Capítulo 21
Marina estava no escritório, se inteirando do que havia acontecido nos negócios enquanto esteve fora, quando bateram na porta. Respondeu sem nem perguntar quem era:
— Entra.
Ouviu a voz de Clara e só então levantou os olhos dos papéis que tinha nas mãos:
— Com licença... Eu queria saber... Como Alice está?
Voltou sua atenção para os documentos ao responder de forma sucinta:
— Abalada.
Clara meneou a cabeça em concordância:
— Se você entrar em contato com ela de alguma forma... Pode dizer que eu sinto muito?
Marina voltou a olhá-la e, dessa vez, a encarou por alguns segundos. O ímpeto era de gritar um sonoro “não”. Queria dizer para Clara que Alice não precisava da solidariedade dela, que não precisava de nada que viesse dela. Ela própria estava cuidando de Alice, ficou ao lado dela, conheceu sua família e alguns que se diziam seus amigos e só voltou para fazenda depois de muita insistência da médica. Era verdade que, enquanto estavam em público, era apenas a dona da fazenda em que Alice trabalhava. Foi assim que Alice a apresentou, apesar de Marina sentir os olhares de julgamento de pessoas que, certamente, sabiam da história dela com Patrícia. Mas quando estavam sozinhas, dentro daquele quarto de hotel - Alice nem ousou perguntar se poderiam se hospedar na casa do pai - eram um casal. Foi nos braços dela que Alice chorou todas as noites. Foi ela quem a embalou e acariciou seus cabelos até que finalmente conseguisse pegar no sono. Foi ela quem a consolou quando o pai e o irmão não lhe dirigiram mais que três palavras, como se Alice fosse uma estranha, um inconveniente com que precisavam lidar.
Mas apesar de pensar tudo isso, Marina conseguiu visualizar nos olhos de Clara o quão verdadeiramente ela sentia pela médica. Por um breve instante sentiu uma ligação com ela... Pois o amor que sentiam era o mesmo. Foi nesse momento de empatia que respondeu:
— Tudo bem.
*****
Vinte e um dias haviam se passado, desde que Marina retornou para a fazenda, e não houve uma noite sequer que ela não sentiu o coração doer de saudades de Alice. Elas se falaram brevemente por telefone uma vez, quando Alice disse que queria resolver as questões do inventário antes de ir para a fazenda, pois não pretendia voltar ao Rio de Janeiro nem tão cedo. Marina imaginou o motivo, depois de ver a forma como a família a tratou, deixando Alice completamente destruída.
Como uma ligação custava caro, passaram a se comunicar por telegramas, mas logo migraram para as cartas. Apesar de ser um meio mais lento, nas cartas conseguiam expressar melhor tudo o que queriam. Na última que havia enviado, Marina pediu que Alice estivesse no hotel em um dia e horário exatos, para que pudesse lhe telefonar, pois precisava ouvir a voz dela, saber que estava realmente bem e matar um pouco da saudade.
Vinte minutos antes do combinado já estava plantada em frente ao telefone da mercearia, enquanto uma fila de pessoas se formava na porta. Não queria correr o risco da linha estar ocupada quando chegasse o horário combinado com Alice.
Um homem gritou do lado de fora:
— A senhorita vai usar ou não?
Marina se virou com cara de poucos amigos:
— Já estou usando.
O homem respondeu rindo:
— Não é assim que funciona... A senhorita precisa discar...
Outras pessoas na fila também riram, fazendo com que sua paciência fosse ao limite:
— Paguei por uma hora inteira... Se eu fosse vocês, voltaria mais tarde.
Virou de costas novamente e ouviu o murmúrio inconformado das pessoas na fila, mas não se importou nem um pouco. Olhou novamente o relógio e parecia que estava quebrado, pois os minutos teimavam em não passar.
Quando finalmente o relógio marcou treze horas, discou para o número anotado em um pequeno pedaço de papel que trazia nas mãos. O recepcionista do hotel atendeu, ela disse o nome de Alice e pediu para que a ligação fosse passada ao seu quarto. Esperou o que lhe pareceram horas até ouvir a voz dela:
— Marina?
Foi involuntário o sorriu que surgiu em seu rosto:
— Oi... Sou eu.
Pôde perceber na voz de Alice que ela também estava sorrindo:
— Que saudades, meu amor...
Marina suspirou, em parte pelo que aquela simples frase a fez sentir, em parte por não poder responder como realmente queria:
— Muita... Você nem imagina o quanto... Como você está?
Alice a tranquilizou:
— Estou bem... Carlos Eduardo tem passado as tardes comigo e conseguiu um advogado para me orientar.
Marina até tentou, mas não conseguiu ignorar o sentimento que surgiu dentro dela com a informação:
— Vocês têm se visto muito ultimamente?
Se arrependeu antes de terminar a frase. Nem precisaria ter ouvido a resposta:
— Marina, ele está me ajudando... Não acredito que você está insinuando alguma coisa...
Pediu realmente arrependida:
— Desculpe-me... Você tem razão. É bom que tenha alguém de confiança ao seu lado...
Fechou os olhos, suspirou e só então continuou:
— Por favor, não demore a me escrever... Estou a ponto de enlouquecer.
Olhou ao redor para se certificar de que ninguém mais ouviria e baixou a voz:
— Não suporto mais ficar longe de você.
*****
Um trovão interrompeu a frase de Marina enquanto ela conversava com Saulo no curral. As nuvens escuras que se formavam faziam com que o final de tarde parecesse noite.
Marta apareceu na porteira, o que Marina estranhou, pois ela quase nunca saía da cozinha, e perguntou:
— Vocês viram Sininho?
Saulo respondeu, coçando a cabeça:
— Deve estar lá no quartinho dela, ué.
A apreensão da senhora pareceu aumentar:
— Já fui atrás dela duas vezes e não encontro.
Marina percebeu a preocupação explícita na voz e no rosto de Marta. Sabia que ela morria de medo de tempestades e, depois que Lena se mudou para a cidade, a cozinheira havia canalizado todo seu cuidado maternal em Clara, por isso tentou acalmá-la:
— Deve estar aqui pelo quintal, Marta, não se preocupe... Assim que a chuva começar ela aparece.
A frase não teve o efeito que Marina esperava. Visivelmente a senhora continuava agitada:
— Não sei não, dona Marina... Pingo estava selado, acho que ela saiu com ele.
Com um assobio, Saulo chamou os peões que estavam por perto e perguntou se algum deles tinha visto Sininho.
— Ela saiu montada em Pingo... Na hora que eu vi, ela estava indo lá para o lado do celeiro.
A informação de João deixou Marta completamente apavorada:
— Minha Santa Rita de Cássia, ela lá para aqueles cantos, sozinha nessa chuva...
Marina caminhou até a porteira e segurou gentilmente no braço da cozinheira, enquanto a conduzia em direção a casa:
— Calma, está tudo bem, Sininho sabe se virar e conhece muito bem essa fazenda, ela já deve estar chegando.
Antes de sair do curral, orientou os peões:
— Tragam os gados que couberem, todos para dentro. Da última vez que armou uma tempestade assim, um raio matou um.
Se arrependendo logo depois, pois Marta fez o sinal da cruz e começou a rezar.
Meia hora havia se passado sem que Clara aparecesse na fazenda. Marta rezava com o terço na mão junto a uma vela que servia tanto como um adereço de fé quanto para iluminar a cozinha, já que estavam sem energia elétrica.
Marina não queria assustá-la ainda mais, por isso não demonstrou que também estava ficando preocupada. Pediu a Saulo que ficasse com Marta na cozinha e disse que daria uma volta a cavalo para tentar achar Sininho, o que Saulo prontamente contestou:
— Pode deixar que eu mesmo vou.
Sabia que essa seria a reação dele, mas jamais aceitaria que ele saísse debaixo daquela tempestade. Saulo nunca admitiria, mas a verdade era que ele era um senhor de sessenta e tantos anos de idade e não mais o homem jovem e forte que foi um dia.
— Fique aqui com Marta, se ela passar mal, a coloque imediatamente no automóvel e a leve para a cidade.
Não achava que chegaria a esse ponto, mas foi a desculpa que conseguiu pensar para mantê-lo dentro de casa.
— Então deixa que eu chamo um peão para ir atrás dela, patroa.
Marina mais uma vez precisou pensar rápido para convencê-lo de que estava tudo bem:
— Eu prefiro ir pessoalmente... Não se preocupe, não vou muito longe, ela deve estar por aqui.
A sua verdade - que não era fácil de admitir nem para si mesma - era que Alice jamais a perdoaria se deixasse que alguma coisa acontecesse com Clara.
Fim do capítulo
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Marta Andrade dos Santos
Em: 29/06/2023
Relacionamento complicado em Marina será que está rolando sentimentos.
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