Capitulo 8
Greta, prestava atenção em cada pormenor do que Walkiria dizia e a sua esperança de contornarem a situação aumentava. Não era tão cética quanto a sócia, mas tinha seus momentos de preocupação exagerada, ainda mais que a ajuda dos pais não era sequer cogitada. Apesar de ser um caminho mais fácil, conseguia entender a resistência de Walkiria. Se aceitasse uma ajuda para contornar o primeiro obstáculo, deixaria de ser quem era. Ela mesma, só pediria ajuda se não restasse mais nada a fazer. Uma das várias coisas que apreendera da amizade com aquela cabo-verdiana, era lutar com as próprias forças em prol dos sonhos. Era isso que fariam, juntas.
-Só uma dúvida Wiki, se o marido da Nahima é gestor de topo, de grandes cadeias, ele terá tempo para ajudar com nosso pequeno hotel? O segmento é tão diferente...
-Ele não vai nos prestar assessoria, nada disso. Ela vai explicar quem somos, onde estamos e pedir uma orientação. Mais uma conversa entre amigos...nem teríamos como pagar uma consultoria desse nível.
-Essa Nahima caiu do céu diretamente para os teus braços. Que sorte a nossa. - Brincou.
Walkiria revirou os olhos mostrando desagrado.
-Estou a brincar e tu sabes disso, mas que bom que ela apareceu e com essa lufada de ar fresco. Ela está de férias conjugais? Esse marido dela parece maravilhoso demais para precisar de férias. - Brincou mais uma vez.
-Acreditas que ela não é casada? Ela já não era quando nos conhecemos e eu fiz uma grande confusão...
-Hmmm...
-O quê? Conheço esse olhar...
-Eu sei o que aconteceu no Sal há não sei quanto anos. Eu já te conheço...
-Ah sim? E o que aconteceu?
- Ficaste com medo dela, sabe lá Deus porquê e criaste essa ficção na tua cabeça para te proteger.
-Medo de quê? Tu és muito doida...- Riu, abanando a cabeça.
-Ah Walkiria, tu tens de estar sempre no controle, imagina se apaixonar loucamente por uma mulher que só verás por algumas horas.
-Apaixonar? Greta, eu não sou sonhadora como tu, não passo a minha vida à espera de um amor arrebatador. Passei umas 5 horas com a mulher e eu iria me apaixonar? Preciso de muito mais...
-Pois eu iria adorar viver uma história de algumas horas e não inventaria nenhuma desculpa para não aproveitar. Mas somos pessoas tão diferentes...
-Ah, somos. - Concluiu com veemência.
-Não sei se sabes, mas a vida, costuma dar tréguas e depois voltar à carga.
-Mas estás a falar de quê? Pareces doida...
-Parece-te normal que, depois de quase 5 anos, ela tenha aparecido no Pedras do Vale? Com tantos hotéis nessa ilha? Ah, e ela nem vinha para cá...não te parece coisa de destino? Obra orquestrada por outras forças?
Walkiria riu como não fazia há bastante tempo.
-Eu teria de me achar muito especial para acreditar que forças celestiais ou sei lá quem, estão preocupadas com o curso da minha vida. Pelo amor de Deus...- E ria sem parar.
-Cuidado, dessa vez tempo não será um entrave considerável. Se ela já tem até uma casa...haja criatividade para inventares desculpas para fugir. - Sorriu.
-É sério que nós com tantos problemas para resolver, estás aqui a fantasiar romances? Greta, estamos na iminência de perder nosso hotel para o banco.
-Tudo é mais fácil quando estamos apaixonadas...
Walkiria riu mais uma vez.
-Tu estás apaixonada?
-Não, o que é uma pena. Experimenta lidar com a vida estando apaixonada, é tudo tão leve...
-É bom ter a companhia de alguém...- Não parecia muito convicta do que dizia.
-Não estou a falar de ter um caso...é outra coisa. Eu gosto da Dália, por exemplo, mas não é disso que estou a falar. Tu não estás envolvida com ela...
-Ah não? E ando há quase um ano, como bem frisaste outro dia, a perder meu precioso tempo?
-Wiki, eu acho que nunca estiveste envolvida com a Dália. A questão nem é a Dália, tu só te dedicas mesmo ao hotel. Paixão mesmo, tens por esse lugar, pelo teu sonho. A concorrência é desleal...
-O trabalho é muito importante para mim...
-Eu sei que é e acho muito válido, mas tu não sabes relaxar, brincar...ser leve. Tu és muito séria, Walkiria.
Walkiria respirou fundo e olhou para a paisagem exuberante por trás da imensa janela de vidro. Não tinha nada para dizer, ainda que, estranhamente, aquelas palavras estivessem a fazer eco na sua mente.
-Por falar na Dália, ela passou por cá ontem atrás de ti. Parecia preocupada...
-Avisaram-me na receção que ela deixou recado. Ontem estava sem cabeça para lidar com as exigências dela. E voltei tarde...
-Ela insinuou que iria te esperar na varanda do teu loft, mas consegui dissuadi-la. Inventei que só voltarias da capital noite adentro. Eu nunca entendi essa tua regra de não levar ninguém, as tuas mulheres, para o loft, mas respeito.
-Falas como se eu tivesse mil mulheres...
Riram muito.
-Já tivemos períodos bem animados por aqui...acho que essa tua indisponibilidade, deixa as mulheres doidas...
-Meu Deus, ainda bem que somos amigas. Tu me descreves como um ser bem...
-Único! É isso que tu és, uma pessoa autêntica. Difícil? Um pouco...
Gargalhadas.
-Sobre o loft...já viste o tamanho daquelas paredes? Não é possível albergar mais do que uma pessoa. Tenho claustrofobia. - Riu muito. - E a Dália é espaçosa.
- Se estivesses apaixonada, mas dessas paixões intensas e maravilhosas...
- Que não fazem parte dos meus planos de vida. - Interrompeu a amiga.
-Pois é, se fizessem, o loft caberia tu e a tua amante e ainda não deixarias que ela saísse de lá.
-Deus me livre dessa intensidade toda. Vamos trabalhar? Não sei em que momento que essa reunião séria, descambou para um consultório sentimental.
-Culpa da estrangeira que te faz rir sem esforço e ainda vai te ajudar a salvar o hotel. - Provocou.
-Vamos trabalhar? - Fingiu seriedade quando na verdade teve vontade de rir.
*****
Walkiria estava há horas tentando resolver problemas com uma operadora que sempre queria o impossível. Normalmente não teria muita paciência para as exigências sem sentido, mas, pensando no cenário que tinha em mãos, tinha que ser mais flexível e ponderar transformar-se numa fábrica de milagres. Riu daquele pensamento, mas era isso mesmo que a operadora exigia. Por segundos, inclinou a cabeça para trás, alongou os braços e suspirou. A mente estava esgotada, mas precisava focar a atenção em soluções, descansaria depois, quando desse. De olhos fechados, deixou-se levar pela música que tocava no ambiente. Ainda bem que durante o período da tarde estava quase sempre sozinha no escritório. Greta não se concentrava com ruídos e ela só conseguia reagir com música. Dois minutos de descontração e deixou-se levar pelos acordes de Dreamer (Ambyion) estalando os dedos e balançando a cabeça. Poderia ficar assim por horas, mas tinha tanto para resolver. Abriu os olhos e se agitou da cadeira.
-Desculpa, não queria te assustar. Estavas tão relaxada que não quis interromper o teu momento. - Nahima, o sorriso e alguma coisa a mais que Walkiria não conseguiu decifrar e nem podia.
-Estás aí há muito tempo?
-Não...um minuto, talvez...- Estava há mais tempo, mas também não saberia precisar.
-Precisava relaxar um pouco. Minha cabeça está a ferver. - Levou a mão à cabeça arrancando uma risada de Nahima.
-Então é o momento de parar, não concordas?
-Claro! Que horas são? - Não tinha mesmo a mínima noção do tempo.
-Hora de fazermos um tour pelo hotel. - Sorriu.
-Sim, e tu não esqueceste...
-Compromisso é para se honrar. Mas, se estiveres muito ocupada, podemos...
-Não podemos nada - Pulou de onde estava - Vamos agora. Muito obrigada por ter vindo.
-A tua sócia que me deu permissão para vir cá. Ela disse que se eu não viesse, tu não sairias daqui. Ela é simpática...
-Ela é, simpática e exagerada. Bom, no caso de eu ser maníaca por trabalho...
Riram muito.
-Comecemos o tour, esse é o escritório. Quase sempre estou cá durante o período da tarde. As manhãs, prefiro trabalhar em casa. Eu preciso de música para me concentrar e a Greta nem tanto...- Sorriu. - Gostas de música?
-Hmmm?
-Nada a ver a pergunta. Acho que estou zonza...
-Queres que eu volte em outro momento?
-Ei, eu não sou indelicada e nem mal-agradecida. Vieste para me ajudar e vai ser agora.
-Calma - Segurou-lhe a mão entre as suas - eu não quis dizer nada disso, mas temos tempo...
-Nosso tempo é agora. Preciso de ajuda e não há espaço para perder tempo...
-Ok, mas respira um pouco...pareces um pouco tensa...
-Estou. Tem uma mulher chata me tirando do prumo. Ela exige demais, coisas que não estamos em condições de atender, mas é uma grande cliente...
-Sei bem como é isso. Vamos lá para fora? O ar puro vai ajudar...
-Vai...como foi o teu primeiro dia de trabalho?
Nahima surpreendeu-se com a pergunta.
-Foi muito bom. Estou extasiada. Aconteceu tanta coisa boa...quero te contar com calma. Agora o foco é o tour...- Sorriu e Walkiria perdeu-se por instantes.
A próxima meia hora foi dedicada a um tour minucioso por todas as dependências do Hotel Pedras do Vale. Nahima fotografou tudo, fez anotações, muitas perguntas, deixando a impressão de que entendia muito bem o que estava a fazer.
*****
-Então, o que te parece?
-Como eu já disse, não sou da área, mas pelo que vi, têm um grande potencial aqui. Aquele espaço com a vista soberba sobre o vale e que aparentemente não é utilizado...
-Ele não é utilizado de todo. Precisa de uns ajustes e confesso que não tem sobrado tempo para pensar no que fazer...
-Tive algumas ideias, mas vou conversar com o Yuran. Afinal, o expert é ele. O hotel é lindo, parece que cada detalhe foi pensado com tanto esmero...
-Foi...cada detalhe foi sonhado por anos e o sonho continua. - A emoção embargou-lhe a voz. - Muito obrigada por se importar... - respirou fundo, não estava muito acostumada a se expor assim, mas alguma coisa naquele momento permitia-lhe apenas ser...
-Não precisa agradecer. Tenho de ir...
-Já? E o lanche?
-Adoraria e meu estomago mais ainda, mas ficaram de entregar minha cadeira de baloiço daqui a pouco...
-Já compraste? - Surpreendeu-se.
-Eu não perco tempo. Vi a cadeira perfeita na internet, comprei e a entrega é quase imediata.
-Isso que é desejo. - Sorriu.
-Aquele alpendre merece uma cadeira e eu mais ainda.
- E quando fores embora? Se fores vender, eu compro. Acho que pode ficar bonito no meu quintal.
-Sem dúvida. O teu quintal também merece uma cadeira como a minha.
-Passo lá mais tarde para ver a tua cadeira, que já é quase uma estrela. - Falou obedecendo impulsos que já se tornavam perigosamente comuns diante daquela mulher.
-Ah, mas hoje ainda não vai estar instalada. Pedi indicação de alguém para montar à tua sócia e ela sugeriu que o Gary me ajudasse e ele prontamente aceitou. Só que teremos de esperar até amanhã para baloiçar. Hoje ele não tem disponibilidade...pena.
-E tem cabimento eu me oferecer para ir à tua casa? Que doida...- Sorriu envergonhada.
-Eu não me ofereci para vir lanchar? Relaxa...somos duas oferecidas.
Riram se tocando nos braços.
-Preciso mesmo ir, ou perco a entrega da minha cadeira. E acho que Greta e a dona do meu primeiro hotel querem a tua atenção. Elas não param de olhar para cá...
Walkiria que não tinha notado a presença de Dália, girou a cabeça num rompante.
-A Dália...- Mordeu o canto da boca e não passou despercebido a Nahima.
-A proprietária do hotel da confusão que é a tua namorada? Acho que já ouvi esse nome...
-Sim...é ela. - Respirou fundo.
-Deve ser importante. Vai lá que eu preciso correr para casa. Se quiseres passar por lá mais tarde, vou adorar. Vou tomar um vinho no alpendre...
-Ainda sem baloiço...o charme que falta. - Brincou.
-Ah, isso quer dizer que só vais me visitar quando o ilustre estiver instalado?
-Como ela é humilde. - Riram juntas. - Eu vou...
-Muitas histórias para te contar...estou muito feliz com meu trabalho.
Ela foi embora e Walkiria imediatamente voltou a sua atenção para onde estavam Greta e Dália. Apesar de todas as incertezas, sentia-se estranhamente motivada e preparada para encarar qualquer coisa.
*****
-Greta, a tua sócia está tão importante que daqui a pouco vou precisar solicitar oficialmente um encontro com ela. - Dramatizou.
Greta riu e Walkiria bateu a cabeça.
-Exagerada! Apenas um pequeno desencontro...
-E como ficam minhas saudades? Vim parar aqui ontem e nada da senhora e não me atendia o telefone. Ainda bem que sou segura ou pensaria asneiras...
Walkiria arqueou a sobrancelha e encarou Dália com seriedade.
-Ei, calma. Só estou a brincar. Eu sei que não cabe rompantes de ciúme e nem eu gosto disso. Só queria dormir contigo depois daquela nossa pequena confusão...
-Vou deixar-vos a sós.
Greta fez menção de retirar-se, mas logo foi interrompida por Dália.
-Não precisa Greta, eu já vou embora. Estou atrasada e ainda vou à Praia para uma reunião de última hora. Passei aqui apenas para avisar à minha gostosa e brava mulher que hoje jantamos juntas e não aceito qualquer desculpa. Devo passar aqui entre as 21 horas, no máximo 21:30. Aceitas?
Walkiria riu e soltou o ar simulando resignação.
-Isso é um sim?
-Sim!
-Ai meus céus, ela nem pestanejou, não disse que tinha muito trabalho. Greta, milagres acontecem.
-Parva! Mas não inventes de chegar aqui às 10 da noite porque já estarei dormindo e com o telefone desligado.
-Pontualidade britânica. Preciso correr para voltar mais depressa ainda.
Beijou Walkiria apertando-lhe as nádegas.
-Aqui não...- resmungou olhando para os lados para certificar-se que não eram observadas por nenhum empregado.
-Então para de ser gostosa. Adoro essa mistura de bravinha com menina envergonhada. - Piscou-lhe o olho e saiu com passadas largas.
-Hmmm...- Greta provocou.
-O quê?
-Vislumbro uma noite de muita intensidade...
-Vou trabalhar! - Começou a andar em direção ao escritório.
-Espera Wiki. Ei, espera, conta-me o desfecho da reunião com a Nahima. Estou curiosa...
*****
Walkiria tentava apenas esperar o horário do jantar com Dália, mas claramente não conseguiria. Já rodara dentro daquelas paredes de sua minúscula residência tantas vezes que se sentia tonta. Olhou as horas pela décima vez em minutos e decidiu que não aguentaria esperar. O problema não era a espera, mas a sensação estranha que lhe invadia o peito e pressionava a cabeça. Não conseguia entender aquele estado de coisas. Não sentia nada de especial por Dália e acreditava que a recíproca era verdadeira. Elas passavam tempo bom juntas e era isso. Ninguém esperava nada demais, e seguiam vivendo um dia de cada vez. Entretanto, alguma coisa a incomodava e não sabia exatamente o que era. Talvez o caos no seu trabalho estivesse a repercutir na relação, talvez...
Sufocada, deixou o loft e dirigiu-se á área comum do hotel. Um chá ajudaria na espera...
Desistiu do chá ao ver Greta e Gary à conversa. Nada demais, até porque Gary mal olhava para a sua sócia. Ele era assim. Nunca olhava diretamente para as pessoas...
Chacoalhou a cabeça para tirar aquele pensamento do foco. Contudo, precisava prestar mais atenção...Greta e suas loucuras. Mais uma coisa para se preocupar.
Com a cabeça fervendo, subiu na moto e deu partida. Tinha algum tempo até a hora do jantar com Dália.
*****
Sentada no sofá do alpendre da casa de Nahima, Walkiria aguardava enquanto ela falava ao telefone. Observava o cenário, a beleza estonteante de sua região, o silêncio que acalmava. Notou que estava mais calma. Nem de longe lembrava o estado ansioso em que se encontrava até decidir ver a cadeira de baloiço de Nahima. Riu dos próprios pensamentos. Agira no impulso, algo não muito comum, mas não se martirizava por obedecer instintos nem sempre presentes. Sentia-se bem perante a leveza de Nahima...
-Voltei! Agora sim, totalmente disponível. - Sorriu. - O Yuran é sempre muito prático e assertivo, mas hoje ele decidiu saber mais de mim.
-Ele mora em Londres?
-Não. Atualmente está em Singapura, a gerir um grande hotel. Sobre o teu hotel, temos novidades. Ele até brincou que eu deveria mudar de ramo, pois minhas ideias, segundo ele, são brilhantes. O que achas de transformar aquele espaço que vimos mais cedo e que não está a ser aproveitado, numa sala de eventos? Um espaço multiuso que poderá ser utilizado para fins diversos?
-Acho muito bem, mas vamos precisar fazer alguns ajustes...
-Sim, claro. Já pesquisei algumas ideias e eu vou enviar-te. Coisas simples e que seguem a linha do teu hotel. Vais precisar investir em alguns equipamentos para a sala, mas o retorno compensará cada centavo.
-Eu faço qualquer coisa para melhorar a faturação da Pedras do Vale. - Estava contagiada pelo entusiasmo de Nahima.
A tela do telefone dela iluminou-se e ambas olharam ao mesmo tempo. Era uma mensagem de Yuran. Walkiria olhou com detalhe a imagem que apareceu.
-Ah, esse homem não para. - Sorriu. - Ele fez uma observação sobre o que acabamos de conversar.
-Que homem lindo! Ah, desculpa, eu vi a imagem dele...- Sentiu-se intrometida.
-Ele é muito lindo. Tem uma história engraçada sobre a nossa história...tens tempo para ouvir?
-Claro! Tuas histórias são sempre muito interessantes. - Acomodou-se melhor no sofá e Nahima seguiu-lhe os passos.
-Eu tenho uma avó argentina, a mãe do meu pai. Ela é bem tradicional e nacionalista e nada tolerante com a diversidade. Ela até hoje não aceita muito bem o fato do meu pai não ter se casado com uma argentina. -Riu. - Já foi mais tenso, mas hoje em dia, nós rimos da implicância dela, até porque já é bastante idosa.
-Já consigo imaginar a tua história...- Walkiria sorriu.
-Então, a neta preferida dela, de vez em quando aparecia com um namorado negro. Meu Deus, caos total. Minha avó brigava, até parava de falar comigo. Não aguentava mais de uma semana nessa birra, mas eu ouvia cada pérola. Por ela, não nos misturaríamos com nenhum povo que não fosse o argentino. Coitada, só desilusão. -Riu. - Ela simplesmente não aceita que tenhamos horizontes mais amplos. O engraçado disso tudo, é que ela adora o Yuran, que como viste, é negro. Ela sempre dizia que o Yuran é um lorde, que parece um argentino. Quando me divorciei desse homem, quase fui deserdada.
-Será que ela reagiria bem se tivesses tido filhos com o Yuran?
-Ah, mas minha avozinha, se estiver viva até lá, vai ter que amar meus filhos mestiços.
-E como sabes que terás filhos mestiços?
-Porque até hoje, prestes a completar 40 anos, mais de 70% dos meus relacionamentos foram com pessoas negras. Sou o carma da minha avó. - Riu alto. - Se bem que pelo andar da carruagem, talvez ela não tenha que aprender a amar meus filhos mestiços.
-Porquê? Por já ser idosa?
-Também, mas o tempo corre para ela e para mim...
-Entendi...
-E tu, tens alguma história engraçada envolvendo essas questões?
-Que me lembre, não...minha mãe não implica se namoro brancas ou negras. Ela só espera que as pessoas sejam íntegras e que eu esteja feliz. Ah, lembrei...
-Sempre temos particularidades.
Riram muito.
-Quando tinha 16 anos, fui passar férias na Itália com minha tia que era emigrante lá. Ela é irmã da minha mãe e desde muito nova, emigrou para a Itália à procura de uma vida melhor. Era a primeira vez que saía de Cabo Verde e que me abria para o mundo. Eu já sabia que gostava de meninas, mas não tinha coragem de namorar, até porque na época, ser como eu, era bem complicado por aqui. Fui e me deslumbrei. Minha tia trabalhava em casa de gente muito rica, era governanta. Tinha seu próprio espaço dentro da imensidão que era a casa daquele povo. Esse povo tinha uma neta, um ano mais velha do que eu....
-Hmmm, já prevejo romance com a italiana. - Riu.
- Eu fiquei doida por essa menina, maluca mesmo e ela fez gato e sapato de mim. Só queria me pegar nos imensos jardins daquela casa e de preferência à noite. Durante o dia, fazia questão de desfilar cada hora com um idiota diferente e á minha frente. Eu era tão idiota, que ficava cada vez mais enfeitiçada e apaixonada.
-Que menina malvada!
-Foram os piores vinte dias da minha vida. - Riu do próprio exagero.
-Foi há tanto tempo, supera. - Sorriu.
-Aquela menina era racista e absurdamente linda e eu uma criança sem consciência de nada e já naquela época, muito vulnerável a mulher bonita.
Riram muito.
- Até hoje tenho agonia só de ouvir o sotaque italiano. Deus me livre.
-Mulher, precisamos trabalhar essa superação. O teu ramo é o turismo, acredito que recebas muitos italianos...
-Graças a Deus que sim. Mas eu não preciso me relacionar intimamente com nenhum deles, até porque, a relações públicas do hotel, é a Greta.
-Supera, melhora o teu fígado.
Riram mais uma vez.
-Impossível! O mundo tem tanta gente, quem liga para as italianas?
Nahima riu às gargalhadas e por muito tempo.
-Ai, ai, ai...e então, gostaste da minha cadeira?
-Linda! Imagina quando ficar suspensa, um show.
- E eu nela com minha taça de vinho. Ai, estou empolgada.
Sentou-se na cadeira e fez uma pose sensual arrancando mais uma risada de Walkiria.
-Me empreste o teu colaborador, por favor. Eu preciso dessa cadeira montada. Valdir quis muito me ajudar, mas não entende patavina de montagem.
-O Gary não trabalha para nós, melhor, ele não é exclusivo do hotel. Ele é freelancer, trabalha no que vai surgindo...
-Sério? Ele é tão dedicado no que faz...
-Sim. Prometo lembrá-lo amanhã que tem uma cadeira ansiando por ser içada nos ares.
Mais gargalhadas e a conversa interessante e engraçada, fluía.
-E mais uma vez eu perdi a noção do tempo - Walkiria olhou as horas no telefone e percebeu que já estava ali há mais de uma hora - preciso ir, tenho um compromisso daqui a pouco...
-Eu também tenho um convite para jantar.
-Mas já? Que mulher rápida. - Brincou.
-Acreditas que tenho um vizinho inglês e que é um escritor famoso?
-Aqui?
-Sim. Ele mora na casa mais abaixo. Ali onde tem luzes amarelas...
-Já vi. Que bom. Fiquei curiosa para conhecer um famoso e escritor. Eu devoro livros...devorava, ando sem tempo...ah, eu não estou me oferecendo para visitar o homem, meu Deus, as coisas que eu faço ultimamente...
Nahima riu muito da aflição de Walkiria.
-Prometo que te levo para conhecê-lo. Ele vai ficar fascinado por ti. Da nossa curta conversa, ele já me disse que é apaixonado por Cabo Verde e seu povo. Ah, ele está cá para escrever o próximo livro. Deve ser fácil escrever um livro num lugar assim...
-Eu escolhi morar no paraíso, fazer o quê?
Mais gargalhadas.
-Preciso mesmo ir embora, ou chegarei atrasada ao meu compromisso. Poderia ter deixado a visita para amanhã, mas a cadeira de baloiço me seduziu...
Riram e como quase sempre, se tocavam nos braços.
-Adorei a tua camisa de borboletas e esse chapéu ficou perfeito...
-Obrigada! Tu ficas muito bem de preto. Vamos dar um toque de Nahima...
Tirou o chapéu que usava e colocou na cabeça de Walkiria.
-Wow! Perfeita!
-Achas? Eu não acho que fico bem com chapéus...
-Vem cá!
Puxou-a para dentro de casa e posicionaram-se à frente de um espelho. Walkiria á frente e ela grudada às suas costas.
-Então?
-Gostei...muito. Pareço misteriosa...
-Muito sexy. Eu tenho uma coleção, quando quiseres é só pedir.
-Vou me lembrar disso. Nahima, coloca-me para fora da tua casa. Preciso ir embora...
Riram muito. Nahima enlaçou-a pela cintura e Walkiria deixou-se ficar...
Minutos depois, na porta de casa de Nahima:
-Divirta-se no jantar com o escritor. - Sorria.
-Vou me divertir. E espero que tu também tenhas uma noite incrível.
Vencida mais uma vez por uma súbita impulsividade, Walkiria abraçou-a. Abraçaram-se. Por instantes, pareciam ansiar pela mesma coisa...
-Preciso confessar-te uma coisa...
-Hmmm...- Walkiria embriagava-se mais uma vez pelo cheiro do cabelo de Nahima.
-Prometo ajudar-te a não quebrar mais uma regra...
Walkiria arqueou o corpo para trás e encarou-a expectante.
-Sono mezzo italiana e ti voglio bene. - Prendeu-a ainda mais no abraço.
-O quê? Tu és italiana? Para...- Sorriu admirada.
-Meu pai é argentino, minha mãe italiana, filha de espanhol e italiana. Nasci na Itália, vivi grande parte da minha vida entre a Espanha e a Inglaterra e hoje, sou do mundo. Nahima Pezzela, piacere.
-Mas não era esse o sobrenome que apresentaste no hotel...
-Não...Nahima Burke, esse também é meu nome.
-E me dás essa informação quando já estou atrasada?
-Estratégia de sobrevivência.
Riram juntas.
-Italiana...só me faltava essa...
-Meio italiana...tens alguma coisa contra argentinos? Espanhóis?
-Ah para, assim pareço uma intolerante...
Risos.
-Não, apenas não suportas italianas...mas cá entre nós, esse detalhe é muito interessante...
-Porquê?
-Estou protegida da tua aura sedutora.
Gargalhadas.
-Ah ok, a sedutora sou eu...pobre de mim. Preciso ir...
-Voltas?
Walkiria controlou-se para não fazer uma asneira que com certeza se arrependeria. Nahima tinha a arte da sedução em cada ato...
-Vai ter de esperar para ver.
*****
Turbilhão era pouco para descrever o que Walkiria sentia diante daquele festival de nonsense que saía da boca de Dália. Claro que tinha entendido tudo errado, essa era a sua última esperança.
-Mas não tinhas ido à Praia para uma reunião de trabalho? - Tentava se acalmar para entender o que não fazia o menor sentido.
-Meu bem, sabes que a meu ver, uma coisa não exclui a outra. A reunião terminou mais cedo e foi uma merd*. Graças a Deus apareceu esse convite irrecusável e prontamente eu aderi. Vai ser uma semana PERFEITA!
-Para quando isso?
-Acorda mulher. Vamos amanhã e quero-te animada. Já tenho tudo organizado.
-Eu não posso, não agora.
-Ah claro que podes. Eu já comprei as passagens daqui até São Vicente e meus amigos do iate já estão a contar connosco para o cruzeiro.
-Apenas esqueceste de me consultar. - Ironizou.
-Surpresa, amor. Para variar um pouco esse teu cenário de trabalho e problemas. Eu já não aguento mais.
-Dália, nem em sonho eu posso sair daqui agora. É fundamental a minha presença...
-Uma semana, Walkiria. O hotel não desaparece da face da terra se te ausentares por uma semana.
-Lembras-te do que eu falei sobre o banco? Eu preciso...
-Precisas relaxar. - Interrompeu-a com veemência. - Cruzeiro de uma semana entre São Vicente e São Nicolau, passar o dia de bikini, bons drinks, amigos, sex* perfeito como só nós sabemos fazer. Queres mais?
-Fico pasma com a tua insensibilidade, misturada com irresponsabilidade...-Desabou numa cadeira do lounge.
-Ah para de ser chata. Eu gosto de viver. VIVER, sabes o que é isso? Para de se esconder atrás desse hotel. Eu sei que podes mais, ah se sei...vens?
-Não! Preciso ser mais clara? - Tremia.
-Que fique claro que eu vou. E quer saber, vou tirar férias das minhas responsabilidades e de ti. Cansei da tua inflexibilidade. Estás livre para namorar o teu fabuloso hotel. Tchau.
Foi embora com passadas carregadas de raiva.
Tremendo, Walkiria olhou de um lado para o outro para ver se ninguém tinha presenciado aquele show. Não gostava de espetáculo e muito menos no lounge do seu hotel.
-Ahhhhhh...- Gritou de raiva batendo as mãos sobre a mesa.
Desabou num choro convulsivo. Sentia-se incompreendida, sozinha. Não era assim que queria terminar a noite...
Deixou-se ficar por ali, prostrada sobre a mesa e pouco se importando que alguém a visse naquele estado.
Um festival de acontecimentos povoava a sua cabeça. Nada seguia uma lógica, assim como a sua vida nos últimos tempos. Respirou fundo e de repente caiu na risada.
-Sono mezzo italiana - Repetiu a frase de Nahima e fez uma careta.
Mais uma risada misturada com lágrimas.
-Walkiria, estás completamente desequilibrada. - Sentenciou.
Arrastou-se em direção ao loft.
Fim do capítulo
Boa leitura. Bom fim de semana.
Com amor,
Nadine
Comentar este capítulo:
Dandara091
Em: 03/03/2023
Alô autora!
Wiki tá dando mole. Cai de boca na Boca Misteriosa e faz Dalia ir regar noutro terreiro. Solta a franga no cruzeiro e vai ser feliz no meio d'água!
#caidebocanaBoca
#soltasfranganocruzeiro
#porrasapatão A saparia não tá pulando no brejo na categoria
Resposta do autor:
Alô Dandara!
Rsrsrsrs engraçada como sempre.
Muito obrigada por sempre comentar.
Bjs
mtereza
Em: 26/02/2023
Essa relação entre a Wiki e a Dália estava realmente chegando em um ponto sem volta prolongar só iria fazer as duas se magoarem ainda mais.
Resposta do autor:
Pois é. Espero que tenham entendido bem essa parte.
Muito obrigada por sempre estar aqui.
Bjs
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brunafinzicontini
Em: 25/02/2023
“ - Sono mezzo italiana...” Surpresa enorme! Nahima... Quem diria? Agora, ela terá que contar a história do nome... Se bem que já fui – curiosa demais – pesquisar no Google, vi que se origina do latim e significa, nada mais, nada menos, que “delicada”, como nossa querida viajante. Ela tem sido, realmente, uma delícia de pessoa.
Simplesmente, adorei! Sabe que eu ia pedir que criasse uma personagem italiana como protagonista de alguma das suas histórias? Porque também tenho um pezinho na Itália, sabe? Embora já tenha colocado uma querida italiana como amiga de Cassandra, queria uma protagonista no papel principal e Nahima veio tomar seu lugar com muita propriedade.
A italiana já provou seu efeito benéfico extremamente sedutor sobre Valkiria – dá para sentir a temperatura se elevar quando as duas se aproximam. Para ajudar a inflamar ainda mais a situação, Dália toma a iniciativa de anunciar um afastamento que só ajudará a botar lenha na fogueira! Tudo bem... Que as nossas duas queridas aproveitem o cenário paradisíaco levadas pelo lindo baloiço...
Beijos,
Bruna
Resposta do autor:
Nahima é sim delicada, mas nao pisa no calo dela, afff rsrsrsrs
Maravilhosa Marilia de No encanto da ilha...saudades, ainda bem que voltei para as ilhas e para mais uma carregada de montanhas maravilhosas rsrsrs
Dália se acha a gostosa insubstituivel, vamos la ver se é mesmo rsrsrs
Muito obrigada meu bem por sempre estar aqui.
Bjs
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HelOliveira
Em: 25/02/2023
Dalia tem que arrumar alguém nesse cruzeiro e esquecer a Wiki, oh mulher lentinha essa viu......
Resposta do autor:
Rsrsrsrs, será que ela arruma?
Muito obrigada por comentar.
Bjs
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Marta Andrade dos Santos
Em: 25/02/2023
Eita manda Dália passear Wik e corre para o abraço...
Resposta do autor:
Rsrsrsrs, pois é né.
Muito obrigada por comentar.
Bjs
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NovaAqui
Em: 24/02/2023
Pensei que seria Wiki a terminar com Dália, mas foi ao contrário!
As duas estão se dando muito bem! Elas ainda não se deram conta de que estão encantadas uma pela outra, ou será que já perceberam!
Curiosa para saber se o primeiro beijo vai ser na cadeira nova!
Tomara que Dália conheça alguma mulher nesse cruzeiro
Será que Greta e Gary estão flertando?
Abraços!
Bom final de semana procê ♥
Resposta do autor:
OI :)
Acho que já perceberam mas nao deram a devida importancia rsrsrs
O beijo? Acho que não e nem vai ser algo assim muito romantico kkkkk, mas ainda assim, maravilhoso...pelo menos na minha opinião.
Bjs meu bem e muito obrigada por sempre estar aqui.
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