Dia de Princesa
Pérola
Acordei cedo no sábado para ir ao culto. Mamãe e eu combinamos que teríamos a conversa com papai assim que chegássemos em casa. Estávamos na sala enquanto minha mãe contava a ele sobre o trabalho e frisou que seria em uma família evangélica e cidadãos de bem.
— ... e como ela não vai gastar quase nada, vai poder mandar um dinheirinho pra gente.
— Quanto é o salário? – Meu pai perguntou depois de um longo silêncio.
— Como é sem carteira assinada, são novecentos reais, Pedro. – Mamãe falou e olhei rápido para ela não entendendo o porquê da mentira.
— Que boa notícia! Assim, a gente pode aumentar o dízimo para a Igreja. – Agora entendi - Glória a Deus! Tem a minha benção, minha filha. E quem sabe você encontra um varão por lá? Já que Fabrício não se decide! - Meus pais acreditavam que um dia me casaria com meu melhor amigo. Só que ele era mais feminino que eu e pegava os garotos da Igreja no sigilo.
— Que isso, papai, não penso nessas coisas não... – pedi licença e corri para a casa do meu amigo que logicamente surtou!
Dei por mim que teria um problema. Não tinha roupas! As poucas peças que possuía eram quase todas da Igreja. Sempre que ia ao curso ou saía com amigos, trocava de roupa na estação ou na casa do Fabrício. Tinha duas calças jeans e três camisetas básicas.
Mamãe conseguiu um dinheirinho emprestado de uma patroa dela. Então, Fabrício e eu tivemos um dia de princesa na Feira do Guará. Comprei calças, camisetas, calcinhas, sutiãs e tops, até uma bermuda porque meu amigo me forçou. Na verdade, ele queria que comprasse um biquíni, mas isso já era demais. Então, ele se conformou com uma bermuda. Comecei a rir ao lembrar da primeira vez que coloquei uma calça jeans. Tinha 15 anos e Fabrício conseguiu a doação de uma das primas dele. Me senti tão estranha. Tão desconfortável. Mas, ao mesmo tempo... livre.
— Amigo, você guarda na sua casa essas roupas? É muita coisa para eu chegar em casa. - A gente estava tomando um dindin enquanto esperava o metrô.
— Claro que sim! Mas, Pê, não consigo entender porque seu Pedro é tão rígido nisso. A maioria das irmãs da Igreja usam roupas normais para trabalhar... E estão até falando que a mulher do pastor Eraldo colocou silicone.
— Eu sei, mas papai diz que esse tipo de roupa é do demônio e que moça correta deve usar saias e vestidos bem fechados.
— Ainda acho uma besteira! Porque o homem pode usar o que quiser e a mulher não? Acha que Deus vai se importar com o que você usa? Claro que não! O maioral tá ocupado demais pra ver se você tá de calcinha fio dental ou não.
— Ai, Bricio... me liguei que não tenho mala.
— Vamos no Bazar Comunhão Espírita. Um peguete do trabalho faz voluntariado lá.
— Ai... morro de medo de entrar nesses lugares.
— Para de besteira, mulher! É tudo o mesmo Deus, só que cada pessoa fala com ele de um jeito só seu.
— Nossa, você nem parece crente...
— Não sou mesmo, só vou à igreja pra fazer a minha mãe feliz. Mas quando vovó vai ao centro espírita, vou com ela.
Fabrício me explicou que no centro espírita as pessoas podem ir tomar passe sem precisar frequentar a casa. Ainda com um pouco de receio fui com meu amigo até o bazar e achei uma bolsa que cabia todas as minhas poucas roupas. Uma senhorinha não tirava os olhos de mim, o que achei estranho demais.
— Moça, me desculpe, mas seu cabelo é bonito demais. Qual o xampu que você usa? Minha neta tem o cabelo como o seu e não acerta produto nenhum.
— É sabão de coco – disse baixo, constrangida. Produtos de beleza eram itens de luxo lá em casa e desde cedo mamãe me ensinou a cuidar de mim com o que tínhamos.
— Nossa, que ótimo! Vocês são novos? Nunca vi vocês por aqui...
— Eu sou evangélica... – disse com medo do que ela iria falar.
— Ah, que bom! Que maravilha que você segue o nosso senhor Jesus Cristo! Fico muito feliz! Aqui sempre estamos de braços abertos a todas as pessoas do reino de Deus. Temos vários projetos de ação comunitária e todo dinheiro que arrecadamos aqui e de doações vão para esses projetos. Vem que eu faço um tour com vocês.
Dona Cila, como se apresentou, nos mostrou as salas onde sempre havia palestras, a livraria, a central de doações... me falou que todo mês várias famílias recebem roupas e cestas básicas. Fiquei impressionada porque eu tinha uma imagem diferente. O pastor sempre falava coisas desses lugares que hoje estava vendo que não era realidade.
— Se quiser tomar um passe vai abrir ficha logo, logo.
— Eu não sei... – olhei para o Fabrício pedindo ajuda, mas ele estava de papo com o atendente da livraria.
— Vem, não tenha medo. Você vai gostar.
E novamente me deixei levar por aquela senhora que nunca havia visto, mas me passava uma paz... sei lá, eu me sentia bem ao seu lado. Fui levada para uma sala com uma luz azul fraquinha. Sentei e pude ver uma senhora à minha frente. Um senhor começou uma oração que nem lembro qual era ou quais foram as suas palavras. A senhora colocou as mãos sobre a minha cabeça e fui ficando cada vez mais calma. A sensação de bem-estar era imensa. Acho que até um pouco tonta eu fiquei... Quando dei por mim a senhora à minha frente estava ajoelhada segurando as minhas mãos me perguntando se eu estava bem. Saí de lá ainda com a sensação de leveza. Perguntei para dona Cila o que era o passe.
— O passe é a transferência de boas energias para quem está necessitado. Você se sentiu bem, né? Então, os médiuns e os espíritos de luz estavam em união para isso. Se você quiser saber mais eu posso te passar uns vídeos no youtube...
E acabei indo comprar uma bolsa de viagem e saí com o contato de uma senhorinha que me enviou vários vídeos sobre espiritismo.
— Mulher, você não deixa seu Pedro ver isso senão ele te leva no culto e pede pro pastor tirar o demônio do teu corpo.
— Pode deixar, Brício, mas eu fiquei curiosa...
No metrô estava com um sono infinito. Meu amigo tirou várias fotos minhas dormindo no seu ombro. Chegando em casa logo fui para o quarto para entrar na internet.
Eu: Oi Liz, tá aí?
Liz: Oi, linda, tô sim. Me conta tudo, como foi com seu pai?
Contei tudo para minha amiga e a maluca ainda fez com que eu tirasse foto com as roupas que comprei e mandasse pra ela.
Eu: Assim não vale, Liz, você nunca manda nenhuma foto sua. Seu avatar é da nossa diva Penélope. E toda hora fica me pedindo foto!
Liz: Eu sou tímida demais, Pê... quem sabe um dia essa timidez não passe e posso te mandar uma foto.
Eu: Vou cobrar! Mulher! Mudando de assunto, você viu a última foto que a Penélope postou no ensaio da minissérie? MARAVILHOSA!
Liz: Vi não, vou lá ver...
Eu: Tô em cólicas pra saber que minissérie é essa. Tudo é segredo! Procuro em todo lugar e não saiu nada a respeito ainda.
Liz: Só vi o que saiu naquele site de fofoca que o Cauê ia fazer o par romântico dela.
Eu: (emoji vomitando) não consigo gostar desse menino. Acho ele muito forçado. E não chega aos pés da Penélope. Tá, tô com ciúme também...
Liz: kkkk vc tá muito apaixonada pela Penélope. Linda, isso não é saudável. Não tem nenhuma gatinha aí que vc se interesse?
Eu: Eu fico comparando, Liz... é uma merd*. Batendo na boca pq é palavrão kkkk e se vc não me mandar uma foto como eu posso me apaixonar por vc?
Ai, meu Deus! Senti meu rosto ficar vermelho, nunca tinha feito algo assim.
Penélope
Fiquei olhando estática para a mensagem com um sorriso de orelha a orelha. Pérola nunca tinha sido tão solta e sempre fugia das minhas investidas. Corri até o meu closet tropeçando nos meus sapatos de salto alto e nas roupas do ensaio. “Puta que pariu! Pensa, pensa, pensa...” vesti um moleton velho do Harry Potter e coloquei o capuz. Puxei meus cabelos todos para a frente deixando ver apenas um pouco do meu rosto. Tirei várias fotos, coloquei vários filtros, e mandei para ela.
Eu: Tá aqui...
MinhaPérola: Pode ser qualquer pessoa né, Liz... até o Unabomber kkkkk, mas ainda é melhor que nada.
Eu: Tá, a gente já pode casar e ter várias Perolazinhas pela casa.
MinhaPérola: Uai, mas quem diz que quero ter filho?
Eu: Ué... foi você maluca, esqueceu?
MinhaPérola: Ai... sim. Mas eu já tirei isso da minha cabeça. Vou ficar pra titia mesmo.
Eu: Então vamos ficar pra titia juntas? Sabe, né? Aquelas tias que não são parente e sempre moram juntas kkkk vão pra Igreja todo domingo, mas ficam de safadeza no quarto kkkkk
MinhaPérola: (emoji envergonhado) eu vou dormir, tá? Mamãe já bateu aqui na porta dizendo que tá tarde.
Eu: tá bom, linda, até amanhã... bj
MinhaPérola: (emoji beijo)
Fiquei sorrindo para o aparelho revendo as suas fotos. Patético, né? Uma das mulheres mais desejadas do país de quatro por uma menina que morava há mais de mil quilômetros de distância.
Fazia cerca de seis meses que conversava com ela. No início fiquei encantada com ela porque estava sempre pronta a dar uma palavra de carinho e apoio a qualquer um que precisasse no grupo. E sempre tinha alguém com problemas familiares. Certo dia contei a ela sobre a minha relação com minha mãe e ela foi me escutando. Algumas vezes davam conselhos e outras só ouvia o meu desabafo, mas eu sabia que ela estaria ali para mim. E aos poucos fui me apaixonando pela menina tímida, criada em uma realidade totalmente diferente da minha, doce e com uma empatia gigante.
Contei para ela sobre a minha orientação sexual e das minhas primeiras namoradinhas, a maioria atrizes como eu, mas isso não disse. Ela me falou que nunca tinha se interessado por garotos e que seu coração batia mais forte quando via a Penélope. Também me disse que teve seu primeiro beijo com uma amiga da mesma igreja que ela e que nunca mais ficou com ninguém com medo, pois a menina fora expulsa de casa por ser uma “ovelha negra”. Concordamos também que não deveríamos falar essa expressão por ser preconceituosa. Ela me falou que preconceito e homofobia era o que mais tinha na igreja, mesmo que grande parte dos fiéis fossem negros. Ainda me impressionava como essa menina, vivendo dentro dessa comunidade conservadora, tinha essa mente tão avançada.
Depois de todo esse tempo, não sabia como contar a ela que eu era, na verdade a sua ídola. Morria de medo de que ela não falasse mais comigo de que nossa relação mudasse. Mas eu precisava fazer algo para mudar isso.
Fim do capítulo
Oi oi oieee! Olha quem voltou antes do esperado! Its me Rose.
E ai, me digam o que tão achando? E não esqueçam comentem e me favoritem pra receber noticias assim que saem do forno.
Lá no meu insta ta rolando sorteio dos meus livros físicos. Bora?
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Ester francisco
Em: 09/03/2023
Religião pra mim é empatia, amor, entendimento...
A delicadeza de mostrar essa abertura da Pérola foi muito legal.
Ficar pra titia....kkkkkkk beijos....ansiosa por mais...
Ps: esse capítulo mexeu um pouco mais comigo. Boraaaaaa!!!
Resposta do autor:
Cada pessoa consegue se conectar com Deus de uma forma única. Não existe isso de minha religião é melhor que a tua. Né?
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HelOliveira
Em: 01/03/2023
Féliz por ter vc de volta.....já sinto que vamos ter muitas emoções
Bjos
Resposta do autor:
Que lindo te ver aqui!!!! Obrigada pelo carinho!
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Rosangela451
Em: 28/02/2023
Hummmmmm vem muita confusão por aí .
Pérola não vai aceitar bem essa mentira.
Ansiosa pelo próximos capítulos
Resposta do autor:
Será? Acho que vai dar treta, mas depois tudo fica sussa
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Marta Andrade dos Santos
Em: 27/02/2023
Eita e agora conta não conta...
Resposta do autor:
pois é menina! kkkkk
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Rose SaintClair Em: 24/03/2023 Autora da história
Com ctz!!!