Capitulo 28
Nos dias que se seguiram ao episódio em que Walkiria foi confrontada com o ciúme, sentimento que jurava não pertencer ao seu repertório comportamental, registou-se uma espécie de explosão na sua mente, permitindo-lhe viver de forma mais leve. Não criou qualquer objeção, nem mesmo mental, quando Nahima pediu que dormisse na sua casa por duas noites seguidas. Pelo contrário, pareceu-lhe ser o mais sensato a fazer, já que não queria fazer nada diferente. Uma semana em que não dormiram separadas, ora na casa de Nahima, ora no loft. A mente agitada de Walkiria, que tudo precisava racionalizar, encontrava sempre uma lógica para aquela novidade, "Nahima vai embora e preciso aproveitar". Repetia aquela frase vezes sem conta quando não estavam juntas, para esquecer tudo quando a tinha por perto. Nesses momentos, esquecia completamente da razão e entregava-se às emoções que iam da calmaria a rompantes de sensações que nem sequer conhecia os nomes. Era bom. Muito bom. Sentia a vida acontecendo por motivos que extrapolavam a realização profissional. Percebeu-se adotando rotinas que outrora não faziam o menor sentido, e agora eram uma espécie de alicerce para uma obra que sequer sabia que estava a construir. A rotina das conversas longas deitada nas pernas de Nahima ou vice-versa, era sem dúvida a melhor de todas, a mais frutífera.
-Nahima...
-Hmmm...estou acordada.
Riram.
-Eu sei...pela tua respiração. Estava a pensar, sei tão pouco sobre ti...eu sei de ti aqui, mas queria conhecer mais da Nahima que eu não conheci...não sei se faz sentido...
-Faz, embora não haja nada que já não saibas. Essa Nahima que conheces, veio sendo moldada ao longo dos anos...essa sou eu. Mas o que gostarias de saber?
-Ah...tanta coisa. Mas podemos começar a como eras na universidade, por exemplo?
-Excelente aluna! - Nahima provocou sabendo de antemão que não era aquilo que ela queria saber.
Riram juntas. Já se entendiam nesses detalhes...
-Pateta! Ok, vou ser mais especifica: namoravas muito? Eras popular?
-Eu sempre fui festeira, estava sempre à frente das organizações de eventos...sim, era popular, mas ninguém sabia muito da minha vida, do que era realmente importante. Na superfície eu era muito popular, mas poucos me conheciam realmente.
Walkiria pensou que até hoje ela era exatamente assim...de certa forma, aquela característica a encantava...
-Se namorava muito? não...bom, pelo menos não para os meus padrões.
Mais gargalhadas.
-Devo concluir que tinha um namorado por semestre.
Risos altos.
-Não senhora. Muito longe da minha realidade. Namorei dois rapazes antes da faculdade, aos 15 e aos 17. Entrei na faculdade, terminei com o meu então namorado porque ele foi estudar nos Estados Unidos. Na época, aquilo partiu-me o coração. Mas não demorou muito tempo - Risos. - O frenesim da vida académica ressignificou o coração partido em pouco tempo. Houve uma altura em que decidi conhecer pessoas e nesse período, honrei o meu objetivo.
Risos altos.
-Conheceu muita gente...
-Algumas pessoas, até que no início do quarto ano, fui arrebatada pelo Yuran. Nós eramos tão parecidos que cheguei a acreditar que ele tinha sido enviado por algum anjo, por todos os anjos juntos. Ficamos tanto tempo juntos e sem interrupções tão comuns em relacionamentos longevos. O Yuran tinha o dom de tirar o melhor de mim, de me incentivar a ser cada vez melhor em qualquer coisa a que me propunha. Tínhamos sonhos comuns...pelo menos era o que parecia. Nos primeiros anos do nosso casamento, tudo funcionou da melhor forma. Um servia como estepe do outro e lá íamos nós construindo nosso mundo. Era muito boa a nossa convivência, eramos muito amigos e nos dávamos bem na cama. Parecia ser a equação perfeita, a receita certa para o sucesso.
Walkiria absorvia cada palavra, atinha-se a cada suspiro, pausa, alteração no tom de voz. O corpo estava imóvel com a cabeça deitada nas pernas de Nahima, mas o coração experimentava algumas flutuações nos seus batimentos...
-Até que ele se mostrou obcecado pelo trabalho. Não foi algo que aconteceu num estalar de dedos, ele já dava sinais de ser assim, mas com menos responsabilidades e sem perspetivas de crescimento galopante, não se notava tanto...ou eu não queria perceber. Não tenho nada contra a ambição profissional, eu mesma sou obstinada pelo meu trabalho e quero sempre o melhor retorno. O problema começa quando nada mais tem importância...ou, uma solicitação do teu chefe é prioridade mesmo que a tua mulher esteja à beira de um colapso nervoso. Sim, chegamos nesse ponto. Passei a achar que era uma chata, sem vida própria...
-Essa parte eu não entendo...ah, desculpa, não queria te interromper...- Walkiria foi traída por um impulso maior que sua capacidade de apenas absorver.
-Tudo bem. O que não entendes?
-Não me parece nada teu, ficar sem fazer nada, vivendo em função do outro...
-Eu não sou assim, a tua perceção é perfeita. Mas eu me vi perdida, sozinha...não que esteja sempre muito próxima da minha família, por exemplo, mas meti na minha cabeça que ir morar no estrangeiro era sinónimo de andar com minhas próprias pernas e contar apenas com o meu marido...sei lá, que loucura passou pela minha cabeça. Nem aos meus amigos mais próximos eu relatava meu desconforto. Fui me anulando até ao ponto de praticamente deixar de existir. Um detalhe interessante é que quando estávamos em público, eramos o casal perfeito. A cumplicidade estava lá, a paixão, o interesse mútuo, as gargalhadas, o entusiasmo...dentro de quatro paredes, nada. Eu quase enlouqueci e nos confrontos, ele sempre dizia que era uma fase...
-Ele entendia que as coisas não estavam bem?
-Sim, ainda que de uma perspectiva completamente diferente da minha. Ele chegou a propor que tivéssemos um filho...para mim aquilo foi de uma irracionalidade gritante.
-Não querias ter filhos?
-Queria, nós queríamos, mas não como tábua de salvação. A responsabilidade da criança ficaria sobre as minhas costas. Eu não estava bem, como poderia ter um filho?
Fez-se um breve silêncio. Muitas questões ferviam na cabeça de Walkiria, mas conseguiu controlar a curiosidade.
-Nessa altura, fui tentar viver os prazeres da ilha. Qualquer opção era viável, menos separar-me do então amor da minha vida. Lembrava sempre das falas da minha mãe, ah minha filha, se eu fosse impaciente, teria largado o teu pai no primeiro ano de casados. E eles estavam juntos há mais de 30 anos...talvez eu fosse impaciente, imatura...fui tentar aprender crioulo, dançar os ritmos locais, tocar violão...comecei a escrever crónicas da minha vivência por lá e outros devaneios...um ano se passou e eu anestesiada, fui levando...
-Ele não mudou?
-Sim, para pior...na minha perspectiva. Mais responsabilidades, mais trabalho e consequentemente, menos tempo para o casamento. Conheci a Maísa, que ele já conhecia por causa do trabalho do marido dela, e o resto já sabes...
-Guardas magoas?
-Não! Foi uma experiência maravilhosa para nos conhecermos melhor. Fiz um mergulho profundo em mim e tudo graças à relação com o Yuran. Ele hoje vive um relacionamento que atende a todas as suas nuances e eu sei exatamente o que quero de uma relação, o que é aceitável e o que é absolutamente inegociável.
Walkiria teve tanta vontade de fazer perguntas, particularmente sobre o que era inegociável, mas foi vencida por outro instinto mais forte.
-Ei, vamos gastar o que resta da nossa noite juntas com conversas, ou melhor, com um monólogo? - Puxou Walkiria para perto de sua boca e beijou-a com vontade. Entregaram-se ao deleite que sempre era aquele encontro.
*****
-Wiki, que mês! Que mês maravilhoso! Não fechávamos assim desde os tempos áureos. - Greta ria empolgada com os números.
-Sim, estamos bem e nem precisei me matar de tanto trabalhar.
-Aleluia, ela absorveu meus ensinamentos.
Risos altos.
-Já consigo conceder um bónus aos nossos funcionários no final do ano. Tem muita gente que merece aumento salarial, mas isso vou tentar realizar a meio do próximo ano.
-Se bem te conheço, se continuarmos nessa crescente, no primeiro trimestre, todos terão aumento.
-Exagerada! Mas vou fazer o meu melhor para honrar nossos compromissos e remunerar bem quem merece.
-Pensaste na proposta da Nahima? Nossa, na realidade...temos potencial...
-Estou a analisar e há chances de realização...
-Assim? Sem me chamar de doida? Sem dizer que dinheiro não cai do céu? Wiki, és tu?
-Idiota! Se o negócio tem pernas para andar eu sou sempre muito recetiva...
-Hum-hum...claro. - Risos. - O poder de persuasão da italiana nem conta...
Walkiria sorriu com olhos sonhadores.
-Nahima te faz muito bem, Wiki.
-Faz, mas preciso ir com calma. Às vezes me sinto envolvida demais numa história que sabemos exatamente quando termina...- Desabafou com algum pesar no tom.
-Escapou-me alguma informação? A Nahima vai embora?
-Ah, Greta, mais cedo ou mais tarde...
-Cedo ou tarde, há vida pelo meio, portanto, viva.
-Temos conversado tanto...
Greta sorriu. Sabia que a amiga estava a se permitir construir algo com bases sólidas, ainda que não fizesse a menor ideia do que realmente estava a acontecer.
-Ela teve uma história tão intensa com o marido...eu sei que é idiotice o que vou dizer, mas se não puder desabafar contigo...
-Desabafe à vontade...
-Parece que nunca vou conseguir ser tão intensa, ter tanta vivência...eu sou um bocado imatura...A Nahima já viveu tanto...
-Permita-me discordar, tu não és imatura, Wiki. Não compare histórias diferentes e muito menos quem Nahima era e quem ela é hoje. O contexto é outro, ela é uma pessoa diferente...ela se entrega muito para que tudo dê certo...tu também...
-Eu quero muito que continue dando certo...
-Isso...e nós sabemos que vocês têm algo tão vosso, tão bonito, tão...
-A romântica que veio das terras geladas.
Risos.
-Ah, mas tem mais gente que compartilha da mesma opinião...
-O Gary que já corrompeste com a tua veia romântica. -Riu.
-A Diana também!
-A Diana? Ela sabe?
-E por acaso alguém esconde alguma coisa?
Riram com vontade.
-O resto do pessoal sabe? A Diana é amiga, além de funcionária...
-Não te preocupes que ninguém faz fofoca com a tua vida pessoal. Aqui todos conhecem o poder de fogo da dona Walkiria e não ousariam.
Riram com vontade.
-Wiki, quando a Nahima está por perto, até o teu tom de voz é outro. Doce, calmo, tem melodia...
-Pelo amor de Deus, alguém coloque juízo na cabeça dessa mulher.
Riram às gargalhadas e Wiki admitiu, ainda que apenas para si, que estava completamente apaixonada pela italiana.
*****
Wiki observava a amiga e sócia no seu ambiente e não disfarçava um sorriso. Era estimulante ver Greta naquele registo tão peculiar. Dona de sua casa, reinando na sua cozinha, rindo feliz, dona de sua vida. Greta mudara tanto e para muito melhor. Pensando bem, a vida delas tinha mudado muito nos últimos tempos. Bebeu mais um pouco de vinho e suspirou relaxada. Era tão bom saber que num dos cômodos da casa, Nahima e Gary discutiam detalhes do futuro dele, da sua carreira internacional. Ela o orientava em tudo e de forma tão profissional que a carreira acontecia numa velocidade estonteante.
-Prova, por favor. Meu paladar não é muito bom para o sal.
-Hmmm, que delicia! Devias cozinhar mais vezes e principalmente, me convidar para comer.
Riram.
-Greta, acreditas que tive a péssima ideia de comentar com a minha mãe sobre a Nahima e mesmo sendo bem evasiva, ela não tem mais assunto?
Greta arqueou as sobrancelhas em sinal de espanto.
-O que foi? Que cara é essa?
-Contaste à Filomena que tens uma namorada?
-Sim...não que tenho uma namorada, mas que estava com a Nahima. Na realidade, ela pegou-me com a armadura no chão e falei demais...não entendi o teu espanto, minha mãe está cansada de saber que tenho minhas mulheres...
-Cansada de saber que não te envolves seriamente com nenhuma e se bem me lembro, nunca falas de ninguém em específico. És sempre muito vaga. Não?
-Não fiz um tratado sobre Nahima, mas devo ter falado mais do que normal. Agora ela sempre pergunta por ela e tu conheces aquela italiana exibida e sem filtro, ela me beija com a camera ligada, conversa com a minha mãe durante as nossas vídeo chamadas como se fossem íntimas...
-Eu adoro a Nahima! Ela é exatamente o que te faltava. Ela é especial!
-Quem é especial? - Nahima entrou na cozinha para pegar um pouco de vinho.
-Ouvi dizer que a senhorita já foi aprovada pela sogra. Que sucesso!
Walkiria quase desfaleceu de vergonha na cadeira. Nahima aproveitou para acomodar-se ao seu lado e encarou-a numa pose provocante.
-Fui aprovada, bambina? - Sorria olhando dentro dos olhos de Walkiria.
-Vocês são doidas! Minha mãe é mais doida ainda e eu quero vinho. - Tentou desconversar.
-E um beijo, não queres?
Greta riu alto diante do sobressalto de Walkiria. Nahima foi mais rápida e sabia exatamente quais eram os pontos fracos. Beijou-a e foi imediatamente abraçada.
-Agora sim, posso voltar ao trabalho. - Sorriu. - Abastecida de amor e vinho. Ah, só falta a comida maravilhosa da minha amiga Greta, mas isso eu posso esperar mais um pouco. Greta, vou ganhar uma companhia lá em casa.
Greta olhou para Wiki que sobressaltou-se mais uma vez na cadeira.
-Não olhes para a Wiki, eu ainda não tenho argumentos suficientes para convencê-la do óbvio. - Sorriu. - Vou ganhar um filhote de cachorro.
Deixou a cozinha na mesma leveza que tinha entrado.
-Eu não vou comentar nada. Estou muda a partir de agora. - E riu às gargalhadas diante do olhar furioso de Walkiria.
*****
Walkiria acordou sem pressa. Mais uma novidade. Não sentia mais necessidade de ter tudo controlado no hotel, até porque tinha excelentes colaboradores e podia confiar neles. Um peso enorme saíra de suas costas e finalmente pôde perceber que só precisava coordenar e que isso não implicava respirar o hotel. Claro que vez ou outra ainda tinha seus surtos de deusa absoluta, mas esses rompantes eram cada vez mais raros. Normalmente aconteciam quando estava com alguma crise existencial, algum problema fervilhando na sua mente e sem solução aparente. Nesses períodos, hibernar no hotel e fazer o trabalho do staff completo, era quase sempre o melhor remédio. Mas estava em paz. Sorriu ao rolar na cama de Nahima. Tinha dormido lá, mais uma vez. Já era quase uma rotina boa. Raras eram as vezes que não dormiam juntas. Não tinha qualquer objeção àquela realidade instalada. Rolou na cama mais uma vez e decidiu levantar, já que sabia que demoraria muito até sair de lá e assumir suas responsabilidades no hotel.
Tomou banho cantarolando no chuveiro, vestiu suas roupas, colocou algumas gotas do perfume de Nahima que adorava e saiu para encontrá-la algures pela casa. O cheiro de café acabado de fazer aguçou-lhe a vontade de degustar um excelente café da manhã na melhor companhia. Sorriu e procurou-a pelos recantos. Nem sinal. Lá fora praticando yoga, lendo ou concentrada no portátil. Yoga, claro. Ficou parada apreciando aquele flow perfeito. Se apaixonava um pouco mais a cada movimento preciso e gracioso. Tinha leveza, força e ritmo, uma mistura de muita beleza. Na ponta dos pés caminhou para perto. O coração pulava no peito e ela sorria. Detalhes que sempre lembrariam Nahima...sempre. Aproveitou que ela estava numa prancha e enfiou-se por baixo. Parada nas mãos, Nahima sorriu e ela riu envergonhada.
-Eu sei que não deveria te interromper...que...
-Tu sempre segues as regras?
-Não...ainda mais...
Foi interrompida com um beijo quente. Puxou-a para si e o flow passou a ser duplo. Uma dança de corpos que ansiavam por um encontro. Mais um.
Um pouco mais tarde, enquanto tomavam café, Nahima abordou um assunto que com certeza deixaria a mente agitada de Walkiria às cambalhotas:
-Wiki, eu sei que és um bocado resistente a mudanças...
-Sou!
Riram juntas.
-Calma, não vou fazer nada que mude a tua vida de cabeça para baixo. - Sorriu.
Walkiria pensava que ela já tinha dado mil cambalhotas na sua vida pacata.
-Hmmm, sim senhora...
-Não te cansas desse vai vem?
-Como assim?
-Podias ficar aqui...sugiro que fiques aqui porque o teu loft é pequeno. Aqui temos mais espaço e poderias aproveitar o loft para ser mais uma unidade de alojamento do hotel.
A forma como ela falava, o tom, a clareza nos olhos, tudo isso era uma mistura quase irresistível. Walkiria se valia da sua cabeça dura e de suas convicções para não sucumbir.
-Não está bom, assim?
-Bambina, está maravilhoso! Eu só queria que tivesses mais conforto e...
-E?
-Nada! Não vamos mudar nada, mas saiba que essa possibilidade existe e que eu adoraria acordar todos os dias ao teu lado e ser surpreendida na prática de yoga. - Sorriu, com a boca, com os olhos.
Walkiria respirou fundo para solidificar suas certezas. Na realidade o que a movia era um medo gigante de se acostumar ao paraíso e depois ser arrancada de lá sem cerimónia. Nahima iria embora, mais cedo ou mais tarde.
-Esse bolo está uma delícia - Mordeu um pedaço do quitute enquanto sorria feliz olhando nos olhos de Walkiria. - A Maria passou aqui logo cedo e ainda me fez sentir especial ao dizer que eu tinha prioridade antes de qualquer café da cidade que ela fornece seus produtos.
-Tu és especial e gem*ndo comendo bolo de milho com goiabada, és de outro mundo.
Riram muito e Walkiria entrelaçou suas mãos. Levou os dedos dela aos seus lábios e beijou um a um. Gostava tanto daqueles momentos que poderia esquecer da vida...
*****
-Greta, chamei-te para me ajudar e não para perturbar ainda mais a minha cabeça. - Disse Wiki impaciente. Greta ria sem parar.
-Walkiria, pareces uma debutante, relaxa, mulher. É só um jantar com uma mulher lindíssima. Quantas vezes já estiveste nessa posição? - E ria com gosto.
-Calças ou vestido? E seja objetiva pelo amor que tens à tua vida.
Gargalhadas altas.
-Eu nunca te ajudei a escolher roupa, calma. É sempre bom percebermos as diversas camadas que nossa melhor amiga e sócia possui.
-Greta...
-Ok, parei de brincar. - Continuava a rir. - Que jantar é esse?
-Ela me perguntou se queria acompanhá-la num jantar na capital, coisas do trabalho. Eu não iria, não acho que cabe...ah sei lá, mas não consigo negar nada à Nahima. Nada.
-Wiki...
-Não venha com teses sobre o meu comportamento, agora não. Só quero que me ajudes a decidir se vou de calças ou vestido. Estou nervosa...
-Porquê?
-Não sei! Eu juro que não sei. Eu estava acostumada a saber exatamente o que esperar...A Nahima é uma surpresa atrás da outra, não existe monotonia e quando as coisas parecem ganhar um ritmo previsível, ela sempre inventa um pequeno detalhe que torna o perfeito, inesquecível. - Desabafou.
-Tens a noção que acabaste de descrever o sonho de uma vida da maioria dos humanos, certo?
-Não estou a me queixar...só queria que me ajudasses a escolher uma roupa. É pedir muito?
Greta riu da expressão da amiga e abraçou-a com carinho.
-Tu ficas linda com qualquer roupa, Wiki. Tu és belíssima, meu bem.
-Calças ou vestido? Quem sabe esse macacão?
Gargalhadas.
*****
O jantar na capital nem era esse bicho de sete cabeças que Walkiria havia pintado. Era um encontro entre colegas de diversos projetos da ONU, gente de países diferentes, consequentemente havia comidas e músicas diversas, muitas risadas, um convívio alegre e saudável.
Aproveitando a vista magnifica para a baía, Walkiria se deslumbrava com a beleza da noite enluarada, ao mesmo tempo que pasmava na beleza de Nahima. Ela usava um vestido vermelho que lhe assentava como uma luva, tinha o cabelo preso num coque, deixando o colo e o pescoço nus o que era um deleite para os olhos. E sorria. Cantava no karaoke e era aplaudida. Walkiria observava e flutuava, até que foi levada dali, por ela. Seguiram pelo espaço de mãos dadas. Não sentia os pés no solo...
-Eu pensei que nunca mais nos darias o prazer de conversar com a tua amiga. Muito prazer, Leonardo.
-O brasileiro galanteador. Não caias na conversa florida dele. - Alguém sublinhou.
Todos riram.
-Leo, a Walkiria tem um hotel majestoso nas montanhas de Rui Vaz. - Valdir juntou-se ao grupo.
-E tem um espaço muito bom para eventos, além de ser um charme absoluto. - Nahima falava olhando para Walkiria com os olhos brilhando de felicidade.
-Faremos reuniões no hotel da Walkiria e quem sabe não esticaremos por mais dias. Tudo bem, Walkiria? Que nome bonito, combina com a força da tua presença. E que beleza...
-Ela é linda! - Nahima abraçou-a pela cintura e olhou-a com admiração.
-Nahima, então é ela que te faz correr todos os dias da cidade?
Todos olharam para Yasmin, que com sua vivacidade particular, acabara de se juntar ao grupo.
-Mas não era o filhote de fox terrier que a obrigava a correr para casa?
Nahima riu e Walkiria a olhou sem entender nada. O filhote ainda não morava na casa dela.
-Eu ainda não fui buscar o cachorro. E sim, tenho muitos motivos para correr para São Domingos, todos os dias e parem de focar em mim.
-E vocês queriam que ela ficasse para happy hours na cidade, quando pode viver aventuras nas brumas de Rui Vaz?
Todos riram alto, inclusive Walkiria que se deliciava com aquele momento.
-Ainda bem que agora só vou precisar aturar essa corja a partir de terça-feira. - Nahima fingiu estar irritada.
-Ah, juras que não vens para Porto Mosquito? Vamos ter um momento interessante. Walkiria, tu também estás convidada, aliás, serás muito bem-vinda.
-Muito obrigada, mas eu gerencio um hotel e quase não me sobra tempo livre. - Walkiria não conseguiu esconder um risinho diante do ar de desolação de um dos colegas de Nahima.
-Acham mesmo que no meu dia livre eu vou aturar esse bando de gente doida? Vou ficar em casa e adiantar outras demandas.
-Eu vou arrumar o meu apartamento que está um caos e quem sabe, um mergulho em São Francisco. Alinham? Walkiria, tu tomas conta do hotel, mas não te sobra meia hora para viver?
Todos riram das doideiras de Yasmin. Até Walkiria que já quase morrera de ciúmes dela, não resistiu ao seu humor particular.
*****
Entregue a mais um momento de devaneio, Walkiria fazia uma retrospetiva de seu fim de semana. Maravilhoso! Aliás, seus dias seguiam nessa toada. A trivialidade ganhava ares de felicidade. Sorriu ao se lembrar do jantar com os colegas de Nahima. Ela tinha uma forma tão única de fazer as coisas. Uma forma encantadora e inesquecível. Parecia que a conhecia como ninguém, que a estudava ao pormenor e sabia exatamente como agir, quebrando toda a sua resistência. Tinha medos absurdos, racionalidade excessiva, alguma covardia. Medo de ousar e quebrar a cara, mas será que ficar em águas mornas era a melhor opção? Nahima era tudo, menos morna. Sorriu ao lembrar dos beijos quentes, das mãos hábeis, das palavras ousadas que eram ditas nos instantes certeiros, da boca...ah a boca. Beijava bem, sorria para iluminar tudo ao redor. Os olhos, lindos, grandes, penetrantes, meigos...suspirou e tentou focar na planilha que precisava analisar.
Absorta no trabalho, não percebeu quando Greta entrou no escritório com alguma agitação.
-Wiki...
-Oi, nem te vi entrar. - Falou com a sócia sem tirar os olhos da tela do computador. - Bom dia!
-Bom dia e que seja mesmo um bom dia.
Havia algo na voz dela...
-O que houve? - Wiki observou que Greta estava alterada. Raro de acontecer, ainda mais logo de manhã.
-Ainda não sabes?
-O quê?
-Houve um acidente de grandes proporções na estrada que liga a Cidade Velha ao interior. Muitos feridos graves...
-Meu deus! Ninguém me disse nada e ainda não entrei na internet. Estava focada nas planilhas que preciso enviar ao contabilista...
-Falaste com a Nahima?
-Cheguei há mais ou menos uma hora da casa dela. Ela hoje não vai à Cidade Velha. Ficou em casa para adiantar alguns trabalhos e depois vem almoçar aqui.
-Ela ficou em casa?
-Sim...porquê?
-Peguei uma carona com o Sr. Elísio porque o Gary vai precisar do carro para praticar e tive a impressão de vê-la entrar num carro de transporte coletivo...
-Não, ela ia ficar em casa. Já tinha tudo pronto para hibernar no trabalho. Ela está em casa.
-Podes ligar?
A preocupação de Greta tirou Walkiria dos eixos. Pegou o telefone e com mãos trémulas buscou a forma mais rápida de ligar para Nahima. O telefone tocou até desligar. Com o desconforto atingindo níveis galopantes, procurou-a nas redes sociais. Ela ainda não tinha estado on line. Não fazia sentido, já que ela trabalhava pela internet e tinha comentado que trabalharia com James que estava em Londres.
-Ela não foi à cidade velha. Não foi! E se ainda agora a viste na paragem dos carros, ela não teve tempo...
-Eu a vi há algum tempo...passei no jardim de infância que ajudamos para deixar alguns mantimentos e...
-Greta, ela não saiu de casa! - Gritou com a voz embargada.
Tentou ligar mais uma vez. Sem resposta. Vácuo e desespero. Apertou os olhos com força para tentar segurar o coração no lugar.
-Eu vou lá! Vou pegar a moto e vou lá agora.
-Não vais de moto nesse estado e nem adianta teimosia. Eu vou pedir que alguém te leve. Eu vou contigo.
Walkiria nem ouviu, já corria em direção à moto estacionada na entrada do hotel.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Marta Andrade dos Santos
Em: 31/10/2023
Vixe! É muito suspense para o meu coração,volta kkkkk
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brunafinzicontini
Em: 30/10/2023
Que momentos deliciosos, cada vez mais frequente e intensos, entre Wiki e Nahima! E a italiana envolve Walkíria cada vez mais, expondo-a à sua roda de amigos e colegas de trabalho, propondo até que, enfim, morem juntas! Wiki continua temerosa, sempre imaginando uma partida iminente da cativante italiana!
Mas, de repente, esse suspense que nos deixa com os nervos à flor da pele... Pelo amor de Deus, Nadine! Você quer nos matar do coração? Salve a italiana de qualquer tragédia, por favor! Ficaremos sofrendo por uma semana inteira?
Querida, espero que esteja melhor das dores que a afligem! Continuo sempre rezando por você.
Grande abraço e um beijo carinhoso,
Bruna
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HelOliveira
Em: 30/10/2023
Ah não, nada pode ter acontecido com Nahima.....vou esperar ansiosa o próximo capítulo...
Desejos que sua mão esteja cada dia melhor...
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