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Sem limites por Billie Ramone

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Palavras: 3803
Acessos: 386   |  Postado em: 26/05/2023

Notas iniciais:

AVISO DE GATILHO: uso de drogas ilícitas, síndrome de abstinência, alucinações.

Capitulo 15 - Desconfortavelmente entorpecida - Parte 2

 

Jordana ficou pelo menos um ano internada desta vez. Mais do que das outras vezes. Ao sair, a depressão e a apatia a consumiam por dentro, pela perda de Aline.

Foi procurar seus velhos fornecedores de sempre, e se deparou com uma surpresa assustadora: eles apontaram uma arma para ela, dizendo que sua dívida com eles chegava a quase dez mil reais. Ela gaguejou que não tinha como pagar naquele momento.

“Vai ter que trabalhar pra gente então” – determinou Xande friamente – “Cê escolhe: prefere abrir as pernas ou acompanhar os ‘irmão’ nas ‘missões’?”

Descartando imediatamente a possibilidade de se prostituir, Jordana escolheu participar como piloto de fuga em dois assaltos à mão armada, e fazer entregas e compras de drogas em cidades distantes e estados adjacentes, regiões perigosamente visadas pela polícia federal. Nestas últimas, ia sempre acompanhada de algum homem fortemente armado vigiando-a, para que não cedesse à tentação de consumir a mercadoria.

De vez em quando, ganhava uma quantidade mínima de cocaína de má qualidade de brinde, que mal satisfazia seu vício. Suplicava quase de rastros para Xande que lhe desse mais, mas ele sempre zombava dela:

“Aí, fica esperta, que quem chapa demais, é que nem cu de bêbado: fica sem dono” – aludindo ao fato de que ela teria que pagar por uma dose maior fazendo exatamente o serviço que execrara de início.

Um dia, ela estava cogitando engolir seus princípios e dignidade para conseguir uma quantidade maior de pó para si, durante uma viagem com um vigia para o Mato Grosso do Sul. O homem ordenou:

 “Ali, entra naquela placa branca do pesqueiro.”

Depois de uns vinte minutos seguindo as orientações dele, chegaram em um sítio aparentemente bem cuidado. Foram recebidos por homens armados de fuzis.

O vigia de Jordana saiu do carro. Um sujeito que parecia ser o chefe da quadrilha apareceu, levou-o até certa distância, e os dois conversaram. Jordana apertava as mãos no volante, percebendo que os caras com fuzis a mantinham sob olhos atentos.

O vigia veio até o carro:

“Passa a bolsa aí” – disse a Jordana, que retirou uma mochila cheia de dinheiro de debaixo de seu banco e entregou-a.

O vigia abriu a mochila. O chefe da quadrilha pegou alguns maços na parte de cima e debaixo, conferindo se haviam notas falsas. Então o vigia abriu o porta-malas, removeu o fundo falso, e funcionários do chefe da quadrilha começaram a carregar o carro com tijolos e caixas pequenas de papelão lotadas de pinos.

Jordana tremia só de pensar na quantidade de pó que estava bem ali ao alcance de suas mãos. Pensou em mil possibilidades. A mais insistente era: “E se eu capotasse o carro para fora da estrada, e ele perdesse a arma? Será que dava pra fugir com alguma coisa?”

Mesmo sabendo que corria sérios riscos se tentasse qualquer loucura do tipo, fosse pelo acidente, fosse “passada” pelo vigia, ela não conseguia evitar de maquinar alguma maneira de obter pelo menos um pouco daquele carregamento para si, que ela sabia ser puríssimo e da melhor qualidade, direto da Bolívia. Bem melhor que a farinha batizada que Xande lhe fornecia de vez em quando...

Saíram pela estrada de terra e logo ganharam o asfalto. A viagem correu sem novidades. Pararam apenas uma vez em um posto para abastecer e comer algo. O vigia confiscou-lhe a chave do carro. Jordana não tinha muita fome. Teve que se contentar com o único pino que lhe restava de cocaína com bicarbonato de sódio, que ela cheirou no banheiro do decadente restaurante.

Já a cerca de trinta quilômetros perto de sua cidade, o vigia recebeu uma mensagem. Ergueu uma sobrancelha.

“Aí, parece que a PF fez uma operação lá e passou o Xande, o Zóio e o Pardal, e quem ficou vivo perdeu...”

Houve um silêncio desesperador. Jordana sentia o sangue pulsando forte até dentro de seus ouvidos.

“Quem falou?” – tentou manter a serenidade.

“O Cabrunco. Ele conseguiu fugir...”

Ela teve um mau pressentimento. Aquele homem ao seu lado tinha os olhos inumanos de quem matava gente há décadas, por profissão.

Por um segundo, Jordana pensou em colocar seu plano maluco de causar um acidente em prática. Mas o homem guardou tranquilamente seu celular no bolso, pegou na coronha de sua pistola automática e meneou o cano na direção do acostamento:

“Encosta aí.”

“Que isso, irmão, não precisa fazer nada! Eu não vou abrir a boca...”

“Falei pra encostar aí, porr*!”

Trêmula, com uma voz ainda gritando em sua mente “acelera e vira de uma vez”, Jordana hesitou por alguns segundos. Em seguida, tirou o pé do acelerador e colocou no freio suavemente, enquanto virava o volante para a direita. Parou o carro.

“Cara, cê não precisa fazer isso não! Eu só quero chegar viva em casa, não vou falar nada pra ninguém!”

“Eu sei que não vai. Desce.”

Ela arregalou os olhos pra ele e fez menção de dizer algo, mas ele apontou a arma para a testa dela:

“Desce agora. Vai!”

Imediatamente Jordana desafivelou o cinto e saiu quase tropeçando do carro. O vigia sentou-se ao volante, fechou a porta e arrancou, cantando os pneus.

Eram seis da tarde, estava quase escurecendo. Jordana entrou em pânico. Chorando, pegou o celular em sua bolsa e ligou para Jaqueline.

 

No coletivo, Jordana fumava um cigarro atrás do outro. Tentou um baseado para se acalmar, mas não adiantou muito.

“Eu não tô bem, Jaque! Preciso de um teco, senão vou morrer!”

“Mulher, você quase morreu de verdade hoje! Quer brincar com a sorte ainda???”

Jaqueline levantou-se, as mãos na cintura, parada diante da amiga com a expressão mais furiosa que Jordana jamais vira nela antes.

O corpo inteiro de Jordana tremia. Ela chorava feito criança, balançando o tronco, quase rasgando as próprias roupas e arrancando os cabelos.

“Vem, o Lipe vai te levar para a UPA” – Jaqueline estendeu-lhe a mão.

“Não, não, não, não, não, não, não, NÃO!!! Tem polícia lá!” – Jordana sacudia a cabeça feito uma maníaca.

“Eles não vão te fazer nada, é só pra te darem alguns remédios pra passar a fissura...”

“NÃO, PORRA!!! NÃO!!!!”

Jordana deu um salto do sofá e correu para a porta. Jaqueline e Lipe tentaram segui-la, mas ela foi mais rápida: bateu a porta de correr com força na cara de Lipe, quase esmagando-lhe a mão.

Quinze minutos depois, esgueirando-se encolhida, cabisbaixa, o capuz do agasalho quase escondendo-lhe o rosto, chegou ao ponto onde já tinha visto Xande e os outros venderem muitos pinos: uma rua de botecos decadentes, que também eram zonas de prostituição.

No meio fio viu uma moça conhecida sua: magricela, com roupas mínimas, apesar do frio, cabelo mal descolorido em um tom de loiro alaranjado, dançava sensualmente um funk para um grupo de homens sentados em uma das mesas da calçada.

“Tatá, me ajuda!”

“Jordan! Que aconteceu?” – ela sorriu. Chamava Jordana com um acento inglês, pronunciando “djórdan”.

“Cê tem um teco aí, pelo amor de Deus?” – Jordana transpirava e tremia descontroladamente.

“Ué, pensei que cê tava com o Xande...”

“Passaram ele hoje!...”

Tatá abriu a boca, cobrindo-a com as mãos, espantada.

“Sérioooo? Como foi isso?”

“Agora não dá pra falar, me ajuda logo, por favor!” – Jordana estava prestes a explodir, a chorar, ou ambos.

Tatá olhou preocupada para o dono do bar, depois para Jordana, e disse, hesitante:

“Espera aí, que eu já venho” – deu um pulo até o balcão do boteco, falou qualquer coisa para o dono/atendente, e ele encarou Jordana de longe. Respondeu qualquer coisa no ouvido de Tatá, que meneou a cabeça.

“Vem comigo” – Tatá chamou-a para entrar por um corredor estreitíssimo e escuro na lateral do boteco.

Nos fundos, havia o que parecia a parte de trás de uma casa velha e pequena reformada para abrigar três quartos pequenos. As paredes, parte pintadas há muito tempo, parte só no reboco, cheiravam a mofo.

Tatá entrou por uma porta de metal meio enferrujado, seguida por Jordana, acendendo a luz branca e fria. O quarto só tinha uma cama de solteiro, a cabeceira de madeira em estilo antigo, toda lascada e cheia de cupim. O lençol e a fronha pareciam não ser lavados há muito tempo. Mas foi ali mesmo que Jordana se sentou, pois estava prestes a desabar pelos tremores e dores pelo corpo.

“Eu só tenho isso” – Tatá mostrou dois pinos, que Jordana apanhou de sua mão como um raio.

“Tá ótimo, depois eu te pago” – abriu e despejou na mão mesmo uma quantidade, que inalou sôfrega. Foi despejando e inalando de pouco em pouco, até acabar com os dois pinos. Então, caiu deitada de atravessado na cama, com um grande suspiro de alívio.

Minutos depois, o dono do bar veio bater na porta, chamando por Tatá. Alguém lá fora a estava esperando. Ela não queria sair dali e deixar Jordana sozinha com suas coisas, então puxou-a pelo braço.

“Vamos, Jordan, acho que tem um cliente pra mim. A gente vai usar este quarto.”

“Beleza” – Jordana se levantou de um arranco. Depois encarou Tatá – “Quanto você leva por cliente?”

“Depende. Às vezes cem, em um dia bom, cento e cinquenta a duzentos” – fez um gesto com a mão, convidando Jordana a sair – “Por quê?”

“É muito ruim?”

A prostituta se surpreendeu com a pergunta, mas sorriu.

“Por que, tá querendo entrar pro movimento também? Eu não sei se você vai conseguir muita coisa aqui, tá muito concorrido. Talveeeeez lá pra baixo, no bar da Teresa. Mas eu não sei se ela aceita sapatão não, os caras gostam de mulher feminina.”

“Eu... Você não liga se eu ficar olhando você?”

“Ah!” – Tatá soltou um riso alto – “Eu não ligo, mas não sei se o cliente vai querer.”

O tal cliente não só quis, como sorriu malicioso, com seus dentes estragados, para Jordana. Perguntou a Tatá:

“É sua namorada, é?”

“Não, mas... Se você deixar uma caixinha a mais, ela pode até ser, por você...” – Tatá se enroscou nele, ronronando.

O estômago de Jordana embrulhou. Não por Tatá – embora esta fosse relativamente jovem, via-se que era bastante maltratada pelo álcool e pelas drogas, então não tinha uma aparência muito boa – , mas pelo homem, que comia Jordana com os olhos, praticamente ignorando Tatá beijando-o e abraçando-o.

Seguiu ambos até o quarto infecto como se fosse uma condenada indo para o cadafalso. Tatá dizia um monte de bobagens para excitar o cara. Jordana tinha vontade de fugir correndo, mas um plano havia se estabelecido em sua mente, e ela precisava ficar pelo menos um tempo com eles no quarto.

Os dois foram tirando a roupa. Ao ver o corpo peludo e feio do homem, Jordana precisou de todo seu autocontrole para não torcer o rosto numa careta de nojo.

“Eu quero ver vocês duas” – o homem pediu.

“Calma, querido. Ela disse que quer ver a gente antes. É que ela só trepa com mulher, sabe? Nunca fodeu com homens, então ela quer aprender primeiro” – Tatá contornou com um sorriso.

“Hum, é virgem, é?” – o sujeito disse com uma excitação ainda maior – “Então, olhe e aprenda como é ser comida gostoso por um macho! Depois, é sua vez!”

Jordana olhava para os dois, mas seus pensamentos estavam longe. Esperou, até que percebeu que Tatá se distraiu. Então, pé ante pé, foi até a gaveta da cômoda velha, onde viu que a outra havia guardado sua bolsa, abriu sem fazer barulho, e do mesmo jeito sutil, abriu a bolsa de Tatá. Dito e feito: havia muito mais pinos lá dentro.

Justamente nesse momento, o homem estragou tudo:

“Agora quero descabaçar sua namoradinha com força!” – e olhou para ela, mudando de expressão ao vê-la naquela atitude estranha, com a mão na gaveta.

A súbita alteração dele chamou a atenção de Tatá no mesmo segundo. Ela virou a cabeça na direção onde ele olhava.

“Opa!” – Tatá gritou.

Jordana enfiou a mão o mais rápido possível na bolsa, agarrou quantos pinos pôde, abriu a porta do quarto e saiu em disparada pelo corredor escuro. Ouviu os gritos de Tatá atrás de si, mas suas longas pernas lhe davam uma enorme vantagem sobre a moça magriça e baixinha, que ainda por cima, estava nua. Assim que ganhou a calçada, correu ladeira abaixo, dobrou a esquina e sumiu de vista.

 

A escadaria de um viaduto velho e pouco utilizado era o lugar mais reservado que Jordana encontrou para consumir os três pinos que conseguiu segurar em sua mão. Passava da uma da madrugada quando ela terminou com a última dose.

Saiu andando sem rumo pela cidade. Meio de semana, dificilmente encontraria algum bar decente, pub ou algo do gênero abertos. Por sorte, ainda tinha sua pequena bolsa a tiracolo, desde a aterrorizante viagem com o vigia – em nenhum momento ele disse seu nome, e ela não teve coragem de perguntar também –, e dentro dela havia alguns trocados pequenos e moedas. Parou na loja de conveniência 24 horas de um posto de gasolina para comprar água.

A atendente fitava-a de modo esquisito desde que ela entrou, e assim continuou, até que Jordana saísse de lá. Desta vez, mesmo chapada, segurou a vontade de xingá-la. Naquele instante a polícia não estava ali, mas era um posto muito frequentado por eles, especialmente durante a noite e a madrugada.

Virou a garrafa inteira quase em um só fôlego. Continuou caminhando. Seu corpo ainda não dera os evidentes sinais de cansaço que seu rosto abatido e com olheiras demonstrava.

Só quando ela viu os bancos de um dos quiosques de uma praça, sentou-se um pouco. Havia pessoas em situação de rua dormindo por ali.

“Moça, não vim roubar a senhora, não faço coisa errada, mas só vim aqui pedir...”

“Tá falando com a pessoa errada, irmão. Gastei tudo o que tinha.”

“Uma moedinha de cinco centavos já ajuda...”

“É, eu sei... E se eu tivesse qualquer dinheiro agora, não ia te dar, porque ia procurar algum lugar onde vende pó.”

“Dependente também?” – ele se sentou no quiosque enfrente.

“Infelizmente, graças ao diabo.”

“Aqui a gente só consegue pedra. Tem uns ‘mano’ que vende, que cola aí todo dia, mas acho que agora só mais tarde.”

“Tô de boa. Não quero enfiar minha vida no cu mais do que já tá.”

O rapaz riu da contradição.

“’Tamo’ tudo na mesma merd*, irmã. Tem diferença não.”

“Cê fuma?” – ela quis saber.

“Tô tentando parar.”

“Como?” – foi a vez dela rir, cética.

“Às vezes eu fico um tempo lá no CAPS. Tá ligada?”

“Nem sei o que é isso.”

“É o CAPS AD. Às vezes vou lá nas ‘reunião’, tomar remédio, o médico dá uma olhada, outras ‘vez’ eu vou pra ficar uns ‘dia’.”

“É tipo um hospício?”

“Não, nada a ver. Cê entra e sai na hora que quer, irmã. Lá ninguém te obriga a nada. Eu não parei, mas tô fumando menos agora. Eles são gente boa, tem médico, enfermeira, aquela outra... Como fala? Ajudante social...”

“Assistente social?”

“É, isso aí. Tem psicóloga, terapia em grupo, que nem eles ‘fala’. Eles te dão até remédio, e ‘pá’.”

“E eles não te obrigam a nada?”

“Não, nada. Cê vai a hora que quiser, sai a hora que quiser, mas se cê quer fazer o tratamento, tem que ir todo dia, ou sempre que eles ‘mandar’.”

“Essa porr* nem deve dar certo.”

“Aí... Depende...”

Os dois ficaram em silêncio por alguns segundos.

“Qual o seu nome irmã? Posso te chamar de irmã, né?”

“Jordana. Já tá chamando, né” – ela estendeu a mão fechada, com um sorriso, e os dois trocaram um soquinho amistoso. – “E você, como chama?”

“Diéverson. Mas pode chamar de Didi. Eu vou ali com meus parça dormir, amanhã de manhã eu vou lá. Cê também tá na rua?”

“Só por hoje. Muita treta, muita merd* aconteceu, não quero ir pra casa.”

“Fica na rua não, mana. Se cê tem casa, dá graças a Deus, e não perde sua família de jeito nenhum. Não quero ficar aqui fazendo discurso, nada, mas é foda viver que nem nós assim. A gente se ajuda, ‘tamo’ sempre nos corre pra ajudar os ‘irmão’, mas é foda! Cê não sabe se vai ficar vivo até o fim do dia, mana, seja por causa da pedra, doença, ou porque a polícia, ou alguém, pode te matar, cê sabe como é, né...”

Jordana não soube o que dizer. Didi se despediu:

“Firmeza. Se precisar, a gente tá ali.”

“Beleza. Valeu!”

Didi se juntou a um grupo de pessoas que se cobria como podia naquela madrugada fria de inverno. Alguns usavam até grandes caixas de papelão abertas.

Bem agasalhada, mal sentindo a temperatura devido ao efeito da droga, Jordana observou-os com uma imensa pena. Já pensou muitas vezes em trocar o pó pela pedra, por esta ser mais barata. Mas vendo nos compradores o quão depressa seu efeito passava, e quão mais rápido ainda o viciado decaía para um estado extremo de miséria social e pessoal, achou mais “seguro” gastar uma grana a mais e ficar na cocaína.

“Eu não sei se vou conseguir parar mesmo. Então, se for pra morrer, que pelo menos não seja assim, abandonada na rua, sem nenhuma dignidade”, avaliou.

Começou a se sentir inquieta. Não sabia se era uma indefinida aflição por ver aquelas pessoas totalmente despidas de qualquer direito humano básico, por medo de um dia ficar na mesma situação, ou se era a fissura chegando. De repente, teve um medo real de morrer. Aos poucos, principiou a sentir o frio atingindo-a. Levantou-se e deu uma volta pelo bairro.

Em algum ponto de sua andança, finalmente o cansaço venceu. Encontrou um banco de cimento ao lado de um ponto de vendas temporário de apartamentos, “vestiu” a bolsa por baixo do largo agasalho, e deitou-se, toda encolhida.

 

Era o pesadelo recorrente de quase todos os dias. Se alguns anos antes Jordana só ouvia as vozes horripilantes ameaçando e escarnecendo dela, com o passar do tempo, era capaz de ver claramente aquelas criaturas medonhas.

Alguns tinham a pele esverdeada, como a de um cadáver, e com um aspecto semelhante ao do personagem Freddy Krueger, mas andavam todos nus, tinham orelhas pontudas e olhos esbugalhados alaranjados, com pupilas semelhante às dos gatos. Outros, eram apenas sombras escuras ambulantes, cujo rosto não dava para ver.

E ainda havia os piores: os licantropos, ou lobisomens, como Jordana os chamava. Não raro, ela se via atacada por eles a mordidas em seus pesadelos e alucinações, mas as dores eram muito reais. Muitas vezes ela gritava e suplicava para tirarem esses monstros de cima dela, assustando sua mãe, seu irmão, ou qualquer outra pessoa ao seu redor.

Já preparada para enfrentá-los ou correr deles, ela se pôs imediatamente de pé. No entanto, desta vez, uma espécie de força magnética a fez olhar para trás. Viu sua avó Lindalva, sorrindo levemente para ela.

Em menos de um segundo, o cenário escuro e fétido mudou para um gramado ensolarado e uma cerca viva ao lado delas.

“Vó?!”

A senhora estendeu-lhe as mãos. Sua presença amorosa encheu o coração atribulado de Jordana de uma estranha paz. Depois disso, ela não se lembrava de mais nada, mas despertou certa de que tinha, não só visto sua avó, mas conversado longamente com ela. Sentou-se no banco aos prantos.

Devia ser perto de amanhecer, pois o céu exibia um azul menos escuro de um dos lados. Tentou refazer seu percurso de memória até os quiosques onde conheceu Didi. Perambulou um tanto, até encontrar. A essa altura os raios de sol já o antecediam no horizonte.

Não se sentia nada bem. A fissura estava cada vez maior. Mas decidiu aguardar pacientemente até que o grupo acordasse.

Uma hora depois, ela viu algumas pessoas se levantarem e sair, mas não viu Didi entre elas.

“Aí, licença” – aproximou-se meio tímida – “Cês viram o Didi?”

Uma moça esquelética, descabelada, o rosto encovado e a pele clara meio queimada de sol, cheia de manchas que pareciam sujeira, apontou um grupo que ainda dormia sob cobertores imundos e papelões.

“Acho que ele tá ali, se não saiu antes. Por que tu quer falar com ele?” – a moça mediu-a, desconfiada.

“Eu tava trocando ideia com ele mais cedo, antes dele ir dormir. Ele tava me falando de um lugar que ele vai pra se tratar, mas eu esqueci o nome.”

“O CAPS?”

“É, acho que é isso.”

Ela apontou outro homem sujo, barbado e maltrapilho, que se levantara também.

“Eu e meu companheiro ‘tamo’ indo lá daqui a pouco. Tu é dependente também?” – Jordana apenas acenou levemente – “A gente vai ali na torneira tomar água e já ‘vamo’, se quiser colar junto, já é...”

“É muito longe?”

“Um pouco.”

“Beleza.”

Jordana acompanhou-os. Andaram por quase meia hora. Ela se sentia muito cansada e fraca, então foi conversando com o casal pra se distrair, enquanto caminhavam. Ela se apresentou como Lucimara, ou apenas Lu, como a chamava o companheiro.

“Ele é o Manoel. A gente tá junto faz uns três anos. Na rua, faz um.”

Contaram sua triste história até o vício. Lu fugiu de sua casa, no Rio de Janeiro, na adolescência, porque perdeu o pai, a mãe a odiava e o padrasto a molestava. Foi morar com Manoel. Ele tinha uma pequena marcenaria, e já usava droga nessa época. Logo, ela passou a consumir pedra também. Foram perdendo tudo o que tinham, pouco a pouco, até ficarem sem teto, e só com a roupa do corpo.

“Por isso que nós ‘fala’, mana: se tu tem família, sua mãe não te maltrata, valoriza. Se tu tem casa, valoriza.”

Jordana não tinha vontade ainda de falar de si. Apenas deu as informações básicas que tinha dito a Didi: não foi para casa naquele dia porque algo muito ruim tinha acontecido, e ela não queria ser encontrada, por enquanto.

Ao chegarem ao CAPS AD, Jordana parou no portão de entrada. Tinha uma viatura da PM e outra da Guarda Municipal no lugar. Ela gelou.

Sem que Lucimara e Manoel percebessem, ela retrocedeu e escapuliu. Temia que os PMs a descobrissem, de alguma forma, como parte da extinta quadrilha de Xande.

Não pôde andar mais que meio quarteirão. O cansaço, a fraqueza da abstinência, e a falta de alimentação por mais de 24 horas, a fizeram cair tremendo e sem força nas pernas na calçada.

Alguém a levou para dentro do CAPS AD, mas ela nem percebeu quem eram as pessoas, nem o que diziam a ela. Apenas deixou escapar, com a língua enrolada, que era dependente de cocaína, dizendo que era inocente, pedindo que não a matassem, por favor. Colocaram-na em uma das camas da enfermaria, deram-lhe um comprimido para tomar, e ela apagou.

 

 

Fim do capítulo


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Comentários para 15 - Capitulo 15 - Desconfortavelmente entorpecida - Parte 2:
Sem cadastro
Sem cadastro

Em: 29/05/2023

Muito triste a situação das pessoas dependentes químicas e de seus familiares que sofrem sem saber como ajudar.  Ótimo capítulo, como sempre! Poderia ser o roteiro para um filme! O universo dessa história é muito rico em detalhes e como muitos personagems, me senti dentro da história, você arrasa Billie!!


Billie Ramone

Billie Ramone Em: 30/05/2023 Autora da história
nossa, agora ganhei meu ano com seu comentário kakakaka! muito obrigada pelo elogio! espero que eu continue atendendo às boas expectativas, ou pelo menos criando algo condizente com a realidade, sem soluções mágicas ou fáceis, mas também sem exagerar no drama só pq sim. muito obrigada! :))))))))))))


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thays_
thays_

Em: 28/05/2023

Que situação, meu Deus. Eu ainda tenho esperança que algum dia a Jordana fique bem. Mas ao mesmo tempo temo pela Núria se envolver com ela... porque em algum momento difícil, ela não vai nem pensar duas vezes, passa por cima de quem quer que seja pra conseguir o que precisa.


Billie Ramone

Billie Ramone Em: 30/05/2023 Autora da história
eu mais do que todos tenho essa esperança tambem ksksks. eis minha difícil missão: resgatar minhas próprias personagens de suas próprias armadilhas kakakakaka! vamos ver se eu consigo! :)))))))))))))))


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Marta Andrade dos Santos
Marta Andrade dos Santos

Em: 26/05/2023

Tá complicado mesmo tenho fé em você Jordana.


Billie Ramone

Billie Ramone Em: 30/05/2023 Autora da história
obrigada por ter essa fé, pq eu tambem tava precisando que mais alguém além de mim tivesse fé nela! :))))))))))))))


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