Capitulo 27
Nahima olhava para Walkiria na expectativa de uma resposta plausível para a sua atitude, mas ela permanecia indecifrável. A postura corporal era de tanto faz, mas o olhar era de quase súplica. Nem com muito esforço desvendaria aquele mistério. Mais um.
-Wiki, o que aconteceu? Não me diga que está tudo bem porque ninguém aqui é criança. Eu sei quando não estás bem...
-Sabes? - Arqueou a sobrancelha e mordeu o canto da boca. O nervosismo era nítido.
-Walkiria, eu não tenho muita paciência e nem tempo para jogos...acho que já ultrapassamos essa fase...
-Eu não faço jogos!
-Ok, então diga o que te abalou a ponto de saíres correndo da festa. O hotel está no mesmo lugar. - Ironizou usando o ponto fraco dela. Quem sabe assim haveria uma reação.
Walkiria soltou o ar demonstrando impaciência e dirigiu-se ao deck.
Sentada no chão de madeira, tinha a certeza de sua atitude infantil, mas ia dizer o quê? Primeiro não se recordava em situação semelhante e depois não sabia definir qual era o elo que mantinha com Nahima. O que as unia cabia o emaranhado de dúvidas e inseguranças que se amontoavam no seu peito? Nem sabia como ela vivia as relações. Elas tinham que tipo de relação? Deixar as pontas soltas tinha consequências, e sabia muito bem disso. Simplesmente deixara-se levar pelo fator tempo e esquecera de analisar quem era e o que era aceitável. Achava que o pouco tempo que tinha para viver aquela experiência não cabia espaço para muitas análises e discussões. Não as permitia nem internamente. Vivia, apenas. Mas o confronto chegara e de forma avassaladora. Não gostara de ver aquela mulher linda e rindo às gargalhadas no colo de Nahima. Sentiu-se inferior por não poder expressar-se de forma tão livre. Nunca fora assim, sempre tivera a natureza mais reservada, mas admirava quem era diferente. Aquela menina tão linda, rindo, feliz, livre e sentada no colo de Nahima. Que agonia. Pior ainda era o fato de não se sentir no direito de ter um rompante. Não que fosse de escândalos, longe disso, mas queria poder conversar com Nahima sobre o fato que a incomodara, mas nem para isso sentia-se preparada. Tinha medo do que ela poderia dizer. Tinha medo do seu castelo ruir. Desde quando se tornara medrosa? Era célebre a sua coragem e agora isso? Tomara que Nahima fosse embora e com muita raiva. Não, não era nada disso que queria, mas ao certo mesmo, não sabia de mais nada. Suspirou profundamente e encostou-se à parede deixando o olhar vagar pela imensidão verde à frente.
*****
Walkiria abriu os olhos devagar por ouvir o latido de Zuri. Dele, nem sinal, mas encontrou um par de olhos expectantes diante de si. Ela se sentara ao seu lado sem fazer qualquer barulho. Tinha certeza que estava sozinha, que ela simplesmente tinha ido embora diante do seu silêncio. Não, lá estava ela. Afinal, Nahima a surpreendia desde o primeiro encontro há anos atrás num bar na Palmeira na Ilha do Sal.
Colocou as mãos entre as pernas fletidas e ergueu os ombros como quem tenta ganhar espaço. A verdade era que se sentia confusa e ter aquele par de olhos em cima, não amenizava o desconforto.
-Não desvia o olhar. Diga-me o que está a acontecer. - Ela sabia ser incisiva.
-Nada...nada demais...- Respirou fundo.
-Eu não vou embora daqui até que tenhas coragem de dizer o que te aflige. - Nahima sabia ser cirúrgica. Colocava a tônica nos pontos cruciais. Walkiria era muito corajosa e não admitia outra opção.
-Não me pressiones...não gosto disso...- A voz soava débil. A verdade era que queria sim ser pressionada. Queria gritar o que lhe afligia. Queria ter mais coragem, a coragem na dose certa.
-Ninguém te pressionou. - O tom de voz dela era o bálsamo certo para todos os males de Walkiria. - Teu olhar grita o que a tua boca não permite.
-Ah, agora lês olhos? - tentava ironizar para ganhar tempo e para dissuadi-la de cutucar suas emoções.
-Não me vou abater pela tua ironia. Eu sei que se fazes uso dessa artimanha é porque...
-Ai, Nahima, para. Estou cansada! - Explodiu com uma súbita vontade de chorar. Como ela podia conhecê-la tão bem? A sensação de nudez era ao mesmo tempo constrangedora e libertadora. Que confusão!
Fez-se um breve silêncio.
-Eu também estou cansada, muito. Passei a semana inteira em grande esforço mental e a escrever até altas horas todos os dias.
Walkiria segurou a cabeça com as duas mãos e suspirou profundamente. Não conseguia encarar Nahima. Sentia-se tão absurdamente vulnerável, exposta, as palavras dentro da sua cabeça não se juntavam com nexo.
-Eu não posso te ajudar se não me ajudares a fazê-lo.
-A tua paciência parece ser inesgotável! - Fazia uso do deboche como forma de se defender. O nervosismo crescia e a certeza de ser uma perfeita idiota ganhava cada vez mais força.
O olhar que recebeu de Nahima a desnorteou. Queria que ela desistisse, ou não? A postura de ombros caídos era de desistência. A respiração profunda e o olhar perdido eram sinónimo de desistência. Não podia terminar assim. Precisava lutar contra seus hábitos mais arraigados. Eles sempre foram utilizados para protegê-la, mas não precisava se proteger de Nahima.
-Desculpa! Estou agindo como uma idiota! Desculpa! Vieste de carro?
Nahima franziu a testa sem entender, nem a pergunta e nem a mudança de rumo.
-Sim...estou de carro. - Olhava-a sem entender, mas expectante.
-Podemos sair daqui? - Suplicou.
-Claro. Para onde queres ir?
-Vamos, eu te ensino o caminho.
*****
No miradouro de vista soberba e silêncio apaziguador, sentaram-se nos bancos de pedra e entregaram-se à contemplação. Observando que Walkiria tinha o semblante mais calmo, Nahima aproximou-se e segurou-lhe uma mão entre as suas. Encararam-se. As emoções estavam ali, escancaradas.
-Não sei como tens tanta paciência...eu não teria...não teria. - Desabou Walkiria.
Nahima sorriu. Paciência não era uma de suas maiores virtudes, mas sabia que valia a pena. Até quando ela se esforçava para provar que estava errada.
-Eu não tenho a pretensão de fazer sentido, vou falar o que me vier à cabeça...senti falta de ar, falta de chão...o povo me sufocou, as cenas me perturbaram...não me reconheci no comportamento, na reação...
Não fazia sentido, mas Nahima ouvia sem emitir qualquer julgamento.
- Eu nunca vou ser essa pessoa que se senta no teu colo em público. Eu sou muito reservada...discreta, não gosto de ser o centro das atenções. - Esfregava as mãos nas calças e tentava encarar Nahima ainda que os olhos teimavam em desviar para as árvores.
- Tu és tão diferente de mim. És expansiva, muito alegre, as coisas são normais para ti. - Concluiu.
-Que coisas? - Nahima tentava entender aquele emaranhado de frases soltas.
- Eu não consigo me relacionar com mais de uma pessoa ao mesmo tempo. Eu sei que pode parecer retrogrado, mas eu sou assim. - Encarou-a. - Eu tenho tanta preguiça de começar histórias novas que muitas vezes permaneço onde já não me cabe.
- O que queres dizer? Não queres mais estar comigo? - Nahima a encarava com olhos suplicantes.
Walkiria, arregalou os olhos quase pulou do banco de pedra. Sua fala estaria tão sem sentindo assim?
-Não é possível que sejas tão burra assim. - Defendeu-se de si mesma com a arma que conhecia. Queria pular em Nahima e dizer que ela tinha entendido tudo errado.
-Eu devo ser burra e tu deves falar mandarim. Vamos nos alinhar? Queres ou não estar comigo? - A fragilidade explicita deixava Walkiria ainda mais apaixonada por aquela mulher.
-Não quero outra coisa. - Suspirou buscando o ar com força.
-Então? - Nahima sorriu voltando a segurar as mãos de Walkiria entre as suas.
- Eu sou retrograda, eu não gosto de dividir nada, se calhar sou possessiva, mas não se preocupe, jamais darei um show, sou avessa a escândalos. - Falava sem medir as palavras e sem nenhuma preocupação com a coerência.
-Continuo sem entender nada. Podes ser mais explicita, por favor?
- Aquela moça que estava na tua mesa... - Batia os pés no encosto do banco de pedra.
- A Yasha? Minha colega de trabalho? O que tem ela? - Nahima claramente não entendia a aflição de Walkiria.
- Ela estava sentada no teu colo, pareciam tão...ah sei lá...eu me senti inadequada...eu não agiria assim e parecias tão enquadrada com aquele cenário...ah, agora eu me sinto uma idiota...- Martirizava-se.
- Meu bem - Nahima sorria. - Esse ataque todo é por causa da Yasmine?
- Ah, por acaso tem mais mulheres bonitas que se sentam no teu colo? Nahima, tu és livre demais...sei lá...- Suspirou olhando para longe.
-Não confundas liberdade com leviandade - A expressão agora era séria. - Acho que preciso contar-te uma parte da minha história que até agora esteve guardada nas minhas memórias. - Continuava muito séria.
Walkiria encarou-a com receio e curiosidade. Queria saber mais dela, há muito que ansiava por isso, mas ao mesmo tempo tinha medo de não saber como lidar com aquele furacão que era Nahima.
-Lembras de quando nos conhecemos, naquela tarde maluca no Sal - Ambas sorriram. - Eu disse que sempre visitava Cabo Verde por já ter vivido exatamente no Sal há alguns anos. Meu então marido, que já viste numa chamada de vídeo, foi promovido para gerir um resort famoso do grupo para o qual ele trabalhava. Era uma oportunidade e tanto para a carreira dele e decidimos aceitar a aventura. Viemos para cá, para o Sal mais concretamente e a princípio era o paraíso. A tua terra é linda e para descansar, pelo menos na altura, era a ilha perfeita. O primeiro ano foi perfeito. Yuran sendo o líder nato que ele é e eu descansando. Antes de vir para cá, eu tinha me dedicado a um mestrado e estava esgotada. No segundo ano, o fato de não ter nada para fazer, já não me caía tão bem. Literalmente eu não tinha nada para fazer. Lia, ia à praia, ouvia música, fazia exercícios e passava horas à conversa com amigas pela internet.
-Não consigo imaginar-te assim, tão...
-Inútil! Era assim que eu me sentia, uma perfeita inútil. Nem a casa eu limpava. Morávamos dentro do resort e tinha empregados para fazer tudo. Pode parecer o mundo perfeito para algumas pessoas, mas não para mim. Sempre fui ativa, em tudo. Na Espanha, onde morávamos antes do trabalho aqui, eu trabalhava numa grande cadeia de televisão, fazia mestrado, tinha uma vida normal...pelo menos para os meus padrões. Eu era uma mulher interessante e interessada. Demorei a perceber que não era mais a mesma pessoa, queria apenas estar bem para o meu marido poder fazer o seu trabalho. Não questionava para não causar stress, não exigia um pouco de atenção...
-Ele não te dava atenção? - Walkiria não conseguia visualizar essa Nahima e muito menos a possibilidade de alguém não lhe dar atenção.
-Ele não tinha tempo. Não é que ele não estivesse comigo, mas era sempre em jantares com outras pessoas, no hotel com muitas pessoas ao redor, já não fazíamos coisas que eram tão nossas. - Parou um pouco para organizar as ideias. - Mas eu também me tornei numa pessoa chata, sem atrativo algum. O oposto de quem tinha sido até então, o oposto de quem sou. Passei a viver a vida dele e me anulei.
Walkiria continuava sem conseguir perspetivar aquela versão de Nahima, mas ouvia com muita atenção.
-Deves estar a perguntar, mas para quê que essa mulher está a contar-me isso tudo? Que tenho eu a ver com a história pregressa da vida dela? Confessa. - Brincou.
Walkiria apenas bateu a cabeça discordando das palavras dela. Permaneceu quieta olhando-a com muito interesse.
-Nessa altura, convivíamos muito com outros expatriados também a trabalhar no Sal, particularmente com espanhóis. Um casal, cujo marido era gestor de um outro resort, tornou-se muito amigo nosso. O Carlos, assim como o Yuran, vivia pelo trabalho. A sorte da Maísa, a esposa dele, era que trabalhava nos recursos humanos do resort. Ela teve mais sorte do que eu. Ficamos muito amigas e em determinada altura, passei a ter mais tempo com ela do que com o meu marido. Muito mais tempo. Viajamos juntas para conhecer outras ilhas, aventura de mulheres. Eu, ela e mais 3 estrangeiras pelas ilhas de Cabo Verde. A Maísa passou a oferecer tudo o que o meu marido já não parecia disposto a me dar. Ela era atenciosa, prestava atenção nas minhas fragilidades, ria comigo, me fazia rir. Eu me apaixonei por ela...
Walkiria finalmente mudou de posição no banco de pedra. Não estava à espera de ouvir nada naquele nível. Respirou fundo e continuou com o olhar fixo em Nahima.
-Quando percebi o que sentia, passei a me esquivar dela e desesperadamente à procura do Yuran, aquele por quem tinha me apaixonado anos atrás. Ele nunca esteve tão ausente...
Respirou fundo e encarou Walkiria com uma expressão perdida.
-Eu não consigo ser infiel, é um valor muito forte na construção do meu caráter. Mesmo assim, eu adorava o flerte dela, as provocações, o cuidado, a atenção...as possibilidades. Partilhávamos inseguranças, frustrações e desejos... Eu me apaixonei loucamente e o fato de não acontecer nada, era um combustível para me fazer tomar atitudes drásticas.
-O que fizeste? Não me diga que pediste o divórcio?
-Não...pelo menos não imediatamente. Acreditava que podia salvar a minha relação. Quando terminámos a missão no Sal, Yuran foi convidado para uma nova aventura na Indonésia e eu imediatamente disse que não iria. Passamos algum tempo em Barcelona tentando entender onde as coisas tinham parado de funcionar, mas no fim das contas, eu me separei.
-Doeu?
-Muito! Mas com certeza foi a melhor decisão. Não conseguíamos mais nos conectar, alguma coisa tinha se partido sem que tivéssemos dado conta. Yuran é muito apaixonado pelo que faz e é um dos melhores. Ele vive o trabalho e esquece um bocado as outras coisas. Eu gostava disso nele, mas me sentia excluída, desinteressante. Na verdade, eu me anulei, mas só fui perceber anos mais tarde.
-Vocês são amigos...- Walkiria lembrou da ajuda que ele tinha dado em questões do hotel.
-Muito! Passadas as mágoas, retomamos a amizade maravilhosa que foi nosso primeiro elo.
Sorriram.
-E a...esqueci o nome...
-Maísa! Encontrei com ela 1 ano depois em Barcelona. Quando saí do Sal, eles ainda lá ficaram, eu estava ciente que queria resgatar a minha relação e não quis mais saber daquela loucura que de certa forma me mantivera sã.
Ela parou algum tempo, provavelmente organizando as ideias. Walkiria, apesar da ansiedade para saber o final daquela história, controlou-se.
-Quando nos encontrámos, ela também estava separada do marido. Eu tinha passado um ano sozinha, sem sequer me permitir um flerte ou outro. Precisava entender quem eu era, ou em quem me tornara. Minha essência veio à tona e me entendi como Nahima, essa mesma que está aqui à tua frente. Entendi que não consigo agradar ninguém, me anulando. Sim, a Maísa...estou dispersa. - Riram. - O primeiro encontro foi bom, afinal, tínhamos afinidades, ou pelo menos era o que parecia. Foi necessário apenas mais um encontro para eu perceber que o que encantava Maísa era a impossibilidade. Ela se excitava com o fato de eu ser casada e de ser firme na decisão de não trair. Para ela, me adular, me suprir do que faltava com o Yuran, me provocar até ao limite, era uma espécie de...
-Jogo!
-Isso! Quando eu fiquei completamente disponível, passei a não ter qualquer interesse. Ela não sentia atração pela Nahima que realmente sou, livre, que se ama profundamente, aventureira, que está sempre pronta para novas coisas, novos lugares, desafios...essa Nahima não lhe interessava e a Maísa que ela me mostrou anos depois também não me fez soltar faíscas pelos olhos. Mas o que acabou com qualquer possibilidade, de uma amizade que fosse, foi a falta de caráter dela. Tentamos ficar juntas duas vezes, refiro-me a um contato mais íntimo, afinal nunca tinha acontecido nada além de um beijo ou outro roubado. Na primeira vez, eu não consegui...não sei explicar, apenas não consegui. Dessa vez, ela que se dizia solteira, recebeu uma ligação de um homem e mostrou-se completamente apaixonada. Desligou a chamada e veio para cima de mim cheia de compreensão e cuidado. Dei o benefício da dúvida, afinal estava nervosa. Na segunda tentativa, algumas semanas mais tarde, aconteceu a mesma coisa. Dessa vez, consegui relaxar um pouco, mas hoje eu sei que...-Olhou profundamente para Walkiria que sentiu toda a pele do seu corpo arrepiar-se. - Tomando um vinho, após o que para mim, na época, tinha sido uma experiência sexual com uma mulher, mais uma vez ela recebeu uma ligação e dessa vez nem se deu ao trabalho de disfarçar. Entendi tudo e sinceramente não era aquilo que queria para a minha vida. Juntei minhas coisas e fui embora. Nunca mais soube dela. Nunca mais cheguei perto de outra mulher...
Fez-se silêncio. Seus olhares buscaram-se como nunca. Sabiam que se entendiam sem a necessidade de palavras ditas.
-Eu entendi que és parecida comigo...uma história de cada vez...
-Exatamente e nesse momento minha história é contigo. Seja ela qual for...é contigo.
-Mas aquela menina estava com muitas intenções. - Walkiria insistia na sua paranoia e Nahima ria.
- Não estava, posso te garantir e se estivesse, só seria um problema, se eu também estivesse. Concordas?
-Às vezes eu sou tão...meu Deus...- Ela se debatia arrancando risadas de Nahima.
-Nada demais, apenas és ciumenta.
-Ah, para!
-Admita que sentiste ciúme da pobre da Yasha. Nós somos um grupo de gente animada. Aquela menina é uma doida maravilhosa, imita todo mundo e faz piada de tudo. Quando se sentou no meu colo era para imitar uma cena que vimos outro dia lá na cidade velha. - Esclareceu.
- Eu viajei, criei enredos tórridos na minha cabeça.
Riram ao mesmo tempo.
- Nada demais, só fiquei a saber que a dona Walkiria é ciumenta. Vou ficar esperta para ela não entender tudo errado e sair intempestivamente e me fazer perder uma festa maravilhosa com um mojito divino. - Riu alto.
- Desculpa, podes voltar para a festa...eu não queria que saísses. - Walkiria sentia-se constrangida.
- Deixa de ser idiota! Que festa? Tu ainda não entendeste que eu sou palhaça e que adoro te provocar? Eu acho irresistível essa tua cara de envergonhada. - Abraçou-a enchendo-a de beijos que foram retribuídos com socos leves simulando uma raiva que Walkiria estava longe de sentir.
-Obrigada por ter partilhado detalhes tão marcantes da tua vida. - Walkiria beijou-lhe uma mão.
Nahima abraçou-a forte. A emoção transbordava de um corpo para o outro e as almas se conectavam como nunca.
-Eu estava com tanta saudade...- Walkiria suspirou.
-Ah não estavas! Olha só o tempo que eu perdi até te abraçar. Eu sim, estava com saudade, tanta que saí correndo atrás de ti como uma doida. As coisas que eu faço...- Beijou-a com paixão. Ficaram-se pelos carinhos ansiosos, trocas perfeitas.
Algum tempo depois, ainda no miradouro:
-Sabias que está a decorrer um festival de música no Tarrafal?
-Hum-hum...inclusive vai ter show do Batalha, cantor que eu adoro. Se não estou enganada o show dele é hoje.
-Vamos?
-Agora?
- Sim, temos carro, vontade e tempo.
-Doida! - O brilho nos olhos de Nahima a convencia de qualquer coisa.
- Ah, e eu tenho desconto naquele hotel maravilhoso que ficamos da outra vez.
-Ah, queres dormir no Tarrafal?
-Meu bem, não vou sacrificar nossos corpos na estrada se existe a possibilidade de dormirmos num hotel maravilhoso. Prometo trazer-te de volta ainda a tempo de coordenar as atividades do hotel...
Riram alto.
-Alguém consegue te resistir? Italiana dos infernos!
Puxou-a para mais uma sessão de beijos apaixonados.
-Vamos? Deixo-te no hotel para arrumares uma mochila e vou buscar a minha em casa.
-Aquela que está sempre pronta à espera da próxima aventura?
Nahima riu e foi beijada com uma carga emotiva que permitiu que transbordasse ainda mais feliz.
*****
Seguiam para Tarrafal agraciadas por um belo por do sol e um cenário verdejante capaz de alegrar qualquer alma. Os raios de sol entravam pelos vidros do carro, deixando tudo mais dourado e com ares de sonho. Era sim um sonho. Para Nahima era o sonho de estar com a mulher que queria, fazendo coisas que agradavam a ambas e num autêntico paraíso. Para Walkiria era o sonho da liberdade. Permitia-se viver sem culpa, sem o desespero de estar a perder alguma coisa, o controle, mais concretamente. Viver sem medo ao lado de Nahima, era o sonho mais lindo.
Nahima dirigia sorrindo e Walkiria olhava a estrada enquanto uma de suas mãos acariciava a perna dela mais próxima do seu corpo. Era uma intimidade gostosa. Intimidade apenas permitida por se sentirem livres.
Começou a tocar You de Ten Sharp e Nahima estranhou quando uma Walkiria empolgada cantou a canção inteira.
-Conheces? Não és muito nova para isso? - Brincou.
-Até parece...tenho 35 anos. Essa música era a favorita da minha mãe lá pelos meus 10 anos e passou a ser minha também. Adoro muito!
Nahima sorriu e perdeu-se um pouco na beleza estonteante de Walkiria. Walkiria feliz era um convite aos desejos mais delirantes...
-Presta atenção na estrada, oh mulher.
Riram e Nahima aprumou-se.
-Posso repetir a música? - perguntou Walkiria pasmando em Nahima.
-Podes fazer tudo o que quiseres. - Sorriu e mais uma vez teve que recrutar força extra para prestar atenção na estrada.
*****
Depois de uma passagem rápida pelo hotel, dirigiram-se à praia onde decorria o festival. Walkiria chegou a tempo de curtir o cantor que tanto queria. Explodiu de alegria ao som de Dexan bua e todo o repertório do seu cantor do momento. Percebeu que seu corpo precisava extravasar energia e mais ainda, sua alma sentia-se liberta. A vida não se resumia ao trabalho no hotel, definitivamente. Já tinha melhorado, mas sempre havia campo para um pouco mais de diversão.
Passaram duas horas no festival e depois saíram para comer alguma coisa. Por sugestão de Nahima, comeram peixe grelhado na beira-mar, regado a um vinho branco gelado.
-O que foi? Não paras de me olhar...
-Algum problema? Ah, não me diga que agora és tímida?
Riram.
-Não sou tímida, mas nunca sei o que se passa nessa tua cabeça...
-Nem eu na tua...só estou a admirar a tua beleza quando usas chapéu. - Sorriu. - Já disse muitas vezes, mas não me canso de repetir, tu ficas perfeita de chapéu. Perfeita!
-Salve vinho que destrava línguas!
Gargalhadas.
-Idiota! Mas é sério...irresistível...lindíssima...
-Já que estou irresistível, que tal se fossemos dar um mergulho? Tem lua...não está cheia, mas ilumina bem a praia...
-Agora? De roupa?
-Estamos de shorts e podemos nadar de short e sutiã.
-E quem disse que eu tenho sutiã?
-Tem...eu sei que tem. Não deveria, mas eu já sei das tuas manias...teus seios merecem estar livres, mas já sabemos que a dona Walkiria é cheia das manias e...
-Para! Vamos nadar, gostei da proposta. Se eu tropeçar nas minhas próprias pernas, tu me socorres.
-A menina das ilhas és tu.
Riram e correram abraçadas em direção ao oceano.
*****
Já era madrugada e mesmo estando muito cansada, Walkiria não conseguia entregar-se ao sono. Sentia-se tão feliz que tinha receio de fechar os olhos e acordar numa realidade diferente. Loucura, claro, mas ela tinha essa mania. Era incrível como os cenários mudavam e sempre para algo melhor. Depois da confusão na festa, jamais imaginara que terminaria assim o seu sábado. Ergueu levemente a cabeça que estava pousada no ombro de Nahima e observou-a. Dormindo conseguia ser ainda mais linda. Sorriu. Controlou um risinho de felicidade que insistia em escapar-lhe da boca.
Deslizava os dedos levemente pela pele dela, indo da barriga aos seios e fazendo idas e vindas. Era tão bom. Que paz. Entregou-se a devaneios. De repente, começou a pensar na história que ouvira mais cedo, do término do casamento dela. Queria ter feito algumas perguntas, mas considerou-as inoportunas, ou talvez lhe tivesse faltado coragem.
Nahima mexeu-se um pouco e Walkiria suspendeu o vaivém. Tinha receio de acordá-la.
-Não para...- A voz rouca e sonolenta era a melhor melodia possível.
-Estás acordada?
-Não...estou a sonhar...
Sorriu e puxou-a para si. Beijou-lhe a testa, a ponta do nariz e por fim a boca. Wiki acomodou-se sobre o corpo dela e ali ficaram abraçadas.
-Nahima...
-Hmmm?
-Posso fazer uma pergunta? Responda apenas se for confortável.
-Ok!
Olharam-se.
-Sobre o que me contaste mais cedo, do teu divórcio...fiquei a pensar e veio-me à cabeça que talvez tenhas agido depressa em direção ao divórcio. Eu sei que não faz sentido e nem é da minha conta, mas pelo que me contaste, a vossa relação era muito boa, já estavam juntos há bastante tempo e não me parece que sejas uma mulher precipitada...desculpa se estou a extrapolar, mas é que fiquei com isso na cabeça e queria te conhecer melhor...
Nahima sorriu e apertou-lhe ainda mais nos seus braços.
-Durante algum tempo eu me fiz essa mesma pergunta. Se não teria agido apenas na emoção, por estar cansada, frustrada e com a ilusão da paixão pela outra. Mas, com o pensamento mais maduro, eu percebi que eu nunca seria a mulher para andar ao lado do Yuran e vice-versa. Durante os anos do nosso namoro, eramos seres em construção, nada muito definido. Ambos focados em concluir os estudos, ter um bom trabalho, conquistar as coisas. Nos primeiros anos de casado, seguimos mais ou menos nesse ritmo, não tínhamos muito tempo para avaliar quem eramos juntos. O Yuran é obcecado por trabalho, quer sempre ser o melhor e quando vieram as grandes responsabilidades, eu percebi que estaria sempre em segundo plano. Por algum tempo, fui levando as coisas, de certa forma anulando quem eu sou. Eu gosto de estar junto, gosto de ter conversas sobre o que queremos, o que esperamos da relação, gosto de construir coisas juntos, gosto de fazer parte, de sentir que estar comigo vale a pena e não é egocentrismo, apenas a minha forma de me relacionar. Eu passava uma semana sem estar com o meu marido. Ele saía às 6:30 do quarto, eu estava a dormir e voltava meia-noite e eu, claro, já estava a dormir. Quando o confrontei, ele me chamou de exagerada. Disse que me amava como no início e que apenas precisava dar o seu melhor no trabalho. Nada mudou, ou quem sabe tenha piorado. Eu não fazia nada por mim, não conseguia. Lia muito, nadava, tentava aprender crioulo sem muito sucesso...
-E dançavas zouk...ou tentavas aprender.
Gargalhadas altas na madrugada.
-Lembras-te disso?
-Claro! Não me esqueço da estrangeira cantarolando um zouk old school no banco de trás do hiace que me levava a espargos. Aquilo surpreendeu-me...e era apenas o começo da aventura.
Mais gargalhadas com beijos.
-Depois do Sal, de volta à Espanha, tentei salvar aquela história que na minha cabeça era o amor da minha vida. Nós dois tentamos. Mas quando veio a proposta da Indonésia, eu chutei o balde. Seria a mesma história, talvez pior, porque na indonésia ele seria diretor de um mega resort recém-inaugurado.
-Maiores exigências...
-Muito mais e ele querendo sempre se superar. Eu passaria a não existir...nós, seriamos apenas uma miragem perdida entre todas as demandes dele. Estar com alguém é muito mais do que isso, pelo menos para mim.
-Ele aceitou a tua decisão sem muitas questões?
-Ele pediu que eu pensasse um pouco, que ficássemos afastados até que as coisas estivessem mais claras. Mas eu já sabia o que queria e não precisava de mais tempo. Às vezes demoro a decidir, ainda mais quando o assunto é muito sério, mas uma vez tomada a decisão, não volto atrás. Foi estranho nos primeiros tempos, afinal foram anos juntos. Mas à medida que ia resgatando a Nahima que sempre fui, que ia recuperando minha vontade de viver, de fazer as minhas coisas, conquistar o mundo, tudo foi voltando ao lugar. Foi a melhor decisão para nós dois. Ele, hoje está casado com a mulher ideal e que não tem rigorosamente nada a ver comigo. Estamos todos felizes e cada um seguindo a própria vida.
-E são amigos!
-Sim, já eramos antes de nos relacionarmos intimamente. Ele é um grande amigo.
-Tens tanta experiência...vivência...
-Nem tanto, mas uma coisa eu te garanto, eu sei exatamente o que quero.
Walkiria sentiu um misto de insegurança e conforto. Sentimentos antagónicos, mas que faziam sentido naquele momento. Sentiu insegurança por achar-se imatura diante daquela mulher e ao mesmo tempo viu algo nos olhos dela, uma faísca penetrante que dizia muita coisa boa...
-Eu gosto de ti...muito...não sei se...gosto muito de ti...de nós.
Walkiria balbuciou aquelas palavras com a voz embargada e o coração aos pulos. Beijaram-se entre lágrimas e seus corpos renderam-se ao melhor amor. Um encontro sem qualquer barreira.
Fim do capítulo
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Dandara091
Em: 28/10/2023
Alô Autora,
Tu achou que eu cantei pra subir mas o lance foi que perdi a senha. Mas tô ligada e lendo as parada toda pode botar fé na negritude!
Nahima tem lábia pra fazer assoviar até as passarinhas mais travada sabe qual é? Abriu as gaiola da Wiki e a bichinha daqui a pouco vai aprender a sapatear na categoria. Xô ciumeira xô boladona e vamos fazer as sapinha gozar no brejo da felicidade. Vibe franga solta geral!
#dandaraligadonanessasbrumas
#cantacantapassarinha
#bocamisteriosatempoder
Nadine Helgenberger
Em: 01/11/2023
Autora da história
Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk, mulher, que bom que ressuscitou!!!
Cantei para subir kkkkkkkkkkkkk, Jesus, só tu para me arrancar uma gargalhada nesse dia tão tumultuado. Valeu!
Sapatear na categoria kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk, socorro!!!!
Muito obrigada e que bom que voltaste.
Bjss
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mtereza
Em: 20/10/2023
Ainda bem que a Nahima foi paciente e elas se permitiram conversar , amei o capítulo como sempre .
Nadine Helgenberger
Em: 22/10/2023
Autora da história
Muito obrigada!
Hoje não vou atualizar porque a mão está daquele jeito que só pede repouso. Apareço durante a semana, se Deus quiser.
Bj e feliz domingo.
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brunafinzicontini
Em: 20/10/2023
Maravilha! Ainda bem que Nahima foi paciente e teimosa, até conseguir que Wiki se abrisse e mostrasse o seu sentiimento. Uma grande ciumenta! Tudo bem - acho que ela tinha razão: qualquer pessoa ficaria com ciúmes vendo uma linda menina no colo de seu bem... Felizmente, Wiki conseguiu se abrir e Nahima também se abriu mais, contando algo de sua vida. Há muito tempo eu estava à espera de que a italiana falasse mais de si. As duas precisavam mesmo se conhecer melhor.
Que delícia de reconciliação! Momentos mágicos! Obrigada, Nadine, lavou de nós a aflição que tinha ficado...
Mas toma cuidado, querida, procura tratar bem essas mãos, tão importantes instrumentos a traduzir-nos toda a criatividade dessa mente privilegiada. E agora machucaste também o pé? Por favor...
Grande abraço e um beijo carinhoso,
Bruna
Nadine Helgenberger
Em: 22/10/2023
Autora da história
Muito obrigada, Bruna.
Pois é, a tendinite não ficou satisfeita em afetar minhas mãos e resolveu descer para o tendão de Aquiles rsrsrs, rir para não chorar. Na realidade, machuquei no ginásio, mas já estou em tratamento. Vou ficar bem.
Hoje não vou postar capítulo novo porque não há condições. Quem sabe eu me anime e acrescente mais um capítulo. Só faltam 3, mas posso me animar rsrsrs
Beijo e bom domingo.
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Mille
Em: 19/10/2023
Que bom que Nahima correu atrás da Wiki, e colocando os pingos nos is. Momento da Nahima se abrir com a Walkiria.
Bjus e até o próximo capítulo
Nadine Helgenberger
Em: 22/10/2023
Autora da história
Muito obrigada. Até o próximo que não será hoje, mas eu volto.
Bjs e feliz domingo.
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HelOliveira
Em: 19/10/2023
Novas descobertas sobre Nahima e as duas estão evoluindo...
Nadine Helgenberger
Em: 22/10/2023
Autora da história
Muito obrigada.
Bj e feliz domingo
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patty-321
Em: 19/10/2023
Arra, agora conversaram. Muito bom saber mais da Nahima. O amor delas tá evoluindo, amadurecendo. Muito lindo.
Nadine Helgenberger
Em: 22/10/2023
Autora da história
Muito obrigada!
Bjs e feliz domingo.
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NovaAqui
Em: 16/10/2023
Uma boa conversa para resolver as coisas!
Muito legal elas se acertarem
Ei!
E essa mão?
Obrigada pelo capítulo delicioso
Beijão ![]()
Nadine Helgenberger
Em: 16/10/2023
Autora da história
Olá,
Escrevi de teimosa e sem juízo que sou. Na realidade ja estava bem adiantado, mas ontem tive tanta dor que fui obrigada a parar.
O capítulo nao terminaria nessa cena, mas cheguei ao meu limite de suportar a dor e ao reler achei q ok terminar ali.
Quero muito terminar essa história para nao ficar na pressão (que eu mesma invento,capricormiana chata com a mania do comprometimento) mas está difícil.
Minha mão direita está detonada e para piorar (juro que não é loucura) acabei com o calcanhar direito na academia. Proibida de malhar, se tivesse juízo nao escrevia tb, enfim...
Mas, amanhã é outro dia.
Obrigada por sempre estar aqui. Confesso que hj, conclui esse capítulo pq sabia que tu aparecerias antes do meu sono rsrs
Muito obrigada.
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Nadine Helgenberger Em: 24/12/2023 Autora da história
Falta pouco rsrsrs. Obrigada por comentar.
Bjs