Capítulo 20
Marina guiava o automóvel sem nenhuma pressa, pois estava adorando ter a mão esquerda de Alice pousada em sua coxa. A ideia de levá-la para aquela fazenda tinha nascido depois do ocorrido na hospedagem, mas admitia que o fato de ficarem longe de Clara por uns dias também a impulsionou. Nunca havia se sentido ameaçada daquela forma antes, então não sabia muito bem o que fazer. Achou que fugir um pouco seria bom.
Quando chegaram, alguns empregados as esperavam na frente da casa. Marina os apresentou, depois entraram para que Alice conhecesse o lugar. A médica estava visivelmente encantada:
— Essa casa é linda!
Marina a pegou pela mão enquanto dizia:
— Vem, vou te mostrar lá em cima... Vai adorar a cama.
*****
Alice não sentiu os dias passarem. Cada segundo com Marina havia sido maravilhoso. Três dias pareceram três horas naquele fim de semana. Adiaram o máximo possível a volta para casa, mas quando o sol se pôs, tiveram que pegar a estrada.
Assim que voltaram à fazenda e o automóvel estacionou nos fundos, Marina percebeu que algo havia acontecido. Saulo, João, Sebastião e Marta esperavam parados na porta. Àquela hora, normalmente, já estariam recolhidos nos próprios dormitórios. Perguntou apressada, assim que saiu do automóvel:
— O que foi que houve?
Nenhum dos empregados disse nada. João e Sebastião baixaram o olhar, enquanto Saulo e Marta olharam tristemente para Alice, que tinha parado ao lado de Marina.
A voz de Saulo denunciou a gravidade da situação, quando ele disse:
— Eu sinto muito, doutora...
Dessa vez foi Alice quem se alarmou. Deu um passo à frente e perguntou visivelmente assustada:
— O que aconteceu?
Foi Marta quem respondeu:
— Lena esteve aqui ainda há pouco... Receberam um telefonema na cidade e pediram que ela viesse dar a notícia...Infelizmente, a sua mãe...
Alice não ouviu o restante da frase. Os ouvidos produziram um zumbido, os olhos escureceram e sentiu que não conseguiria se manter em pé. Os braços de Marina foram rápidos em segurá-la, foi levada para dentro da cozinha, viu pessoas ao seu redor, um copo de água estendido em sua direção, uma voz chamando seu nome, mas parecia que não estava ali de verdade. Tentou recobrar o controle sobre o próprio corpo e, num rompante, se levantou. A última coisa que viu foi o rosto de Marina a olhando assustada, antes de perder totalmente a consciência.
*****
Clara acordou cedo como de costume, saiu para pegar ovos, frutas e lenha e deixou tudo na cozinha, que ainda estava vazia. Ao sair do cômodo, percebeu que o automóvel não estava estacionado na garagem. Não teve muito tempo para se questionar o porquê, pois Marta logo apareceu e, antes de dizer bom dia, tirou sua dúvida:
— Sininho, você nem ficou sabendo... Ontem à noite Lena veio trazer uma notícia horrível. A mãe da doutora Alice... Faleceu.
Marta suspirou, demonstrando o quanto realmente sentia pela notícia.
A primeira reação de Clara foi perguntar:
— Onde está Alice?
Marta respondeu com o mesmo tom de voz angustiado:
— Saulo a levou, junto com dona Marina, até acharem a primeira estação com um trem imediato para a capital. Saíram daqui ainda estava escuro.
Sentiu o coração apertar, pois sabia muito bem a dor que Alice estava sentindo, e desejou ter tido a chance de pelo menos abraçá-la antes que partisse. O ciúme ameaçou despontar dentro dela ao imaginar que era Marina quem estaria do lado de Alice, mas logo o empurrou de volta para o mais profundo do seu ser, pois em um momento como aquele, isso era o que menos importava.
Passaram o dia inteiro sem nenhuma notícia de Marina e Alice. Saulo havia retornado perto do horário do almoço, depois de acharem um trem que seguiria direto para a capital - em uma estação há quilômetros de distância da fazenda - onde as duas haviam ficado. À noite, ele tinha ido pessoalmente até a cidade, por três vezes, para saber se havia chegado alguma ligação no único telefone que existia na localidade – o dono da mercearia havia comprado um aparelho e cobrava pelas ligações - ou um telegrama enviado da capital, mas não havia nada. Imaginaram que Marina não teve tempo para enviar notícias, pois o trem chegaria tarde na cidade do Rio de Janeiro.
Por fim, Saulo sentenciou:
— Não vai ter utilidade nenhuma ficar todo mundo aqui acordado. Vamos dormir... Amanhã, assim que clarear, eu volto na cidade.
Clara até tentou, mas não conseguiu pegar no sono durante toda a noite. Além da angustia de pensar no que Alice estava passando, também estava apreensiva com a falta de notícias. Só se tranquilizaria um pouco quando soubesse que estava tudo bem com Alice... e Marina.
Antes do sol nascer, já estava vestida, pronta para sair do seu cubículo. Assim que foi possível enxergar mais do que um palmo a sua frente, caminhou apressada até a cozinha. Saulo já havia ido para a cidade e Marta arrumado a mesa do café, o que indicava que a noite em claro não tinha sido um problema só para ela. Ainda tiveram algumas horas de apreensão até Saulo retornar, depois que todos já haviam almoçado. O telegrama que ele trazia nas mãos, com toda certeza, foi enviado por Marina, pois dizia apenas: “Chegamos bem”.
Nos onze dias que se seguiram, não receberam mais nenhuma notícia, mas a apreensão que Clara sentia havia se dissipado com o telegrama. A partir dali, sabia que Marina cuidaria de Alice. E, com certeza, não seriam dias fáceis para elas.
Quase na hora do almoço, estava ajudando Marta na cozinha, quando Saulo entrou apressado:
— Apronta essa comida, Marta... A patroa está chegando.
Não houve tempo para que nenhuma das duas fizesse perguntas, pois ele saiu quase correndo da cozinha, dando partida no automóvel logo em seguida.
Algum tempo depois, com o almoço já pronto, as duas ouviram o barulho do motor. Clara viu da janela da cozinha, assim que Saulo estacionou, que apenas Marina estava com ele. Quando a patroa entrou na cozinha, Marta perguntou o que ela não teve coragem:
— E a doutora Alice?
Marina deu uma rápida olhada para Clara, antes de responder:
— Alice vai ficar uns dias por lá... Precisa resolver uns documentos e se recuperar um pouco.
Marta enxugou as mãos no pano de prato que trazia nos ombros:
— Coitadinha... Deve estar muito triste.
Marina não respondeu. Em vez disso, perguntou:
— O almoço está pronto? Não aguentava mais aquela comida sem gosto que servem por lá.
Fim do capítulo
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