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Sem limites por Billie Ramone

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Palavras: 3392
Acessos: 401   |  Postado em: 06/05/2023

Capitulo 10 - Linha de borda

 

“Eu nem me lembro quando foi a primeira vez que fui amada, que dirá a última...”

Núria mexia nos cabelos alisados com escova. Apresentou-se toda arrumada naquela tarde no consultório da Doutora Simone. Recebeu elogios de gente desconhecida na rua, da recepcionista, e até da terapeuta. E, mesmo assim, disse essa triste frase sorrindo.

Estava gostando da terapia. Na falta de amigos realmente próximos com quem desabafar – Cassia entrou para Medicina e Ignez foi fazer pós-graduação em Cuba, enquanto Núria permaneceu se especializando em Enfermagem da Saúde Mental – sentiu-se acolhida desta vez.  Ao longo do tempo, depois de um ano e alguns meses visitando a elegante e confortável sala da Dra. Simone, decidiu qual seria sua pós-graduação.

“Quer dizer, eu acho que teve uns e outros aí se dizendo apaixonados por mim, quando eu era adolescente... Mas é engraçado que, toda essa gente que dizia gostar de mim era a que mais me machucava...”

“Você quer dizer, de maneira geral, ou os que gostavam de você num sentido afetivo-romântico?”

“Acho que todos. Minha família, algumas pessoas que se diziam minhas amigas, mas me passaram para trás. Uma ou duas vezes, no ensino fundamental, uns moleques fizeram brincadeiras de mau gosto comigo, e depois que levaram suspensão na diretoria, algo raro de acontecer naquela escola lixo, fizeram cara de coitados e disseram que gostavam de mim, e só não sabiam como chamar minha atenção. E o diretor ainda achou isso bonitinho, queria que eu os perdoasse...” – Núria riu, sem achar graça nenhuma.

A conversa foi bem específica durante a sessão inteira. Núria Iria sair pela primeira vez com um rapaz que conheceu no CAPS onde ela trabalhava e fazia sua especialização. Era um músico voluntário, que ajudava na Terapia Ocupacional do local. Chamava-se Anderson.

Todo o nervosismo pela situação completamente inédita, desde o convite dele, até a aquiescência de Núria, levou pelo menos três sessões para ser amainado.

“Acredito que você merece se permitir desta vez. Você sabe que não estamos falando de se jogar de cabeça em algo desconhecido, mas de experimentar. Baixar a sua guarda não quer dizer ficar completamente à mercê do outro. Você só vai deixar esse moço entrar em sua vida até onde seu limite sinalizar. É você quem o estabelece, e é sua responsabilidade mantê-lo e respeitá-lo.”

Tendo em mente as palavras de Simone, Núria pegou o metrô que a levaria para uma loja da Starbucks perto do Trianon.

Fez um ar compenetrado antes de entrar na aconchegante cafeteria. Precisou de toda sua força para fingir que não percebeu todos os olhares se voltando para ela, indubitavelmente admirados. O dinheiro gasto em seu look, no cabelo, nas unhas e nos itens de maquiagem caros que comprou, valeu a pena. Seu casaco preto acinturado de viscose sobre uma blusa cinza de seda, uma saia curta de camurça axadrezada, meias-calças pretas fio 80 e as botas da mesma cor de cano até os joelhos – desta vez, ela dominava o caminhar sobre saltos altos com firmeza e elegância –, seus cabelos castanhos esvoaçantes, até o meio das costas, e a maquiagem discreta, que a embelezava mantendo seu aspecto jovial, tiraram o fôlego de muitos ali, principalmente do seu colega de trabalho.

“Nossa, e eu que vim parecendo um espantalho perto de uma princesa como você!” – ele exclamou, fingindo esconder o rosto de vergonha.

Ela desfez o ar sério e riu brevemente. Anderson se vestia naquele estilo que costumavam chamar de desleixado-chique. Algo meio indie-hipster, sem pretensão de ostentar.

Quem visse Núria por fora, pensaria que ela era uma bela moça acostumada a ouvir elogios, e até indiferente a eles em certo ponto. Nem de longe imaginavam que aquele aplomb todo era uma máscara que ela aprimorou exaustivamente, até conseguir mantê-la por mais de uma ou duas horas de conversa com estranhos. Conteve-se para não saltitar de alegria só porque alguém a chamou de “princesa” respeitosamente pela primeira vez. A experiência com os tarados de internet, e as cantadas de baixo nível quando ela passava diante das construções não contavam.

Anderson parecia ser um cara divertido, engraçado, inteligente e descolado. Os assuntos entre ambos não esgotavam: falaram muito de trabalho, de alguns gostos pessoais, e Núria até se sentiu confortável para confessar que nunca teve um relacionamento com ninguém, além de ter beijado muito pouco em toda sua vida.

“No máximo, um cara quando eu tinha quatorze anos, e umas duas meninas que quiseram ficar comigo depois que uma ex-amiga espalhou para todo mundo que eu sou bi... Mas não passou disso, beijos e uns ‘pegas’ que não deram em nada...”

O rapaz a ouviu sério, mas um sorriso imenso se abriu em seu ego masculino ao assimilar essas palavras.

“Você é, ou foi religiosa, da igreja, algo assim?”

“Não. Na verdade, me afastei faz tempo de qualquer coisa relacionada a religião, misticismo, essas coisas. Meus pais, melhor dizendo, meu pai vai a um centro espírita, minha mãe não se decidiu em qual igreja evangélica quer ficar, e eu não ligo pra nada disso.”

“Não é do tipo que está se guardando pro casamento e vai querer me converter. Menos mal!”, o rapaz pensou, aliviado. Ainda assim, quis tirar a prova final:

“Mas você acredita em Deus?” – Núria achou graça na pergunta, e ele sorriu também – “Tá rindo por quê?”

“Você acredita?”

“Ah, eu... Sei lá, às vezes sim, pra ser sincero.”

“Honestamente, se existe um Deus ou não, nem me interessa neste momento. Não é um assunto pelo qual sou obcecada, como muitos por aí. Se existir, ok, se não existir, minha vida vai continuar do mesmo jeito.”

“Virgenzinha, mas quase uma niilista e bissexual. Interessante...”, ele pensava em como ela poderia ser “mente aberta” e nas coisas “incríveis” que ele a “ensinaria” a fazer na cama.

No encontro seguinte, Núria foi ver a banda de Anderson tocar em um dos vários pubs da Avenida 23 de Maio. Ela meio que se enturmou com os amigos e amigas dele, bebeu e se divertiu bastante. Na hora de ir embora, ele a convidou para a casa dele.

“Será que é uma boa ideia?” – ela não tinha certeza, mas também não negava a possibilidade.

“Me dê a chance de te provar que é” – ele se aproximou e beijou-a. Ela gostou.

No apartamento onde ele vivia com os pais, que àquelas horas já estavam dormindo desde muito tempo, eles se pegaram fortemente, mas Núria não conseguiu ir além disso. Apesar de excitada, disse que preferia estar sóbria ao perder a virgindade. Anderson sorriu, acariciando-lhe os cabelos.

“É justo. Não só quero que você se sinta pronta, mas que você me queira de verdade também, senão não tem graça” – beijou-a ternamente mais uma vez.

Aquilo bastou para conquistar o coração dela. Eles saíram juntos mais vezes, trocavam carícias lascivas, sem a penetração de fato. Mesmo assim, logo firmaram compromisso, com toda a formalidade: Núria foi almoçar na casa dos sogros em um domingo para conhecê-los, e Regina e Valério vieram até São Paulo para conhecer o genro e seus pais.

O tempo passava, mas ainda não havia entre os dois a consumação de nada. Anderson, entretanto, não se abalava. Pensava que era só questão de tempo, paciência, e suas “habilidades” proporcionariam a Núria uma experiência inesquecível.

Para Simone, Núria desabafava:

“Eu gosto muito dele, estou apaixonada, meu corpo reage aos toques dele, mas na hora ‘H’, só dele colocar a ‘cabecinha’ na ‘entrada’, não vai, sinto uma dor terrível. Parece que vai me rasgar!...”

“Você pode ter passado por algum abuso sexual, que seu cérebro recalcou fortemente no seu subconsciente, e você não tem memória nenhuma do fato. Mas também pode ser simplesmente que seu namorado não seja hábil o suficiente. Você costuma dizer abertamente o que gostaria que ele fizesse?”

“Na verdade eu... Até gosto do que ele faz. Também gostei do que fiz com as pessoas que já fiquei. A verdade é que... Eu não sei se gosto de tudo, ou se não tenho ideia do que realmente gosto... Não conheço meu corpo tão bem assim.”

A menção de algum abuso esquecido nos porões de sua mente assustou Núria. Quando encontrou Anderson, dois dias depois dessa sessão, sentiu certo desconforto em deixá-lo tocá-la. Evitou-o por um tempo. Chegou a ter pesadelos, nos quais um desconhecido, que assumia aparências diferentes, violentava-a brutalmente.

Sem entender o que estava deixando Núria subitamente amuada, Anderson tentou ser solícito.

“Quando você quiser se abrir, eu tô aqui, tá? Te amo!”

 

Inevitável foi que Núria começasse a ver o namorado como uma espécie de cuidador. Um misto de figura materno-paterna com amigo, irmão, tanto que, aos poucos, o possível papel de amante foi saindo de cena.

Nesse meio tempo, passou a se consultar também com uma psiquiatra. Trouxe dela, além de medicamentos controlados que começaria a tomar, um incômodo rótulo que jamais poderia imaginar que teria em toda sua vida: CID F60.3.

Custava a acreditar.

Então ela era uma pessoa que tinha oscilações de humor e emocionais totalmente instáveis? Que agia como uma criança ferida quando não conseguia o que queria? Que tinha tendências depressivas e suicidas, que ria e chorava, amava e odiava na mesma intensidade, num período de poucos minutos entre uma emoção e outra? Que, mesmo achando que gostava de ser só durante a vida toda, na verdade, sentia um medo terrível da solidão?

Bem, havia ali coisas que ela não podia negar: por exemplo, essas estranhas “alergias” em sua pele, que ela sentia uma necessidade de coçar até sangrar, e cujas causas fisiológicas jamais foram diagnosticadas, nem mesmo pelos melhores doutos da melhor universidade do país.

Automutilação: o paciente causa ferimentos em si, a fim de aliviar o estresse, ou desviar sua atenção da dor emocional que, nos episódios de crise, pode ser muito maior do que cortes, queimaduras, e outras coisas.

Simone lhe disse que esses longos períodos sem se alimentar corretamente, além das coceiras intermitentes sem causa definida, eram um dos sinais de que Núria procurava, inconscientemente, se ferir para não pensar no vazio que a atormentava.

Era verdade também, segundo o tal laudo, que ela tinha explosões de ira por motivos pequenos. Principalmente quando tinha pensamentos intrusivos ou lembranças de eventos nos quais foi muito agredida, invalidada, ridicularizada ou silenciada. Teve sérias discussões com Anderson por coisas que, na visão de uma pessoa comum, eram tempestade em copo de água.

“Você NÃO sabe como eu me sinto, e NÃO TEM O DIREITO de achar que é birra minha essa dor que eu não consigo tirar de mim!”

“Núria, tudo ficou no passado! Viva o hoje! Até quando você vai continuar carregando esses traumas como um peso na sua vida?”

“É fácil falar, quando não foi você quem teve que sobreviver no inferno a vida toda, né? NÃO ME TOQUE! Não quero que me abrace, nem prometa que vai ficar tudo bem, porque NÃO ESTÁ!”

Suas crises existenciais, sempre imprevisíveis, até para ela mesma, desagradavam, não só o namorado, mas as pessoas do convívio dele. No entanto, ninguém nunca teve a bondade de sentar e ter uma conversa franca com Núria. Se contentavam em jogar indiretas ácidas, ou falar o menos possível com ela, quando saíam juntos. Núria percebeu imediatamente essa mudança de atmosfera, e se tornou ainda mais emburrada, calada e hostil.

Um dia, sentiu alguém passando a mão nela, no meio de um barzinho onde Anderson e seus amigos tocavam. Virou-se para ver: era um marmanjo pelo menos duas vezes maior que ela, os músculos do corpo todo quase rasgando a roupa que ele usava. O safado ainda teve a desfaçatez de sorrir para ela.

Ao contrário do que ele esperava, porém, Núria não demonstrou o medo e o desconforto que ele estava acostumado a ver nas mulheres que assediava. Ela teve um momento de branco mental, que se refletiu em seus olhos mortos naquele instante. Depois, foi até o balcão onde um barman tinha deixado uma garrafa de Jack Daniel’s meio cheia, pediu educadamente licença a ele, agarrou com toda a calma do mundo o gargalo e, quando ninguém esperava, ela estraçalhou a garrafa na têmpora esquerda do abusador, atingindo-lhe a órbita ocular.

Houve gritaria e alarma ao redor. Com o gargalo quebrado ainda na mão, Núria viu o idiota cambalear, passar a mão na sobrancelha e confirmar que estava sangrando bastante. Fitou-a com um olhar surpreso e cheio de ódio inumano.

“Que isso cara! Deixa pra lá! Essa mina é louca, não sabe o que faz, não vai fazer besteira!” – alguns circunstantes tentaram segurá-lo, mas jamais teriam a mesma força física que ele. Aos arrancos, foi na direção dela:

“Sua puta desgraçada, eu vou te arrebentar, tá pensando que é quem?”

Como um toureiro calmamente esperando a investida do animal, escondendo a muleta – que no caso era o resto da garrafa – atrás do próprio corpo, Núria encarou-o com aquela mesma inexpressividade insana que marcou seus momentos mais difíceis nos tempos escolares.

O homem talvez fosse um lutador hábil. Suas orelhas deformadas atestavam que era um praticante assíduo de jiu-jitsu. Se conseguisse desferir apenas um soco veloz e certeiro no rosto de Núria, como achava que seria suficiente, em sua soberba incauta e ébria, tudo estaria acabado para ela.

No último segundo, o punho dele já estava próximo do meio dos olhos de Núria, mas ela se esquivou, abaixando, volteando e parando atrás dele. O marombeiro acertou o ombro de um cara qualquer, que caiu para trás praguejando, mas sem coragem de enfrentar seu agressor.

Aproveitando a distração do adversário com sua vítima involuntária, sem perder tempo, num só golpe, Núria usou a parte afiada do gargalo quebrado e cortou a orelha esquerda dele por trás, na horizontal, praticamente dividindo-a ao meio. O homem soltou um urro de besta ferida.

Só então que seguranças, amigos de Anderson, amigos do assediador, e o próprio Anderson interviram diretamente. Em meio ao caos e gritaria, o homem foi arrastado para a saída da frente, e Núria levada para os fundos. Como era de se esperar, todos os gritos de recriminação das pessoas no bar foram para ela:

“Você é completamente louca! Por que fez isso? Sua vadia maluca!”

Tinha gente querendo até retaliar Núria por ela ter se defendido, mas os seguranças, Anderson e o barman levaram-na para um depósito nos fundos e trancaram as portas. Ouvia-se muitos gritando “Chama a polícia!”

A mente de Núria se dissociou nesse momento. Ela ouvia as palavras nervosas e as censuras, sem assimilá-las. Somente quando Anderson pegou em seu rosto e a sacudiu de leve, ela voltou a si e fixou-se nele:

“Por que você fez isso? Núria! NÚRIA!!!”

Os olhos dela se acenderam novamente, agora irados.

“Ele passou a mão em mim” – ela respondeu entre dentes.

“Mas você tinha que reagir desse jeito?” – ele apertava os ombros dela desta vez. Ela sentiu dor.

“Me solta!” – ela empurrou-o.

Ele ficou alguns segundos mudo, assustado e incrédulo. Depois, furioso, se afastou, balançando os braços.

“Não dá mais! Meu Deus do céu, não dá mais! Olha o que você fez! Era só você falar com o Zé, ele e os outros seguranças resolveriam!”

Ela já sabia onde essa conversa ia dar. Se ainda tentasse, a todo custo, se defender e alegar o óbvio, dificilmente tomariam seu partido. Ela já tinha ouvido falar de diversas reclamações de assédio naquele lugar tosco, e nada foi feito. Além disso, Anderson parecia muito mais preocupado com a reação dos donos do estabelecimento pelo fato dele ter uma namorada “descontrolada”, do que apurar a verdade e tentar acertar a situação de uma maneira justa.

“Fiquem aqui, por enquanto, eu vou ver como tá lá fora. Não saiam enquanto eu não mandar, por favor” – disse o tal Zé.

No fim, ninguém chamou a polícia, a pedido do próprio jiu-jiteiro dos infernos. Seria vergonhoso demais admitir que uma moça magra, de estatura mediana, fez aquilo com ele. Se limitou a ir para o hospital mais próximo, não sem antes vomitar aos berros todas as ameaças de que foi capaz, para Núria ouvir, onde quer que ela estivesse.

Meia hora depois, Anderson e ela saíram escoltados discretamente pelos fundos, que dava acesso a um corredor lateral que desembocava na rua. Já dentro do carro, Anderson mal falava e mal olhava para ela, que dissociou novamente durante todo o caminho, derramando lágrimas silenciosas.

Quando deu por si, Núria estava diante do portão do prédio onde morava. Fuzilou o companheiro, os dentes apertados.

“É melhor você ir agora, não estou com cabeça para conversar hoje” – Anderson declarou friamente.

Núria balançou a cabeça com um sorriso sardônico.

“Então, como sempre, esse barzinho fuleiro vai abafar mais um caso de assédio, e você vai ficar do lado deles!...”

“Núria, por favor, saia!” – ele abriu a porta do carona, irritado.

Ela saiu e quase afundou a lataria da porta ao batê-la violentamente.

 

Houve muito drama, muitas discussões pessoalmente e por telefone, que, no fim, não saíam do lugar. O desgaste no relacionamento, que já nem era tão profundo assim, foi inevitável.

Revoltava-a ouvi-lo dizer, irônico, que ela “devia ser mais madura”. Ele também insinuava maldosamente que as crises eram só pra chamar a atenção de todos, ou justificar um desvio de caráter, sob a desculpa de um suposto transtorno mental.

Núria, ora chorava desesperada diante de Anderson, abraçando-o, enchendo-o de beijos, implorando que ele não a abandonasse, ora tinha ímpetos de ofendê-lo e mandá-lo sumir para sempre, quando não era ela que se evadia intempestivamente da casa dele.

Simone sugeriu que eles tivessem uma conversa definitiva, com calma, para decidir se preferiam terminar, ou recomeçar sobre novas bases. Anderson pediu por uma sessão sozinho, aparentemente, para falar sobre os problemas entre ele e Núria.

Para a surpresa da psicóloga, o rapaz confessou que, não só queria terminar com Núria o quanto antes, como também já estava “conhecendo alguém”, fazia umas duas semanas. Referiu-se à então futura ex-namorada como “uma bomba-relógio imprevisível, com a qual ele não sabia lidar e não desejava mais conviver”.

 

Três meses depois, Núria desembarcava de volta em sua cidade natal. Ficou durante uma semana na casa dos pais, até encontrar um apartamento pequeno, próximo ao seu novo emprego.

Trouxe em sua bagagem, além do encaminhamento da Dra. Simone para uma terapeuta experiente sob sua orientação, e uma psiquiatra de sua estrita confiança, recomendações excelentes de seus professores da universidade, e dos superiores do CAPS onde Núria trabalhou em São Paulo. Trouxe também mais um difícil trauma de abandono, violência e deslealdade em sua longa lista para superar.

Continuaria a fazer a pós-graduação na USP, uma vez por mês. Apenas alguns de seus supervisores, naturalmente, seriam trocados pelos psiquiatras do único CAPS de sua cidadezinha com pouco menos de duzentos mil habitantes.

A agitação da mudança distraiu-a um pouco de seu estado depressivo. Mesmo sendo um lugar que ela já conhecia desde criança, de certa forma, tudo era novo. Já não era a mesma mocinha que saiu daquela cidade, praticamente fugida, para realizar seu sonho.

Seu salário, um pouco menor que o de antes, era mais que suficiente para ela se sustentar sozinha. O baixo custo de vida interiorano foi um dos fatores mais benéficos em sua nova jornada.

Sua primeira semana no novo emprego foi movimentada, mas ela deu conta. O número de pacientes era bem menor, e isso permitia que ela lhes desse uma atenção especial.

Certa manhã, terminava parte do relatório que teria de enviar aos seus orientadores em São Paulo, quando ouviu uma voz baixa e suave ao seu lado:

“Com licença. Estou tentando encontrar a sala do Dr. Dirceu, me disseram que é por aqui...”

Núria desviou os olhos de seu notebook e deu com um par de olhos castanhos, naquele momento doces, serenos, e algo tristonhos.

Todo o resto era familiar e, ao mesmo tempo, diferente: a mulher imponente, de beleza irretocável, que a chamara de anjo anos antes, pele negra em um tom médio quente, os cabelos desta vez trançados e presos para cima, parecia uma abatida sombra do que foi um dia. Tinha emagrecido, seus belos lábios desenhados estavam meio cinzentos e ressecados.

Ainda assim, era linda! O abalo do reconhecimento fez Núria estremecer. De novo, aquela sensação de encontro marcado. De adentrar um mundo ideal, cuja chave de entrada somente aquela mulher misteriosamente possuía.

 

Fim do capítulo


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Comentários para 10 - Capitulo 10 - Linha de borda:
thays_
thays_

Em: 08/05/2023

Garanto que esse filho da mãe vai pensar duas vezes antes de assediar uma garota novamente. Acho que todo mundo apontou o dedo pra atitude da Núria, mas NINGUÉM se incomou com o fato de que o cara passou a mão nela. Acho muito dolorido quem vê de fora uma pessoa em sofrimento e julga como birra, frescura, falta de vontade, preguiça, entre outros termos que também já ouvi muitas vezes em minha vida. Estou adorando a história, ela parece ser bem real, principalmente as questões emocionais das personagens, sempre me interessei por esse assunto. Quero só ver o que vai acontecer!


Billie Ramone

Billie Ramone Em: 09/05/2023 Autora da história
É sempre assim, quando a oprimida reage contra o opressor, é doida, desequilibrada... que nem aquele bosta do Nelson Rodrigues dizia: todas as mulheres gostam de apanhar, só as neuróticas reagem... nojo!
Isso tudo é muito real, garanto! Pode ser até que eu romanceie algumas coisinhas, mas tudo é inspirado em coisas minhas e de pessoas que passaram pelo mesmo que eu conheço.
Sinto muito por vc ter sido tão invalidada por seus sofrimentos. Por outro lado, fico feliz que esteja interessada! isso me anima demais! Muito obrigada!!!!


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