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Sem limites por Billie Ramone

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Palavras: 3983
Acessos: 399   |  Postado em: 05/06/2023

Capitulo 17 - A poucos metros do nirvana

 

Eu já estava me tornando aquele tipo de pessoa que, ou não liga para o Natal e o Ano Novo, porque tá muito na merd*, ou aproveitava a época como desculpa pra enfiar o pé mesmo. Mas laços familiares, de amizade, a magia, isso foi se desfazendo com o tempo, né.

Quer dizer, até meus oito anos, esses dias eram estranhos. Via algumas crianças ganharem presentes brincando na rua, e às vezes eu brincava com elas. Me deixavam brincar, né. Raramente recebi algum presente enquanto morava com meu pai.

A mãe colocava algum enfeite, guirlanda com bolinhas e um Papai Noel na porta de casa, e se naquele ano alguém doasse alguma coisa, eu ganhava uma roupa, um brinquedo barato. Geralmente era roupa e sapato de segunda mão. A gente comia panetone doado também, como sobremesa. Era a única diferença na nossa refeição.

Meu pai, graças a Deus, sumia. Ia pra alguma festa encher a cara. Ficava desde o dia 24 até a manhã do dia 26 fora, porque depois tinha que trabalhar, né. Ele é funcionário dos correios. Não ganhava muito, mas era estável, porque a mãe tinha muita dificuldade em manter clientes. Ele tava sempre batendo muito nela, às vezes, os ferimentos chegavam ao ponto dela não conseguir trabalhar, fazer faxina, nada.

O primeiro Natal bom que eu tive foi na casa da prima. O meu irmão ganhou um monte de roupinha de bebê, enxoval, que a Paula ajudou a arrecadar. Eu ganhei brinquedos e roupa nova da minha vó pela primeira vez. Quando ia visitar meu pai, depois do divórcio, não ganhava nem um feliz natal ou feliz ano novo atrasado dele ou da minha outra avó. Ela dizia que o filho dela já gastava demais comigo e com minha mãe – falando da pensão de cem reais, que ele pagava quando queria –, por isso, não tinha obrigação de me dar presente nenhum.

Eu tenho muita coisa mal resolvida a respeito do meu pai e do meu avô materno. Mais do meu pai, claro. Muita gente pode até julgar mal minha mãe e meus tios e tias por terem deixado meu avô sozinho num asilo público, mas eu que sei o que minha mãe passou no dia em que foi ao hospital vê-lo, quando ele internou por causa do câncer. Nem no leito de morte o velho teve consideração por ela. Ele já tava fraco, mal conseguia se mexer, e disse que, se pudesse, enfiav* a mão na cara dela ali mesmo, que não adiantava ela ir até ali se fazer de santa, porque ele não ia deixar nada de herança pra ela. Ele deu a casa velha e caindo aos pedaços onde morava pra uma mulher qualquer aí, com quem ele se juntou depois que a minha vó morreu, só pra não deixar nada pros filhos.

Por isso que eu falo que, nesta vida, a gente precisa valorizar quem tá de verdade ao nosso lado, porque morrer sozinho, seja de ruindade, seja porque cê foi parar na rua por causa de droga e bebida, é muito triste. No velório do meu avô, além da minha mãe, eu, o Rafa ainda criança e a Paula, ‘veio’ dois irmãos dele lá de Palmeira do Oeste, uma cidadezinha perto de São José do Rio Preto. Tá ligada, né, Jane, você morou lá em Rio Preto né? Então, esses irmãos, meus dois tios e duas tias, filhos dele que eu nem conhecia, a mulher que vivia com ele, umas três ou quatro pessoas que eu nem sei quem eram, e ninguém ficou lá na sala com o caixão. Todo mundo do lado de fora, tomando cafezinho, rindo, contando piada, falando de um monte de coisa que não tinha nada a ver com o morto, como se fosse um churrasco. Ninguém derramou uma lágrima, nem no enterro. Um irmão dele até confirmou essa história dele ter matado gente lá em Palmeira do Oeste, mas a polícia não conseguiu provar nada, e ele foi solto.

A violência e o desamparo na minha família são cíclicos Fui descobrindo isso na terapia.

Outro dia, antes de ser internada, eu passei pelo meu pai na rua e ele fingiu que não me viu. Não estava bêbado, até onde pude ver. Mas agora ele tem outra família, ouvi falar que vai na igreja, que parou de beber. Parece que tá lá, com a mulher loira de farmácia que ele sempre quis. Eu tenho um meio-irmãozinho branco, que nem sei o nome.

Já me peguei imaginando tantas vezes como seria enfrentá-lo agora que eu sou maior que ele. Não vou mentir: na minha mente eu já deitei ele na porr*da de várias formas. Mas, de quê adianta pensar nessas coisas? Ele destruiu minha vida, a da minha mãe, e até do meu irmão, sim; eu me sinto abandonada e tenho vontade de usar droga justamente pra me sentir acima de todos, capaz de destruir qualquer um na “muqueta”, porque, no fundo, a pessoa em quem eu quero bater é meu pai. São pensamentos vingativos que eu fui engolindo e tentando anestesiar com droga, ao longo de muitos anos.

No dia em que machuquei meu irmão, eu tava muito descaralhada das ideias. Ele tava me ajudando, fazendo de tudo junto com minha mãe pra me desintoxicar; mas tudo o que eu vi, no momento em que ele apontava o dedo pra mim e gritava, foi meu pai. Querendo ou não, a gente se parece um pouco com meu pai fisicamente, né. Além disso, é fácil transformar o sentimento de culpa em raiva e descontar nos outros. Foi o que eu fiz, infelizmente.

Desde minha internação anterior a esta, o Rafa não falava comigo mais. Minha mãe foi me perdoando aos poucos, mas ele... De alguma forma, eu quebrei aquele sentimento de união que tinha entre a gente desde pequenos. Por um tempo, eu fui uma irmã mais velha. Depois, uma irmã drogada precisando de ajuda. E aí, a droga me tornou uma desconhecida perigosa pra ele e pra minha mãe.

Mas Deus é bom, sabe. Na festa de Ano Novo, o Rafa veio aqui com a minha mãe, minha amiga Jaqueline, e uma pessoa muito especial para mim. No começo, chorei de vergonha, queria me esconder dele. Mas na hora que eu vi aquele moleque, que eu carreguei no colo, chorando também por minha causa... Aí, mano, não deu!... Choramos muito abraçados, acho que todo mundo aqui viu a cena...

Eu já tava decidida a parar de enfiar minha vida no rabo. Mas antes, eu até já pensei em suicídio, irmão. É, eu falava: a vida deles ia ser bem melhor sem mim, o Rafael nunca mais ia ter que defender minha mãe contra meus ataques de fissura, aí acabou. Só que, naquele dia, junto das quatro pessoas mais importantes da minha vida, eu resolvi que nunca ia ser como meu avô, ou como meu pai. Não ia entrar pro crime, não ia morrer sozinha na rua, na cadeia, ou numa emergência de hospital, nem ia me disfarçar de crente boazinha: é eu, Deus, e essa família que Ele me deu pra amar.

Eu falei de uma pessoa especial, não é? Pois é... Estamos nos conhecendo, nos entendendo...

 

As duas só se deram conta de que o beijo estava longo demais quando alguém pediu licença a elas para passar pelo estreito arco de alvenaria onde terminava o caramanchão, toda sem graça: era uma das duas senhoras idosas que tinham vindo ver um cara que Jordana sabia ser alcoólico.

“Desculpe. Pode passar” – as duas tinham o rosto quase roxo de vergonha. As mulheres pareciam um pouco escandalizadas, mas não disseram nada além de “obrigada”. Depois que elas se foram, Núria baixou a cabeça e soltou um “uffff”, seguido de um riso nervoso.

Jordana puxou-a para si e levou-a até o muro, coberto de heras, que separava a parte dianteira do hospital e o estacionamento para visitantes e funcionários. Ali, algumas árvores baixas e grandes arbustos as ocultavam parcialmente. Núria levou um pequeno susto, mas riu. Sentiu suas costas serem prensadas suavemente contra as folhas das trepadeiras.

Sorriram docemente uma para a outra, antes de Jordana beijá-la desta vez. Núria nem se deu conta de que seu joelho ergueu-se por instinto, como se sua perna quisesse se enroscar ao redor do corpo de Jordana.

 

Meses se passaram. Em uma das visitas, Jordana surgiu com uma novidade: era, desde algum tempo atrás, ajudante da nutricionista na cozinha, como uma espécie de “sub-chef”, e, assim que recebesse alta, passaria a ocupar esse cargo oficialmente, com carteira assinada.

Núria a abraçou, feliz da vida.

“Meus parabéns!”

“Eu nem sabia que levava esse jeito todo pra cozinha! E o melhor é que eu vou poder continuar meu acompanhamento terapêutico aqui. Como funcionária, meio que ganhei esse privilégio.”

“É uma pena que você não vai estar lá no CAPS comigo, mas, se é por uma boa causa, estou muito contente por você!”

“Vou estar em sua vida de um jeito muito melhor, se Deus quiser” – Jordana acariciou os cabelos da amada.

Naquele dia, se vestira com sua melhor bermuda jeans azul-escura, camisa branca, com estampas sutis de palmeiras, aberta sobre uma regata branco-creme de malha, cujo decote revelava discretamente seus grandes e belos seios, e um par de tênis. Só não pôde completar o visual com pulseiras e correntes de pescoço, porque eram proibidas lá dentro, mas não abriu mão de seu perfume, “The Secret”, do Antonio Banderas, que foi trazido pela mãe em uma das visitas. Os cabelos tinham tranças na raiz até metade da cabeça, deixando todo o restante solto, como um rabo-de-cavalo elegantemente armado, de cachinhos minúsculos definidos.

Núria, por sua vez, usava uma linda bata longa cor de rosa, de ombros expostos, e um shortinho jeans por baixo. O inseparável colar feito por Jordana, que era como um amuleto para ela. Seu perfume era o mesmo de antes, “Paris”, da YSL.

Discretamente, Jordana observava as pernas bem feitas e os quadris de Núria. Se não era exatamente um mulherão cheia de curvas opulentas, tampouco era de uma magreza esquálida, pois os ossos da clavícula mal apareciam. Seus ombros expostos também exalavam uma sensualidade delicada, que combinava muito com ela.

Como quem não quer nada, Jordana convidou a namorada para um passeio pelos recantos mais afastados do jardim. Então, atrás de um largo tronco de um altíssimo e frondoso ipê, puxou-a pelo pulso, fazendo-a soltar um gritinho alegre de surpresa.

Tendo-a presa entre seus braços, Jordana beijou-a lenta e vorazmente. Suas mãos começaram a percorrer a cintura, as coxas, as nádegas, a barriga e os pequenos e firmes seios sem sutiã de Núria por cima da bata leve, arrancando-lhe suspiros baixos.

“Se você soubesse o que eu estou com vontade de fazer com você agora...” – Jordana sussurrou ofegante rente aos lábios da outra.

“Por que não faz?” – Núria provocou, a voz também entrecortada de desejo.

Jordana se limitou a beijá-la mais uma vez e segurar seu queixo com amor:

“Não quero que seja assim, escondidas, correndo perigo de pegarem a gente, e você não poder vir mais. Não quero nada clandestino. Quero passar horas com você, sem ninguém por perto, e nenhuma peça de roupa atrapalhando...”

“Por mim” – Núria interrompia de vez em quando a frase para beijá-la – “Não vai... Ser... Nada clandestino. Quero tudo... às claras.”

Nesse momento, Jordana se deteve, meio séria:

“Tem certeza de que quer que seus pais saibam de nós? Seus parentes, amigos?”

“Não tenho mais muita convivência com meus pais, menos ainda com parentes. E amigos...” – Núria desviou os olhos, sem graça – “eu nem sei o que é ter isso...”

Jordana sentiu um nó na garganta. Não era sua intenção se compadecer dela, mas foi inevitável ao ouvir isso. Em seguida, veio a velha preocupação de seu relacionamento anterior:

“Você teria vergonha de me assumir para os seus pais?” – Jordana acariciou a franjinha de Núria.

“Eu quero te assumir pra todo mundo, não importa quem goste disso ou não” – Núria sorriu de queixo erguido, sem mostrar os dentes, firme, convicta – “É que a opinião dos meus pais não faz pra mim a menor diferença mesmo. Se você fizer questão, eu até posso te apresentar a eles, mas já vou adiantando: se você não os conheceu muito bem quando ia lá em casa, saiba que estão longe de ser aquele casal bonzinho que fingiam ser na frente de todo mundo.”

“É, eu sei muito bem”­, pontuou mentalmente Jordana, que não queria estragar o momento tocando nesse assunto.

Mesmo assim, temia por Núria, já tão vítima da violência e da negligência deles desde pequena, aparecendo com a filha preta viciada da diarista preta, dizendo ser sua namorada. O casal burguês e preconceituoso haveria de surtar, e as consequências eram totalmente imprevisíveis.

“Que foi? Tá triste? Assim que você tiver alta, eu te apresento a eles, então. Eles não merecem essa honra de nossa parte, mas se você faz questão...” – Núria se preocupou ao ver a outra circunspecta.

“Não, não é nada disso” – Jordana voltou a sorrir – “Se você não faz questão nenhuma, eu também não. Só não quero causar problemas para você...”

“Eles é que estão deixando cada vez mais de ser um problema em minha vida” – Núria deu de ombros com certo desdém – “Mas não quero perder tempo falando deles.”

Continuaram trocando beijos longos e carícias, observando de vez em quando se alguém aparecia. Logo, a família de um paciente recuperando-se do crack veio junto ele se sentar em um banco de madeira ali perto, e as duas tiveram que maneirar. Núria deixou sua cabeça pender de lado sobre os peitos fartos e macios da namorada, e ali ficou de olhos fechados, aspirando-lhe o perfume marcante, misturado ao cheiro natural da pele de Jordana. Sentia-se mais segura e plena do que jamais foi em sua vida. As mãos de Jordana subiam e desciam pelas suas costas, aumentando essa sensação deliciosa de aconchego apaixonado.

Em silêncio, cingiu Jordana com mais força. O sol de fim de tarde as iluminava com uma linda luz cor de baunilha.

 

O dia de meditação em grupo tornou-se um dos que Jordana mais gostava no hospital psiquiátrico. O local era adepto do famoso programa dos 12 passos, mas sem impor crenças pessoais a ninguém. Os terapeutas ocupacionais, psicólogos e instrutores que aplicavam o método o faziam da maneira mais ecumênica possível, respeitando os mais arraigados às suas religiões que não desejavam participar da meditação, inclusive.

Sentada, os olhos semicerrados, procurou seguir as palavras do instrutor. Padecia de grande dificuldade em manter a mente em silêncio, embora o próprio instrutor, Herbert, avisasse com sua voz calma:

“É impossível deter completamente o fluxo de pensamentos. O desafio é deixá-los passar. Observá-los como se você fosse uma terceira pessoa assistindo a um filme. Entender as emoções e sentimentos que eles evocam, mas não se deter nisso. Seguir adiante, até que essa torrente grande vá se tornando um riachinho tranquilo que flui naturalmente dentro de você. É nesse exato instante que você encontrará perguntas e respostas dentro de si que talvez você nem mesmo estivesse procurando.”

Aquilo pareceu a Jordana, nos primeiros dias, papo de louco, coisas de velho “jovem” místico branco – Herbert era um simpático senhor sexagenário, filho de pai canadense –, que não cabiam nas suas vivências. Mas gostava das músicas suaves tocadas no início do processo de relaxamento, e, acima de tudo, aprendera a apreciar a calmaria, a quietude, e o bem-estar que advinham da prática.

Seus pensamentos eram quase frenéticos quando começou. Pensou em desistir duas sessões depois, mas mudou de ideia ao ter uma conversa franca e empática com o instrutor.

“Eu apenas mostro um dos vários caminhos que você pode percorrer, mas quem vai estar te esperando nessa estrada para te levar é você mesma.”

“Eu?” – ela riu – “Acho que não vou ser uma boa companhia!...”

“Se não se tornar uma boa companhia para si mesma, como acha que vai conseguir caminhar adiante em sua própria vida? Não estamos falando de ser o tempo todo a melhor companhia do mundo, afinal, tem dias que a gente não se aguenta mesmo” – ele devolveu o riso, brincalhão – “Mas, se você tá seguindo direitinho os doze passos, sabe que merece esse perdão de si mesma para com você. É imprescindível que você goste pelo menos um pouquinho mais de você, a cada dificuldade superada, e tente não desgostar se não conseguir superar logo essa dificuldade. É aprender a lidar com seus dias nublados, sem recorrer a nenhum artifício para mascará-los, aceitá-los como parte de sua vida, buscar ajuda, se necessário, para modificá-los. E seguir adiante do melhor jeito que você puder. Sem autopunições, autocobranças, mas sem jamais descuidar de si mesma.”

“Herbert, a vida não é essa maravilha good vibes que você tá falando não. Com todo o respeito, é mais fácil ser good vibes no seu caso, porque você nunca vai sofrer a violência que uma mulher preta, pobre, periférica, lésbica e dependente química como eu sofro. Mesmo com essa sua cara de “ripongo” barbudo e cabeludo, quem deixaria de te atender bem, se você entrasse em uma loja ou restaurante, com esses cabelos brancos, a pele clara, os olhos azuis? Que segurança ficaria te seguindo no supermercado, achando que você poderia roubar qualquer coisa? Que policial te pararia na rua por motivo de porr* nenhuma, só pra te revistar, te humilhar, te esculhambar, te agredir, e talvez até te matar? Quantos amigos, parentes e conhecidos brancos seus você viu morrerem vítimas da polícia, da miséria, ou da criminalidade? Aqui mesmo, neste hospital público: qual é a cor e a origem da maioria dos pacientes internados pelo SUS? Eu mesma, só não sou fichada na polícia, porque minha ex, que também é preta, teve pena de mim e da minha mãe, e retirou a queixa. Os PMs estavam se recusando a me levar na emergência ou chamar uma ambulância pra mim, em plena convulsão de abstinência, e ela teve que praticamente implorar de joelhos pra eles me salvarem, mesmo depois de eu ter destruído o apartamento dela.”

Depois de pensar um pouco, Herbert a contemplou grave e tranquilo:

“Se eu disser que sei de cem por cento de todos os seus traumas, a sua situação perante a sociedade, pertencendo a mais de uma minoria, eu estarei sendo desonesto. No máximo, posso me esforçar para te compreender, te acolher e te ensinar o que sei sobre técnicas de meditação, para complementar o autocuidado que você está tendo ao fazer psicoterapia e seguindo com o tratamento psiquiátrico. Este mundo está em guerra há muito tempo, isso não há como negar. Minha proposta é a seguinte: não quero que você faça de conta que a meditação vai te levar a um universo cheio de flores e arco-íris, onde todo mundo vai te aceitar e ser seu amigo, e os preconceitos sumirão como por magia. Ou que tudo vai dar certo apenas se você pensar positivo, porque não é assim que funciona. Se fosse, Jesus Cristo teria escapado da cruz” – Jordana riu disso, e o instrutor acabou rindo também.

“Se Jesus voltasse, como muitos dizem por aí que vai, seria apedrejado e crucificado de novo, disso eu tenho certeza...” – ela observou, jocosa.

“Pois é. Veja você: foi preso, condenado, torturado e assassinado injustamente, só por estar ao lado dos marginalizados da época, contra os poderosos. Então, se coisas ruins podem acontecer a pessoas de boa-fé, ou coisas boas podem acontecer a gente má e inescrupulosa, tudo o que podemos fazer é nos unir e aprender a nos proteger quando algo ruim vier até nós. É saber o momento de se levantar e batalhar pelo que é de direito nosso e pelos outros que também sofrem, e de se recolher para recuperar nossa paz interior e integridade pessoal quando não houver forças para lutar naquele momento.”

“Tem uma galera aí da meditação, da yoga, que se diz espiritualizada, ‘da paz’, ‘do bem’, que não quer guerra, mas vira as costas e fecha os olhos para a desigualdade social bem na frente da cara delas. Isso quando não se aliam a ideologias que pregam que nós somos discriminados porque merecemos, ou ‘fizemos algo ruim em outras vidas e agora temos um karma pra pagar’, e pá, e coisas do tipo. Como não mandar essa gente praquele lugar, você sabe onde?”

“Eu também não creio no conformismo que distorce a mente de quem não entende o real propósito da meditação. Se a meditação não trouxer consciência para além do próprio ego, então estão fazendo tudo errado. Além disso, essa turma nem sabe o que diz! Não compreendem a profundidade e o verdadeiro sentido da palavra ‘karma’, e espalham muitas ideias erradas, mas isso é conversa para outro dia. Em primeiro lugar, a meditação é uma ferramenta complementar ao seu tratamento aqui, cuja função principal, além de te desintoxicar, é te levar ao autoconhecimento. Em segundo lugar, é para te ensinar a ter consciência daquilo que você pode melhorar em você e no mundo, e entendimento do que você pode fazer a respeito do que não está ao seu alcance mudar.”

Com isso em mente, Jordana passou a se esforçar e persistir na prática. Levou certo tempo, até ela parar de se recriminar quando não atingia seu objetivo de silenciar e observar como uma espectadora os próprios pensamentos e emoções.

Sua preocupação constante era: o que posso fazer para não recair tão fácil? Como suplantar o desejo pela euforia rápida e deliciosa da cocaína?

Sabia que era uma condição que a acompanharia pelo resto da vida. Enquanto estava ali, naquele ambiente relativamente protegido, sem enfrentar as durezas do dia a dia, batalhar pelo sustento, sofrer discriminações a torto e a direito por ser quem era, parecia fácil deixar esses pensamentos intrusivos “falando sozinhos”, como uma pessoa irritante a quem ela podia ignorar. Mas, como seria lá fora, depois?

No entanto, lá fora havia também esperança: uma rede de amor. Sua mãe, seu maior exemplo de superação de adversidades, abrindo mão de si mesma tantas vezes pelos filhos. Seu irmão, que tinha todas as razões para não perdoá-la, e menos ainda ajudar sua mãe a sustentá-la com seu salário suado, mas, mesmo assim, fez tudo isso por ela. Jaqueline, que a conheceu numa ocasião insólita há tantos anos, e cuidava dela nos momentos mais cruciais, como a irmã que Jordana nunca teve. Paula, a prima que era como uma tia querida postiça, sempre compreendendo os dilemas de Jordana e a aconselhando de igual para igual.

E havia Núria.

Como explicar a reentrada inusitada em sua vida da menininha infeliz e solitária, filha da coordenadora que Jordana tanto odiou no passado, agora metamorfoseada em uma jovem mulher interessante, atraente, doce, que amava, respeitava e venerava Jordana, mesmo tendo conhecido seu pior lado quase logo de cara?

“Eu não sou uma pessoa muito espiritual, mas... é incrível! Sinto que você e eu, é como se nós tivéssemos marcado um encontro. Nem eu mesma sei por que me sinto dessa forma!”, disse certa vez Núria, admirando o canto de um sabiá, em uma das visitas em que as duas saíam a passear de mãos dadas pelo extenso jardim da instituição.

Na ocasião, Jordana apenas achou bonitinho, e respondeu com um beijo na mão dela entrelaçada na sua. E só durante essa sessão de meditação, compreendeu a profundidade e grandiosidade daquelas palavras.

Também não sabia explicar esse amor que crescia dia após dia dentro dela, e as misteriosas sensações de déjà vu ao se sentar ao lado da namorada naqueles jardins, para apreciar as numerosas e imensas árvores que davam ao lugar o aspecto de um parque natural.

“Herbert...”

“Sim, Jordana?”

“Acho que agora eu compreendo...”

Ela sorriu para a luz matutina que os aquecia naquele início de outono fresco.

 

Fim do capítulo

Notas finais:

Espero que aqueça o coração de vocês, como aqueceu o meu.  <3


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Comentários para 17 - Capitulo 17 - A poucos metros do nirvana:
Angell
Angell

Em: 08/06/2023

Boa noite, andei sumida mas voltei para acompanhar a história! Muito bom esse capítulo!! O primeiro beijo delas no capítulo anterior foi incrível!!Espero que esse sentimento por Núria ajude Jordana ter forças para se livrar desse vício. Núria é mesmo um sonho e Jordana tem muita sorte de ter alguem como ela em sua vida, espero que ela faça por merecere não magoe Núria! Um abraço!


Billie Ramone

Billie Ramone Em: 12/06/2023 Autora da história
Seja bem vinda de volta! :)))))))))))))))
esse pessoal achando a Núria o máximo e eu queimando o filme dela no próximo capítulo kakakakaka!
antes de tudo, a força da Jordana vai vir de si mesma. O amor de Núria (exceto em casos que eu não vou dar spoiler ksksksks) é um complemento.
Mil beijos!


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Marta Andrade dos Santos
Marta Andrade dos Santos

Em: 05/06/2023

Fico contente por Jordana elas merecem ser feliz.


Billie Ramone

Billie Ramone Em: 12/06/2023 Autora da história
Com toda a certeza! esse é o caminho, mesmo tropeçando de vez em quando kakakaka! :))))


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