O dia de trabalho há muito que tinha terminado e Walkiria permanecia no escritório, às voltas com rotinas administrativas que já estavam em ordem. Revia, reorganizava e tentava manter a respiração controlada. O trabalho costumava ajudá-la com a ansiedade, mas sentia-se nervosa e de alguma maneira insegura.

            -Eu nunca fiz isso antes! - Concluiu em viva voz.

            -O que a senhorita não fez antes? Wiki, já não tinhas parado com os exageros? Não me diga que estamos mais uma vez com a corda no pescoço? - Greta dramatizou arrancando gargalhadas de Walkiria.

            -Tudo está muito bem e a senhora sabe disso. O que fazes aqui? Já não deverias estar em casa? O Gary que não venha me dizer que abuso demais da mulher dele.

Risos.

            -A sério que ele te disse isso? O meu Gary, tímido e cheio de protocolos?

            -Não com essas palavras e essa entonação, mas ele sugeriu que trabalhássemos menos tempo...

Risos.

            -Concordo com ele e achava que tu também já tinhas percebido que há vida fora desse escritório.

            -Hum-hum...

            -Wiki, eu te conheço...não é a aflição de mais cedo porque já me contaste que está tudo bem. Aconteceu algo novo?

            -Não...só estou preocupada com as remodelações...se calhar seria viável integrar o loft às nossas opções de alojamento...

            -O teu loft? Mas tu nunca consideraste essa possibilidade...ahhhh, já sei. - Gritou.

            -Greta, tu és a dona desse lugar, os colaboradores precisam ver-te como uma líder e não como uma descompensada. - Fingiu estar brava.

Greta riu e encarou-a:

            -O loft vai ficar livre por que a senhora vai morar com a Nahima. Wiki, me surpreenda, por favor.

            -E se for isso...

            -É isso, Walkiria?

            -Estou nervosa, mas já aceitei...vou daqui a pouco...

            -Wiki...

            -Será apenas uma experiência. Vou levar uma mala pequena com roupa para uma semana...

            -Wiki...

            -O quê, Greta? - Quase gritou de aflição.

            -Respira - Aproximou-se dela. - Isso, mais uma. Está tudo bem! - Abraçou-a.

            -Ai Greta, será que não me precipitei?

            -Não...tu gostas dela, ela te adora. Que mal pode haver?

            -Teremos mais uma unidade de alojamento...vou ficar mais perto de ti e do Gary...- Tentava justificar a sua decisão.

            -Não senhora, tu vais porque queres muito viver essa experiência com a Nahima. Confesso que me surpreende um pouco, já que foste sempre muito convicta de morar sozinha, ou tendo apenas o Zuri como companhia. Mas, sabemos que a história com a Nahima é completamente diferente...

            -Greta, e se ela se arrepender em um mês?

            - Acho pouco provável, mas só vais saber se tentares. E Wiki, vocês já passam muito tempo juntas...aqui, lá em baixo...

            -Eu vou! Estás certa, já passamos muito tempo juntas e tem funcionado bem...e qualquer coisa, eu tenho um hotel inteiro para onde correr.

Riram às gargalhadas.

            - Não tenho mais idade para viver relações sem comprometimento...

            -Eu nem acho que seja uma questão de idade, tu sabes que vale a pena...lá no fundo, tu sabes que sim. Tu nunca irias, se não acreditasses que vale muito a pena. Eu te conheço, Walkiria.

            -Tu me conheces e sim, eu vou porque não quero mais perder tempo.

            -Colegas de trabalho, sócias e vizinhas. Mal posso esperar para me receberes na tua nova casa com um jantar pomposo.

            -Isso, me deixe mais nervosa do que já estou. Ah, mas tu és especialista nessa arte.

Riram abraçadas.

*****

A noite já se instalara quando Walkiria foi recebida por Nahima à entrada da casa dela. O momento teve uma mistura de várias emoções, da euforia à ansiedade, passando por alguma incerteza de Walkiria, mas de fato, o que sobressaía era a vontade mútua de estar exatamente ali.

            -Eu sei que estou ansiosa e não consegui esperar dentro de casa, mas demoraste demais. - Os olhos ansiosos de Nahima eram uma particularidade apaixonante.

            -O hotel...

            -Eu sei! Eu sei, desculpa a minha ansiedade, mas ainda não acreditei que aceitaste vir...só essa malinha?

            -Concordámos em fazer um teste de uma semana...lembras?

            -Sim...Ai, eu pareço uma doida ansiosa, desequilibrada.

            -Não, eu diria apenas que estás apaixonada por mim.

Riram se abraçando.

            -Bom, não posso negar, mas a senhora está se revelando uma boa convencida.

            -Ah, mas nessa matéria, estou no primário e a senhora já é doutora.

Mais gargalhadas felizes e as duas mais relaxadas.

            -Seja bem-vinda mais uma vez à minha casa que agora, é nossa. - Nahima afastou-se da porta, permitindo que ela entrasse.

A casa estava ainda mais perfeita e acolhedora. Do cheiro à iluminação, tudo convidava ao relaxamento e em Walkiria, imediatamente despertou uma sensação de pertencimento.

            -Que capricho...

            -Tive tempo...e a ocasião merece...

            -Tu sabes seduzir como ninguém...

            -Sei?

            -Hum-hum...

No meio da sala, beijaram-se com calma, entre sorrisos e sussurros. Deleitaram-se no momento, até que Nahima, subtilmente, empurrou Walkiria para o quarto. Lá, ela surpreendeu-se com o fato de já ter um lado do guarda roupa completamente vazio, destinado às suas coisas.

            -Eu sei que o espaço não é muito grande, mas sempre dizes que tens pouca roupa.        -O espaço é mais do que suficiente para as minhas coisas. Obrigada. - Sorriu com olhos emocionados.

            -Tudo isso é improvisado até termos certeza de onde vai ser a nossa casa. - Reiterou, abraçando-a por trás.

            -Está tudo tão perfeito que tenho medo de acordar e tudo não ter passado de um delírio meu. - Suspirou profundamente.

Nahima posicionou-se à frente dela e encarou-a com olhos sérios.

            -Não estou gorando minha felicidade. Juro que não é isso...mas eu ainda me sinto um pouco flutuando, fora da minha realidade...

            -Essa é a tua nova realidade. Achas que consegues adaptar-te?

            -Oh meu Deus, quanta dificuldade terei. - Riu alto beijando-lhe a boca com muita vontade.

Caíram na cama para mais um momento de entrega e deleite numa profusão de beijos quentes, intensos, à medida da saudade que já carregavam. Não demorou para muito para os corpos ansiarem por uma satisfação mais completa e foi com muita força de vontade que Walkiria conseguiu adiar o ápice do prazer.

            -Meu bem, esmeraste na mesa e pelo cheiro que invadiu esta casa, eu sei que tem uma comida maravilhosa à nossa espera para o jantar. Estou com fome...muita. - Fez cara de sofrimento arrancando uma risada de Nahima.

            -Não consegues esperar um pouco? Só um pouquinho...

            -Se eu fosse inocente, cairia facilmente nesse teu argumento, mas eu já te conheço e o teu pouco se transforma rapidamente em horas.

Gargalhadas com beijos.

            -Não vou mentir, estou com muita vontade de ti - Suspirou no ouvido de Walkiria deixando-a toda arrepiada. Mais uma vez.

            -Colabora, garota...- Suspirou. - Eu vou passar a noite inteira aqui...e mais outra e outras tantas...

Num rompante, Nahima pulava e gritava na cama como uma criança feliz.

            -Para, sua doida! - E Walkiria ria com a mão na barriga.

            -Estou feliz! Tens a noção da dificuldade que é convencer-te de alguma coisa? - Sentou-se nas pernas dela, encarando-a com a respiração alterada e os olhos brilhando.

Com olhos sonhadores, Walkiria puxou-a para si e beijaram-se mais uma vez. Com calma, deleitando-se nas nuances que caracterizavam aquele encontro.

            -Tens certeza que precisas comer? - Já tentava tirar-lhe a blusa.

            -Sim senhora! - Com agilidade, Wiki conseguiu colocar-se de pé e puxou-a pelas mãos para saírem do quarto.

*****

Depois do jantar, compartilhavam mais um momento de intimidade que já caracterizava a dinâmica daquela troca. Deitadas no sofá, Walkiria tinha a cabeça nas pernas de Nahima que fazia carinhos nos seus cabelos. Ouvia-se New Life (MYSM) e entre frases que mais pareciam sussurros, sorriam e muitas vezes riam.

            -O Zumba está quieto...

            -Acho que ele já sabe os momentos em que deve deixar o protagonismo de lado.

Riram.

            -Preciso ensinar ao Zuri que quando ele quiser me ver, que agora eu moro aqui. É assim mesmo, ele decide quando quer me ver e se quer me ver...esse cachorro...

            -Eu sei que tens muito apreço por esse cão, mas ele é muito burro. Como é que um ser humano vai optar por não querer estar contigo...sempre?

            -Talvez por ele não ser humano.

Gargalhadas altas.     

            -Vais mesmo ficar aqui?

            -Nahima...eu não trouxe uma mala?

            -Sei lá se não és esquisita como o teu cachorro.

Gargalhadas.

            -Ainda acordamos o Zumba e adeus noite de núpcias. - Walkiria brincou.

            -E eu vou ter de esperar mais quanto tempo para a noite de núpcias? Ok, sou paciente, não precisa me fuzilar com esse olhar de mulher controlada. Porr*, eu não sou...mas sei esperar. - Tentava se convencer e Walkiria disfarçava uma risada. - Vamos morar juntas! Vou acordar contigo todas as manhãs!

            -Hum-hum...minha mala ainda está no meio da sala. - Walkiria brincava feliz da vida.

            - Wiki, vai ser maravilhoso, não vais querer sair do meu lado nunca mais.

            -Convencida!

Risos.

            -Vamos ter desafios, mas isso me instiga, porque sei que vamos contornar qualquer obstáculo.

            -Ah italiana, tu me convences de cada coisa...

            -Nunca dividiste o mesmo espaço com outra pessoa?

            -Desde que assumi a minha vida adulta, não. Dividi apartamento quando era estudante. Já namorei, tive relações sem muita definição, mas sempre cada uma no seu lugar. Eu tenho muitas manias e confesso que nunca tive vontade de abrir mão do que eu já conheço...

            -E então, por quê comigo?

            -Desde que apareceste eu tenho visto tantos lados meus que desconhecia...

Nahima sentou-se. Queria vê-la melhor, absorver cada minúcia daquela conversa. Walkiria acompanhou-a e seguiu na sua reflexão reveladora.

            -Demorei a entender, ou por algum tempo deixei que meus medos me guiassem, mas eu confesso que gosto de mim assim...parece que desabrochei para a vida, abraçando todas as suas nuances. Sinto que me abri à intensidade da vida, me permitindo viver na plenitude, com possibilidade de me ferir, e ainda assim seguindo...

Ouviu-se uma respiração profunda. A duas. Olhavam-se, desnudando-se. A entrega não poderia ser mais escancarada.

            -É isso, tu carregas vida nas atitudes, no sorriso, nas palavras...carregas vida na tua entrega sem ressalvas, na ousadia...tu és vida, Nahima, vida. - A voz embargada espelhava toda a emoção que aquele desabafo carregava.

            -Eu te amo...bambina mia, ti amo, ti amo tanto...tanto...

Walkiria percebeu-se com a respiração suspensa. O coração batia em todos os cantos do corpo fazendo um eco ensurdecedor. Buscou o ar com força e engasgou-se. As mãos tremiam, as pernas seguiam na mesma toada, ainda bem que estava sentada. Não era uma declaração vaga, leviana, como algumas outras que já ouvira pela vida. Nahima era espontânea, falava com o coração, os olhos ansiosos gritavam, havia esperança no tom, comprometimento no toque. Tudo nela era verdade. Uma verdade poderosa.

Não conseguiu emitir uma única palavra. Nem precisava...Nahima a entendia nos detalhes, ainda que ela desconhecesse esse fato. Segurou-lhe as mãos entre as suas e com a ponta dos dedos dela, limpou as próprias lágrimas que desaguavam.

Seguiu-se o silêncio dentro de um abraço. Tudo estava dito, ainda que faltassem palavras.

*****

A vida seguiu no ritmo cadenciado de sempre, tendo apenas ganhado novos contornos, como uma casa partilhada e mais certezas consolidadas. A semana virou mês e os dias se multiplicaram. Dias de descobertas, novos olhares, dias de afeto, encontros nos detalhes e sobretudo, dias de muito amor. À medida que os medos de Walkiria foram se dissipando, ela foi se revelando ainda mais apaixonante. Cada vez mais segura, Nahima revelava-se a companheira ideal. Walkiria brincava que nem com muito esforço conseguiria brigar com sua namorada. Ela sempre tinha uma palhaçada na ponta da língua, ou um beijo arrebatador capaz de varrer para longe qualquer motivo de rusga. E seguiam a vida, sem muita ansiedade, ou planos verbalizados, mas construindo o alicerce perfeito para sustentar o sentimento forte que as conectava.

*****

            -Ei, poso saber o que a senhora tanto namora esse espaço? - Walkiria surpreendeu Greta no novo espaço do hotel, construído para eventos ao ar livre.

            -Admirando essa maravilha...

            -Ficou lindo...até eu que não sou dada a devaneios, admito que esse cenário é perfeito para realizar sonhos.

            -Ainda bem que pude contar com o poder de persuasão imbatível de Nahima. Jamais terias embarcado nos meus delírios, sim, seria essa a definição que darias ao meu projeto.

Riram e Walkiria bateu a cabeça concordando com a amiga.

            -Está perfeito e melhor ainda, já vamos começar a ganhar dinheiro com ele.

            -Ah, claro! Imagina se ela não falaria da parte financeira.

Risos.

            -E por acaso temos outra forma de honrar nossos compromissos? De realizar nossos sonhos e os dos nossos colaboradores?

            -A senhora está certa, mas eu sou sonhadora e viajo no lúdico, nos sonhos perfeitos e...

            -E, eu já sei que a senhora está a enrolar para me dizer que o nosso espaço novo, será inaugurado com a primeira celebração do seu casamento. Ouvi dizer que teremos pelo menos três. - Walkiria sorria emocionada.

            -Ah, a Nahima não conseguiu guardar segredo. - Riu.

            -Meu bem, ela até guardaria, mas a revelação foi feita em pleno sono.

            -Hã?

            -Pois é, para o meu espanto, outro dia eu acordei a meio da noite com ela enrolada em mim, e percebi que ela falava. Ainda pensei que fosse comigo, mas não, era um dialogo com o vento, onde tomei conhecimento do evento do ano.

            -Meu Deus, eu atormentei tanto essa mulher com meus delírios, que ela foi sonhar em voz alta.

Riram alto.

            -Mas, confirmas as três festas?

            -Sim! Aqui, em Banjul e em Estocolmo. Ah, e se calhar ainda invento outros lugares pelo mundo. Eu me caso com o Gary quantas vezes e onde ele quiser.

            -Greta...quem diria...

            -Ah, mas eu digo a mesma coisa de ti. E por falar nisso, quando é que assumes que já não voltas para o loft? Preciso de mais espaço para alojar nossos clientes e tenho ideias muito criativas e rentáveis para tua antiga casa.

            -Tens razão, já não preciso de um plano B...

            -Às vezes, ter um plano B, não nos permite uma doação plena ao A...entendes?

            -Sim e meu plano A é primordial. - Sorriu feliz.

            -Demolição, amanhã?

            -Calma, ainda preciso tirar algumas coisas...e não mudes de assunto. Quero detalhes dessa festa. Tens noção do acontecimento que é?  Greta, vai casar! Casar!

            -Vou! Nesse lugar lindo, com essa vista maravilhosa, em meio à natureza e com o amor da minha vida. Ah, ocorreu-me agora que no meu casamento em Estocolmo, alguém poderia ousar um pouco e casar com a italiana mais maravilhosa que já passou por esses vales. É claro que podem fazer uma cerimónia simbólica aqui e depois oficializar tudo na Suécia, ou na Espanha...por aí...

Gargalhadas.

            -Ei, meu nome é Walkiria Magalhães, lembras?

            -Sim, uma chata, linda e cabeça dura que por acaso é minha sócia e amiga e também, completamente apaixonada pela minha amiga Nahima.

            - Hum-hum, mas daí a casar...nada a ver...e ela nem pensa nessas coisas e...

            -Deixa o casamento para lá, até porque é uma mera formalidade. Eu me caso porque gosto de festa e de me ver de noiva e meu Gary adora. Wiki, viste como eu estava certa? A Nahima sempre vai ter trabalho por aqui ou onde ela quiser...

            -Sim e agora com o Gary...

            -Ah, ela prometeu que vai levá-lo para o mundo e eu vou adorar, desde que volte sempre para onde eu estiver.

Sorriram uma para a outra, cada uma exalando felicidade à sua maneira.

            -Estou com sede. Acompanhas-me ao lounge para uma batida de fruta?

            -Para mim, água de coco.

No lounge, a conversa seguiu o mesmo teor, as mudanças de ambas.

            -Eu não sei se faz muito sentido, mas pela primeira vez eu me vejo vivendo apenas pelos meus sentimentos...

            -Como assim, Wiki?

            -Não sei explicar, sem parecer uma doida varrida...

            -Tenta...

            - Eu sempre pensei nas minhas emoções e na do outro... não é bem isso... eu nunca consegui sentir nada apenas meu. Sempre tive muita expectativa e me espelhei no outro...o que quero dizer é que nunca tive a liberdade da Nahima em viver as emoções livremente, expressá-las sem medo da reação do outro.

            -Entendo...

            -Eu sempre racionalizei a minha emoção e a do outro...muitas vezes não expressei minhas verdadeiras emoções por medo da reação das minhas namoradas, ou por me achar inadequada, ou insegura...mas, mais porque achava que sabia o que elas pensavam...o cúmulo do controle.

            -Eu te conheci bem controladora...

            -Absolutamente e acreditava que estava segura. Era uma represa de emoções... A Nahima simplesmente vive tudo o que sente, expressa com palavras, ações, olhares...ela não tem medo e me faz abrir as asas...

            -Ah, Wiki...

            - Acho que já consigo batê-las e ensaiar alguns voos...

            -Tu já estás em pleno voo!

            - E aprendi que posso abrandar sem cair...basta planar...

            -Walkiria, juro que se não fosse tão apaixonada pelo Gary, eu me casava contigo.

Gargalhadas altas.

*****

O clima em casa de Nahima e Walkiria era de euforia e felicidade. A primeira exposição internacional de Gary iria finalmente acontecer e não seria apenas um país, mas três. Fariam um périplo pela Inglaterra, Dinamarca e Estónia. Apesar de cansada, pelo dia intenso de reuniões, negociações e outras demandas que extrapolavam a carreira de Gary, Nahima não se rendia e pulava de alegria, à medida que ia contanto tudo com detalhes à Wiki.           

            -Eu preciso de um banho e de uma prática, não necessariamente nessa ordem.

Riram aos beijos.

            -Eu queria praticar um pouco contigo...

            -Vamos, meu bem. Adoro quando praticamos juntas e não resistes ao meu flow e me roubas beijos e...

            -Para...juízo, garota. - Risos e mais beijos. - Meu amor, eu vou fazer um jantar para comemorarmos o vosso sucesso. Nada muito elaborado...

            -Ah, tu sempre elaboras, até o teu arroz com ovo é gourmet.

Gargalhadas.

            -Sai daqui e volte apenas quando eu te chamar.

            -Não queres que eu ponha a mesa? Abra o vinho?

Gargalhadas.

Nahima correu pela casa soltando beijos no ar enquanto era seguida por zumba, que latia empolgado.

*****

Walkiria se entretinha com seus dotes culinários, absorvida pela atmosfera de felicidade de sua casa, enquanto seus pensamentos voavam para momentos que já vivera e outros tantos que ainda iria viver. Sorriu ao dar-se conta que seus sonhos já não englobavam apenas alargar seus negócios, ter tranquilidade financeira.    

            -Quem diria, dona Walkiria. Quem diria. - Sorria.

Enquanto o prato estava no forno, esmerou-se na ornamentação da mesa. Debruçada, acendendo as velas perfumadas, sentiu braços quentes envolvendo seu corpo. Sorriu e de olhos fechados absorveu o cheiro delicioso que vinha de Nahima. Beijaram-se e ela apaixonou-se um pouco mais. Adorava vê-la de cabelo molhado. Tinha verdadeira adoração por aquela cabeleira.

            -Cheiro bom...

            -Da tua comida...com certeza.

            -Cheiro bom da minha mulher. - Sorriu inclinando a cabeça para trás.

            -Aiiiii...eu não sei...não sei...

            -O que foi?

            -Sinto tanto tesão quando me chamas de minha mulher...é instantâneo...- Respirou fundo.

            -Minha mulher...minha...- Walkiria mordeu a sua própria boca e depois arrebatou Nahima num beijo que deixou ambas de pernas bambas e ofegantes.

            -Meu prato vai queimar...mulher...

Riram na boca uma da outra. Os corpos exalavam calor...muito calor...

            -Falta muito?

            -Para quê?

            -Wiki...a comida vai queimar...

Riram muito e Walkiria empurrou-a para longe.

            -Preciso enviar um email...dois minutos e volto para comemorarmos, aqui e depois...

Sorriram com o desejo mútuo escancarado.

            -Preciso me concentrar aqui...deixas?

Risos.

            -Estou no escritório...já volto.

*****

Mesmo compenetrada nos seus afazeres e com a mente viajando na música chill do momento, Walkiria estranhou o silêncio de Nahima. Mesmo estando no escritório a trabalhar, ela tinha sempre o hábito de vez ou outra chamá-la apenas para dizer, estou aqui e sempre riam dessa mania. Talvez estivesse muito concentrada...

Continuou a cuidar do jantar ao som de Strawberry (Victorya), até que com tudo pronto, foi à procura de Nahima no escritório. Encontrou-a sentada na poltrona individual, abraçada às pernas e com o olhar preso na porta de vidro que separava o escritório do quintal da casa. Alguma coisa na sua fisionomia pareceu-lhe estranha, tanto que entrou na ponta dos pés e com o coração aos pulos.

            -O trabalho venceu a fome? - Tentou brincar, mas a voz saiu fraca.

Ajoelhou-se aos pés dela e notou que ela tinha chorado. Sua tez vermelha e a respiração descompassada comprovavam seu diagnóstico angustiante.

            -O que aconteceu? - Colocou uma mão nas suas pernas. Sentiu um tremor, não soube precisar se da sua mão ou das pernas dela.

Sem dizer nada, Nahima apontou para um canto do escritório. Walkiria girou os olhos já sabendo do que se tratava. Tinha esquecido completamente de guardar o painel.

            -Eu...eu...tive que trazê-lo para cá porque amanhã vamos dar início às obras de remodelação no loft e não tinha mais nada meu lá, só isso e...eu sei que pode parecer...ah eu...- Esfregava as mãos pelo rosto tentando encontrar uma explicação plausível para a sua atitude.

Aos prantos, Nahima ajoelhou-se ao lado dela, e abraçou-a com o coração aos pulos.

            -É a coisa mais linda que já vi na minha vida. - E chorava copiosamente.

            -Não achaste que é uma loucura? - Walkiria tentava entender. - Fi-lo num momento de muita confusão e...

            -Meu amor, tu o alimentas quase que diariamente...

            -Sim...depois do surto, eu me apaixonei por ele e...

            -Quando começaste?

            - Eu sempre tirei fotos tuas e tenho uma vasta galeria no telefone, na minha camera fotográfica...eu tiro fotos tuas quase que diariamente...

            -Quando?

            - Quando foste embora, eu precisava de alguma coisa para não enlouquecer de saudade e essa foi a forma de manter-te perto...eu sei que é loucura já que nem sabia se voltavas e teimava em dizer que não te queria mais...eu sou doida, incoerente, mas...

            -Tu és maravilhosa! A tua forma de demonstrar amor é...única. - Chorava segurando a face dela com as suas mãos. - As coisas que escreves nas fotos...eu te amo tanto, Walkiria, mas tanto que precisarei voltar mil vezes e contigo ao meu lado...

Walkiria sorriu. Riu de felicidade.

De gatas, Nahima arrastou-se para junto do painel de fotos. Olhou embevecida, mais uma vez. Escolheu uma foto sua que nem sabia que existia. Estava sentada de costas contemplando o por do sol majestoso daquele vale.

            - "Ela e o pôr do sol...impossível existir mais beleza...o sol é vida... é esperança...ela me ensina a viver melhor e a espera é com o coração leve..."

            -Era isso, ou eu enlouqueceria...- Sua voz carregava um misto de emoções.

            -Mas, Wiki, essa foto é recente...

            -Sim, continuei mesmo depois de teres voltado...é minha forma de expressar tudo o que me fazes sentir...é o meu mural do amor...nossa história...- Chorava.

Ainda de gatas, Nahima alcançou-a e fundiram-se num abraço apertado.

            -Minha artista! Minha mulher! Meu amor! Minha vida! Artista!

            -Para, sua doida...

Ergueram-se e Nahima rodopiou-a pelo escritório gritando que ela era artista. Quase tropeçando, escoraram-se numa parede e sem cerimónia, começaram a arrancar as roupas que usavam. Queriam-se. Desesperadamente. O amor já ganhara todas as asas possíveis e precisava ser manifestado nos corpos que há muito ansiavam por satisfação. A entrega foi ainda mais explosiva. Algum tempo depois, rendidas na carpete do escritório, contemplavam-se entre sorrisos.

            -Acho que vamos precisar aquecer a comida...

Riram alto.

            -Ainda estás com fome?

            -Tu não? Meu amor, eu estou faminta. Preciso repor as energias para voltar a me entregar ao delicioso baile que é fazer amor contigo.

            -Italiana sedutora...

            -E linda, apaixonada, doida varrida e musa inspiradora da mais nova artista de Cabo Verde. Me sinto poderosa!

Às gargalhadas, renderam-se a mais um momento de amor, antes de voltarem a pensar no jantar

Fim do capítulo