CapÃtulo 19
Clara deixou o corpo cair em sua cama e encarou o teto. O que tinha acabado de acontecer era tão inacreditável que parecia um sonho. Ter Alice nos braços, estar nos braços dela, senti-la… Parecia que acordaria a qualquer momento. Só a lembrança das sensações já a deixava extasiada. Teria sido perfeito, se Marina não aparecesse. Se surpreendeu com a atitude dela, pois o que ela havia dito era a última coisa que esperava. Marina agiu como se aquilo fosse normal, como se já soubesse ou até mesmo esperasse.
Levou os dedos até o nariz e aspirou aquele cheiro que achou simplesmente maravilhoso. Não sabia o que aconteceria dali para frente, provavelmente dessa vez Marina a mandaria para bem longe. Assim que a patroa saiu da cozinha, Alice praticamente correu atrás dela, mas nem isso foi capaz de tirar a felicidade de Clara. Depois de muitos anos poderia dizer que, naquele momento, estava realmente feliz. Riu sozinha dentro do cubículo, como se estivesse louca. Talvez estivesse mesmo, ou talvez estivesse se permitindo apenas sentir aquele momento, sem pensar em mais nada.
Por mais que Alice sempre tivesse deixado claro que estava com Marina e a escolheria em qualquer situação, para Clara foi bom sentir que a médica, assim como ela, não era imune ao que sentia. E quando pensou melhor, percebeu que foi até bom Marina ter aparecido e visto com os próprios olhos que ela era, sim, uma ameaça.
*****
Marina percebeu que, nos dias que se seguiram, Alice procurava sempre estar perto dela. Não saberia dizer se era para que Marina visse onde – e com quem – ela estava, ou se era uma maneira de não deixar que os sentimentos e desejos a levassem de novo para Clara.
Em uma sexta-feira, tirou o dia para ficar com Alice. Acordou com ela abraçada em suas costas, fizeram amor, tomaram banho juntas, e assim fizeram as duas primeiras refeições do dia. Depois foram até a cidade, tomaram sorvete sentadas na pracinha e, quando anoiteceu, assistiram a uma peça no teatro municipal. Estavam sentadas na plateia, Marina olhou para Alice ao seu lado – concentrada na cena que se passava no palco – e sentiu no mais profundo do seu ser como queria ter uma vida ao lado dela. Daria tudo que tinha para que pudesse andar de mãos dadas com Alice, dizer para todos que elas eram um casal e que se amavam. O sentimento foi além: morreria para poder ter Alice como sua esposa, de papel passado e tudo.
Quando saíram do teatro, foi surpreendida por ela:
— Vamos passar pra ver Lena?
Apesar do adiantar da hora, e de ser a última coisa que esperava que Alice dissesse, não viu problema, já que tinham ido de automóvel para a cidade.
Lena as recebeu com um sorriso, mas sem deixar de demonstrar sua surpresa. As três sentaram juntas e comeram a refeição que era servida na hospedagem. Apesar de o lugar estar bastante agitado, Lena foi completamente atenciosa com elas:
— Tivemos que contratar mais uma ajudante… Estamos sempre lotados.
Foi Alice quem respondeu:
— Com uma refeição deliciosa dessas, não tinha como ser diferente.
Lena sorriu e depois disse:
— Devo muito disso à Marta. Ela me ensinou vários segredos de família.
Marina não prestou muita atenção no diálogo. Estava mais preocupada com um homem mal-encarado que não parava de olhar para a mesa delas. Perguntou disfarçadamente para Lena:
— Quem é o grandalhão?
Ela não precisou olhar para responder. Também já havia percebido que o homem não tirou os olhos delas desde que entraram:
— Está trabalhando no açougue do Seu Assis. De vez em quando passa a noite aqui.
Só então Alice se deu conta de quem estavam falando, pois não havia percebido nada. Perguntou para Marina:
— Será que ele te conhece?
— Acho difícil…
Lena não ia falar nada, mas temendo pela segurança delas, optou por contar:
— Na verdade, se vocês derem mais uma olhada… Ele não é o único olhando para cá.
Imediatamente Alice e Marina fizeram o mesmo movimento com a cabeça, olhando ao redor. Lena continuou:
— O boato sobre vocês está mais forte do que nunca aqui na cidade.
Alice ficou lívida, largou os talheres no prato e olhou para Marina, que não esboçou nenhuma reação, apenas disse:
— Vamos dar um tempo daqui… – depois completou diretamente para Alice: — Não se preocupe, mais dia, menos dia, ninguém mais vai se lembrar de nós… Mas acho melhor irmos agora.
Lena rapidamente disse:
— Vou pedir para Alexandre acompanhar vocês até o automóvel.
*****
Clara até tentou, mas não conseguiu se esquivar dos pedidos de Marta para ajudá-la, após o almoço. Ficou com dó, pois a cozinheira estava se desdobrando naquela cozinha desde que Lena foi embora. No começo ajudava no que conseguia, mas como nos últimos dias estava evitando ficar na casa, Marta estava tendo que se virar sozinha.
Enxaguou mais um copo, colocando-o no escorredor, antes de perguntar:
— Marina não vai colocar ninguém pra te ajudar?
Foi a própria Marina quem respondeu, entrando na cozinha:
— Está precisando de ajuda, Marta?
A cozinheira se apressou em responder:
— Não, dona Marina, claro que não…
Surpreendendo as duas mulheres, Clara a cortou:
— Ela está sim. Desde que Lena saiu, precisa fazer tudo sozinha… Cozinhar, lavar, arrumar…
Marina olhou para aquela pessoa em sua frente, tentando enxergar Sininho, mas foi em vão. Desde que a flagrou com Alice, não conseguia mais vê-la como uma menina. Clara passou a se comportar como outra pessoa, parecia que tinha ganhado confiança, como se quisesse mostrar para Marina que não estava abaixo dela. Desde o acontecido, não se viram com frequência, mas quando se encontraram, a empregada sustentou o olhar no dela, como nunca, em todos aqueles anos, havia feito. Nos últimos dias, pensou muito sobre mandá-la embora, acabar de vez com aquele problema. A verdade era que não tinha a convicção de que conseguiria dividir Alice com ela, como tinha dito mais de uma vez para a médica. Ficava apreensiva, como se fosse flagrar as duas novamente a qualquer momento. Mas achou melhor não fazer aquilo... Ou, pelo menos, ainda não. Primeiro por temer a reação de Alice e dos outros empregados, principalmente Marta. Todos gostavam de Sininho e seria outro duro golpe para a cozinheira se ela também fosse embora. Segundo porque Clara já estava há muito tempo na fazenda… Marina se sentia… Responsável por ela.
Ignorando-a, respondeu diretamente para Marta:
— Se estiver precisando de alguém, me procure.
*****
— Alice?
Ouviu a voz de Marina e percebeu que, certamente, não ouviu quando ela a chamou antes. Se virou e deu um pequeno sorriso.
Marina olhou pela janela da sala para o ponto que prendia a atenção de Alice no quintal:
— Se é isso que você quer…
Alice prontamente a cortou:
— Eu estava com o pensamento longe. Não é isso que você está pensando.
Marina suspirou, e fingiu que acreditava que não era para Clara varrendo a grama que ela olhava.
Alice se aproximou dela:
— Eu já disse que não vai se repetir.
A boca de Marina se contorceu em uma tentativa de sorriso, antes dela mudar de assunto:
— O que você acha de passarmos uns dias no Recanto da Felicidade?
Riu da interrogação que se formou no rosto de Alice, depois completou:
— Uma fazenda que tenho na cidade vizinha… Serão só uns três dias, acho que nenhum homem vai morrer na sua ausência.
Alice riu com ela:
— Eu espero que não…
Passou os braços em volta do pescoço de Marina, beijou-a levemente nos lábios e completou:
— Pois eu adoraria passar esses dias com você.
Fim do capítulo
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Marta Andrade dos Santos
Em: 23/06/2023
Espero que não aconteça nada com elas preconceito.
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