Capitulo 3
“Você tá de brincadeira né?” – Alana exibiu um sorriso cético.
“Não tenho por que” – rebateu Olívia, retirando seu celular do bolso da calça e mostrando a foto do bloqueio de tela, na qual aparecia ela e Fabíola, de férias em Arraial do Cabo, nos bons tempos já esquecidos do início de namoro.
Alana ficou sem ar. As mãos nos cabelos, quase arrancando-os, andava de um lado para o outro, aflita.
“Meu Deus, Olívia! Me desculpe! Ai, puta que pariu, por que... Eu não tinha ideia de que ela era comprometida! Juro por Deus!”
“Eu acredito em você. Faz tempo que ela anda usando o Tinder, acha que eu não sei de nada. Você não deve nem ser a primeira com quem ela me enganou...”
“A gente nunca saiu, estava marcando meu primeiro date com ela para depois daqui. Pode olhar minhas conversas com ela, nunca nos vimos pessoalmente...” – Alana abriu a DM e seu Whatsapp, desesperada para provar sua inocência.
Olívia preferiu não ler tudo, mas ao menos constatou que a conversa delas se iniciara mais ou menos uma semana antes, e que, de fato, elas nunca se encontraram, e a namorada se declarava solteira em seu perfil do aplicativo de encontros. Balançou a cabeça e suspirou.
“Obrigada por me contar.”
Alana não conseguia deixar de se sentir horrível. Nem mesmo a aparente resignação da ex-amiga aliviava o sentimento de culpa, que aumentara ainda mais.
“E eu que tive a chance de te pedir perdão agora que te reencontrei, acabei estragando tudo de novo! Não acredito!”
“Calma. Relaxa. Isso não é culpa sua.”
“Não, você não sabe como é isso para mim! Desde aquele dia em que eu te ofendi, sempre que me lembro, quero dar um soco na minha própria cara! E agora eu faço uma dessas pra você!”
Alana recostou nas plantas de plástico do hall, os olhos fechados e as feições tensas, como se fosse chorar. Olívia segurou seu braço com delicadeza.
“Olha pra mim: tá tudo bem, não estou zangada com você. Tudo aquilo já passou, e eu já estou prestes a romper com a Fabíola mesmo...”
“Eu não quero saber dela!” – disse Alana de supetão, bloqueando e excluindo a outra no Tinder e em seu Whatsapp. Fez questão de mostrar cada procedimento a Olívia. Olhou-a nos olhos com a profundidade de antigamente – “Ainda mais por que você está aqui agora.”
Olívia se assustou. Alana agora estava à sua frente, com uma expressão intensa no rosto.
“Acho que aqui não é o melhor lugar para falarmos dessas coisas” – reparou que um grupo de mulheres se aproximava para entrar no banheiro.
“Vamos lá para fora então” – a garota decidiu por ela, puxando-a pela manga da camisa cor de palha.
Olívia nem teve tempo e presença de espírito para objetar, mas observava todos ao redor, preocupada caso alguém flagrasse as duas saindo sorrateiramente pela porta de vidro lateral que dava acesso a uma parte do estacionamento.
De repente, um déjà-vu na mente de Olívia: a cena daquele dia em que essa mesma garota a arrastou, toda alegre e sedutora, para a pista de dança, um ano e meio antes. Quase sorriu dessa memória.
Alana a levou até um canto mal iluminado, longe das vistas dos manobristas.
Depois de quase um minuto de silêncio embaraçado, Olívia perguntou:
“O que mais você quer me dizer, que é preciso a gente se esconder desse jeito?”
A jovem se limitou a encará-la por algum tempo em silêncio. Ergueu as mãos e acariciou os cabelos da mulher diante de si. Parecia emocionada e tinha algo de doloroso no olhar.
“Se você não acreditar em mim e nunca mais quiser falar comigo depois do que eu vou dizer, tudo bem. Eu vou entender e respeitar. Desde aquele dia, eu queria te rever, e não era só para implorar o seu perdão: eu também... Eu tive uma saudade imensa de você! Eu pensei que nós duas sentíamos o mesmo, até que você disse que não se sentia confortável em se envolver com alguém mais nova. Na minha cabeça eu entendi que, na verdade, eu não agradava você, não era boa o suficiente para a mulher mais linda que eu já vi, admirei e amei... Você sempre foi tão inteligente, tão determinada, tão incrível, tão superior a todos, até mesmo quieta em seu canto tinha uma presença magnética! Eu pensei que poderia te conquistar, fiz de tudo para que você me quisesse também como eu te queria... Então, quando você me rejeitou, achei que aquele papo de não se sentir à vontade comigo era só um jeito educado de me dispensar, porque eu não estava à sua altura, porque eu era só uma fedelha sem nada de especial, mesmo que você também se sentisse um pouquinho atraída por mim. Eu...” – Alana estava em lágrimas.
Olívia, a seu turno, se sentia atônita e comovida. Segurou as mãos trêmulas da garota dentro das suas e apertou-as com carinho.
“Você me bloqueou no Whatsapp, nas redes sociais, sumiu dos lugares onde a gente frequentava” – continuou Alana – “Eu sei, você tinha toda a razão do mundo para fazer isso. Nossa, como eu fui cuzona! No fundo, acho que sempre fui mesmo essa fedelha patética e sem graça... Eu quis ferir seu orgulho... Depois do arrependimento, até pensei em criar perfis fakes para ficar te espionando, mas a vergonha era tanta, nunca teria coragem de puxar assunto... Não sabia o que dizer... Ai meu Deus, estou me sentindo ridícula!”
Alana recolheu suas mãos e cobriu o rosto. Inclinou-se levemente para frente, a respiração curta e ansiosa. Olívia tocou-a no ombro e murmurou: se acalma, respira devagar...
Seu celular vibrou. Era uma mensagem de Elisabete:
“Onde vc tá? Te procurei no banheiro, e não te vi. Tá tudo bem?”
“Tô sim, espere um pouco que eu já volto. Depois eu explico.”
“Tá tudo bem mesmo? Cadê vc?”
Olívia resolveu mandar um áudio, para não preocupar as amigas: “Sim, eu tô bem, tô do lado de fora do restaurante, aqui perto dos manobristas. Fica tranquila. Estou conversando com alguém, logo eu volto. Não saiam daí.”
A jovem agora unia as palmas das mãos, tampando o nariz e a boca. Respirou fundo algumas vezes. Abriu os olhos.
“Estou te atrapalhando, não é? Você tá com as suas amigas, e agora essa confusão com sua namorada...”
“Isso eu resolvo depois. Estou preocupada com você neste momento.”
“Não precisa. Não quero que fique aqui por pena de mim. Só de te contar a verdade e ter sido perdoada por você, me sinto bem melhor. Obrigada por me ouvir.”
“Não tenho pena de você, Alana! Que isso? Onde está aquela menina toda autoconfiante e pra cima que eu conheci? Onde foi parar sua autoestima?”
“Acho que perdi... Talvez nunca tive de verdade...”
“Pois então é a minha vez de dizer algumas verdades: naquela época eu estava sim apaixonada por você, como você mesma percebeu. Mas tinha muitas inseguranças também, é óbvio. Ninguém é um super-humano acima da terra e do céu, que tem a autoestima inabalável todo dia. Enfim, era a primeira vez que uma mulher tão jovem me atraía daquela maneira. Tudo o que você disse de bom sobre mim eu também enxergava em você, só que numa versão mais nova e cheia de frescor: uma moça linda, estonteante, capaz de encantar todos ao seu redor, inteligente, personalidade envolvente, forte. A diferença entre nós é que eu escondia meus medos na minha introversão, e você, na sua extroversão. Mas, acredito que foi justamente isso uma das coisas que mais nos aproximou.”
Apesar do rosto ainda meio desfeito pelo choro, Alana sorria, mal acreditando no que ouvia. Sentia-se lisonjeada e acanhada ao mesmo tempo. Olhava nos olhos de Olívia, e para todos os lados, toda vexada de um jeito fofo.
“Eu tinha, e ainda tenho receio de me relacionar com uma mulher muito mais nova do que eu. Estamos em fases diferentes da vida, você tendo o seu começo, suas primeiras experiências como adulta, de maneira geral. Você está começando a construir seu caminho. Eu já tive minha vivência, minhas construções, e reiniciei minha vida numa direção completamente diferente da que eu tomei quando tinha sua idade.”
“Mas, em quê isso nos atrapalharia de viver um grande amor? Qual a graça de viver um sentimento baseado em escolhas tão racionais e calculistas assim? Você é mais vivida, conhece mais coisas do que eu, e daí? Você pretendia usar sua experiência para me manipular, ser abusiva, algo assim?”
“Claro que não! A questão não é o que eu pretendia fazer, mas como, sem querer, eu poderia fazer mal a você, impedindo-a de ter suas próprias experiências por medo de vê-la se machucar. Bem, isso não deixa de ser uma espécie de manipulação também, tá certo. Mas o amor tem dessas coisas: ninguém quer ver a pessoa amada sofrendo, principalmente se sabe que ela pode estar indo por um caminho de dor que você já percorreu antes. Eu tinha medo de ser essa figura mais velha controladora, que te impediria de crescer sozinha, mesmo que involuntariamente. E outra, não vou negar: também tinha medo do julgamento das pessoas, de ser chamada de ‘velha aproveitadora’, ‘papa-anjo’, essas coisas... Ou de você um dia acabar se interessando por alguém mais jovem e bonita, me esquecer...”
De um jeito doce, sorrindo e inclinando a cabeça de lado, Alana desencostou da parede e encarou a mulher à sua frente.
“Olívia, esse é seu problema: você pensa demais. Se preocupa demais com a opinião dos outros, sofre por antecipação por coisas que, às vezes, só existem na sua cabeça. Eu não quero ser intrometida, mas, olha o seu atual relacionamento: é uma mulher da sua faixa etária, que adora mentir, enganar e manipular, até mesmo a pessoa que ela diz amar. Não estou dizendo que não haja meninas mais novas que não façam o mesmo, mas, de quê adiantou você estar com alguém supostamente madura se, no fim, acabou desse jeito? Você não tem como prever essas coisas. Eu me lembro muito bem daquele dia em que você falou de seu antigo casamento, que não havia como controlar certas coisas, tipo, se você vai se apaixonar ou desapaixonar de alguém. Você lembra?”
Olívia não pôde evitar um leve riso de rendição.
“Você ousa usar meu próprio feitiço contra mim, senhorita Alana?”
“Credo, Harry Potter, que coisa de millennial velha!” – devolveu Alana, e as duas caíram na risada.
Olívia respirou fundo antes de questionar:
“Mas, e seus pais? Já sabem da sua sexualidade? Levariam numa boa, naquela época, se você aparecesse com uma mulher, poucos anos mais nova que eles, dizendo ser sua namorada?”
Alana deu de ombros.
“Não sei. Talvez não. Mas hoje em dia estou preparando o terreno para me revelar a eles. Minha mãe, sabe como é né: mãe sempre desconfia, principalmente quando a gente pensa que não sabe de nada. Já meu pai, é um ponto de interrogação... Uma vez, falando no assunto sobre movimentos LGBTQIAP+ no café da manhã, ele ficou na dele, pensativo...”
Passaram um tempo em silêncio, lado a lado, encostadas na parede, digerindo a conversa.
“Eu fico realmente feliz de ver que você cresceu e amadureceu tão rápido, Alana. Se quer saber, também aprendi muito com você hoje. Estou grata por termos nos reencontrado e nos libertado do peso do ressentimento.”
“E você não sabe o quanto me faz feliz só de eu ouvir isso. Esperava que meu erro passado ficasse eternamente entre nós como um de meus maiores arrependimentos sem solução, mas você me mostrou que tem um coração enorme. Por isso, merece muito ser amada por alguém tão boa quanto você.”
“Acho que você tem toda a razão. Tá vendo? Você me devolveu minha autoestima, e eu também devolvi a sua” – Olívia tinha os braços cruzados e acotovelou de leve a ex-colega, com um largo sorriso.
Desta vez foi o celular de Alana que apitou.
“É minha mãe. Vou entrar e dizer que ‘meus amigos’ cancelaram o rolê” – fez uma careta de desprezo – “Se ela soubesse que, na verdade, eu fui salva de cair numa cilada por uma super-heroína...”
“Não tem de quê” – Olívia brincou.
“Minha maquiagem tá muito borrada?” – Alana se posicionou sob a luz branca de um poste do estacionamento.
“Eu diria que você tá uma versão muito mais bonita do Alice Cooper.”
“Quem?”
“Deixa pra lá. Bem, dá uma passadinha rápida no espelho do banheiro, que eu acho que você consegue consertar.”
“E você, o que vai fazer a respeito de... Você sabe...”
“Ainda não sei. Já que empatei o esquema dela com você, se ela tiver saído com outra da lista de contatinhos, vou pra casa descansar e pensar muito bem na conversa final que vou ter com ela amanhã...”
“Me dá seu celular” – sem esperar pela resposta, Alana pegou o aparelho da outra, digitou alguns números e apertou o ícone de fazer a chamada. Logo, seu celular tocou. – “Pronto. Agora tenho seu número.”
Alana se despediu com um enorme sorriso. A passos lentos, Olívia chegou até a porta de vidro e a empurrou. Também sorria, sem perceber.
Fim do capítulo
Eu seeeeeeiiiii que eu tinha dito que iria encerrar em 3 capítulos, mas a coisa foi ficando tão grande (e, na minha humilde opinião, tão interessante), que fui obrigada a dividir o terceiro capítulo em 2, e ainda estou terminando de escrever. Se der tempo, posto ainda hoje o final, senão, amanhã, sem falta. Muito muito muito muito muitoooooooo obrigada a quem tá acompanhando e comentando, vcs me encorajaram demais! Estou colocando tanto carinho nessa pequena história, que hoje até me emocionei e chorei escrevendo alguns trechos! Espero que vcs também gostem! <3 <3 <3
Comentar este capítulo:
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
Billie Ramone Em: 04/04/2023 Autora da história
Que bom que gostou! Isso realmente me dá mais ânimo pra seguir pelo caminho que escolhi! Muito obrigada!