Pérola

Durante o percurso até um grande casarão antigo, que hoje em dia era uma cervejaria, fiquei muda. Na verdade, a minha cabeça estava a mil por hora e não conseguia deixar de olhar com canto de olho a mulher ao meu lado. Notei que seu cabelo estava de um jeito mais selvagem e que vestia um cropped, jeans colados e saltos altos. A atriz lia algumas folhas de papel, que pelo que vi era o roteiro.

Cruzei as mãos temendo que meu braço tocasse nela porque ela estava tão linda e cheirosa e eu já estava toda suada. Meu maior medo era de que o leite de magnésia que eu usava na axila fosse pouco para o calor que estava na cidade. Então fechei os braços com medo de que ela sentisse o cheiro imaginário do meu sovaco.

— Tá tudo bem linda? - Demorei a entender que ela falava comigo. E ela me chamou de LINDA! 

— Tudo sim…

— Você parece tensa. Prefere que eu vá para outro banco?

— NÃO! - percebi que gritei. - Pode ficar aqui. É que não queria te incomodar já que você tá figurinada, eu tô suada… e você também está concentrada decorando texto.

— Só estava repassando as falas e você não me incomoda nunca. - Abriu um sorriso maravilhoso e não sabia mais o que fazer para controlar a minha excitação por estar ao lado dela. Parecia que eu iria explodir. - Então me fala, você está gostando do trabalho?

— Nossa, é um sonho. Nunca imaginei que poderia estar aqui junto de tanta gente famosa. Eu fico toda sem jeito, e nem sei como me comportar.

— Deixa eu te contar um segredo. - Falou baixinho e se aproximou mais do meu rosto. - Aqui todo mundo é igual… mesmo uns se achando a tapioca mais recheada do lugar. - Riu e soube que falava do Cauê. - Então, você é igual a todo mundo e quero que fique confortável ao meu lado. Ok? - concordei timidamente.

Na gravação, fiquei ao lado da mesa de comida, vendo tudo de longe. Era um novo mundo que se abriu para mim. Quando chegamos na locação notei que já havia um grande número de trabalhadores por lá. E vi que o diretor de fotografia conversando com uma mulher mais velha, muito bonita, que depois soube ser a diretora-geral. Que poderosa! Várias luzes estavam ligadas e apontadas para a porta do casarão.

Penélope chegou cumprimentando todos com muito carinho. Fiquei encantada. Se já admirava antes, agora então, nossa! A atriz era de uma delicadeza com todos. Tratava como se fossem amigos de longa data, mesmo Lipe me contando que vários eram a sua primeira produção com a atriz.

Foram gravadas três cenas onde a minha ídola contracenava com outros atores. Pelo que entendi, e pelo que Lipe me contou, a história era de uma prostituta de luxo que foi contratada pelo filho de um fazendeiro e agora estava conhecendo as terras dele.  Tirei algumas fotos e enviei ao Brício, logicamente que antes perguntei ao Neto se podia. Ele pediu que não divulgasse porque nessa semana teria uma live gigante com o elenco no resort e iriam falar sobre a minissérie.

Estava morrendo de vontade de falar com a Liz, mas ela não me respondia. Sentei em uma pedra um pouco longe e por fim recebi uma mensagem da minha amiga.

Liz: Oi, Pretinha linda, me conta tudo.

Olhei para o set e notei estarem dando uma parada para trocar a luz. Penélope estava sentada mexendo no telefone e falava com Cacau.

Eu: Liz, to surtando, olha quem tá na minissérie {imagem enviada} e ela é linda demais! Cheirosa… nossa, UM SONHOOOO

Liz: Ai, que foda! Você teve contato com ela?

Eu: Sim! Ela tomou um gole do meu suco! Tu não acredita nisso! A boca dela entrou em contato onde estava a minha!!!

Liz: Ai… ai… tô ficando com ciúme.

Penélope

— Ah, tá, puta que pariu, Penélope… Nunca vi isso, ciúme de você mesma!

— Cala a boca, Cacau, assim todo mundo vai escutar.

— Para de besteira, vai até lá e dá um beijão nela e diz “Oi, eu sou a Liz, a mulher da tua vida.”

— Não funciona assim… não vou conseguir. - disse focada no celular e nas mensagens que a minha Pérola mandava. Várias fotos da Penélope e ela completamente alucinada.

— Mas para de dizer que tá com ciúme, senão a menina vai ficar com medo da “namorada”... Cara, tu tá fodida. - Disse comendo um bolinho. - Não queria tá na tua pele. - Não dei mais bola e foquei nas mensagens.

MinhaPretinha: E quando ela sentou ao meu lado na van fiquei com medo de estar com o sovaco fedendo…

Eu: Até parece, o seu cheiro natural é uma delícia…

MinhaPretinha: Ué, essa cidade é quente demais e acho que coloquei pouco leite de magnésia na axila e…como você sabe qual é meu cheiro natural? Anda sonhando comigo? Ai… coração ficou quentinho só de pensar que você tentou imaginar o meu cheiro. (emoji envergonhado e apaixonado.)

Aí caralh*... resmunguei alto pela mancada que dei ao falar do seu cheiro, mas ainda bem que ela mesma me deu a saída para o deslize que dei e complementei: 

Eu: Eu imagino seu cheiro,  o gosto da sua boca, a nossa pele se tocando… 

MinhaPretinha: (emoji envergonhado!)

Eu: Tá… Tá, mas bora mudar de assunto antes que eu suba pelas paredes aqui...me conta, pois eu não entendi… teu sovaco tava com azia kkkk porque não usa desodorante como todo mundo?

MinhaPretinha: Ah, é mais barato… muito mais… dura mais, fica sem cheiro e é extremamente mais saudável do que desodorante. Ganhei um adiantamento e quase caí pra trás vendo quanto tudo é aqui. Fui à farmácia ver algumas coisas e aqui é o triplo do preço da Ceilândia. Um xampu tá de 25 reais! A Cacau, da produção, vai me deixar num mercadinho e aí compro meu sabão de coco pro meu cabelo e…

— Penélope, mais cinco minutos e vamos fazer a última cena. - Neto chegou falando.

Eu: Linda, vou ter que sair. Meu chefe me chamou. Hoje a noite a gente fala mais, tá?

— Cacau, pergunta pro Lipe qual o melhor shampoo pro tipo de cabelo da Pérola e pede pra ver se acha na cidade, senão manda vir de Brasília. Quero hoje de noite no quarto de vocês. Faz um kit de higiene pra ela, por favor, com os melhores produtos. Um kit de sobrevivência, como os nossos. - Nós duas brincávamos que para trabalhar com produção tinha que sempre ter à mão um kit de sobrevivência com lenços umedecidos, sabonete íntimo, absorventes, pasta de dente, e outras coisinhas mais.

— Ela não vai aceitar…

— Diz que é um kit padrão pro elenco e que um dos atores não aceitou.

— Não vai colar…

— Faz isso, por favor.

— Beleza.

Levantei de onde estava e procurei a Pérola com os olhos, ela falava com alguns rapazes da produção. Não sei porque, mas fiquei com ciúmes e me aproximei.

— E tem o Pontão com vários restaurantes, mas são bem caros. O bom é que não cobram pra entrar, então você pode ir e ficar vendo o lago sem gastar nada… é muito lindo…

— Quando a gente voltar você pode me mostrar. - Disse Cleiton um dos câmeras que vieram do Rio. Já tinha trabalhado com ele e sabia ser um galinha gigante.

— Ah, que ótimo, quero ir também, Pérola. - Olhei feio para ele. - Cleiton, o Bruno tá te chamando. Já vamos gravar a última cena. Fiquei olhando para ele, que se despediu e saiu rapidamente. - Sempre que fui a Brasília foi para eventos e não tive tempo de conhecer a cidade.

—  Eu posso, claro… sem dúvida… definitivamente posso te mostrar… você vai amar - ela falava atropelando as palavras. 

— Então tá combinado. Quando a gente voltar no próximo mês para as diárias lá, já temos um programa, nós duas… - falei a olhando fixo nos olhos tocando de leve seu braço. Percebi que sua pele ficou arrepiada.

— A gente volta mês que vem? Eu tinha entendido que eram dois meses aqui…

— Não, um mês em Brasília. - Notei que a cabeça dela estava trabalhando a mil por hora e me dei conta de que ela não tinha como voltar para casa. Não tinha como explicar ao pai. - Sei que você mora lá, mas você se importaria de ficar no hotel com toda a produção? É que vai ser melhor para as diárias e logística… 

— Claro! Sim, sim, sem problemas - vi que ela ficou aliviada. Tenho que pedir a Cacau que a coloque em um quarto de hotel, de preferência ao lado do meu.

— Você já conhecia aqui? – Perguntei enquanto pegava um café e sorvia o líquido quente.

— Nunca tinha saído do quadradinho...

— Oi? – respondi com dúvida no olhar.

— Brasília, ou melhor, Distrito Federal... é um quadrado... – ela riu e fiquei maravilhada com aquele sorriso.

— Não conhecia o termo. Tá aí... gostei. 

— Penélope, tá na hora. - Cacau chamou

— Pê, você se importa em segurar meu café?

— Não… claro que não. - Sai e notei que ela olhava para a borda do copo de papel, onde tinha a mancha do batom que eu usava. “Será que ela tá pensando como seria me beijar?”.  Com esse pensamento fui para a última cena, que seria com Cauê, onde eu teria que beijá-lo. Mesmo pensando na minha garota que estava ali tão pertinho de mim, nem isso diminuiu o meu mau-humor em ter que beijar aquela mala sem alça. Enquanto gravava a cena imaginava um jeito de fazer a menina ficar mais solta comigo, ser mais a minha Pérola. Acho que Liz teria que falar algumas coisas a ela…

Pérola

Olhava para a cena em que Penélope e Cauê quase se comiam vivos, aos beijos e meu estômago embrulhou. Ciúmes. Mas como podia sentir ciúmes de alguém que era só minha ídola? Além disso, tinha certeza que estava sentindo algo mais que amizade pela Liz. Quando vi que o personagem do Cauê desnudou um seio da minha diva e o beijou senti meu corpo formigar e corri para a van com meu kit médico.

Coloquei o fone de ouvido e sem saber o porquê senti meu nariz arder e algumas lágrimas caírem. Que inferno. Não entendia o que estava acontecendo comigo. Quando notei que começaram a encher os carros fingi que dormia encostada no vidro. Por fim, dormi de verdade e quando acordei estava confortavelmente deitada e abraçada a Penélope. Meu coração deu um salto e percebi que ela também dormia. Tentei me desvencilhar, mas ela apertou mais ao seu corpo.

Nunca imaginei que isso aconteceria na minha vida. Meu coração só faltava pular pela boca. Como ela continuava cheirosa depois de um dia inteiro de trabalho sob a luz forte? Percebi que não devia cheirar como ela e tentei novamente me livrar do abraço. Nesse momento, o veículo parou na frente da recepção do resort que ela ficava. Sem falar nada, ela beijou minha testa e desceu. “ O QUE FOI ISSO?”

Ainda tentava entender o que havia acontecido quando a van parou na frente do portão da pousada. Carreguei minha maleta até o quarto e me dei conta que não pedi para parar em um mercado. Mais um dia usando aquele xampu meu cabelo não vai aguentar.

— Pérola, olha, pra você. - Cacau chegou e me entregou uma caixa com vários produtos de beleza. Todos eram caríssimos e só nos meus sonhos eu poderia comprar algo assim.

— Como assim, Cacau?

— Temos um kit de boas-vindas para os atores e uma das dondocas não quis ficar. Como eu tenho o meu, pensei que talvez você gostaria.

— Não posso, Cacau, é tudo muito caro!

— Menina, tô te falando. Aceita. Tá dentro do esperado da produção.

— Tá bom… - Nunca tinha ganho tanta coisa legal! Comecei a organizar tudo o que ganhei na minha bolsa.

— Ah, e tem também um kit de sobrevivência feminino. Tem tudo pra uma diária externa para que você não passe aperto na rua. - Me mostrou uma bolsinha com absorventes, lenços umedecidos íntimos e várias outras coisas. - Leva sempre contigo, ok? E caso esqueça, é só pedir que eu sempre tenho comigo. A Penélope esquece sempre e eu que socorro ela. - Agora que reconheci a Cacau. Ela é a Cláudia, amiga da Penélope desde a infância. Nossa, como ela tá diferente. O cabelo, os piercings… outra pessoa.

— Você é muito amiga da Penélope, né?

— A melhor. Quando passei por uma fase rebelde, ela me trouxe do fundo do poço.

— Posso te contar um segredo? - Ela sinalizou que sim.

— Sou muito fã dela. Sigo ela em tudo.

— Ah, ela vai ficar feliz em saber…

— Não, Cacau, me promete que não vai falar nada, por favor!!!

— Tá bom, tá bom… pode tomar banho primeiro, que preciso acertar umas coisas para a diária de amanhã. Vou aproveitar e dar um pulo no caixa eletrônico pra sacar uma grana. Devo chegar tarde.

—  Cacau, me desculpe te pedir isso, mas você  poderia me ajudar com uma coisa antes? Eu ainda estou com todo dinheiro que você me adiantou, mas queria muito fazer uma compra lá pra casa. Sabe né, umas misturas pra mamãe colocar junto com o feijão e arroz. Se você puder me ajudar fazendo um pedido no ifood mercado, eu te dou  o dinheiro da compra, ou mais se você precisar.

—  Ajudo sim. Mas você não tem ifood?

—  Nunca tive cartão de crédito e muito menos dinheiro pra gastar em besteira.

—  Te ajudo sim. Mas também vamos abrir para você uma conta em um banco online e você mesma pode fazer essas coisas na próxima vez. Vem cá, me dá o endereço da sua casa e vamos escolher o que você quer mandar pra sua mãe.

Ficamos uns 30 minutos fazendo compras para a minha mãe. No fim consegui enviar a ela carnes de porco, frango e até a carne de sol que só comíamos em dias de festa. Mandei também uvas, requeijão, pão de forma, muçarela, presunto e até mesmo geleia de mocotó,  que ela amava, mas nunca tínhamos dinheiro para comprar.

Cacau saiu e liguei para mamãe. Ela ficou impressionada com as coisas que eu comprei e quase chorou falando que morria de orgulho de mim. Chorei emocionada. Sempre quis fazer essas coisas para minha mãe. Ela sempre me apoiou. Na escola sempre tirei ótimas notas, mesmo assim papai queria que eu parasse de estudar. Mamãe o convenceu a me deixar terminar o segundo grau e, quando me inscrevi no técnico de enfermagem, fazer o curso. Foi dois anos difíceis, pois eu fazia faxinas durante o dia e a noite estudava. O meu grande sonho era ser médica, desde quando assisti a um episódio de Greys Anatomy na casa do Bricio, mas sabia que isso não era pra mim. Nunca teria condições, mesmo que entrasse na UnB, que era federal. As aulas são diurnas e eu não poderia deixar de trabalhar.

Pensando em como Deus era bom por eu conseguir esse emprego corri para o banho usando tudo que tinha ganhado: xampu próprio para meus cabelos ondulados, sabonete líquido, condicionador… várias coisas que eu não estava acostumada a usar. Deixei meu telefone tocar na playlist da Penélope e comecei a cantar com ela. Era um cover de "Flowers", música que a Miley Cyrus fez para o ex falando que poderia ela mesma se dar flores, dançar sozinha e se amar melhor do que ele fazia. Era um hino empoderador. E na voz da Penélope ficou perfeita.

Penélope

Cacau me contou que minha Pê gastou mais da metade do seu adiantamento em compras para sua família. Meu coração quase derreteu de tanto amor e admiração por essa menina, que mesmo podendo fazer o que nunca teve a oportunidade, comprando coisas para ela mesma, se preocupou primeiro com sua mãe.Sorri ao ver o vídeo que Cacau gravou da porta do banheiro. Pérola cantava alto um cover meu que tocava.

VadiCacau: Você me deve, tá? Porque eu podia ter ficado aí com você, tendo do bom e do melhor, mas to aqui de babá.

Eu: Você tem a minha eterna gratidão…

VadiCacau: Tô sabendo, e vou cobrar tudinho. Quero os vips do Lollapalloza!!

Eu: Não quer mais nada não? kkkkk abusada…

VadiCacau: Já que você insiste… Rock in Rio tb.

Eu: Tá certo. E vamos todas juntas…

Me despedi e fiquei imersa na grande banheira. Suspirei ao lembrar de tê-la nos meus braços. Quando entrei na van, a vi dormindo. Fui tentar ajustá-la no banco porque iria ficar com dor no pescoço e ela deitou no meu ombro. Aproveitei e aconcheguei ela a mim. Se alguém notou ou viu, pouco importava.  Pensar que a primeira vez que a tinha assim, mesmo com ela dormindo, me deixava com o sorriso bobo. Sabia que com ela precisava ir devagar. Mas essa lentidão estava me agoniando cada vez mais. Nos próximos dias vou aos poucos demonstrar o que eu sinto. E claro, Liz vai botar a maior pilha nisso, já decidi. Afundei na água, sorrindo com o plano.

Fim do capítulo