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Sem limites por Billie Ramone

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Palavras: 3697
Acessos: 367   |  Postado em: 16/06/2023

Notas iniciais:

AVISO: não é exatamente um aviso de gatilhos, mas uma nota que achei necessária: neste capítulo acontecerá uma crise emocional, bastante realista, que portadores de TPB podem eventualmente apresentar. Para a maioria, soará como algo bizarro, melodramático, ou uma “tempestade em copo d’água”, como se diz. Na nota final darei mais detalhes sobre como isso funciona, para que vocês não pensem que a narrativa descambou para uma situação irreal.

Capitulo 19 - Ne me quittes pas

 

“Seja bem-vinda! Não repare a bagunça!” – Fátima tinha um sorriso de orelha a orelha ao receber Núria.

“Bagunça onde, dona Fátima? Bagunça fazia eu quando era criança, lembra?” – respondeu a jovem bem-humorada, abraçando a sogra.

“Imagina, você era tão quietinha, não dava trabalho nenhum...”

Era um domingo em que toda a família de Jordana havia se reunido para um almoço. Paula, grávida de cinco meses e o agora marido Fábio, Rafael e a namorada, Kelly, todos receberam Núria com calorosa curiosidade.

“Espero que esteja tudo a seu gosto. É simples, mas feito de coração!” – Fátima apresentou a mesa, sobre a qual havia uma imensa travessa de spaghetti, outra de arroz amanteigado com legumes, uma tigela de salpicão coberto de batata-palha, uma forma contendo um frango assado recheado com farofa, uma pequena tigela de vinagrete, e refrigerante para beber.

Tímida a princípio, mesmo conhecendo Fátima desde a infância, Núria sentou-se ao lado de Jordana, segurando-lhe a mão por baixo da mesa.

“Fica tranquila. Mês retrasado, a Kelly passou pelo mesmo ritual, agora é sua vez” – Jordana entregou alegremente para a namorada uma faca e um garfo de trinchar, para que se servisse primeiro do pedaço de frango que lhe apetecesse.

“Assim eu fico sem jeito...” – Núria quis contestar essa preferência, mas todos na mesa a dissuadiram de pronto.

“Faça as honras” – Fábio incentivou-a, galhofeiro – “Eu também passei por esse ritual de boas-vindas na família há muitos anos atrás. É tradição, não pode quebrar!”

“Ai, tá bom!” – Núria cedeu, sorrindo.

Cortou um pedaço, serviu-se dos outros pratos, fazendo uma expressão deliciada ao provar.

“Hum! Dona Fátima, isso tá excelente!”

“E aí, sirvo pra casar?” – perguntou Jordana, matreira.

“Hein?”

“Ih, lá vai ela se gabar!” – Rafael riu.

“É, filhão, cê que também não aprende a cozinhar pra sua mulher, que cê perde ela logo, logo!” – Jordana rebateu, sorrindo e arremessando-lhe um pano de prato.

“Peraí, quem fez isso tudo foi você?” – Núria cobriu com a mão a boca ainda cheia, arregalando os olhos pra Jordana.

“Só não fez o vinagrete e a sobremesa, mas foi ela sim. Não queria nem me deixar ajudar” – Fátima fingiu contrariedade.

Núria engoliu o que tinha na boca, e encarou a namorada com os olhos sorridentes e admirados.

“Aprendi umas coisinhas lá com a Sílvia, a nutricionista do ‘Nise’. Mas, aí, ficou bom? Fala a verdade!” – desta vez Jordana questionou com modéstia.

Núria sentiu os olhos de todos na mesa cravados sobre si. Pareciam compartilhar da mesma expectativa curiosa.

“Está delicioso!” – disse baixinho, apertando a mão de Jordana – “Meus parabéns, amor!”

Aplausos e comemorações ruidosas se fizeram, deixando Núria ainda mais tímida. Então, para quebrar o nervosismo, assim que o vozerio diminuiu, completou:

“Amanhã mesmo vou comprar as alianças” – e todos ao redor riram e fizeram algazarra em aprovação mais uma vez.

Enquanto todos se serviam e comiam, falando e rindo muito ao mesmo tempo, Núria teve um enternecimento, contemplando a todos. Ao virar-se para a namorada ao lado, recebeu dela mais um daqueles sorrisos que pareciam o sol se abrindo entre densas nuvens.

Que diferença enorme das reuniões da família de Núria, onde imperava a maledicência, a gritaria ofensiva, ácida, agressiva, desrespeitosa! Em que Valério, embriagado, só fazia contar vantagens e dar ordens feito um delegado, tratando a todos como seus subalternos.

“É aqui que eu devo ficar”, pensou ela, sentindo pela primeira vez uma sensação de pertencimento familiar totalmente inédito em sua vida.

 

As férias de Núria chegaram no mês seguinte. Sentada no banco dos visitantes, observava maravilhada Jordana em seu dobok branco.

Assim que adentrou o dojang, Jordana reverenciou-o à maneira asiática. Foi até uma parede onde se estendiam as bandeiras do Brasil e da Coreia do Sul e repetiu o gesto, e em seguida, foi até seu professor e reverenciou-o de um modo curioso: curvou-se, e estendeu a mão direita para apertar a do professor, mantendo a mão esquerda sob o cotovelo direito, a palma para baixo. Depois repetiu a saudação a um por um de seus colegas, do mais graduado ao menos.

“É para se proteger de algum golpe traiçoeiro que algum maluco invente de dar sem mais, nem menos” – explicou Jordana à namorada mais tarde, sobre o braço esquerdo de atravessado.

Jordana pousou sua garrafa de água em um canto no chão e pendurou a toalha logo acima, numa barra de metal que corria paralela ao espelho. Sorridente e muito falante, gracejava com todos, enquanto se aquecia e se alongava.

Núria sorria daquela habilidade em socializar da namorada, tão fácil como respirar. Mesmo sem intenção, Jordana acabava sendo o centro das atenções, seja dos rapazes, que riam e se divertiam com suas piadas e tiradas, seja de algumas garotas que, além de tudo isso, observavam Jordana com um brilho mais intenso no olhar.

Ao vê-las, Núria franziu os lábios. Dentre as meninas da turma, havia apenas duas, além de Jordana, entre dez alunos ao todo. Uma delas, descendente de coreanos, dava a impressão de ser fechada, falava apenas o básico em aula com os colegas.

Mas havia a outra faixa-branca da turma, Ana Clara. E duas ou três alunas mais graduadas, que assistiam – ou às vezes participavam dos treinos dos novatos, como deram a entender em suas conversas ouvidas ao acaso por Núria –, todas elas envolvidas pela irresistível aura de Jordana. Núria dirigiu-lhes um olhar hostil velado, mas bastante atento.

“Todo mundo alinhado” – ordenou o professor Ramsés.

Os alunos faixa-branca se posicionaram em fileiras, cada um distante do outro cerca de um braço aberto. Os menos graduados ficavam mais para trás. Depois de Jordana, haviam três alunos na última fileira.

“Charyeot!” – gritou Ramsés. Todos fizeram posição de sentido, como em um quartel.

“Gukgiwa hamkke gyeongnye!” – os alunos pousaram a mão direita sobre o peito e fitaram as bandeiras no alto por alguns segundos.

“Baro!” – os alunos baixaram a mão e inclinaram a cabeça para frente, respeitosamente.

“Shio!” – e os alunos se colocaram na posição de “descansar”, semelhante aos militares. O professor ordenou mais uma vez: – “Charyeot!”

Todos retornaram à posição de sentido.

“Kyosanim kiunne!” – a esse comando, os alunos fizeram uma mesura ao professor.

Ramsés então disse:

“Shio! Agora, todo mundo correndo!”

Os aprendizes passaram cerca de cinco minutos correndo em círculos ao redor da sala. Depois, seguindo as contagens em coreano do professor, fizeram mais exercícios aeróbicos, que incluíam polichinelos lateral, frontal, corridas com os joelhos bem erguidos, dentre vários outros.

Em seguida, passaram para o alongamento. Enquanto a imensa maioria gemia e se lamentava nessa hora, Jordana mantinha uma expressão focada e serena. É que tinha uma vantagem natural sobre os outros: desde criança, possuía uma flexibilidade invejável.

“Olha a Jordana-Macho fazendo ‘espacate’!”

“Vai dançar balé e vai virar mulher!”

Alguns moleques no passado zombavam dessa peculiaridade dela, ao que ela respondia com uns pescotapas bem dados neles. Conforme o tempo passou, não deu mais atenção a essa habilidade latente, até que lhe foi exigido que a ressuscitasse desde o primeiro dia de aula.

Núria sorria orgulhosa da facilidade com que a namorada, sentada no chão, abria as pernas quase a 180 graus, apoiada sobre os cotovelos. Foi então que a tal Ana Clara, mal disfarçando seus reais interesses, chegou toda sorridente, pedindo que Jordana a ajudasse a se alongar.

“Não, prefiro que você me puxe pela frente” – a sujeitinha disse, quando Jordana se propôs a empurrá-la pelas costas em direção ao chão.

Núria apertou os olhos e ficou balançando um pé, irritadíssima. A menina tentava encostar em Jordana o tempo inteiro, transformava os gemidos de dor em uma espécie patética de provocação sexual, fazia gracinhas e falava com voz manhosa. Ao final, agradeceu Jordana com um “obrigada” cheio de segundas intenções, agarrando-lhe a manga do dobok com intimidade.

“Disponha” – Jordana respondeu com voz monótona, desvencilhando-se, e não lhe deu mais atenção.

Mesmo aliviada em partes por essa clara demonstração de indiferença, o peito e o estômago de Núria pareciam ter tomado um banho de ácido por dentro. Ao passar os olhos pela namorada, Jordana imediatamente compreendeu. Então parou, e, certificando-se de que seu professor e mais ninguém veria, sorriu de leve, deu uma piscadela e beijou os próprios dedos, “soprando-o” discretamente a Núria.

Nos exercícios de técnicas de chutes e socos, Jordana evitou interações com Ana Clara. Nunca sentiu necessidade de contar sobre a paixonite da colega a Núria porque, mesmo se fosse solteira, não teria a mínima intenção de alimentar as fantasias sem noção de uma menor de idade doze anos mais nova. No meio de um monte de adolescentes, Jordana e outros três rapazes eram os únicos adultos na turma dos faixa-branca.

Ramsés finalizou a aula depois dos exercícios de poomsae e “sombra”. Repetiram a saudação às bandeiras em fileira, viraram-se, os menos graduados foram, em ordem, até o professor saudá-lo, e depois seguindo do aluno mais graduado para o menos. Então, repetiram a posição de sentido, saudaram o dojang, e se retiraram. Logo após pisar fora do tatame, Jordana, assim como os outros, voltaram-se mais uma vez para o dojang e o saudaram pela última vez no dia.

As garotas – ou urubus,  como Núria passou a denominá-las mentalmente – da turma de faixa amarela e laranja rodearam Jordana, gracejando, elogiando-lhe a flexibilidade física, parabenizando sua evolução no treino. Em suma, fazendo de tudo para receber dela um sorriso ou uma palavra que fosse. A todas Jordana respondeu com sua mesma natural simpatia, que cada uma sempre interpretava distorcidamente como uma atenção especial para si.

Ao se voltar para Núria, Jordana tinha a impressão de estar vendo aquelas sombras roxas figurativas em personagens de anime que se mostravam de péssimo humor. Quis rir, mas sabia que isso exasperaria Núria ainda mais.

“Estou indo ao vestiário me trocar” – Jordana avisou, aproximando-se.

“Vou com você” – Núria foi enfática, olhando de revés para Ana Clara e as fulanas de faixa colorida.

“Sim, senhora!”, Jordana riu em pensamento, não se atrevendo a contrariá-la.

A caminho da casa de Núria, Jordana quebrou o silêncio, acariciando os cabelos da namorada:

“Por que meu anjinho tá com essa carinha emburrada, que não combina nada com você?”

Núria apenas encolheu os ombros e fez um gesto de cabeça, como se tudo fosse muito óbvio. Mas acabou durante boa parte do trajeto em silêncio.

Jordana não teve uma boa sensação daquilo. Lembrava-se de como seu relacionamento anterior foi deteriorado por ela mesma, mas também de como muitas vezes a quietude passivo-agressiva da ex a feria sobremaneira. Qualquer fio que pudesse ligá-las em uma conversa franca, que as levasse a um mínimo de entendimento, era cortado sem explicação.

Estava prestes a se expressar sobre isso, meio aborrecida, mas Núria, suspirando após parar em um semáforo vermelho, murmurou:

“Eu tenho medo. Muito medo. Não fique braba comigo, por favor!...”

Ao ver o rosto avermelhado e os olhos cheios de água da namorada, Jordana se desarmou completamente. Ficou sem reação.

O sinal ficou verde, e Núria engatou a primeira com certa brusquidão.

“Núria... medo de quê? Daquelas meninas?”

Mordendo o lábio inferior, as lágrimas já escorrendo aos montes, Núria meneou apenas uma vez a cabeça. E então fez um sinal com a mão, para pedir que Jordana aguardasse sem dizer nada, que assim que possível, ela explicaria.

Entraram pelo portão eletrônico do prédio, Núria estacionou em sua vaga sem dizer uma palavra e desligou o carro. E então, seu choro silencioso se transformou em soluços incontroláveis.

Jordana, que já estava alarmada, quase se desesperou quando, num arranco, Núria se virou de lado e praticamente se jogou em seus braços, a cabeça baixa, o corpo todo estremecendo.

“Por favor, não briga comigo! Por favor! Por favor!” – pedia tão humilde em meio àquele pranto rasgado, que o coração de Jordana apertou.

“Calma! Shhhh! Tá tudo bem! Calma, meu amor!” – Jordana sussurrou. Passava a mão pelos cabelos, ombros e costas da namorada, que se assemelhava a uma criança amedrontada quase sentada em seu colo.

Passou-se um tempo incontável nos relógios terrenos, durante o qual se ouvia o choro baixo e constante de Núria, enquanto a namorada a embalava com toda a delicadeza.

“Meu amor, não precisa ficar assim!...”

“Você... você não tá chateada comigo? Não vai brigar porque eu fiquei com ciúmes de você?”

O rosto de Núria, desfigurado por uma dor profunda, enterneceu Jordana. Inevitavelmente, seus olhos também marejaram. Ela beijou aquelas bochechas molhadas, e então segurou o queixo de Núria para olhá-la nos olhos.

“Desculpe se isso te magoar, mas eu até tava achando bonitinho você toda bravinha!... Não porque eu tô menosprezando seus sentimentos, mas é que você não tem motivo nenhum pra estar assim.”

“Mas, aquelas meninas todas marcando em cima de você, mesmo sabendo quem eu sou... Parece que fizeram isso por desaforo!...”

“Se for isso mesmo, mais uma razão para eu não querer nada com nenhuma delas. Não gosto de gente que desrespeita quem eu amo. Ali eu converso com elas normalmente, é claro, porque tem que ter respeito entre os alunos, principalmente pela hierarquia, nós novatos pelos veteranos. Mas é só isso também, porque nem pra amigas elas servem.”

Núria sentiu a culpa pesar ainda mais dentro de si.

“Não quero que você deixe de ser quem é, só por minha causa: essa pessoa legal, pra cima, que faz amizade com todo mundo, carismática...”

 “E nem vou deixar de ser, meu anjo! Mas comecei a aprender a escolher bem com quem eu ando. Nem se a gente não estivesse juntas, também não ia dar moral pra umas minas que não respeitam o dojang e os professores, ficam de ‘lambeção’ umas com as outras num lugar onde deveriam manter a compostura. É que elas disfarçam melhor, mas só pra te dar um exemplo: semana passada, um cara levou uma comida de rabo do professor e do Mestre Park: faixa azul, antes da aula, já vestindo o dobok, ficou de melação com a namorada no colo, no banco ali fora.”

Já um pouco mais calma, Núria acariciou a gola da camiseta de Jordana.

“Estou morrendo de vergonha da cena que eu fiz...” – balbuciou, sem coragem de encarar a namorada.

“Você só está insegura. É normal, depois de tudo o que você passou, meu amor.”

“Essa é a parte que eu ainda não confessei a você. Lembra quando você ainda ia ao CAPS e disse que me admirava, e aquele dia, há pouco tempo, que você me tinha como exemplo de alguém forte, mesmo depois de ter tido uma vida horrível? Então... Vamos subir, eu preciso te mostrar uma coisa.”

Foram o caminho todo até o elevador de mãos dadas. Núria fazia questão de jamais esconder a natureza do relacionamento delas, não importa quantas caras feias e resmungos conservadores ouvissem pelo caminho.

No apartamento, Núria foi até seu quarto, abriu uma gaveta da mesinha de cabeceira, e tirou de lá duas caixas de remédios. Uma delas Jordana imediatamente reconheceu, pela tarja preta e por já ter feito uso em algumas ocasiões de seu tratamento.

“Este ansiolítico aqui você já conhece, então não preciso apresentá-los” – apesar da melancolia, Núria teve um sorrisinho – “Já este outro, com esse nome diferentão, é meu antidepressivo tetracíclico que, além de repor os neurotransmissores que me faltam, estabilizam esse meu humor desajustado e intenso que você viu agora há pouco.”

Jordana observou atentamente a segunda caixa, revirando-a, pegando a bula dentro para ler alguns trechos.

“Enfim, tudo isso é para te dizer que eu não sou esse poço de equilíbrio, autoconfiança e fortaleza que você pensava. Por enquanto, consigo levar a vida através dessas medicações e de muita psicoterapia, torcendo para que, um dia, eu não precise mais delas.”

“Mas, não entendi: você faz tratamento para depressão?”

“A depressão é só mais um dos sintomas de um transtorno mais complexo que eu possuo.”

E, resumindo o melhor que pôde, Núria explicou toda a sintomatologia, causas e tratamento de sua condição. Falou de seus inúmeros complexos de culpa e do pânico patológico de ser abandonada pela pessoa amada. E rematou:

“Infelizmente, assim como há muito preconceito e desinformação sobre a sua adicção, tem gente dizendo muita bobagem por aí sobre os borderlines. Dizem que somos ‘red flags’ para relacionamentos: manipuladores, mentirosos, perigosos, que sugamos e destruímos a saúde mental de quem convive com a gente. Nos comparam até com psicopatas. Acho que você já viu esse filme antes, né?”

“Se vi...” – Jordana concordou, lembrando-se de que já tinha sido rotulada diversas vezes com os mesmos adjetivos e outros piores, e apenas Núria os rejeitava, como também incentivava Jordana a não aceitá-los.

“A verdade é que há casos e casos, mas geral os coloca tudo no mesmo saco. Assim como na sua condição: realmente há os que entram em crises violentas, fazem coisas terríveis, são perigosos, que destroem tudo e se autodestroem, mas não são todos. Enquanto não houver uma rede de apoio e proteção eficiente, qualquer pessoa, seja depressiva, dependente química, ‘border’, bipolar, esquizofrênico, vão ser problemas graves que a sociedade vai continuar ignorando, e os governantes enfiando dentro das instituições, ou largando nas ruas, até a morte desses indivíduos.”

Jordana meneou a cabeça. E então, deixando a caixinha de lado no sofá, abriu os braços para a namorada, com um meio sorriso doce e calmo.

“E agora, eu destruí minha imagem de ser inabalável e caí no seu conceito, não é?” – Núria se aninhou no abraço e murmurou, amargurada.

“Muito pelo contrário: agora, mais do que nunca, meu respeito e admiração por você cresceram pra caramba. Tem uma coisinha que eu quero te confessar também, já que estamos nessa.”

E foi a vez de Jordana contar tudo o que sabia, através de Fátima, sobre o inferno doméstico onde Núria cresceu e viveu a maior parte de sua existência.

“Infelizmente, meu anjo, não era segredo lá em casa o que seus pais e sua irmã faziam. Teve vezes que minha mãe queria te pegar no colo, fazer curativos nos machucados que apareciam quase toda semana em você, ou porque seus parentes faziam isso, ou porque você sofria bullying na escola. E, me perdoe o que eu vou dizer agora, mas mamãe só não te ajudou, porque seus pais eram uns racistas do caralh*. Nem a ‘criadagem’ podia se aproximar das filhas deles, nem a filha da ‘criadagem’. É por isso que você não se lembra das vezes que eu fui em sua casa. Era só eu entrar, e sua mãe mandava você pro quarto com suas coisas. Ela devia achar que eu ia roubar seus brinquedos.”

Núria ouviu-a atônita. Sua ternura e gratidão pela doce figura de sua sogra também cresceram exponencialmente. Assim como o rancor e o profundo desprezo pelos seus pais.

“Meu amor, me perdoe pelo que eles te fizeram! Eu preciso pedir perdão à sua mãe também! Meu Deus, que vergonha! Cada dia que passa, tenho mais nojo deles!” – Núria disse enraivecida.

“Primeiro, isso não é, e nunca foi sua culpa. Segundo, você foi muito mais prejudicada por eles do que eu ou minha mãe. Não precisa se desculpar no lugar deles, você também era uma vítima.”

“Mesmo assim... Essa é uma das minhas maiores dificuldades, aliás: não consigo perdoá-los pelo que fizeram e, de certa forma, ainda tentam fazer. Por isso me afastei deles, e fiz muito bem!”

Jordana ia dizer algo, mas parou. Não era o melhor momento para lembrar a Núria que ela não poderia fugir para sempre de seus pais. Em vez disso, apertou-a entre seus braços e beijou-a.

“Tudo bem se eu for tomar banho primeiro? É que eu tô doida pra tirar esse suor de treino.”

Núria deu um pontapé no que restava de seus sentimentos negativos e sorriu de leve.

“Eu adoro seu cheiro, ainda mais quando tá suada...”

Jordana beijou-a no pescoço e mordiscou-lhe a orelha.

“Muito bom saber disso. Mas eu realmente estou precisando de um banho relaxante neste momento. Agora que meu anjinho tá melhor, vou ficar limpinha e fazer a janta pra nós duas, com capricho.”

“Vai lá...” – Núria sorriu, tendo uma ideia.

Embora pequena, a quitinete tinha dois banheiros: um ficava na suíte, e outra no minúsculo hall entre os quartos. Enquanto Jordana se banhava no da suíte, Núria entrou sorrateiramente no quarto, arrumou tudo, e pegou umas coisinhas, que levou para o outro banheiro.

Quando saiu do banho, Jordana ouviu o barulho de chuveiro ligado no hall. Tranquilamente, foi para a cozinha, e começou a pegar os ingredientes e as panelas.

Entretida no preparo de hambúrgueres caseiros especiais, acompanhados de batatas fritas rústicas e salada sortida, Jordana não sentiu o tempo passar.

Os pratos já estavam prontos, mas Núria demorava-se um pouco mais que o normal no banheiro. Jordana foi até lá e bateu na porta:

“Já tá tudo pronto, amor. Vem, senão vai esfriar.”

“Ok!”

O queixo de Jordana foi ao chão, assim que a porta se abriu: exalando o perfume de um hidratante à base de rosas, amêndoas e jasmins, Núria surgiu de cabelos soltos, uma maquiagem um pouco mais elaborada que o usual, vestindo um conjunto de calcinha minúscula e sutiã cor de rosa, de renda transparente, e um robe de seda também transparente e da mesma cor, curtíssimo.

Seu rosto juvenil tinha algo de “garotinha inocente perdida” misturado com “vou te ch*par toda agora”. Os lábios entreabertos, brilhantes de batom e gloss, o olhar oblíquo, os braços largados meio distantes dos quadris, cada mão virada para frente, convidativamente.

A boca de Jordana se encheu de água, enquanto ela ia e voltava com o olhar afiado, de cima a baixo, pelo corpo de curvas delicadas e sensuais de Núria.

Já que a namorada estava completamente petrificada, Núria inclinou a cabeça de lado e quebrou o silêncio com um sorrisinho:

“Amor, acho que hoje a gente vai jantar comida fria mesmo, se você não se incomodar...”

Sem raciocinar, Jordana apenas avançou e tomou-a com avidez em seus braços, beijando-a como se fosse pela primeira vez na vida. Levou seu braço direito até as dobras dos joelhos de Núria e pegou-a no colo, empurrando a porta do quarto com um pé.

 

Fim do capítulo

Notas finais:

 

O capítulo começou com uma reunião em família, passou por uma academia de Taekwondo, virou um colapso psicoemocional, e terminou com a promessa de um hot. Muita doideira de uma vez só? Vou justificar.

O ponto de virada nessa cena da, digamos, DR/confidências entre Jordana e Núria, foi exatamente no instante em que Jordana demonstrou que, mesmo com seus problemas e limitações humanas, é totalmente leal, dedicada e confiável em seu amor por Núria. Para uma “border”, isso é de uma necessidade que eu nem tenho vocabulário para descrever. Ao contrário do que muitos ditos profissionais de saúde mental “estrelinha” espalham por aí (cof cof, Dra. Ana Beatriz de Barros, cof cof!), “borders” podem ser sim confiáveis e bastante capazes de devolver multiplicados o afeto e o apoio que recebem. E, não, não são “promíscuos” (Essa cidadã que se diz psiquiatra teve a pachorra de soltar que mulheres “border” vivem em função de caçar macho! Tenha santa paciência!), muites sequer consegue ter libido, e nem sempre “parasitam” e manipulam emocionalmente seus entes queridos.

E é isso: ser borderline é viver com as emoções, boas e ruins, em carne viva, de modo intenso, instável e profundo. Portanto, precisam de muito autocuidado para isso não se transformar em automutilação, ou coisas piores, que vocês já devem imaginar. Esses desabafos, nos quais Núria pôde mostrar sua vulnerabilidade sem que isso seja usado contra ela um dia, todas essas coisas viraram uma “chavinha” dentro dela, que a fez se sentir capaz de se entregar, finalmente, ao prazer que ela merece com o amor da vida dela. E sobre esse tópico, ainda tenho muito que falar no decorrer da história, então, aguardem.

Qualquer dúvida, pitaco, bate-papo, mais uma vez: estou aqui. E esperando bastante que vocês gostem deste e do próximo capítulo...

 

 

Billie Ramone.                                                           

 


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Comentários para 19 - Capitulo 19 - Ne me quittes pas:
thays_
thays_

Em: 19/06/2023

Oi Bilie! Quando vi o aviso lá em cima pensei, putz... será que elas vão brigar? Mas ainda bem que não! Eu achei super compreensivel essa reação da Núria sabe, ainda mais depois de tudo que ela passou na vida, acredito que tudo o que ela precisa é de alguém que lhe dê segurança, amor, carinho, proteção, pela primeira vez. E a Jordana também a vejo da mesma forma, vejo o vício como uma forma de tentar preencher um buraco dentro dela, no fundo é uma pessoa que precisa dos mesmos cuidados de Nuria. Eu tenho alguns traços border, não fechei o diagnóstico (felizmente pq é um transtorno mto difícil), mas sempre me identifiquei muito com os sintomas, desde sempre. Nesse momento da minha vida posso dizer que muito mais leves do que ja foram um dia, embora no menor sinal de perigo eles logo dão as caras. Acho que o fato de eu estar com uma pessoa que, exatamente como vc falou da Nuria, não se aproveita de minhas vulnerabilidades e fraquezas, como muito já aconteceu no passado, me deixa muito mais estável emocionalmente. Não me bata, mas não acho a Dra. Ana Beatriz tão ruim kkkkk eu me identifico mto com algumas coisas q ela fala, acho q em graus mais severos algumas características mais negativas podem ser mais aparentes, mas isso é mto relativo, cada caso é um caso, o que não podemos fazer é generalizar e colocar todo mundo no mesmo saco, como vc mesma falou. Tem uma frase q ela diz q me idêntico mto, se a mulher border começa a namorar um surfista, ela que nunca surfou na vida, vai aprender a surfar, eu me vejo exatamente assim, eu passo a viver em função de outra pessoa, sabe? Muito mais emoção do que razão, fico as vezes cega e é mto fácil eu me envolver com pessoas tóxicas que se aproveitam disso. Haja terapia kkk Sinto que a Jordana vai dar exatamente o que a Núria precisa pra se sentir segura. Vamos ver o que o próximo capítulo nos reserva, acho que promete! Abraços!


Billie Ramone

Billie Ramone Em: 19/06/2023 Autora da história
Que bom que vc vê dessa forma. tô fazendo o possível pra encontrar o ponto de equilíbrio entre elas. mas ainda tem muita água pra passar debaixo da ponte, pq as condições delas não são bolinho, infelizmente...
A Jordana carrega um grande luto dentro de si, pelas violências (domésticas, de gênero, raciais, LGBTQIAPNfóbicas), pela falta de um pai decente e pela perda da avó, que ela tentou anestesiar com substâncias. Já a Núria, por fatores ambientais e genéticos, e por ser o bode expiatório de um casal de narcisistas, sucumbiu a uma predisposição que já tinha. Em comum, os lares desestruturados das duas.
O TPB às vezes leva anos pra ser diagnosticado, e não é tão difícil confundirem diagnósticos (aconteceu comigo).
Quanto à Dra Ana Beatriz, eu entendo pq vc e o pessoal gostam dela, e nem desmereço trabalho e o conhecimento dela, mas acho que ela foi absolutamente infeliz, não só nessa fala sobre borderline, como em muitas outras. Parece que foi só pra criar hype através de frases de efeito nas entrevistas e podcasts que ela participou. Como eu disse à Marta, hj em dia temos que tomar cuidado com muito profissional de saúde mental e coaches charlatões querendo virar celebridade, pq andam misturando ciência com pseudociências, mentiras e sensacionalismo pra causar impacto. O resultado dessa necessidade dela de aparecer foi que na sessão de comentários dos vídeos dela sobre TPB tá cheio de gente desinformada e insensível, descrevendo borderlines pior que sociopatas ou psicopatas (não sei qual dos 2 tá certo), além de outras podreiras que eu nem vou repetir pra não passar raiva, nem dar gatilhos tbm. Generalização e banalização dão mais views, essa é a triste realidade que eu vi.
Muito obrigada por compartilhar suas experiências pessoais. É disso que eu gosto: pessoas reais, falando de suas realidades, para que eu possa falar delas e de mim através da ficção! espero que vc tbm fique bem e melhore com o tratamento correto! :))))))))))))))))))


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Marta Andrade dos Santos
Marta Andrade dos Santos

Em: 17/06/2023

Realmente não se pode generalizar todos sei lá tudo depende do indivíduo pensamentos, sentimentos cada pessoa é única então as respostas aos tratamentos e terapias não são medidos.


Billie Ramone

Billie Ramone Em: 19/06/2023 Autora da história
Como anda muito na moda isso de coach, do tal metaforando, e muitos psiquiatras e psicólogos querendo virar celebridade, tá uma onde de desinformação e generalização danada por aí.


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