Junho se despediu sem que eu vislumbrasse quaisquer soluções para os problemas pessoais que nos atormentavam. Maama continuava amargando muito sofrimento e se tornou uma paciente ainda mais difícil: reclamava muito, pedia várias coisas ao mesmo tempo e por repetidas vezes não dormia por conta das crises de ansiedade. Consequentemente, eu não dormia também e às vezes nem Elzira. Por vários momentos tive que me controlar para não dizer o que não deveria e para me manter calma apesar de tudo.

A estadia de Xarid em minha casa durou pouquíssimo, fosse pelas broncas que levou de maama e eu, fosse porque o coloquei para ajudar nos serviços. Se ele pensava em pedir alguma coisa não teve coragem.

Bianca se evadiu da conversa que tentei provocar e continuávamos levando a vida sem alterações na rotina estranha que vinha nos caracterizando. Decidi simplesmente deixar rolar.

Meu tratamento psicológico não parecia estar me fazendo bem ou mal, porém eu desejava continuar. Maama, no entanto, achava o dela uma bobagem e não tinha muita paciência.

 

--Eu acho essas pistinga de tratamento psicológico tudo uma bestagem sem tamanho! – Suhaila falava de cara feia – Aquela mulher da fala mole sempre com aquela conversa fiada de me mandar colocar a dor numa caixa, imaginar a caixa ficando pequenininha, azul, vermelha, preta... – fez um gesto de contrariedade – E eu lá consigo? Queria ver se alguém que sente a dor que eu sinto consegue fazer isso, de botar dor em caixa que muda de cor!

 

Achou graça. – Se a senhora acha que a abordagem dela não funciona, deveria deixar ela saber disso, até pra que tentasse outra coisa diferente. – Camilla falava enquanto conectava um sensor de distância ultrassônico numa plaquinha – Eu confesso que minha terapia ainda não me trouxe um benefício sensível, mas tô gostando de ao menos tentar. – pegou alguns jumpers – A senhora também deveria dar uma chance à psicóloga. Ela é uma profissional muito séria e tenho certeza que deseja acertar. – separou alguns sensores de luminosidade – A senhora nada perde se tentar mais um pouco. – aconselhou

 

--Eu perco é tempo e você perde dinheiro, porque paga as consulta daquela uma. – respondeu de imediato – E que diacho é isso que você tá fazendo aí? – perguntou curiosa – Não é de hoje que te vejo futicando esses trocinho. – observou – Agora me ajeita na poltrona? Tá na hora de meu remédio da dor e eu quero fazer compressa quente! Liga o ventilador também? – pediu

 

--Eita! – levantou-se para fazer o que era pedido – Calma, que vou fazer tudo isso. – ajeitou a mulher na poltrona – Eu tô montando um robozinho pra acompanhar a senhora durante minha ausência. E vou fazê-lo se conectar ao meu celular. – explicou o projeto – Ele vai ser muito útil, especialmente depois que Elzira for embora. Mas enquanto ela tá aqui, vou testando ele pra ir corrigindo o que precisar. – olhou para a mãe – Agora vou colocar a água pra esquentar e pegar seu remédio. – saiu da sala após ligar o ventilador

 

--Eu não quero saber disso de robô pra me curiar! – Suhaila reclamou em voz alta – Se esse bicho vier pra perto de mim eu chuto! – ameaçou – Ou então arrebento ele com meu cacete! – ergueu o bastão de caminhada no ar -- Não confio em robô!

 

--Ai, ai, maama... – a professora acabou rindo enquanto colocava a água para esquentar

 

--Camilla, não demora que eu quero ir no banheiro agora! – falava alto – Não me deixe nervosa!

 

***

 

--Eu entendo que qualquer pessoa no lugar dela ficaria totalmente descompensada e acho até que ela tem sido muito forte em vista do que tem passado, mas... – pausou brevemente – Às vezes ela me dá nos nervos e tudo que eu penso é em fugir pra bem longe! – confessou – Mas ela é minha maama e seria muita crueldade fazer isso. – reconheceu – Tem vezes que ela me pede as coisas com tanta humildade, que dá vontade de chorar com pena... – visualizava a mulher em sua mente – Mas há outras em que ela critica tudo que eu faço, quer tudo na hora, não aceita esperar... é nesses momentos que eu me seguro pra não surtar! – confessou

 

--A dor e o sofrimento constantes são capazes de levar uma pessoa à loucura ou à depressão profunda. – a psicóloga respondeu com brandura – O que sua mãe vive é uma verdadeira tortura, especialmente para uma mulher tão dinâmica como sempre ela foi. – olhava para Camilla – E quem cuida também sofre e se desgasta muito. É essencial que você busque se manter serena e distrair a mente com coisas construtivas. – pausou brevemente – O que vocês fazem para desviar o foco da dor? – perguntou – E sua prima Elzira? Como é o contexto dela em meio a tudo isso? – gesticulou – Aliás, onde Elzira se encaixava na vida de vocês?

 

--Várias perguntas, vamos por partes... – sorriu – Nos finais de semana, sendo possível e quando maama aguenta e tá melhorzinha, a gente sai pra passear um pouco. Aí Elzira sempre vem junto. – esclareceu – Quando ela está com muita dor e não quer sair, a gente simplesmente conversa, vê fotos antigas, assiste algum filme curto... depende da ocasião. – passou a mão nos cabelos – É muito difícil. Ela não aguenta ficar muito tempo sentada, em pé ou deitada. Em suma, é uma agonia. – suspirou – Eu tenho muita dó! Só fico chateada quando ela começa a reclamar e criticar tudo que eu faço. Isso dói demais! – balançou a cabeça brevemente – Mas engraçado que ela não faz isso com a prima.

 

--Natural. A filha dela é você. Elzira é sobrinha. – Simone afirmou de imediato

 

--É... deve ser isso mesmo... Talvez eu não corresponda bem às expectativas ou talvez nunca tenha correspondido... – respondeu pensativa – E quanto a Elzira, as folgas dela são no final de semana. Então quando maama não quer sair, tem vezes que a prima sai sozinha, circula pela beira mar ou vai no shopping... – pensava na prima – Ela é filha de uma tia minha, irmã de maama, que desencarnou há anos quando a gente ainda era moça nova e acaba que desde então Elzira pareceu ter se apegado à maama por carência. O baba dela se foi quando a prima ainda era um bebê. – esclareceu – Temos idades próximas, sabe? Mas ela tem a vida muito complicada e cuidar de maama tem sido seu ganha pão... – pausou brevemente – Elzira nem sonha que sou lésbica e pensa que minha vida é um exemplo de sucesso sob todos os aspectos! – riu um pouco – Mal sabe ela que minha vida amorosa é uma... coisa!

 

--Hum... -- ponderava sobre o que ouviu – Falando em vida amorosa, até hoje você não me contou sobre sua história com Bianca. Sei apenas do momento presente, mas... aquela pergunta clássica: como chegamos até aqui?

 

--Ah, é uma longa história... – suspirou – Mas vamos tentar resumir. – organizava os pensamentos – Nós nos conhecemos em meados de 2009, quando ela era uma estudante de Direito cursando o quarto período. – pensava na namorada – Por aquela época ela começava a se envolver com Direito Trabalhista e queria se aproximar de sindicatos pra aprender mais sobre a dinâmica da luta de classes do século XXI. – sorriu – Em 2009 eu nem sonhava que um dia seria dirigente sindical, mas já era envolvida nesse ambiente, participava de manifestações e coisas do gênero. Ocorre que uma das minhas alunas era amiga dela e tratou de nos apresentar em um evento que aconteceu no Campus. – olhou para a psicóloga – Eu não olhei pra ela com um pingo de sensualidade sequer, apenas a achei muito bonita, culta e fiquei impressionada em ver uma moça, cuja aparência denotava tanto elitismo, na verdade ser alguém politicamente consciente e preocupada com o social. Foi uma verdadeira quebra de paradigma pra mim.

 

--E ela? Demonstrou algum interesse em você na ocasião? – prestava atenção na paciente

 

--Naquela época Bianca vivia um relacionamento às escondidas com uma juíza casada que era uma grande mau caráter. – respondeu de pronto – Relacionamento abusivo do qual eu a ajudei a se libertar.

 

--Como foi isso? – queria saber

 

–Posso dizer que... na verdade, acho que a política e a semelhança de ideais nos aproximaram gradativamente, apesar das imensas diferenças que haviam entre nós. Então um dia ela se abriu, me falou sobre a tal, sobre tudo que acontecia e eu comecei a tentar convencê-la a se livrar daquele relacionamento abusivo. – visitava o passado na mente – E com tudo isso, acho que fomos nos apaixonando uma pela outra. – pausou brevemente – Quando ela finalmente se livrou e terminou com a mulher, nós ficamos juntas. Tudo aconteceu no final de 2010, perto do natal...

 

“--Pronto, tá entregue! – Camilla afirmou sorrindo ao parar o carro em frente ao prédio da jovem – Agora acho que a gente só se vê no ano que vem, não? – olhava para a outra – Sexta é o último dia antes do recesso e no sábado já viajo pra Triunfo.

--Quando você volta? – virou-se de lado no assento do carro para olhar para a morena de frente – Só depois do carnaval? – perguntou decepcionada

Percebeu o interesse da jovem e gostou disso. – Não, querida. – respondeu com carinho – Dia 9 de janeiro já estarei de volta. – pausou brevemente – E você? Vai viajar nessas férias?

--Não, porque meu pai mandou escolher entre um carro e uma viagem. Aí adivinha o que escolhi? – riram brevemente – Eu só vou passar o natal na casa de veraneio dos meus avós paternos e o ano novo na casa dos maternos. Fora isso, tô aqui pela cidade... – aproximou-se mais – Aliás, minha casa tá vazia agora... – sorriu insinuante – Todo mundo já viajou pra casa de veraneio... Então... – seu olhar se alternava entre lábios e olhos da professora – Por que você não entra comigo e a gente conversa um pouco, hein?

Sentiu o coração acelerar. – Acho que se eu aceitar esse convite... – olhava nos olhos – vou querer muito mais do que só conversar! – admitiu

--Era tudo que eu queria ouvir! – segurou o rosto da professora com as duas mãos e a beijou com paixão”

 

--Lembro como se fosse hoje... – Camilla mirava um ponto no infinito – Acordei super feliz com ela aconchegada nos meus braços enquanto o celular dela tocava sem parar. – balançou a cabeça contrariada – Era a juíza, doida atrás, querendo voltar. – passou a mão nos cabelos – Bianca atendeu, falou umas coisas, aí eu peguei o celular da mão dela e falei foi muito praquela bicha descarada! – gesticulou – Acho que ela ficou com medo de um escândalo e de ser desmascarada que daí saiu de cena.

 

--Essa mulher foi o primeiro relacionamento de Bianca? Ela obviamente era mais velha. Talvez até mais que você. – cruzou as pernas – Vocês duas têm onze anos de diferença, não é isso?

 

--Sim, onze anos. Nunca tive namorada tão mais nova! – destacou – E sim, a juíza foi o primeiro relacionamento sério que ela teve e era mais velha que eu. Mais ou menos quinze anos a mais que Bianca.

 

--E quando que o relacionamento de vocês duas começou a se complicar? – Simone questionou – Creio que no começo tudo tenha sido bem diferente e mais leve. – concluiu

 

--Com certeza era mais leve! – concordou – Nos dois primeiros anos nosso relacionamento era maravilhoso! – salientou – Tudo começou a mudar quando fiz uma viagem de serviço pra um congresso quase no Polo Sul do planeta e ela não pode ir junto. Não sei porque, mas ela cismou que eu tinha arrumado mulher por lá e desde então começou com um ciúme que só fez crescer com o passar dos anos. – explicou – Daí terminamos e voltamos inúmeras vezes.

 

Simone pensava no que ouviu. – E a vida sexual de vocês? Também foi abalada pelos ciúmes e idas e vindas na relação?

 

Sorriu. – Interessante que não... Não ficou abalada. – respondeu de pronto – Desde o começo a gente se entendeu muito bem sob esse aspecto e mesmo depois que os problemas se iniciaram e a gente terminava e voltava sempre com ela dizendo que “dessa vez é pra valer e tudo vai ser diferente!”, ainda assim essa parte do relacionamento continuava... – suspirou – Ave Maria! – lembrou-se de alguns momentos

 

“--Gostasse dessa minha lingerie nova, amore? – perguntou fingindo inocência – Reparasse que é cheia de frutinhas coloridas? – apontou para os detalhes – E justo laranja, que você adora ch*par... – afirmou com mal disfarçada malícia

--E de repente me deu uma vontade de ch*par... – foi até a amante e a segurou firmemente pela cintura, erguendo-a um pouco do chão até deitá-la sobre a mesa – Adoro laranja! – sorriu ao puxar a calcinha da advogada para baixo e mergulhar entre as pernas dela com paixão

--Ah, ah, vem amor, vem! – gemia alto – AH! – fechou os olhos e sorriu excitada”

 

“--Você tem sido uma menina muito má, professora doutora Camilla Isfahan... – aproximava-se da outra engatinhando – Vai receber a devida punição por isso... – ameaçou sensualmente

--E qual seria? – perguntou quase babando – Ver você seminua enquanto fico amarrada aqui na cama?

Achou graça. – Não só isso, habibem... – mordiscou-lhe um bico de seio – Eu vou te torturar deliciosamente... – deslizou a ponta da língua pelo abdômen da morena até chegar no sex* – E sem pressa nenhuma... – ameaçava invadir a intimidade da outra mas apenas provocava brevemente com língua e lábios

--AH!!! – gem*u alto fazendo força para se libertar”

 

--O que mudou a nossa dinâmica sexual na atualidade foi só a minha lombar... – assumiu constrangida – Mas a gente ainda dá um caldo bom, visse?

 

Achou graça. -- E é por isso que você, mesmo sabendo que recorrentemente nada muda, continua mantendo essa relação? – Simone perguntou provocadora – Por que vocês não fecham esse ciclo?

 

Refletiu antes de responder. – Sabe que eu me pergunto isso há anos? – riu brevemente – Claro que eu a amo, admiro muito, mas acho que no fundo me sinto responsável por ela, não sei... – gesticulou – Ou talvez eu tenha me apegado demais às lembranças do tempo em que julgava viver o relacionamento mais perfeito da minha vida... – conjecturava – Eu não tenho a auto estima elevada como mulher, sabe? – confessou – Talvez, no fundo, eu me apego a ela pra não me sentir tão mal... ainda mais agora, nessa fase difícil da vida... Não sei! – suspirou –Vai que é meu subconsciente mandando mais em mim que meu eu consciente? -- brincou

 

--Não descarte essa possibilidade, pois segundo Carl Jung: “os aspectos subliminares de tudo que acontece conosco podem parecer pouco importantes na vida cotidiana, mas são as raízes invisíveis de nossos pensamentos conscientes”. – citou – E a neurociência tem mostrado que isso é uma grande verdade. – explicou -- Pode haver outras razões, as quais você não consegue perceber ainda, que seriam as respostas realmente certas pra essa pergunta que lhe fiz. – pausou brevemente – Mas... talvez você também não se tenha permitido perceber que Bianca não é a única mulher lésbica interessante desse planeta! Tampouco ela é a única que se interessaria por você! – provocou

 

Camilla ficou pensando em silêncio no que ouviu.

 

***

 

--Prima, você não sabe! – Elzira falou enquanto jantavam – Dona Sibele teve aqui com uma mulher, tal de Pombinha, tipo assim de uns trinta e poucos, quarenta anos, mode vir te apresentar. Disse que é moradora nova do apartamento daqui, ói. – apontou brevemente para cima – Ficaram bem uma meia hora mais nós. – deu uma garfada

 

--Oxe, e por que isso?! – não entendia – O nome da mulher é Pombinha?? – estranhou -- E o que elas tanto fizeram aqui?

 

--Dona Sibele disse que trouxe a outra pra cá porque você é subsíndica. E as duas rezaram a tia. – Elzira esclareceu de boca meio cheia – Mas o nome que ela falou é esse mesmo, de Pombinha.

 

--Humpf! – fez um bico – Só me faltava essa de dona Sibele vir trazer os novos moradores pra eu dar a bênção! – balançou cabeça contrariada – Pelo menos rezaram por maama.

 

– Mas sabe que eu até gostei da moça? – Suhaila comentou depois de mastigar – Ela é muito delicada e boazinha. Eu tava nervosa e depois das reza me senti melhor.

 

--Graças a Deus! – as duas mulheres mais novas responderam em coro

 

--Hum, mas não foi só isso, não! – Elzira lembrou-se de um detalhe – Dona Sibele disse que deu um problema na caixa de disjuntor da mulher e nem os homem da concessionária souberam resolver. Aí ela prometeu pra outra que você havia de dar um jeito!

 

Camilla apenas suspirou sem nada responder.

 

***

 

--Seus disjuntores estão desarmando por causa de sobrecarga elétrica. – Camilla dizia enquanto terminava de usar o multímetro – Tá vindo mais corrente elétrica do que esse sistema foi projetado pra suportar. – olhou para a mulher – Os inquilinos anteriores não tinham aparelho de ar-condicionado e você tem. – explicava -- Todo ar-condicionado tem um consumo de energia elétrica relativamente alto, por isso precisa de um disjuntor exclusivo por questões de segurança. – guardou os equipamentos na bolsa – Eu posso até dimensionar pra você o que deve ser comprado, mas recomendo que fale com o proprietário antes e que contrate um eletricista profissional pra instalar. Antes disso, aproveite o inverno e não ligue o aparelho. – aconselhou – Já fiquei passada que os homens da concessionária tiveram aqui e não perceberam isso. – colocou a bolsa no chão – E não quero sair mexendo aqui pra depois o proprietário vir em cima de mim reclamando por qualquer razão. – sorriu

 

--Tá certa. – balançou a cabeça concordando – Eu sou muito calorenta e gosto de dormir com ar-condicionado ligado mesmo no inverno. – olhava para a professora – Mas posso passar com o ventilador de teto enquanto isso. -- sorriu

 

--Faça isso. – piscou para a outra e pegou a bolsa do chão – Agora vou voltar pra casa porque ainda tenho prova de aluno pra corrigir.

 

--Bem que dona Sibele me disse que você é professora da Federal. – parecia não querer que a morena partisse – Ela também falou que você é a subsíndica, solteira, não tem filhos e nem bicho de estimação, que tá cuidando da mãínha adoecida, que conserta de um tudo numa casa, inventa uns troço diferente, pratica esporte... Qual esporte você faz? – perguntou curiosa

 

“Mas será possível que dona Sibele fez fuxico de minha vida toda pra essa mulher?” – pensou contrariada – Até antes da pandemia eu praticava montanhismo, ciclismo, stand up, rafting e mais outros esportes de natureza. A partir dela não consegui mais e me conformo em fazer spinning em casa, quando dá. – sorriu

 

--Que massa! Adoro mulheres assim, tão corajosas! – olhava nos olhos – Já eu gosto muito de futebol, não sabe? Torço pro Botafogo carioca. Pense numa torcedora! – riu brevemente – E tenho jogado futebol aos domingos na praia do Pina. – pausou brevemente – Se você não tivesse nessa luta com a mãínha eu... te convidava pra ir junto nesse domingo. Quem sabe depois tomar um sorvete? – mordeu o lábio inferior

 

“Excesso de carência de minha parte ou essa mulher tá quase meio que me cantando?” – pensou intrigada – Eu não sou chegada a futebol, mas aceitaria o convite. Infelizmente, no entanto... – pausou brevemente – Não dá.

 

--Eu entendo. – passou a mão nos cabelos – Se nem trepar nas montanhas você tá podendo, né? E pra alguém que gosta tanto de trepar deve tá sentindo a maior falta! – sorriu

 

--É, eu... tô. – estava achando aquela conversa estranha – Olha, Pombinha, eu não quero ser indelicada mas realmente preciso ir. – preparou-se para partir

 

--Tudo bem, não faltarão oportunidades. – caminhou em direção à porta da sala – Quando quiser, a casa tá às ordens. – abriu a porta – E obrigada por tudo! – lançou um belo sorriso

 

--Por nada. – fez um gesto de cabeça – Com licença. – saiu da casa da outra

 

--Até! – Pombinha soprou um beijo

 

--Tchau! – deu um aceno e desceu pelas escadas – “Dona Sibele disse que Pombinha é católica fervorosa até debaixo d’água e geralmente pessoas assim... não, ela não deve ser lésbica, eu tô viajando!” – pensava – “Mas até que maama tem razão. Ela é muito delicada e boazinha.” – chegou no andar em que morava – “Pensando bem, é muito boazuda, Ave Maria!” – abriu a porta de casa e entrou

 

***

 

--Você acha que sua mãínha vai me receber bem, amore? Será que ela vai gostar de meu bolo salgado? – Bianca perguntava enquanto subiam pelo elevador – Agora que finalmente entrasse de férias posso vir te visitar e me aproximar um pouco mais da família de novo. – sorriu – Coisa que infelizmente não pude fazer quando reatamos.

 

--Já que nós duas estamos de férias, vai dar tempo de você nos visitar com frequência enquanto isso. – beijou-a rapidamente – E maama adora bolo de atum! – sorriu – Ela é educada e não tem porque te receber mal. Fique tranquila! – a porta do elevador abriu e as duas saíram

 

Nisso, a porta do apartamento da morena se abriu e Elzira vinha animadamente conversando com Pombinha.

 

--Oi, Camillinha! – a mulher aproximou-se da outra e a abraçou rapidamente

 

--Camillinha??? – a advogada cerrou os olhos examinando a desconhecida – Quem é essa, hein? – perguntou de cara feia

 

Olhou para a outra e se apresentou brevemente – Prazer, Pombinha. Sou vizinha delas. – voltou novamente a atenção à professora – Vim orar sua mãínha e trazer um bolinho de atum que fiz com muito gosto pra ela, não sabe? – sorria -- Fiquei sabendo que dona Suhaila adora!

 

--Ei, mas eu também trouxe um bolo de atum pra ela! – Bianca protestou contrariada

 

--Oba! – Elzira sorriu animada – Tudo bem? – cumprimentou Bianca – Se quiser, levo o bolo pra cozinha enquanto vocês conversam aí. -- ofereceu

 

--Tudo, querida e você? – cumprimentou disfarçando o ódio – Pode levar, por favor. – entregou o salgado à outra

 

--Também adoro! – segurou o tabuleiro e entrou – Tia, mais um bolo de atum no capricho pra senhora! – anunciou

 

--Que bom que maama deu sorte de ganhar dois bolos de uma vez! – Camilla respondeu sorridente – Obrigada por tudo, Pombinha!

 

--À disposição! – deu tchauzinho para as duas mulheres – Tchau, meninas! – dirigiu-se às escadas e subiu por elas

 

--E quem é essa Pombinha doida pra ciscar no meu terreiro, hein? – a advogada beliscou o braço da morena

 

--Ai, Bianca, deixe de peitica! – esfregou a pele dolorida – Vizinha nova que se dá com a gente, oxe! – reclamou

 

--Que se dá com vocês? – perguntou ironicamente – Eu sei muito bem o que essa Pombinha tá doida pra te dar! – entrou na casa da namorada tentando disfarçar o mau humor

 

Camilla seguiu atrás sem nada dizer.

 

***

 

--Eu gostei dos dois bolos! – Suhaila comentou ao limpar os lábios – Muito bom! – balançou a cabeça satisfeita

 

--Também não sei dizer qual foi o melhor! – Elzira comentou empolgada

 

--Como eu disse, maama se deu bem! – Camilla piscou para a mulher mais velha

 

--Fico feliz em saber. – Bianca respondeu sorridente -- E essa tal de Pombinha... vem sempre aqui? – sondou

 

--Ela é vizinha nova, ainda tá conhecendo o prédio e... – Camilla começou a responder

 

--Vem aqui todo dia! – Suhaila respondeu de pronto – Pra me rezar, prosear um pouco... – gesticulou – É um amor de criatura! – elogiou

 

“Ô, maama...” – a professora pensou contrariada

 

--Todo dia, é? – olhou para a namorada semi cerrando os olhinhos – Ela tá conhecendo o prédio bem até demais, né?

 

--Pois que venha conhecer, gosto muito dela -- olhou para a morena -- Filha, me leva no banheiro?

 

“Graças a Deus!” – pensou aliviada --Levo, maama. – levantou-se da mesa – Vem comigo. – ajudou-a a se afastar do móvel – “E chega dessa prosa!” – desejou

 

--Deixe que eu levo ela, prima. – Elzira se ofereceu – Fique aí fazendo sala pra sua amiga. – aproximou-se da tia – Vamos nós? – sorriu para ela e seguiram juntas

 

--Camilla Isfahan, hora de dar satisfações! – Bianca se levantou da mesa e parou diante da namorada – O que é tá acontecendo aqui? E nem tente me enganar porque meu detector de sapatanice me diz que a Pombinha é uma sapatérrima disfarçada de beata que tá doida pra arreganhar as asinhas contigo! – falava com fúria contida – Se é que já não se arreganhou!

 

--Você viaja, sabia? – balançou a cabeça contrariada

 

--E pelo visto ela tá fazendo bonito pra conquistar a “sogra”! – fez aspas com os dedos

 

--Tá com medo disso? – respondeu provocadora – E em todos esses anos, você não soube conquistar a sogra por quê?

 

--Entendi o recado, Camillinha! – foi até o sofá e pegou a bolsa – Já que a família toda tá tão encantada com a Pombinha, -- falou o nome da outra com desdém – fique com ela! – caminhou até a porta e a abriu – Passar bem! – foi embora e fechou a porta

 

--Mas que diacho! – a morena resmungou sozinha

 

--Ih, parece que a amiga da prima foi simbora. – Elzira falou estranhando – Por que será?

 

--Já vai tarde! – Suhaila respondeu de imediato

 

--A senhora não gosta dela? Apesar de ter ido simbora do nada, ela parece ser tão boazinha...

 

--É boazinha, mas se puder evitar fica melhor ainda!

 

Camilla ouviu a conversa toda e pensou: “É, Bianca... Pombinha tá te ganhando de goleada diante de maama!”

 

Fim do capítulo