcados. Como a garota iria fazer isso, nem eu e nem Madison sabíamos, mas ela nos tranquilizou dizendo ter tido uma ideia nos poupando dos detalhes. Em nenhum momento daquela conversa me senti segura e confiante o suficiente em deixá-la fazer aquilo sozinha, sendo o motivo principal os flashes do meu último encontro com Kiara. Por isso, fiz a mais nova garantir que tomaria todos os cuidados para que nada perigoso lhe acontecesse, e no menor sinal de perigo priorizasse sua proteção. Esse pensamento ecoava na minha cabeça enquanto percorríamos as ruas em direção à antiga propriedade do casarão, meu nervosismo somente se findaria ao ver ambas as garotas Santiago – de preferência vivas.
—Sabe… faltou cair uma tempestade agora, para se tornar um clichê de filme de terror de baixa renda. – brincou a ruiva assim que entramos no terreno do Château, me fazendo revirar os olhos diante a clara intenção de quebrar a tensão do que estávamos prestes a fazer. Pouco depois, saímos do carro, e o vento frio daquela noite beijou-nos a pele, o arrepio contribuiu ainda mais com o cenário macabro daquela casa tão bem ambientada na semiescuridão. Sua estrutura transmitia sua imponência, e mesmo mal iluminada aquela merd* de casa parecia querer nos engolir com sua grotesca boca pedregosa e cinzenta. Não muitos passos depois de ultrapassarmos a campina, estávamos na entrada do pequeno chalé abandonado à beira do lago, entretanto, antes mesmo de entrar, o estrondo de um trovão cortando o céu anunciava que o pedido de mal gosto de Madison fora atendido.
—Você tinha que falar para chover, não é mesmo? – olhei enfurecida a garota ruiva que ria descaradamente ao meu lado.
O cheiro forte de poeira e mofo nos prestigiou quando chegamos em frente a porta do casebre, ganhando toda nossa atenção. Talvez até aquele momento eu não tivesse idealizado o quão perigosa aquela ideia soava, mesmo que a parte mais aterrorizante de tudo aquilo fosse o silêncio sepulcral do lugar, tão denso e arrepiante, enviando ondas de pavor palpável. Nenhum comentário alegre seria capaz de quebrar o clima horroroso que se instalara de repente, a situação inspirava tragédia. Estávamos indo de bom grado direto para a boca do lobo.
— Lá vamos nós outra vez! – proferi totalmente desanimada, empurrando a velha porta da casa do lago. Do lado de dentro, próximo à entrada, sob a fraca luz das lamparinas a figura inquieta de uma Olivia de braços cruzados nos olhou indo sua direção, o que a deixou mais agitada. Não consegui fingir o quão extremamente aliviada estava por vê-la intacta e bem, ganhando em troca um sorrio mínimo. À nossa frente, jazia sentado o corpo desacordado de Kiara, fortemente amarrado numa cadeira qualquer.
— O que fez para apagar a garota? – adiantou-se Madison, ao perceber a garota dormindo numa posição bem desconfortável.
— Certos detalhes são desnecessários, não?— estalou a língua no céu da boca, dispensando explicações mais profundas.
— Se você diz! – Madison sorriu encabulada, dando de ombros pela resposta vaga e um tanto sombria que a garota nos deu. Não sei se gostaria de saber como ela havia conseguido, apesar da imensa curiosidade.
— Vá antes da chuva piorar. – digo rápido, apontando uma das janelas quebradas do chalé — Nós assumimos daqui obrigada, Liv. – emendo.
— O que? Não, eu vou ficar! – relutou. Meu olhar carregado de afirmações, pareceu suficiente para ela entender que o que eu disse não estava aberto a discussão. Frustrada, a garota mais nova revirou os olhos se pondo em direção a saída em passadas pesadas com a postura rígida demonstrando toda sua insatisfação. Ao meu lado, Madison segurava o riso pela cena boba em meio a um clima tão tenso, logo voltando os olhos para mim.
— E agora? – perguntou-me a ruiva.
— Esperamos ela acordar! – respondo, respirando fundo e cruzando os braços. O longo silêncio que se seguiu foi rompido pelas gotas da chuva despontando do céu iniciando sua apresentação estrondosa, ecoando os toques molhados por toda a extensão da madeira esfolada da cabana, piorando o cheiro de mofo ali dentro. A oscilação das intensas rajadas do lado de fora influenciava diretamente no olhar acusatório e desagradável que eu destinava a Madison por sua boca grande. Mesmo pensando que o barulho da chuva ajudaria a camuflar nossa presença das pessoas na casa principal, estava obstinada a não dar aquele gostinho de satisfação para a ruiva bufando inquieta. Sua impaciência característica logo a fez rumar decidida em direção a garota desmaiada na cadeira, deferindo-lhe um tapa estalado no rosto, que em resposta ao gesto impensado e nada delicado sobressaltou-se levantando a cabeça imediatamente, nos dirigindo um olhar irritado.
— Meu Deus, Madison! – esbravejei atônita pela ato grosseiro da ruiva. Por mais que aquela não fosse Kiara, não pretendíamos machucá-la, pelo menos não intencionalmente, como ela fizera a pouco.
— O que? Não temos tempo, estou sendo prática! – alegou despretensiosa. Dava para ver um risco mal disfarçado de satisfação em seus olhos.
— Devo essa atitude ao nosso memorável primeiro encontro, minha querida? – ao contrário das palavras ditas calmamente, os olhos castanhos coléricos dispensavam rajadas de ódio nada comedidas para a ruiva de braços cruzados à sua frente que lhe sorria desdenhosa. Aquela postura de Madison destoava totalmente de quando enfrentamos a garota amarrada da primeira vez.
— No seu lugar, Ylena, repensaria se vale a pena destilar essa sua arrogância. Diferentemente da última vez, não estou mantendo tons pacíficos para lidar contigo. – respondeu-a, friamente.
— Sua coragem é admirável, senhorita Taylor. Ainda assim, devo alertá-la que prudência nunca é demais. – disse Ylena, enquanto se ajeitava assumindo uma elegância anormal para quem estava desajeitadamente amarrada. Mesmo em posição desvantajosa a maldita não se deixava abalar, tendo a audácia de soltar pequenas doses veladas de ameaças. No entanto, eu não estava disposta a lhe dar espaço para nos surpreender outra vez.
—Você me tirou muitas coisas. – digo atraindo sua atenção. – Arrancou pedaços de mim, sem a menor compaixão, atentou contra a vida das pessoas que amo. Pode ter a certeza de que não vai voltar a acontecer. – rosnei em sua direção, vendo seu sorriso se alargar a cada oitava que minha voz subia, a desgraçada se divertia com o que estava me causando.
— Suas palavras emocionadas não as levarão a nada, poupe-me do discurso patético. – disse atrevida, soando quase entediada. Ela não fazia questão alguma de esconder os vestígios de sua soberba. O desenrolar daquela conversa fiada aumentava seriamente minha impaciência, porém parecia que eu não estava sendo a única afetada pela sua postura arrogante e nada sutil.
—Vá para o inferno, sua vadia amaldiçoada! – Madison rebateu entre dentes enquanto se remexia inquieta, quase não resistindo a tentação de agredi-la de novo quando o som dá risada gutural da morena se fez presente.
—Ser alvo do ódio de alguém é fantástico, não acham? Me sinto privilegiada por tamanha importância. – ela disse transparecendo um prazer surreal por estar sendo a protagonista do momento com sua atuação tão desagradável.
— A mim, pouco importa a sua opinião. Isso acaba aqui! – intervenho, tirando sua atenção de Madison fazendo-a voltar seus olhos perversos para mim. Eu não ia cometer o mesmo erro da primeira vez, queria seu foco totalmente na minha pessoa e nada além.
— Ah, é? E como pretende fazer isso, querida Ayla? – provocou.
— Vou te mostrar as descobertas interessantes que fiz recentemente, tenho certeza do quão impressionada ficará. – levei minha mão direita ao bolso da minha jaqueta preta, encontrando a pequena caixa de veludo onde o velho relógio estava guardado. A atmosfera ao nosso redor pareceu mudar quando o abri, o virando lentamente em direção a garota amarrada, por pouco não perdi o brilho apavorado rapidamente contido pelo negro engolindo completamente a íris castanha e a esclera. Os olhos lívidos voltaram-se para mim, enquanto tentava manter minha melhor face estoica diante o seu horror sombrio.
— Parece que resolveu atender meu pedido de devolver o que é meu! – o tom de sua voz alterou-se num timbre grosso e gutural, não era Ylena ou seque Kiara quem estava ali – eu sabia, constatar isso repuxou meu peito em puro nervosismo. Notei que não teria muito tempo, por isso rapidamente conferi as horas no relógio, vendo ansiosa os ponteiros se tornarem um ao marcarem a meia noite para só então voltar minha atenção para a garota amarrada, esticando o objeto em sua direção atraindo seus olhos para ele, novamente. Seu sorriso alargou-se inumanamente, tal como na lembrança de Ylena e para minha completa apreensão constatei que estava certa, apenas mostrar o relógio não bastaria, teria que infligir o mesmo trauma mortal àquele corpo para expurgar o que não era para estar ali.
— Madison, segure o relógio! – chamei-a urgente. A ruiva surgiu ao meu lado imediatamente, segurando a caixinha no alcance dos olhos da morena. Com as mãos livres, corajosamente envolvi o pescoço de Kiara, vendo o sorriso animalesco se desfazer ao passo que o meu se alargava vendo que agora sim aquela situação havia se equilibrado. Vendo minhas intenções, ouço Madison perguntar apressada o que eu estava fazendo, mas ignorei seu arquejar espantado focando minha atenção totalmente à garota à minha frente.
— “No fim do jogo, peões e reis voltam para a mesma caixa.” – decreto sua sentença a centímetros de seu rosto colocando força no aperto de minhas mãos, sentindo a pressão do ar debatendo furioso sob meus dedos pelas tentativas frustradas de escapar bem como seu corpo se agitava querendo se soltar das cordas para impedir o fim certo que lhe destinava com meu carinho fatal. Ela tentava inutilmente se desafogar do vazio que com rapidez a preenchia. Por mais que tivesse me preparado mentalmente para aquele momento – mesmo sendo uma mera alternativa indesejada, nada me preparou para sentir cada traço da agonia que eu estava causando. Podia sentir meus próprios pulmões queimando em busca de oxigênio e minha garganta se fechando devido a rudez dos meus dedos sob a pele tão macia. Eu não conseguia não olhar o tormento nos olhos negros, que relutantemente se fixaram uma última vez nos meus para em seguida se prenderem ao relógio. No exato instante em que o ponteiro maior avançou apressado ganhando o primeiro minuto, assim reiniciando a contagem de um novo dia, aqueles olhos atormentados se fecharam e o corpo de Kiara cedeu à frente, inerte. Lentamente me afastei retirando as mãos trêmulas do pescoço frágil tal qual meu corpo se encontrava. Esperei apreensiva que a tentativa arriscada tivesse funcionado, a expectativa sendo tão tortuosa quanto meu ato profano marcado em vermelho na pele dourada. Findando meu inferno pessoal, ouvi duas respirações profundas se juntando à minha e de Mads, a garota antes desacordada abria dolorosamente seus olhos na familiar tonalidade castanha calorosa e acolhedora, fazendo tanto eu quanto Madison suspirarmos aliviadas.
— Puta que pariu, seja bem-vinda de volta! – Madison se adiantou largando de qualquer jeito a pequena caixa de veludo no chão abraçando logo em seguida a morena que sorriu pequeno aliviada, ver o ato tão familiar abrandou meu peito, evaporando os resquícios de desconfiança que insistia em pairar sobre mim. Apoiei meu corpo sob as mãos em ambos os meus joelhos curvando-me para frente, tombando a cabeça para baixo puxando uma respiração profunda. Finalmente tinha acabado! Quando ergui meu torso, me deparei com Kiara em pé livre das cordas tendo o corpo amparado lateralmente pela ruiva, ambas sorriam abertamente. No entanto, antes mesmo de me pronunciar, outra respiração entrecortada até então ignorada se fez audível, atraindo nossa a atenção.
— Não percam tempo, destruam-no! – a verdadeira Ylena, só que mais pálida e fraca do que sua forma imaterial deveria transparecer, sentenciou urgente. Ao mesmo tempo, ouvimos o poderoso estrondo vindo do objeto jogado ao chão, como um rugido raivoso de um leão. A porr* do relógio estava reagindo à ameaça feita a si. Seu corpo metálico tremia vigorosamente sob a superfície plana do assoalho do casebre, nos permitindo sentir as vibrações causadas pelo seu chacoalhar furioso sob nossos pés. Sem pensar muito, alcanço um velho machado jogado próximo de onde estávamos, avançando ansiosa até aquele maldito objeto prateado. A cada passo em sua direção, podia sentir as ondas de sua fúria mais fortes, fincando suas invisíveis garras diabólicas em meu corpo, tentando o puxar para si. Levantei o machado o mais alto possível sentindo meus braços protestarem pelo esforço, as vozes gritando meu nome soavam baixinhas em comparação ao brandir sobrenatural e ensandecido do relógio aos meus pés. O vislumbre das intenções malignas do objeto passou por minha mente, tentando me influenciar a desistir de destruí-lo e torná-lo meu. Patético! O maldito não contava com minha enorme determinação totalmente inclinada a fazê-lo virar pedaços inúteis de sucata. Me agarrei a essa ira tão bem direcionada deixando meus braços caírem com força, fincando a lâmina do machado bem no meio da pequena carcaça metálica, o som oco de algo sólido se partindo foi a única coisa que ouvimos vindo daquela porcaria de relógio logo em seguida.
— Caralh*! – grunhi para o objeto agora inanimado, batendo nele mais uma vez, realmente despedaçando-o depois disso.
— Sério? – ouço Madison zombando, seguida da fraca risada contida da morena ao seu lado.
— Não enche, garota! – rebato oferecendo um sorriso grosseiro e presunçoso, enquanto me apoiava desajeitada no cabo do machado. Minha descontração nos causou risadas despreocupadas por uns minutos. Agora sim, aquela porr* toda tinha acabado. Bom... foi o que parecia, até um bufar entediado chamar nossa atenção. A imagem nítida, mas fantasmagórica de Ylena prendeu nossa atenção. Com passos vacilantes, a garota fantasma veio em minha direção fazendo-me recuar alguns passos para trás e involuntariamente envolver ambas as mãos no machado de novo, a fazendo sorrir presunçosa, arqueando a sobrancelha em desafio. Entretanto, seus olhos se prenderem aos destroços metálicos entre nós, emitindo um som impregnado de alívio em forma de suspiro, por, assim como nós estar livre daquele tormento.
A garota loira voltou-se para mim, mirando-me com suas brilhantes rajadas azuis intrépidas sem qualquer vestígio de rancor ou maldade, em nada se parecendo ao demônio sobrenatural que nos havia causado tanto mal. Ela não se demorou na minha presença, seus atrevidos olhos safira se pregaram quase imediatamente em Kiara, a batalha silenciosa travada entre elas não deixava dúvida do que aquelas duas mulheres eram capazes. Enquanto a nebulosa azul de Ylena retorcia a alma em colérica intensidade, os audaciosos castanhos de Kiara devoravam feito buraco negro em toda sua fúria. Suas essências colidiam e se confundiam a todo instante numa simbiose perfeita de suas energias caóticas, envolvendo gradativamente todos ao redor. Talvez por isso, a troca tenha sido tão fácil e duradoura – eu pensei, elas carregavam em si a requintada semelhança do poder de moldarem o caos a seu favor, criando os próprios universos. A cena a minha frente causava fascínio a qualquer um que ousasse repousar sua atenção ali, a prova disso, eram os olhos de Madison tão impressionados presenciando aquilo. Não era a batalha de duas rivais acontecendo, mas o duelo de duas forças da natureza feminina elevadas à máxima potência.
— Eu te perdoo! – ouço a voz firme da morena, pronunciar depois de longos instantes encarando a loira espectral.
— Não preciso do seu perdão, você sabe! – automaticamente meus olhos se fixaram no sorriso quase irônico de Ylena ao ouvir aquilo, nem depois de tudo aquela garota perdia a maldita pose superior.
— É, eu sei. – Kiara também sorria em ostensivo escárnio. Ver a momentânea trégua entre elas, estava me causando vertigem, aquela situação não poderia soar mais estranha, poderia?
— Ainda assim, obrigada! – Ylena disse discretamente, suspirando entediada antes de nos dar as costas e partir, seja lá para onde fosse, desaparecendo em meio a névoa noturna pairando sob o lago. Aquela interação tinha sido no mínimo estranha e completamente inesperada. Apesar de entender que nada daquilo tinha sido culpa da loira, não via necessidade de desculpá-la, pelo menos não verbalmente, afinal, certas conclusões não foram feitas para serem ditas em voz alta. No entanto, ali estava Kiara, mais uma vez, quebrando qualquer expectativa, e, sinceramente, eu estava aliviada dela o tê-lo feito.
Um movimento no precário deque da cabana, por onde o fantasma de Ylena se foi, chamou minha atenção. Ainda que fosse uma imagem translúcida, reconheceria a ondulação desordenada daquele cabelo rebelde em qualquer lugar. Caleb! O órgão pulsante em meu peito acelerou desenfreado, roubando todo meu equilíbrio quando seguia a passos vacilantes até o lado de fora, tendo como norte sua aparição inesperada. O mister de sensações que me tomavam só piorou quando o vi diante de mim, sorrindo largo exatamente como me lembrava, alegre e irreverente. Não passou pela minha cabeça a possibilidade de vê-lo outra vez, apesar de fazer certo sentido que seu espírito também estivesse livre, agora o relógio jazia destruído – não que significasse estar preparada para aquilo. A dor da perda ainda vinha sendo uma companheira silenciosa e cruel, apertando meu coração. Justamente por isso, meus passos se retiveram no batente da porta que me levava a ele. Eu estava por um fio.
—Hey… vem cá garota marrenta! – vendo meu estado de choque, ele abriu seus braços sorrindo caloroso me convidando. Imediatamente fui em sua direção, tentando abraçá-lo debilmente. Foi como tocar água, o sentia, mas não necessariamente o tocava. Tê-lo ali, tão dolorosamente próximo e nenhum pouco palpável tornava a agonia pesada demais para carregar sozinha. Podia sentir meus joelhos quase cedendo ao chão, meus olhos ardiam devido a carga impactante de sua presença.
— Queria tanto poder te abraçar! – sussurro emocionada.
—Eu também! – responde saudoso, me envolvendo num abraço cheio de vazio. — Infelizmente, não tenho muito tempo! – entonou pesaroso. Nós dois sabíamos que não tinha como mudar a realidade, então apenas concordei minimamente com a cabeça, segurando bravamente as lágrimas que insistiam em sair. A saudade parecia intimamente ligada aos meus olhos, ela dizia olá e as lágrimas simplesmente queriam cair.
— Ayla, estou lhe dizendo adeus, mas tenha em mente que jamais irei deixá-la... todas às vezes que olhar para estrelas, acredite, estarei te olhando de volta... Eu te amo, Aly! – não pude evitar as teimosas lágrimas escorregarem grossas por meu rosto com a despedida. Caleb apertava seus braços ao meu redor, e por mais que não estivesse sentindo de fato seu aperto, a calmaria que se espalhou por todo meu corpo trouxe consigo a mesma sensação calorosa de conforto que sempre encontrava quando estava sob a proteção do seu abraço.
—Eu te amo, Cal! – minhas palavras proferidas baixinho e embargadas o fizeram me apertar ainda mais, me deixando desolada por não poder senti-lo uma última vez. A percepção da imensa distância que nos separava só fez aumentar meu pesar, me corroendo em ondas rudes de saudade.
O som de passos nos fez afastar um do outro para olharmos na direção de quem estava se aproximando. Madison foi a primeira a pôr os pés no deque, e, assim como eu, também ficou chocada, seus olhos romperam em lágrimas devido a emoção de vê-lo diante de si. Meu namorado fantasma lhe sorriu gentil, como se a consolasse, lhe garantindo implicitamente que estava tudo bem.
—Cuidem bem da nossa garota! – sentenciou suavemente a ambas as mulheres.
Pude notar seu olhar atencioso se demorando em Kiara, como se estivessem tendo uma conversa particular. A atitude trouxe-me certa desconfiança, que aumentou quando a garota lhe acenou desconcertada também vertendo em lágrimas ressentidas. Dizer que não passou pela minha cabeça que esse tempo todo os dois estiveram juntos na prisão do relógio, seria uma grande mentira, e vendo aquela curiosa interação foi a certeza às minhas dúvidas. Caleb se afastou de meus braços, deixando o gélido vazio de sua ausência me acompanhar outra vez, nos deu um sorrio encantador, proferindo seu adeus silencioso. Num piscar de olhos sua imagem se foi com o vento, nos deixando tão somente o rastro de sua inesquecível lembrança.
Fim do capítulo
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