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Sem limites por Billie Ramone

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Palavras: 4399
Acessos: 401   |  Postado em: 29/05/2023

Capitulo 16 - Roxo e branco como ametista

 

Era uma tarde quente de verão. O ano de 2015 estava prestes a terminar. Núria esperava toda nervosa, andando de um lado para outro na sala de espera do Nise da Silveira, segurando a alça da bolsa cor de juta.

Usava um vestido branco, com florezinhas minúsculas roxas, para combinar com o colar de ametistas em seu pescoço. Nos pés, sandálias marrom-claras de salto baixo. Seu perfume floral, com um leve toque adocicado, enchia o ambiente, sem enjoar. Os outros visitantes a observavam discretamente, alguns com admiração, outros, com inveja.

Seu coração deu um imenso salto ao ver a figura alta e meio hesitante de Jordana, acompanhada de um enfermeiro. Ao dar com Núria, Jordana arregalou um pouco os olhos e entreabriu a boca, embasbacada.

Encantamento, vergonha, culpa, remorso, e algo mais profundo que não tinha nome – tudo isso fez Jordana estacar no mesmo lugar. Era como se tivesse uma visão: uma fada, ou um anjo, que a encarava com aqueles lindos olhos escuros rasgadinhos, um meio sorriso quase infantil nos lábios rosados.

“Ela tá linda com esse cabelo...”, pensou, ao ver o corte chanel na altura da mandíbula, a franjinha inocente, e as mechas laterais presas em um pequeno rabo-de-cavalo, deixando o restante solto. O colar de ametistas enterneceu Jordana. Núria estava mais adorável do que nunca!

Jordana simplesmente não tinha coragem de sair do chão, como se estivesse pregada onde parou. Foi necessário que Núria fosse até ela.

 

“Se eu soubesse que era você quem vinha, eu tinha pelo menos me arrumado melhor. Ainda bem que tomei banho e penteei o cabelo. Deixe ver se meu desodorante não tá vencido” – Jordana brincou, erguendo o braço, mesmo em meio ao seu ar retraído e desanimado.

Ainda naquelas roupas simples – bermuda de tactel cinza, camiseta salmão de algodão e chinelos – Jordana não perdia a presença marcante e imponente, e nem aquela tristeza embotava a beleza de seu rosto e de seu sorriso perfeito. Precisou tirar as tranças durante a internação, então seu cabelo tinha naquele momento um comprimento médio, preso para o alto num bem feito afro puff.

Núria riu baixinho, contemplando-a com meiguice. Olhando de lado, Jordana se encabulou com aquele brilho. Não sabia se aquilo a alegrava, ou se era motivo de uma preocupação ainda maior. Mordeu os lábios.

“Você tá muito linda, de verdade. Mas não sei se isso tá certo.”

Núria desfez o sorriso e inclinou de leve a cabeça. Aquilo atingiu seu coração como uma pedrada.

“Eu não vim aqui hoje como enfermeira. Vim como amiga. Não tem certo ou errado nisso.”

“É exatamente por isso que eu tô dizendo...” – Jordana tinha os olhos baixos, os cotovelos apoiados nos joelhos e a coluna encurvada. Mexia com os próprios dedos.

Núria suspirou.

“Você prefere que eu não venha? Se isso for ruim para você, tudo bem. Eu posso...”

“Sabe qual é o problema?” – Jordana interrompeu – “É que isso não é nem um pouco ruim para mim. Mas não é esse o ponto. Você não deveria estar aqui.”

“Por que não?”

“Núria, entenda: volte para o seu mundo, onde não vai ter ninguém te machucando, onde você só vai ter problemas de gente branca, e muita gente melhor que eu para ser sua amiga. Eu sou um caso perdido.”

Núria desviou o olhar para o jardim.

“Você sabe que eu não acredito nisso.”

“Não é sua crença que vai mudar alguma coisa. As coisas são como são, e é isso. Eu cometi um erro. Durante esse tempo todo aqui pensei em como não deveria me aproximado e me envolvido demais com você, porque acabaria dando problemas depois.”

“Você está certa. Eu era a enfermeira, você a paciente, e eu cruzei uma linha que não deveria ter cruzado. Fiquei pensando muito em como me redimir com você, porque se minha atitude tivesse sido correta, nada daquilo teria acontecido.”

“Mas aquela merd* toda não foi culpa sua” – Jordana soltou um pequeno riso amargo, meneando a cabeça – “A Djanira já vinha ignorando faz tempo nossas reclamações contra a...”

“Sim, eu sei. Não só a Juliana foi mandada embora, mas a Djanira também. Levou muito tempo até a Rebeca me convencer de que eu não era culpada disso aí também, e de fato eu não sou. Mas, quanto a você...”

“Eu não vou continuar fingindo que eu não sei de nada, Núria. Eu já entendi tudo, e sei o que você quer me dizer, no fundo. É por isso que estou te avisando, antes que você sofra mais, pra meter o pé enquanto ainda dá tempo. Nós somos completamente diferentes. Por mais treinada que você seja para acolher os problemas das pessoas que passam por lá, só alguém como eu vai entender minha realidade.”

Núria engoliu a seco. Esfregava os polegares nervosamente na alça de sua bolsa. Virou-se para frente e recostou-se no banco, ficando lado a lado com Jordana.

“Achei que você confiava em mim, gostava de conversar comigo...”

“E eu gostava. Quer dizer, gosto. Mas isso enquanto você era minha enfermeira. Não é que eu tenha deixado de gostar, mas as coisas são diferentes agora.”

Núria soltou um risinho triste.

“Acho que você está certa. Eu pensei que, agora que você está aqui, eu poderia... Enfim...”

“Não tenho o direito de te forçar a nada”, pensou, com o coração opresso.

Um suspiro alto e longo escapou do peito de Jordana. Ela estendeu os braços abertos para trás do encosto do banco de concreto. Depois de um tempo, observou Núria ternamente, e colocou uma mecha de seu cabelo atrás da orelha.

“Você combinou muito bem com esse cabelo. E eu amei que você tá usando o colar. Tá muito linda.”

“Obrigada de novo!”

Núria não tinha coragem de encará-la. Na verdade, se sentia envergonhada diante de sua ex-paciente, que a relembrava de seus deveres éticos profissionais – os quais ela, Núria, mesmo não cuidando diretamente do caso de Jordana no momento, mais uma vez estava descumprindo.

“Eu quero te contar algumas partes da minha vida que eu ainda não falei, nem no NA, nem pra Rebeca, nem pra você. Os psicólogos e psiquiatras daqui conhecem bem, porque, cê sabe, é minha quinta vez aqui. Mas acho que é bom você ouvir também e saber dessas coisas, porque eu realmente não quero que você continue enganada a meu respeito.”

E, sob o olhar atento da jovem enfermeira, Jordana contou tudo, desde detalhes do seu conturbado relacionamento com Aline, seu envolvimento com o tráfico, até o dia em que foi ao CAPS AD pela segunda vez, e conheceu Núria.

 

*Meses antes:

 

Ao acordar, Jordana olhou lentamente ao seu redor: estava na enfermaria da emergência da UPA central. Fátima se levantou e se abeirou da maca, assim que a filha abriu os olhos.

“Mãe...”

“Graças a Deus!” – Fátima tomou-lhe a mão e beijou.

Mais uma vez os remédios que lhe davam sonolência, deduziu Jordana. Tinha muita dificuldade em manter as pálpebras abertas.

“Mãe... eles... vão me prender... me matar...”

“Shhhhh, fica quietinha agora. Descansa.”

“Não deixa... polícia...”

Voltou a adormecer, sob as carícias a mãe em seus cabelos. Ao acordar e receber alta, pediu:

“Mãe, tô morrendo de fome.”

“Você não consegue chegar até em casa?”

Jordana balançou a cabeça. Pararam em uma lanchonete. Apesar do dinheiro contado, Fátima não regateou para que a filha comesse dois sanduíches gigantes inteiros, mais um grande copo de milk-shake.

Em casa, Jordana ainda assaltou a geladeira, fazendo um prato enorme de arroz, feijão, linguiça e salada de tomate. No meio da refeição, para sua surpresa, Fátima recebeu Jaqueline e Felipe na porta, levando-os para a cozinha onde Jordana comia.

A amiga a abraçou, os olhos marejados.

“Nunca mais faça isso com a gente, nega! Se você morrer, eu vou lá te buscar onde você estiver, e te mato de novo!”

Lipe se juntou ao abraço. Jordana, com a boca cheia de comida, chorava.

Tinha trazido da UPA uma caixa de ansiolíticos fortíssimos de tarja preta, que ela tomava uma ou duas vezes por dia. Seus dias se resumiam a comer feito uma maluca e dormir como se não houvesse amanhã. Tudo para não dar atenção à fissura que a consumia.

“O que eu vou fazer quando esses remédios acabarem?” Jordana se angustiava. Sabia que, não tão longe dali, havia “shoppings” onde ela poderia conseguir pó facilmente, o que era pior: antes, para se encontrar com Xande e os outros, ela tinha que atravessar a cidade inteira.

Ficava só em casa a maior parte do tempo. A mãe e Rafa, quando voltavam de seus trabalhos no fim do dia, faziam o que podiam para dar-lhe atenção, mas nem sempre era suficiente. E isso não era culpa deles, Jordana sabia. Rafael até mesmo cedeu, todo generoso e confiante, seu precioso PS4 para a irmã se divertir, quando se sentisse entediada.

Não o teria feito, se soubesse o esforço mental extraordinário que Jordana empregou para não levá-lo até a boca de fumo, e obter uma quantidade abissal de droga em troca...

Jaqueline também vinha lhe fazer companhia, sempre que podia. Tinha seu trabalho de revendedora de produtos importados da China na internet, então, seu horário era flexível. De quebra, trazia alguns maços de cigarro para ajudar a amiga a levar a situação o melhor possível.

Certo dia, Jordana saiu para comprar alguns mantimentos no supermercado, a pedido da mãe. Era um sábado. O caminho, infelizmente, passava pela biqueira que ela estava a todo custo tentando evitar.

“E aí, ‘Jozona’! Sumida hein?” – gritou-lhe um rapazinho rechonchudo, todo sorridente. Era tudo o que ela não precisava naquele momento. O cara era um dos principais revendedores de pó naquele local.

“E aí, firmeza?” – ela deu um sorriso sem graça, se aproximando.

“’Tamo’ na atividade. Onde cê tava, fiquei sabendo lá do Xande e dos caras...”

Conversa vai, conversa vem, o indivíduo fez a pergunta fatal:

“E cê não tá mais dando tiro?”

“Não cara, de boa. Deixa eu ir, que minha mãe tá precisando das coisas. Falou” – Jordana praticamente fugiu na direção do mercado.

Fez as compras com a mente longe, martelando obsessivamente em um só pensamento. “Eu não tô aguentando mais!” admitiu para si mesma. Passou as compras no caixa, foi para o terminal eletrônico, e sacou cinquenta reais.

Pouco depois, levava para casa, junto com os filés de frango, a manteiga, os legumes e as verduras, cinco pinos no bolso do agasalho.

Seu corpo desabituado não precisou de todos eles logo de cara. Um apenas e sua fissura já havia sido satisfeita. Passou um final de semana “maravilhoso” em família, sem que ninguém notasse algo de diferente.

Começou a se oferecer para ir às compras todas as vezes. E sempre voltava depois de encher os bolsos de pinos e esvaziar um pouco mais a conta bancária da mãe.

A casa caiu quando Fátima foi retirar o extrato do mês, estranhando a falta de saldo após tentar pagar uma conta de luz. Abriu a boca quando viu: seu cheque especial havia estourado os limites, e haviam vários registros de saques estranhos, que ela tinha certeza absoluta de não ter feito.

Foi para casa atônita. Não queria acreditar em seus presságios mais cruéis. Abriu a porta tremendo, mortificada.

Jordana parecia estar em seu quarto. A porta estava fechada. Fátima bateu.

“Entra” – ouviu a voz da filha de lá de dentro.

Fátima abriu. Jordana tinha os fones de ouvido plugados no celular. Sem uma palavra, Fátima foi até ela e arrancou-lhe o aparelho da mão, o que gerou uma exclamação aborrecida por parte da filha Agarrou-lhe os pulsos:

“Onde é que tá?”

Jordana ficou em silêncio, tentando processar a fúria mal contida da mãe. Um segundo depois, entendeu do que ela estava falando. Mas se fez de desentendida:

“Que isso, me larga!” – deu um repelão irritado com os braços para se livrar – “Tá maluca?”

“Não vai me contar? Eu vou descobrir!” – Fátima enfiou a mão nos bolsos do agasalho, e Jordana passou a se debater, protestando. Depois abriu a gaveta da mesa de cabeceira, jogando todo seu conteúdo no chão. Nada. Foi até o guarda-roupa, escancarou-o, disposta a procurar até no último canto, ou entre todas as peças de roupa da filha.

A essa altura, em pânico, e já bastante agressiva, Jordana avançou para ela para impedir.

“Sai do meu quarto! Cê tá louca! Para! PARA DE MEXER NAS MINHAS COISAS! VOCÊ NÃO TEM ESSE DIREITO! SAI!!!” – puxava-a pelo braço violentamente.

“QUEM NÃO TEM O DIREITO É VOCÊ DE FAZER ISSO! QUE É? PENSOU QUE IA ME ENGANAR POR QUANTO TEMPO MAIS? ACHOU QUE EU NUNCA IA DESCOBRIR?” – Fátima gritou de volta.

Rafael, que naquele dia estava de folga, saiu correndo imediatamente de seu quarto, como se tivesse um sensor de alarme de prevenção contra a irmã mais velha e suas crises.

“O que tá acontecendo aqui?” – invadiu o quarto de Jordana e instintivamente se colocou diante da mãe para protegê-la. Pela altura e porte físico, era o único capaz de enfrentar a irmã.

O problema era que, quando drogada, Jordana parecia ter a força de cinco homens grandes. Quase não sentia dor e não temia nada.

“Não se mete, moleque!” – Jordana rosnou, cerrando os punhos.

“Cê tá roubando de novo da mãe pra comprar droga? É isso? A gente não se mata de trabalhar pra você ficar o dia inteiro em casa enchendo o cu de farinha!” – Rafael apontou o dedo na cara dela.

“Tira esse dedo da minha cara!!!” – ela empurrou a mão dele com força.

“Pelo amor de Deus, PAREM!!!!” – Fátima tentou intervir.

“A gente tá aqui dando duro o dia inteiro pra você melhorar, e é assim que você agradece, sua folgada? Ninguém aqui é obrigado a sustentar seu vício não!!!”

“CALA A BOCA!!!”

“CALA A BOCA VOCÊ! QUEM TEM QUE CALAR A BOCA AQUI É VOCÊ!!!!!!!” – Rafael se aproximou demais, apontando para o peito de Jordana, furioso.

“VAI TOMAR NO SEU CU!!!” – ela o empurrou com violência.

Rafael teria resistido ao empurrão se, no pequeno cavaco que ele deu para trás, não tivesse pisado em uma pulseira de miçangas que Fátima deixou cair no chão durante sua revista. Ele acabou escorregando e caindo com força para trás, as costas e a cabeça quebrando a frágil porta de MDF do guarda-roupa.

Fátima deu um grito. Rafael parecia ter desmaiado. Jordana, de irada foi para assustada em menos de um segundo. Ficou parada, olhos esgazeados, boquiaberta, sem saber o que fazer.

Viu a mãe correr para acudir o irmão, gritando-lhe o nome. Aproveitou a confusão para fugir.

Deu seu celular como pagamento na boca, e ganhou uma provisão bastante grande. Passou o dia inteiro se drogando na casa de um conhecido quase vizinho. Queria esquecer a cena deplorável em sua casa. Queria se esquecer de que poderia ter matado o irmão mais novo, e da vontade que tinha de saber se ele estava bem ou não. Queria apagar a expressão raivosa e decepcionada da mãe ao desmascará-la, e, acima de tudo, queria esquecer-se até mesmo de quem era.

No dia seguinte, não queria voltar para casa. Mesmo que Rafael estivesse bem, não seria capaz de enfrentar a situação. Não tinha forças para suportar os olhares que certamente receberia da mãe e dele. E se ele não estivesse bem, não suportaria a culpa. Intoxicou-se ainda mais para tentar não deixar isso a abalar.

Passou dias na casa desse conhecido que morava a três quarteirões de sua casa, e era habitué da biqueira onde ela comprou toda aquela farinha.

Antes mesmo de seu estoque acabar, ela sentiu uma dor muito forte no peito. Não sabia se era princípio de overdose, dor emocional, culpa, ou tudo junto.

Depois de uma madrugada em claro, o conhecido – cujo nome estrangeiro difícil Jordana nunca lembrava, mesmo perguntando mil vezes – desmaiado em um canto depois de cheirar e beber, Jordana tinha os olhos vazios  , observando pela janela da sala. Pessoas saíam para trabalhar, levavam a vida normal que ela levara até quatro anos atrás, tinham filhos, eram felizes ou tristes e, mesmo assim, enfrentavam suas dificuldades sem se esconder atrás de vício nenhum.

Uma mulher, com a camiseta de uniforme de uma loja de roupas, passou com sua filhinha saltitante e feliz, linda em sua trancinhas, sua pele quase do mesmo tom da de Jordana. Devia ter uns cinco ou seis anos, e também estava uniformizada, com a mochila rosa nas costas, indo para a escolinha. Jordana chorou e rezou mentalmente para que aquela garotinha jamais sofresse o que ela sofreu durante sua infância.

Os últimos pinos tinham se acabado. Ela observou o conhecido adormecido (ou morto?) com sua pele cinérea, e, apesar do grande teco que dera, se sentiu muito infeliz de estar ali, em seu bairro, perto de casa, escondida como uma fugitiva.

Lembrou-se do tal CAPS AD, onde esteve outro dia. Não era perto, mas também não era longe. Pensou em Didi, Lu, Manoel. E acima de tudo, pensou em sua avó Lindalva.

“Desculpa, vó, por ter feito aquilo com a mãe e com o Rafa” – ela disse baixinho, as lágrimas caindo sem parar. Deu-se conta de que a mãe deveria estar desesperada, já que Jordana não tinha mais seu celular consigo, e ninguém poderia contatá-la.

Pegou seu agasalho, saiu de mansinho da casa do cara, fechando a porta sem fazer barulho. Apesar de saber mais ou menos a localização do CAPS AD, não sabia bem como chegar lá a partir de seu bairro. Mas decidiu que, nem se fosse perguntando de pessoa em pessoa, iria até lá de qualquer jeito.

 

Desta foi recepcionada e entrevistada por Djanira. Na ocasião, a assistente social a acolheu com muita atenção e respeito. Depois da longa entrevista, entre conselhos, desabafos, e até algumas lágrimas de Jordana, a mulher disse:

“Quer ligar pra sua mãe pra saber como estão as coisas e avisar que você está aqui?”

“Você pode fazer isso por mim, por favor?”

“Posso sim. Mas agora vou te encaminhar para o psiquiatra, e ele vai avaliar seu estado de saúde, junto com a enfermeira, ok?” – e anotou o número de Fátima que Jordana lhe ditou em uma folha de seu caderno.

A casa era grande e cheia de corredores. Djanira a seguiu por um tempo na direção do consultório psiquiátrico, mas foi interceptada por outra assistente social, que alegava algo meio urgente. Djanira indicou a Jordana uma saída nos fundos.

“É só seguir reto aqui, depois você vira à esquerda, e vai encontrar algumas portas. Na do psiquiatra tem uma plaquinha escrito ‘Dr. Dirceu Mello’, é lá. Se não encontrar, tem uma enfermeira com ele que pode te ajudar. Logo eu vou lá me encontrar com vocês, é rapidinho.”

“Obrigada.”

Havia outra construção nos fundos da casa. Jordana atravessou a passagem de cimento e entrou por uma porta envidraçada. Viu uma jovem sentada diante de um notebook, escrevendo toda concentrada.

“Com licença. Estou tentando encontrar a sala do Dr. Dirceu, me disseram que é por aqui...”

Para seu espanto, reconheceu a jovem de jaleco branco assim que a observou mais de perto. Custou a acreditar que aquela garotinha “vesguinha”, de óculos “fundo de garrafa”, sem nada de especial, tinha crescido e se tornado uma bela mulher.

 

“Eu me liguei que era você na hora. A filha da Dona Regina. Era muita coincidência!” – Jordana riu suavemente – “Depois a Djanira veio me dizer que meu irmão estava bem, não aconteceu nada grave, mas deu a entender que, naquele momento, nem minha mãe, nem ele, estavam preparados para falar comigo ainda. Depois que saí da UPA, até falei com minha mãe no dia, mas o Rafa... Até hoje não recebi visita dele.”

Núria olhava para algum ponto no céu. Então foi sua vez de suspirar alto.

“Jordana, isso que você acabou de me contar não é nada fora do comum do que eu já vi e cuidei desde que comecei a me especializar nessa área. Tem histórias e histórias parecidas com a sua, outras piores, outras nem tão graves. Não me entenda mal, não estou te invalidando e colocando no mesmo saco junto com outras pessoas adictas” – sentou-se de lado no banco novamente, de frente para Jordana – “Só quero dizer que, se você se considerar um caso perdido, aí realmente você será. Só que eu vi vários ‘casos perdidos’ como você encontrando uma saída. Não é simples, não é fácil, e eles não são a maioria, você sabe muito bem. Eu também não tenho tantos anos de experiência assim na área, já que ainda estou na minha pós-graduação... Mas não é um diploma que vai me dizer como fazer o melhor por essas pessoas. Por você.”

“Mas existe uma diferença muito grande entre ajudar pessoas como eu sendo enfermeira de saúde mental, e conviver comigo. Você já viu minha mãe, o Rafa, a Jaque, e outros parentes e amigos, ou codependentes como vocês chamam. Quando a fissura bate, a gente pode fazer tudo de ruim com eles, incluindo colocar a vida deles em perigo. Deus sabe que tipo de pessoa eu viraria se o Xande não tivesse morrido e eu continuasse a trabalhar pra ele...”

“Mas não virou. Você está aqui, tendo uma nova chance, com pessoas que te querem bem ao seu lado, dispostas a te ajudar, torcendo muito por você.”

Tomando coragem, Núria pousou sua mão, agora quente e sedosa, sobre a de Jordana.

A princípio, a paciente virou sua palma para cima e segurou aquela mãozinha pequena com carinho. Depois, colocou-a de volta no colo de Núria, balançando a cabeça.

“Você é um anjo, Núria. Me desculpe. Eu não posso, e não quero entrar na sua vida e destruí-la assim.”

Frustrada, respirando um pouco mais forte, Núria trincou os dentes, e soltou de repente:

“Você já me chamou de anjo há muitos anos atrás, sabia? Antes da gente se ver no CAPS!”

Jordana a encarou confusa.

“Naquele dia eu acho que você estava bêbada, ou chapada, mas, mesmo que não estivesse, talvez não se lembrasse depois, de qualquer forma. Você me viu na entrada do banheiro da Chopada de 2011, sorriu para mim tão feliz, que eu até pensei que me conhecia, ou tivesse me confundindo com alguém. E então, você me disse uma coisa, que eu não me esqueci até hoje...”

Os olhos cor de avelã escura de Jordana se abriram um pouco mais, estupefatos.

“Você disse que os anjos são muito mais bonitos quando sorriem. E eu só conseguia pensar que... Nunca, nem no céu, nem em nenhum outro mundo, haveria o sorriso de um anjo que fosse mais lindo que o seu!...”

Jordana puxou pela memória aquele dia. Lembrou-se apenas do instante em que viu Núria, toda desajeitada sobre os saltos altos, chegar com a irmã e outras garotas. Estava prestes a comentar algo sobre, quando Núria continuou, agora encarando-a muito séria, seus olhos negros faiscando:

“Portanto, se você quis me contar sua história pra tentar me afastar de você, dizer que você é uma pessoa horrível, criminosa, perigosa, sem solução, e outras coisas ruins mais que você quiser, saiba que não funcionou. Eu não vim aqui atrás de uma mulher lindíssima que sorriu pra mim há anos atrás, e continua com o mesmo sorriso lindo hoje em dia. Eu estou aqui porque vi, debaixo de toda essa camada de sofrimento que você carrega dentro de si, e que você causou aos seus entes queridos, um ser humano ainda capaz de se preocupar comigo e com todos os outros que você feriu um dia. Parece um argumento fraco para justificar o que sinto? Talvez seja. Mas a única coisa que vai me fazer me afastar de você é sua própria vontade, e não esses erros que você cometeu porque sofre de uma doença.”

Núria a olhava como que em desafio. Concluiu, depois de uma pausa tensa:

“Se você não me quiser por perto, é só me dizer, que eu vou embora. Depois, não vou insistir mais. Tem a minha palavra.”

A perplexidade de Jordana não tinha tamanho nesse momento. Ela simplesmente mirava aquele rostinho meigo de menina, todo avermelhado pela emoção, e não conseguia pronunciar uma sílaba sequer.

 

Na saída dianteira, até onde os pacientes podiam ir, havia uma pequena alameda com um belo e perfumado caramanchão de manacás brancos, lilases e roxos. As duas o percorriam a passos lentos, quietas e perturbadas.

Depois de suas palavras inflamadas e o silêncio difícil que se seguiu e se prolongou, Núria achou melhor se despedir. Às vezes, o que não era dito falava por si só mais do que qualquer discurso.

Por outro lado, Jordana sentia-se ferida. Precisava mantê-la longe de si, mas não queria. Seu coração doía só de pensar na possibilidade de não voltar a ver Núria novamente. Dela se mudar de volta para São Paulo, ou sumir no mundo. Ela podia, e certamente faria isso se encontrasse novas e melhores oportunidades de trabalho e estudo.

“Afinal de contas, o que eu tenho para oferecer pra ela, senão um inferno de sofrimento e decepção? É melhor que ela vá, encontre alguém que a faça se apaixonar e cuide muito bem dela, como ela merece..” Jordana se esforçava para se convencer a qualquer preço.

Núria parou no limiar do caramanchão onde pacientes e visitantes se despediam. Mordeu os lábios e as bochechas por dentro.

“Me desculpe. Você vai ficar bem” – Jordana tentou não parecer tão miserável ao dizer isso, mas falhou.

Perfurando-a com os olhos, Núria respondeu:

“Me desculpe você.”

“Não tenho o que desculpar em você” – Jordana deu um sorriso torto amargurado.

“Mas agora vai ter!”

Núria deu um passo adiante e ficou na ponta dos pés. Tomou o rosto de Jordana entre suas mãos, fitou o fundo de seus olhos por um segundo, como se pedisse permissão.

E então mergulhou seus lábios no dela. Jordana prendeu a respiração a princípio, aturdida. A boca de Núria começava a se mover, e Jordana apenas teve vontade de fechar seus olhos e segui-la. Núria aprofundou o beijo, enlaçando o pescoço de sua amada, adejando os lábios, invadindo suavemente o território de Jordana com sua língua. Jordana recebeu-a com todo o carinho e paixão que, até então, estavam represados em sua alma, e repentinamente despedaçaram todas as comportas. Agarrou com força a cintura de Núria e puxou-a para si.

 

Fim do capítulo


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Comentários para 16 - Capitulo 16 - Roxo e branco como ametista:
thays_
thays_

Em: 30/05/2023

AHHH que beijo! Que beijo, Billie! Esperei muito por esse momento e valeu a pena esperar. A Núria é muito apaixonante, toda fofa. Jordana, minha filha, toma cuidado com essa moça! Ansiosíssima para o próximo!

Eu fiquei com uma dúvida a respeito de algumas cenas dos capítulos anteriores, aquelas alucinações da Jordana, as vozes, as pessoas, você acredita que são originárias pela droga ou imagina algo tipo uma obsessão espiritual? 


Billie Ramone

Billie Ramone Em: 05/06/2023 Autora da história
Fico super feliz que tenha gostado! espero que goste do próximo, vai ter uma pimentinha de leve, pero no mucho kakakakakaa :)))))))

assim, eu tenho minhas crenças, mas eu narrei de acordo com o relato de alguém viciado mesmo. às vezes ele achava que as cãibras e dores eram monstros despedaçando seu corpo, mas há quem diga que seres assim vampirizam pessoas viciadas. eu aposto que é uma mistura dos dois, alucinação e presenças espirituais pesadas.

Eu ainda não sei qual o signo da Núria, vc que manja desse departamento, é capaz de me dar um palpite? fiquei com essa pulga atrás da orelha kakaka!


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Marta Andrade dos Santos
Marta Andrade dos Santos

Em: 30/05/2023

A redenção!


Billie Ramone

Billie Ramone Em: 05/06/2023 Autora da história
É pra glorificar de pé, irmãs! :)))))))))))))))))


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