Capitulo 9 - Marcos, 4:22
“Espera aí, que eu acho que ele vai chamar agora!”
“Ai, Jô, tô nervosa!”
“Por quê? Relaxa, meu primo é a pessoa mais gente boa que você vai conhecer na sua vida, depois de mim, lógico!”
“Ah, gracinha!” – Aline riu, dando um empurrãozinho no ombro da namorada.
Logo o Skype* começou a tocar no computador, solicitando uma chamada de vídeo. Jordana atendeu.
“E aí, vagabundo!”
“Aí, sua louca!” – o rapaz bonito e sorridente, piercings na orelha, no nariz e na maçã do rosto, algumas tatuagens no pescoço, cabelo chavoso, com um corte cheio de desenhos e as pontas platinadas, surgiu na tela.
“Aline, esse aí é meu primo famosão, Caio de Souza Ferreira, MC Pembé para os íntimos” – Jordana apontou para a tela.
“Oi!...” – Aline sorriu e acenou, mas estava bastante nervosa.
“E aí, beleza? Cê é a mulher que tá fazendo essa louca da minha prima andar de quatro?”
“Quem fica de quatro é você, viado!” – Jordana protestou, rindo – “Essa aqui é a minha gata, olha só que maravilhosa!”
“É, mandou bem aí, nega! Muito prazer em te conhecer, Aline. A Jordana não parava de falar de você desde uns dois anos atrás. Essa mulher sempre foi maluca por você. Fala aí, prima!”
Aline sorria vexada, olhando para a namorada e para o cantor, alternadamente.
“Aqui tem papo, pegada, e bom gosto, irmão!” – Jordana se fez de convencida, apontando pra si mesma.
“Aí, teve de quem puxar, né? Cê falou pra ela que tu aprendeu com o mestre aqui?” – Pembé imitou o tom e o gesto da prima.
A conversa prosseguiu animada. Aline falou pouco, mas estava bastante eufórica de conhecer um dos maiores funkeiros do momento.
“Dia dezesseis, na Arena Cultural Trindade Bosco Mansur, MC Pembé de volta às suas origens. Pra vocês duas, camarote vip, vou mandar o Gilson providenciar.”
“Eu quero ir também!” – Rafael invadiu a tela, entrando na frente da irmã e de Aline.
“Fala, Rafinha! Tá grande, hein lek?” – Pembé cumprimentou.
“Sai fora, moleque, cê não pode ir!” – Jordana empurrou-o, mas o garoto estava empolgado demais para dar atenção às reprimendas da irmã.
“Aí, menor, pede pra sua mãe. Se a prima Fátima deixar, cê cai pra dentro.”
“Porr*, Pembé, aí cê me fode! Se esse moleque for, eu vou ter que ficar de babá, e não vou curtir o show!” – recriminou Jordana.
“Relaxa, prima, a gente tem uma equipe pra cuidar de todo mundo. Já falei que cês são minhas convidadas especiais” – Pembé sorriu – “Quero todos vocês lá, minha mãe, a prima Fátima, você e a Aline, e o Rafa. Faço questão.”
“Olha, minha mãe eu não garanto não, cê sabe como ela é, né? Vai ficar me enchendo o saco porque quer ir embora mais cedo...”
“Eu vou dar um toque nela, vou mandar um papo aí, que ela vai mudar de ideia, pode deixar” – garantiu o MC.
Pouco tempo depois, se despediram e fecharam a tela do programa.
“E aí? Não te falei?” – Jordana sorria, toda orgulhosa.
“Eu não tô acreditando até agora... Eu falei com o MC Pembé de verdade, é isso mesmo?” – Aline ainda estava abismada.
“Pode acreditar” – Jordana abraçou-a e beijou-a no pescoço – “Agradeça a ele nosso cantinho novo pra morar e fazer o que a gente quiser, sem ninguém pra encher.”
“Hum...” – Aline gem*u, arrepiada – “Será que o Rafinha não pode estar por perto?”
“Veio só pra dar um salve pro Pembé. Agora que ele ganhou aquele videogame, não vai sair do quarto dele tão cedo com a molecada” – Jordana completou, beijando-a e passando a mão sobre o colo dela, fazendo deslizar as alças da blusinha.
“É melhor trancar a porta...” – Aline insistiu, entre os beijos.
“Fica tranquila!” – Jordana sorriu, mas para deixar a namorada mais à vontade, fez o que ela pediu, e voltou em um segundo para a cama.
Deitou-se por cima de Aline, enchendo seu rosto inteiro de beijos lentos, parando na boca de vez em quando, e voltando a passear pelas bochechas, pálpebras, queixo, mandíbula, num looping excitante.
Suas mãos não perderam tempo, baixando de vez a blusinha sem sutiã por baixo, revelando os seios firmes e perfumados, que Jordana apertou carinhosamente.
Sem perceber, Aline já havia abrido as pernas e enlaçado a cintura da namorada, arquejando e gem*ndo baixo.
Quis despir a camiseta de Jordana, que apenas permitiu que Aline a erguesse, e o top por baixo também, sem tirá-los. Apertou-a contra si, fazendo os seios roçarem-se um contra o outro, num atrito enlanguescedor.
Logo Jordana arrancou a saia jeans curta e a calcinha da namorada, que sentiu-se gostosamente vulnerável, nua nas mãos daquela mulher linda, dominadora, envolvente. Os dedos de Jordana logo estavam provocando-a em seu ponto mais sensível. As unhas de Aline arranharam a pele das costas e da nuca da namorada.
“Entra... Em... Mim...” – suplicou Aline, os olhos desfocados pelo prazer.
Jordana não se fez de rogada, e colocou três dedos na amada, com a o vigor e o cuidado de que ela gostava. Aline mordeu os próprios punhos para abafar seus gritos, quando o orgasmo chegou.
“Quer mais?” – provocou Jordana, lambendo-a, enquanto Aline ainda se recuperava de seus últimos tremores.
“Uhm! Quero!”
Jordana, sorrindo, esfregou todo o seu rosto na lubrificação da amada, inalando-o, deglutindo-o, como que querendo fazê-lo entrar pelos seus poros também. Aline deu uma risadinha sacana.
“Sua tarada gostosa!” – murmurou.
“Gostosa é você!” – Jordana deu um longo e caprichado trabalho à própria língua, deixando Aline na lona, um bom tempo depois.
“E você, vai ficar sem goz*r?” – perguntou depois, abraçada a ela, enquanto descansavam.
“E quem disse que eu não g*zei?” – Jordana fez um gesto com dois dedos da mão direita, dando a entender que se tocou e se deu prazer esse tempo todo, enquanto trabalhava em Aline.
“Ah, mas... Sei lá... Você nunca me deixa fazer isso em você. Tudo bem que eu não de muita coisa, mas eu quero aprender também. Quero te fazer delirar, como você me faz!”
Jordana deu um beijo nos cabelos da amada e sorriu.
“Um dia eu te ensino então” – desconversou.
Aline tinha caído no sono, por isso, só percebeu que Jordana não estava com ela na cama ao acordar de seu cochilo. Olhou ao redor. Já estava escuro, e a luz do quarto não foi acesa, o que significava que fazia um bom tempo que Jordana se ausentara.
Vestindo-se o mais rápido possível, Aline foi até o interruptor e acendeu-o. Abriu a porta. Os amigos do Rafa tinham ido embora, o quarto dele estava silencioso e vazio. Dona Fátima provavelmente também tinha saído. Foi até o banheiro: a porta estava apenas encostada, e não tinha ninguém por lá.
“Jô?” – ergueu um pouco a voz na casa vazia e quieta – “Jô!”
Foi até o quintal, e nada. Nem a cachorrinha deles, a Pipoka, estava por ali.
Deu a volta na casa pelo lado de fora, e viu que Pipoka aguardava lá na frente, atenta, olhando para o alto portão de metal fechado. Aproximando-se mais, Aline ouviu vozes do lado de fora. Deu um suspiro aliviado: uma delas, com certeza, era a de Jordana. Resolveu abri-lo e sair.
Jordana estava na calçada, conversando com um rapaz de bermuda e chinelos, sem camiseta, de boné, montado em uma bicicleta. Pareceu bastante assustada ao ver Aline.
“Oi, espera um pouquinho lá dentro, que eu já vou” – aproximou-se de Aline com um sorriso nervoso.
“Tá tudo bem?” – Aline olhava dela para o rapaz taciturno, um pouco receosa.
“Tá sim, só tô terminando uma conversa com o meu colega aqui, é rapidinho. Espera lá dentro.”
A fisionomia do cara não causou boa impressão em Aline. Enquanto Jordana parecia ansiosa em demasia, com seu sorriso falso, o sujeito tinha um olhar frio, indiferente, intimidador, a cara fechada. Aline sabia muito bem quais indivíduos tinham esse tipo de expressão, conhecia vários deles em seu bairro. Seu coração apertou, e ela resolveu obedecer a namorada, sem questionar.
Atrás do portão, ainda teve a tentação de colocar o ouvido no metal e escutar o que diziam, mas o medo falou mais alto. Preocupou-se deveras com Jordana.
Dois minutos depois, esta aparecia na sala, tranquila, como se nada de estranho tivesse ocorrido.
“Quem é esse aí, Jordana?”
“Nossa, que séria! Pra me chamar pelo nome inteiro, deve estar braba comigo! Tá com ciúmes, é?” – Jordana disfarçou, brincando.
“Você sabe que não é isso” – Aline não estava para brincadeiras.
“Esse aí é o Xande, um chegado meu desde que a gente era moleque. Fica tranquila” – deu um beijo demorado na maçã do rosto de Aline.
“Ele veio lá de longe, da vila onde você morava, só pra te ver?”
“Ah, gata, tem certeza de que você não tá enciumada por causa de um homem?” – riu Jordana, que continuava se esquivando.
“Eu te conheço muito bem, é óbvio que eu não tô. É que ele olhou para mim com uma cara de bosta, como se eu estivesse interrompendo vocês no meio de alguma coisa importante!” – Aline estava mais séria que nunca. “Parece até que poderia me matar a qualquer momento!”, pensou, tendo um arrepio gelado na espinha.
Jordana balançou a cabeça, sem se abalar.
“O Xande sempre foi assim. Poucos amigos e poucas ideias. Ele veio me contar umas fitas da vida dele aí, que ele não queria que outras pessoas ouvissem, entende?”
Aline, que prezava muito pela privacidade, já que ela mesma não era assumida com Jordana, apesar dos quase dois anos de namoro, deu-se por vencida e decidiu não argumentar mais. Mas a desconfiança de que a namorada estava envolvida com alguém perigoso permaneceu incomodando-a.
Um mês depois, ambas curtiam muito no camarote luxuosamente preparado pelos agentes de MC Pembé. Bebidas caras, de quase todos os tipos, como champanhe verdadeira e whisky importado, além de cerveja à vontade, e até comida japonesa havia para os convidados especiais, que incluía as duas, Paula e o atual namorado, Fátima, Rafael, e Fernando, o pai de Caio, com sua segunda esposa.
“Bebe mais um pouco disso aqui” – Jordana encheu mais a taça da namorada de champanhe – “Vamos aproveitar o máximo, que é tudo de graça!”
“Como a gente tá chique!” – Aline ergueu sua taça, em cumprimento, e Jordana bateu com a dela. Beberam, olhando-se nos olhos de um jeito especial. Era o máximo que podiam compartilhar de gestos de carinho naquela noite.
Embora não gostasse desse namoro sigiloso, Jordana respeitou o fato de que, se descobrissem que Aline tinha um relacionamento com uma mulher, a família conservadora do ex-marido entraria na justiça para tirar-lhe a guarda do filho. Mesmo que Aline vencesse a demanda, o processo seria exaustivo, provavelmente vexatório, devido aos preconceitos que Jordana e ela teriam que enfrentar, e Aline não queria mais essa dor de cabeça para si.
Fátima, apesar de não gostar de ambientes agitados, com música alta e bebedeira, estava feliz e orgulhosa de ver o sucesso de seu priminho, ao lado de Paula, que não parava de gritar e aplaudir o filho freneticamente. Virou-se um pouco, e observou sorrindo a troca de olhares entre sua filha e a namorada.
Quando Fátima descobriu que a filha mais velha era lésbica, Jordana tinha dezoito anos. A mulher armou um escarcéu terrível. Chorou, se perguntou onde tinha errado, por que Deus a estava punindo, e disse dramaticamente que teria sido melhor que o ex-marido a tivesse matado, para não ficar viva para ver essa “desgraça”.
Ficou meses sem falar com Jordana, que chorava todos os dias também, e desabafava com Paula. A prima, mais jovem e mais compreensiva que a mãe, foi a mediadora da reconciliação. Pembé, que nessa época trabalhava em São Paulo fazendo uns bicos como modelo fotográfico, de passarela, comerciais de TV e internet, figurante, promoter – o que aparecesse – também falou bastante com Fátima por whatsapp, ou nas poucas vezes em que pôde vir visitar a mãe.
“Fátima, dê graças a Deus que sua filha tá aqui contigo, e não debaixo de sete palmos na terra. O seu ex-marido várias vezes tentou matar vocês duas, lembra? Podia ser pior, você já parou para pensar? Ela só é diferente das outras meninas, mas não é anormal. O que você prefere: ela namorando outra menina, ou metida com um tranqueira qualquer, que bebe, bate nela e maltrata, que nem o João fazia com você?” – disse Paula.
“Eu acho que o Caio não devia ter levado ela pra ficar jogando com os moleques, brincando com eles, andando de skate! Olha só no que deu!” – resmungava Fátima, ainda não convencida.
“Prima, era a Jô que vivia me botando pilha pra jogar com os moleques, eu nunca chamei. Ela já curtia essas coisas sozinha, ninguém muda a cabeça de ninguém” – se defendeu Pembé – “Se ela gostasse de homem, jogar futebol ou brincar com os lek não ia mudar nada, até porque ela brincava de boneca e casinha com as meninas também, e isso não a fez gostar de homem.”
Contemplando agora o amor que Jordana devotava àquela moça tão bonita, tão jovem e já cheia de responsabilidades sobre os ombros, Fátima se arrependia de sua postura fechada no passado. Reconciliaram-se aos prantos. Foi só ela abrir os braços de novo para a filha, que Jordana imediatamente voltou a ser aquela garota alegre, piadista, sempre com um sorriso pronto para todos. Entendeu que, depois de uma infância tão difícil, tudo o que ela precisava era disso: amor, de todas as formas e todos os meios, e mais nada.
O show corria animado. Pembé, naquele momento, fazia uma homenagem ao MC Daleste, falecido dois anos antes, cantando “Mina de Vermelho”. Quase todos cantaram juntos em coro.
Ao final da música, Jordana pediu licença no ouvido de Aline, e foi até um dos funcionários do primo. Falou e gesticulou rapidamente com ele, que a levou pela saída do camarote.
Quase dez minutos depois, Jordana voltou muito entusiasmada e saltitante. Como às vezes aparecia, e Aline não sabia explicar o motivo.
“Eita, por que tá felizona assim, do nada, de novo? Te contrataram como cantora também, é?” – Aline riu ao receber uma saraivada contínua de beijos no rosto, que precisou conter para não darem tanta bandeira.
“Não, ainda não descobriram meu ‘talento’, mas eu tô feliz demais de estar aqui com a minha deusa, assistindo ao show do meu primo preferido! UHUUUUUUULLLLL, É ISSO AÍ PEMBÉ!!!! TU É FODA, MANOOOOOOO!!!!!” – gritava Jordana, pulando e vibrando, como se seu time tivesse acabado de ganhar o campeonato brasileiro.
Não que fosse a primeira vez, mas aquelas súbitas explosões exageradas de alegria ainda causavam certo estranhamento em Aline, mesmo que ela as houvesse presenciado antes, desde que Jordana e ela eram apenas colegas de trabalho. A namorada agora pulava e balançava a cabeça loucamente, às vezes subindo na grade do camarote e voltando a gritar e vibrar, quase fora de si de tão contente.
No final, depois de agraciarem muito MC Pembé pelo show, Jordana aceitou o convite dele para uma esticada no hotel, com alguns convidados especiais. Aline achou melhor ir para casa, pois naquele sábado tinha deixado Lucas com a mãe para ir ao evento. O menino precisaria dela sã e descansada para o domingo.
“Então eu te mando mensagem amanhã, e a gente combina de fazer alguma coisa, você, o Luquinha e eu. Ou podemos ficar em casa, o que você preferir” – Jordana puxou-a para um cantinho escuro e beijou-a profundamente.
“Tá bom. Ó, não quero saber de você de gracinhas com outras por aí, hein? Tô de olho!” – Aline observou de soslaio algumas belas garotas, com roupas mínimas e muito maquiadas, que já rodeavam Pembé com certa intimidade.
“Minha deusa, estes olhos e este corpo aqui são só seus. Se quiser, quando chegar em casa, me liga**, e você vai poder me ‘vigiar’ em tempo real” – Jordana realmente tinha um sorriso lindo, sedutor e convincente.
“Hummmm tá bom. Vou te ligar, mas é só pra dizer que cheguei bem em casa. Confio em você” – sorriu e fez um carinho de despedida no rosto da namorada.
Jordana mandou-lhe beijos à distância, fez-lhe gestos meio cômicos, meio fofos de amor, que Aline retribuiu com mais discrição, rindo.
No dia seguinte, Jordana ligou dizendo que não poderia encontrá-la, pois a ressaca estava muito forte, e ela iria ficar de cama o domingo todo. Aline ralhou com ela pela bebedeira:
“Já não tinha bebido bastante no show? Pô, amor, você bem que podia ter maneirado um pouco depois, não é?”
“Fica tranquila, minha gata, foi só dessa vez. Acho que foi muita felicidade de poder rever meu primo, ver o sucesso dele, e poder curtir tudo contigo. É a última vez que enfio o pé na jaca desse jeito. Prometo. Amo você! Beijos!”
Aline balançou a cabeça com um meio sorriso. Sentiria falta da namorada naquele dia, mas logo Lucas demandou sua atenção:
“Ô mãe! Mamãe! Vamos levar o Homem-Aranha pra nadar com a gente na piscina?” – mostrou-lhe o boneco que ganhou de aniversário do pai.
“Nossa, o Homem-Aranha sabe nadar também? Me mostra isso!” – Aline se trocou e foi com o filho para a piscina do condomínio. Fazia uma bela tarde de sol.
Na segunda-feira, Jordana não apareceu no trabalho. Aline mandou várias mensagens, tentou ligar, mas o celular da namorada estava desligado. Ligou até para Fátima, que disse que Jordana tinha saído na véspera, por volta das seis da tarde, e ainda não tinha voltado.
“Pensei que ela estava com você na sua casa” – disse Fátima. A mulher falava angustiada também, o que apavorou Aline.
Aparentemente ninguém ali sabia ou tinha certeza do relacionamento das duas. Apenas compreendiam que, de qualquer modo, eram unha e carne, e viviam saindo juntas nos fins de semana e feriados. Por isso, ninguém estranhou quando Eliana chamou Aline em sua sala para uma conversa.
“Aline, você é a pessoa mais próxima da Jordana aqui dentro...”
“Sim, sim, eu também estou tentando entrar em contato com ela faz um tempão, e não consigo. Não sei o que fazer!” – Aline já não escondia sua aflição diante da gestora de RH.
Como uma psicóloga que sabia ler os menores sinais, Eliana deliberou que não ia revelar a ela que compreendera há muito tempo o grau de intimidade que Aline compartilhava com a amiga. Apenas observou-a em silêncio durante um tempo, como que tomando coragem para dizer algo que era muito mais grave.
“Eu não sei como começar, na verdade... Eu detesto rodeios. Mas estou tentando achar o melhor jeito de perguntar a você algo complicado...”
O coração de Aline errou algumas batidas. Não sabia se era pela iminência de ter seu namoro descoberto, ou algo de ruim ter acontecido com Jordana, que só Eliana tinha conhecimento, até então.
“Aline... Há quanto tempo a Jordana anda envolvida com drogas?”
A moça chegou a rir de nervoso, achando que era uma piada de mau gosto da RH. Depois, como o semblante de Eliana continuasse muito sério, como se aquilo fosse uma verdade incontestável, irritou-se.
“Eu nunca a vi mexendo com nada de errado, nem nunca ouvi falar disso!”
“Então vocês são amigas íntimas há dois anos, e você nunca desconfiou de nada?”
“Eliana, calma aí! Você está acusando a Jordana de tráfico? É isso?” – Aline já estava alterada, mas não ergueu a voz, apesar disso.
“Não. Isso não é uma acusação, muito menos de tráfico. É uma certeza de que, pelo menos, até onde eu descobri, a Jordana usa substâncias ilegais, incluindo no horário de expediente. Acho incrível que você ainda não tenha notado nada...” – Eliana deixou escapar um leve tom acusatório contra Aline também.
A moça queria se levantar e dizer um monte de desaforos para a arrogante RH, mas, como um raio, memórias que, até então, pareciam sem nexo, atravessaram sua mente.
Não eram só os rasgos de euforia súbitos, o comportamento extravagante e sociável, até com gente que Jordana nunca viu na vida. Eram as idas constantes ao banheiro quando iam para uma balada, mesmo que não tivessem bebido quase nada; eram os movimentos repetitivos de mexer no nariz e fungar depois disso, ao que Jordana alegava “estar com a rinite atacada”; foi aquele dia em que Jaque fez a Jordana um sinal com as mãos próximas ao nariz, abanando a cabeça, a expressão aborrecida: agora entendia o que a amiga da namorada quis dizer, era uma espécie de “chega, já cheirou demais por hoje!”; o entusiasmo fora do comum de Jordana durante o show no sábado; e por último, aquele tal de Xande, com seus olhos verdes injetados de sangue e um ar de psicopata.
Como pôde ser tão cega?
Aline cravava os olhos aterrados em Eliana, sem saber o que dizer.
“Eu não fiz nada durante esse tempo todo, porque, apesar de tudo, meu superior regional achou que, se o desempenho dela nas vendas era ótimo, e o que ela usava ou deixava de usar não atrapalhava em nada, por ele tudo bem, não tínhamos nada a ver com a vida pessoal de ninguém” – volveu Eliana, friamente – “Mas agora, com a transferência desse superior para outra região, e depois do que a Jordana fez hoje, não vejo motivos para mantê-la na empresa, não importa o quanto ela venda. Eu já imaginava que, mais cedo ou mais tarde, esse vício dela nos causaria problemas.”
Uma vida humana, que se encontrava desaparecida, que poderia estar morta ou em sério risco naquele exato momento, e essa mulher com coração de gelo só se preocupava com prejuízos hipotéticos que Jordana talvez causasse à empresa? E ela ainda dava essas notícias alarmantes a Aline, como se falasse de meros reveses nos negócios, em vez de uma vida, sem dar a mínima para o impacto emocional que uma revelação dessa gravidade causaria? A moça fitava a gestora de RH, perplexa e enojada.
Nesse momento, Aline recebeu uma chamada. Era de Fátima.
“Graças a Deus, encontraram ela no hospital municipal! Ela deu entrada esta madrugada, com princípio de overdose de cocaína, Aline! Eu não acredito que minha filha estava mexendo com essas coisas, meu Deus! Por quê? Por quê?” – chorava a pobre mulher do outro lado da linha.
“Calma, Dona Fátima, estou indo aí agora” – respondeu Aline, se levantando e ignorando as perguntas de Eliana.
“Por favor, se aparecer algum cliente meu, diga que eu vou me atrasar um pouco, estou indo agora para o hospital municipal. Acharam a Jordana. Depois explico” – disse a Leandro, pegando a bolsa e saindo às pressas.
*Em 2013 o Skype era o principal meio de fazer chamada de vídeos.
**O WhatsApp ainda não disponibilizava chamadas de vídeo e envio de áudios naquele ano.
Fim do capítulo
Depois de um feriado difícil e outras questões a se resolver durante a semana, estou de volta. Perdoe a demora, quem tá acompanhando.
Prometi sequência de lovezinho pra aliviar um pouco, mas não podia prometer que o capítulo terminaria bem kakakaka! Mesmo assim, espero que gostem. Estou sendo o mais honesta possível com a história, as personagens, e comigo mesma.
Beijos!!!!! :)))))))))))))
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thays_
Em: 05/05/2023
Que surpresa difícil pra Aline descobrir isso dessa forma. Eu confesso que no começo tava aqui matutando com as questões emocionais dela, pensando se esse comportamento de euforia tinha a ver com algum transtorno específico, mas depois conforme fui lendo entendi o que de fato tava rolando. Espero muito que a Jordana fique bem e se recupere :((( adorei o momento fofo das duas! É muito difícil se envolver com uma garota que não é assumida... a mãe da Jordana é complicada também, viu. Ouvi muitos discursos como o dela na minha adolescência...
Billie Ramone
Em: 06/05/2023
Autora da história
Na verdade, vício em substâncias também é considerado um transtorno mental. No caso da Jordana, a desestrutura e a violência familiar, além desse período. graças a Deus curto, de rejeição da mãe a ela pela sua sexualidade.
Eu esperei até mais ou menos o ano passado pra sair do armário com minha mãe, pq agora ela é bem velhinha, e eu já sou assumida pra quase todo mundo, só não para meus pais. eu sabia que se saísse antes, ia dar merda, então esperei o momento certo :))))))))
Espero que esteja gostando!
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Billie Ramone Em: 06/05/2023 Autora da história
Não tinha como não dar infelizmente ;(((((((((((((((