Capitulo 4
Outono de 2022
Os raios de sol, ainda tímidos e pouco convincentes, tentavam ganhar alguma vantagem sobre as nuvens escuras e carregadas da noite chuvosa, e Walkiria já estava no seu pátio alongando as pernas para a corrida habitual pelo vale. Respirou profundamente e agradeceu pela enésima vez por estar ali. Nada tinha sido fácil e parecia que à medida que evoluía, as coisas ficavam ainda mais difíceis, mas a satisfação de ter chegado ali, de ver seu sonho tornando-se na mais perfeita das realidades, superava qualquer obstáculo. Ela estava mais forte e firme e sabia que para manter viva a sua realização, teria de muitas vezes, transformar-se numa fera incompreendida, mas sempre valeria a pena.
--Zuri, ei Zuri...- Procurava seu vira-lata e fiel companheiro de corridas matinais e não só, mas dele nem sinal. - Está bem, vou sozinha.
Desceu a ladeira onde ficava seu loft e embrenhou-se pela área social do seu tesouro. Era assim que se referia a Pedras do Vale, seu pequeno hotel na serra de Rui Vaz. Àquela hora, ainda tudo era muito calmo e o que se ouvia eram os seus passos no chão de pedrinhas e os passarinhos na sua melodia matinal. Podia correr por meia hora e voltar a tempo de ajudar Diana no mise en place do café da manhã. No hotel, tinham optado por servir apenas o café da manhã e um lanche tradicional aos hóspedes. Talvez, mais para a frente, poderiam pensar num serviço de pensão completa, mas por ora, era a melhor opção. Os quartos eram todos equipados com cook top e outras facilidades para quem quisesse confecionar as próprias refeições. Na vila tinha alguns restaurantes bons e assim todos se ajudavam.
Saindo dos limites de Pedras do Vale, subiu em direção ao Monte Txota. O ar puro da montanha era sempre um aperitivo a mais para suas corridas. Pelo caminho, cruzou com alguns locais que estavam na lida do campo, bem como turistas que também adoravam uma caminhada madrugadora. Fez o seu percurso normal e ao atingir a meta, notou que melhorara seu condicionamento físico. Sorriu feliz, afinal, não fosse a corrida e o saco de boxe que tinha instalado no meio do seu pátio, não teria tempo para praticar qualquer desporto. O dia-a-dia no hotel era quase sempre desafiador, e era seu principal foco na vida. Todo o resto vinha em segundo plano e isso muitas vezes, quase sempre, lhe causava dissabores, mas seguiria no seu ritmo que com certeza, chegaria a bom porto.
Meia hora mais tarde, entrou nos limites do hotel e a passos largos, dirigiu-se á cozinha. Lá estava Diana às voltas com suas preparações deliciosas. Walkiria suspirou de satisfação. Mais uma escolha acertada, apostar nos jovens recém-formados e que os estabelecimentos da capital não absorviam por não terem experiência.
--Bom dia, Diana!
--Bom dia, dona Wiki. Já estou com as tarefas bem alinhadas.
Realmente, pela cozinha já se distinguia os aromas maravilhosos dos preparados de Diana. O cheiro de café fresco e bolo no forno, ah, que bálsamo.
--Tratas tão bem esses hóspedes que eles têm dificuldade em sair da mesa de café. E nós daqui, precisamos ter cuidado para não pecar pela gula. Eu, já perdi a conta da lista dos meus pecados.
A moça riu muito, enquanto seguia frenética nos seus preparos. Walkiria, prontamente, ajudou com a decoração campestre que sempre tinham o cuidado de dispor nas mesas.
--Bom dia, dona Wiki.
--Bom dia, Luís. Chegaste cedo...
--Ah, consegui uma boleia e não quis perder a oportunidade. Vou lá ajudar a Diana e depois volto para cá.
Walkiria sorriu enquanto terminava a última mesa. Luís, o atendente de sala, assim como Diana, era recém-formado da escola de hotelaria e morador do interior. Sua equipa era muito boa. Ainda bem.
*****
--Ei, vira-lata safado, finalmente apareces. - Sorriu enquanto Zuri pulava nas suas pernas, e rodava em torno do próprio corpo mostrando a sua felicidade. - Tive que ir sem ti, e confesso que não foi tão divertido. - Beijava o cachorro que abanava o rabo.
Brincaram por alguns minutos e logo em seguida, ela entrou em casa para dar seguimento ao seu dia. Depois de um banho rápido e de vestir calças jeans e tshirt, tomou a chávena de café da praxe e sentou-se para trabalhar. Durante as manhãs, preferia sempre trabalhar em casa, tinha mais tranquilidade. Na área administrativa do hotel, quase sempre era interrompida por funcionários, por Greta ou por coisas do quotidiano.
Embrenhou-se no trabalho e para variar, não percebeu o avançar das horas. Foi interrompida por uma chamada de vídeo da mãe, já passava das duas da tarde.
--Mãe, que bom te ver.
--Tentei falar contigo antes de ontem, mas não respondeste.
--Sim, eu vi, mas estava num encontro na Praia. Era para retornar, mas já sabes...
--Sei. Minha filha trabalha demais e esquece do mundo...
--Ai de mim se eu não trabalhar...
--Como estão as coisas? Fiquei preocupada no outro dia...
--Eu sigo na luta, mãe. Tem hora que minha cabeça parece pronta para explodir, mas preciso acreditar que tudo vai se resolver pelo melhor.
--Vai sim. E a Greta?
--Está bem...ainda não a vi. Ela chega um pouco mais tarde e eu acordo com as galinhas.
--Ela está certa em não morar no hotel. Tu não tens descanso.
--Resolvi seguir teus conselhos e hoje em dia, ninguém me chama no meu retiro se não for caso de vida ou morte. E estou com funcionários muito bons agora, proactivos e responsáveis. Nem tudo é caos...
--Wiki, eu me sinto tão culpada...
--Mãe, pelo amor de Deus. Não comeces de novo com esse assunto. Eu fiz o que qualquer filha faria e não fiz nem a metade que terias feito por mim.
--Mas a tua ausência é que culminou em toda essa situação...
--Não, mãe. Não foi a minha ausência e tu sabes bem disso. Foi um combo desastroso de acontecimentos que culminou nesse caos.
--Filha, se nada der certo, vens para cá. Eu sei que não é isso que queres, pelo menos não agora, mas sabes que sempre terá um lugar para ti aqui.
Walkiria sorriu e bateu com a cabeça.
-- Eu sei mãe, mas até esgotar todos os meus argumentos, sigo por aqui, vivendo meu sonho.
--Não me entendas mal. Eu sei que o hotel é a tua vida, mas quero que saibas que tens essa opção e que eu estou aqui, sempre.
--Obrigada, meu amor. Quando vens me visitar? O Armando não consegue largar aquela oficina cheia de quinquilharias. - Riu.
--Ah, se soubesses da nossa última briga. E nesse frio, ele passa horas enfiado naquele anexo. Enfim...
A conversa com a mãe demorou mais algum tempo, até que ela percebeu que precisava comer alguma coisa para manter-se de pé.
*****
Depois de terminar de arrumar algumas coisas que estavam fora do lugar, Walkiria respirou aliviada. Sua casa era pequena demais para conviver com bagunça. Parada na cozinha, que na realidade era integrada com a sala, sorria de felicidade. Gostava tanto de ter seu refúgio dentro do hotel. A maioria das pessoas não entendiam aquele apego, mas ela sim e era o que interessava. Talvez um dia mudasse de ideia, se valesse a pena, porque não. Mas por ora, seu loft era perfeito para ela e para o Zuri que vivia mais correndo solto pela propriedade.
Olhou as horas e apressou-se para voltar às instalações do hotel. Faltava pouco para as 5 da tarde e nesse horário, Greta estava a terminar mais uma aula de pilates. Tinha sido uma ideia incrível, aproveitar as suas valências e oferecer mais uma opção aos hóspedes. Era sucesso. A construção da área para pratica de atividades ao ar livre, não tinha sido uma unanimidade, mas os frutos até então, satisfaziam a todos. Respirou fundo com alguma ansiedade. Com as mãos na cintura, desceu a ladeira que levava ao hotel.
Greta terminava uma aula com três casais e mais dois rapazes solteiros. Já estavam nos cumprimentos finais e tudo parecia em perfeita harmonia. Mais um suspiro e na cabeça a indagação, porque não era sempre assim?
--Um dia de cada vez, Walkiria. Não te esqueças disso. - Mas era difícil, ainda mais para ela.
Apreciou um pouco mais aquele cenário carregado de harmonia e logo, seguiu a sua rotina. Andou pelo hotel para ver se tudo estava em ordem e estava. Alguns hóspedes regressavam dos passeios turísticos, e todos pareciam satisfeitos e em paz. Era isso que queria. E que sempre voltassem. Às 18 horas serviriam o lanche tradicional que também era sucesso. Apesar da cozinha ficar do outro lado do hotel, o cheiro que vinha de lá, já era um aliciador de paladares e um convite ao pecado da gula. Diana mais uma vez se esmerava na sua arte.
Entrou pelo desvio que dava acesso à área administrativa, ou sucumbiria ao aroma divino. Precisava resolver algumas pendências cujos documentos físicos estavam na pequena sala que dividia com Greta. Minutos depois, ela apareceu.
--Wiki, eu não sei como resistes a fazer uma aula. É tão bom...
--Eu não duvido que seja, mas sabes que minha loucura é outra...
--Chutes e socos num saco. Deus me livre, eu sou da paz. Tenho certeza de que se experimentasses...
--Quem sabe um dia. Como foi a aula?
--Maravilhosa! Esses hóspedes têm uma vivência mais apurada e a aula fluiu muito bem. Ao final, só ouvi elogios. Da prática, do nosso hotel, desse paraíso escondido...
Walkiria sorriu, mas sem conseguir acompanhar o entusiasmo da sócia e amiga.
--Tudo vai melhorar, Wiki. Nós trabalhamos tanto...
Walkiria encarou-a com uma expressão que mesclava vários sentimentos e Greta desviou o olhar.
--Ah, a Dália mais uma vez ajudando no fecho do nosso mês. - Mudou de assunto.
--A Dália? O que ela fez agora? Não me diga que fizeram merd* mais uma vez nas reservas?
--Sim...
--Eu não sei como aquilo ainda mantem as portas abertas, ou melhor eu sei, graças a nós e outros socorristas. Pelo amor de Deus...
--Ah não sejas mazinha, o hotel dela é maravilhoso.
--Ninguém disse o contrário, mas como diria minha mãe, beleza não põe a mesa.
--E isso significa o quê?
--Às vezes, esqueço-me que a senhorita é sueca...
Riram.
--Ah, mas eu já sou uma crioula da gema.
--Não exageres, mas até que sim, a senhorita abraçou a causa com unhas e dentes. - Sorriu.
A frase carregava um duplo sentido ao qual Greta já estava acostumada. Entretanto, mudou de assunto, como sempre fazia.
--Ela ligou para falar contigo e como não estavas...
--E porque ela não ligou para o meu celular?
--Ah, isso, eu já não sei...talvez porque o assunto era profissional, ah não sei...
--E qual é a bomba dessa vez?
--Confusão entre o booking e a central de reservas deles. Ela vai mandar dois hóspedes para cá.
Walkiria bufou.
--Não fiques irritada. Serão apenas alguns dias.
--Ela sempre faz isso. Acho muito estranho que o erro esteja sempre a ocorrer e não fazem nada para resolver. A coisa pode correr mal...
--Não enquanto a namorada dela estiver à frente de um hotel maravilhoso, e vizinho ao dela. - Piscou.
--Greta, estamos a falar de profissionalismo. Ela não pode simplesmente confiar que estaremos sempre disponíveis a socorrê-la.
--Já pensaste que ela pode estar tentada a unir o profissional ao pessoal.
--Como assim?
--Ah, Walkiria, ela pode querer evoluir a vossa relação...
--E o que a nossa relação tem a ver com a má gestão do serviço de reservas do hotel dela?
--Tu quando não queres entender uma coisa...
-- Então, explica-me melhor.
--A Dália gosta de ti. Talvez essa seja a forma dela dizer que quer juntar vossos mundos, de uma vez por todas.
--Isso não faz o menor sentido. Parece-me infantil demais...
--Wiki, tu já não estás muito animada...certo?
--Com quê?
--Com a Dália, Walkiria. Não te faças de idiota.
--Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Estamos a falar de coisa séria.
--Hmmm, então a vossa história não é séria? Estão juntas há mais tempo do que costuma ser teu recorde. Entre idas e vindas, já estão nesse relacionamento há quase um ano. Eu diria que pareces mais disposta a trabalhar para que as coisas funcionem...
--Greta, eu tenho tanta coisa na minha cabeça...
--Já sei, um hotel inteiro.
--E todos os problemas associados a ele, e que tu tão bem conheces...
--Talvez a Dália não queira nada de especial, embora eu ache que uma pessoa que já reatou uma história por duas vezes, não esteja a brincar.
--Para mim, está tranquilo. E a segunda vez fui eu que pedi para voltar...
--Wiki, convenhamos que já não tens o mesmo interesse. Não sei como ela não percebe...
--As relações costumam evoluir para outros patamares. Ninguém fica no frenesim do início a vida inteira. Pelo menos, as pessoas adultas...
--Nosso entendimento de tempo de relação é bem diferente. Se bem me lembro, estás com a Dália há menos de seis meses. Juntas mesmo, sem atropelos pelo meio. Isso para mim, não deixa de ser início de relação.
--E porque estamos aqui a discutir minha relação com a Dália? -Queria colocar um ponto final naquele assunto.
--Realmente, tens razão. Ainda mais que a tua cabeça é tão dura que não entra nada que seja diferente.
Riram.
--Temos tudo pronto para receber os hóspedes? Casal?
--Temos tudo pronto sim. Só ficam quatro dias e casa perfeitamente com nossa próxima chegada. E ainda tem uma kit vaga. Ah, não é casal. Um homem e uma mulher.
--Ok! Mas eu vou ter uma conversa séria com a Dália...pela décima vez.
--Em assuntos matrimoniais eu não me meto.
--Vá...
--Shhhh, tens uma reputação a manter junto aos nossos funcionários. Eles idolatram a dona Walkiria.
Riram muito.
--Não me acompanhas no lanche?
--Estou sem fome. Vou organizar algumas coisas...
--Tu sem fome? Milagres ainda acontecem.
--Vá comer e me deixe sozinha.
--Sim senhora!
Sozinha, Walkiria recostou-se na cadeira e respirou profundamente. Não tinha cabeça para pensar em Dália. Tinha tantos problemas, não sobrava muito animo para romances. Não tinha nem mais vontade de prosseguir naquela história, mas o sex* eventual, além de bom, muitas vezes era o descompressor que precisava...
--Preciso resolver essa questão, mas não agora.
Pensou que Dália era adulta e saberia muito bem no que estava metida. Ela não fingia uma coisa querendo outra. Pelo menos, era o que achava. Estavam as duas a divertir-se e que mal poderia haver.
Estava mesmo a divertir-se? Ultimamente tinha sempre uma desculpa para não dormirem juntas...
Olhou para os papéis em cima da mesa e mudou o foco de seus pensamentos.
*****
--E essa agora? - soltou o ar que estava preso na garganta. - Poderiam esperar mais um pouco...
Releu o email algumas vezes para ver se nada lhe escapava. Estava muito claro, infelizmente. Mordeu os lábios e massageou a cabeça com a ponta dos dedos, tentando aliviar a angústia que a consumia. Mais um baque...de certa forma era esperado, mas queria mais tempo para tentar se estruturar melhor.
Ainda bem que Greta tinha deixado o escritório. A raiva era tanta que não sabia do que seria capaz. Irritada, bateu a tampa do laptop com força e saiu da sala. Caminhou por atalhos até chegar em casa. Não queria e não podia arremessar sua frustração em ninguém.
*****
As cores da noite já invadiam a serra e Walkiria permanecia sentada na parte traseira do seu loft, seu lugar de paz naquela casa, tentando encontrar soluções para seu problema. Um deles, o maior de todos...
Sentia-se esgotada e sem qualquer tipo de suporte. Estava por um fio e detestava chegar naquele ponto. Ponto de transbordamento, de perder o controle de si mesma. Era ali perto que estava...
Respirou com força o ar das montanhas. Precisava de alento e era hábito encontrá-lo na natureza. Nada. A sensação de desespero, de perda iminente, adensava. Aumentou o volume do seu telefone para que a música ofuscasse qualquer pensamento. A música, assim como a natureza, costumavam acalmar-lhe os destemperos. Ouviu Wildfire (SYML) no repeat até ser interrompida por uma chamada. Era Greta. Controlou-se para não atender aos berros.
*****
--Eu só te chamei porque gostas de saber de tudo o que acontece.
--Hum-hum. Mas vocês já tinham resolvido a questão...- Continuava irritada.
--Sim, e eu não pedi que viesses para cá. Só quis comunicar...
Realmente ela não tinha solicitado a sua presença. Saíra de casa para não se afogar no próprio descontrolo. Talvez, não tivesse sido uma boa ideia...
--Acho que vou tomar um chá...
--Está tudo bem?
--Não...mas agora não consigo conversar sobre o assunto.
--Ok...
--Signora Greta, Signora Walkiria, acabei de trazer os hóspedes da Quinta da Montanha. A Alice informou que já acertou tudo...
Foram interrompidas por Gary, o rapaz que fazia pequenos serviços para os hotéis da região. Na realidade, ele era um faz-tudo e para muita gente.
Irritada, Walkiria dirigiu-se à receção do hotel. Greta foi logo atrás e fez sinal para que Gary a acompanhasse.
Na receção, passou como um raio pela rececionista que dava as boas-vindas aos hóspedes.
--Dona Greta, o Gary trouxe esses hóspedes da Quinta da...
--Sim, ele já nos informou.
Greta interrompeu a moça que estava visivelmente atrapalhada com a reação da outra chefe. Todos sabiam que Walkiria não aprovava aquela rotina do hotel de Dália.
--O problema é que tinham informado que seriam dois hóspedes e vieram três. - A voz da moça estava carregada de insegurança.
--Eu quis explicar esse detalhe...- Gary tentava fazer-se entender na sua comunicação que misturava crioulo e inglês e sabe-se lá mais quantas línguas. Ele era imigrante da Gâmbia.
Walkiria, que estava de costas absorvida por suas questões, rodou nos calcanhares e encarou Greta.
--Três hóspedes..., a Dália deve pensar que esse hotel é o quintal da sua casa. E tu achas tudo normal. - Ironizou.
--Temos disponibilidade para acomodá-los. - Disse num tom baixo para chamar a atenção de Walkiria.
--A questão não é essa, ah, mas tu não entendes. - Despejou.
--Ei, calma. Não à frente dos hóspedes. Vê lá se praticas o que pregas...
Walkiria percebeu que estava a exceder-se e agradeceu por ninguém entender o que dizia. De soslaio, viu que as três pessoas eram todas brancas, logo, turistas e sem nenhuma compreensão do crioulo. Até que uma das hóspedes dirigiu-se a Greta e iniciou uma conversa em inglês, mas deixando claro que tinha entendido todo o teor da confusão.
Aquele detalhe chamou a atenção de Walkiria. Sentiu vergonha pela atitude intempestiva e ao mesmo tempo, curiosidade.
A mulher falava com voz pausada e levemente cansada. Sentiu-se pior ainda. Quanta hospitalidade...
--Só preciso de alojamento por dois dias. Tenho uma casa alugada que só não ficou pronta a tempo de me receber. Garantiram que ela estará operacional em dois dias. Só preciso de uma cama e um chuveiro...
--A senhora vai ter isso e muito mais. Vai ver que ninguém recebe melhor do que nós da Pedras do Vale. - Greta sabia muito bem contornar as coisas.
Fez questão de liderar o processo e em poucos minutos, os hóspedes eram encaminhados para os respetivos aposentos.
Walkiria permanecia sem reação. Perdida dentro de um emaranhado de emoções...
--Desculpa, não quis causar qualquer transtorno. Essa minha viagem já teve emoção que baste. - A hóspede que claramente entendia a língua nativa, dirigiu as palavras a Walkiria.
Walkiria, que sempre tinha argumento para tudo e a melhor resposta na ponta da língua, ficou paralisada. Alguma coisa naquela mulher lhe soava familiar. Já tinha visto aqueles olhos em algum lugar. Por segundos teve a sensação que ela também lhe olhava de forma diferente. Os olhares cruzaram-se e pareciam reconhecer-se. Mas de onde?
--Vai ter uma experiência memorável. - Garantiu.
A mulher não esboçou qualquer reação, parecia muito cansada. Cordialmente, Greta encaminhou-a para a sua kitnet.
Completamente desnorteada, Walkiria tomou a única atitude sensata daquele início de noite, voltou para seu loft.
*****
Dentro daquelas paredes que jamais tinham parecido tão sufocantes, ela oscilava entre períodos de raiva, de si, do mundo e momentos de uma apatia angustiante. Sensação de fracasso, injustiça, desamparo...solidão. Tanto trabalho, tantos sonhos, muita luta e renuncia para de repente tudo esvanecer como fumaça. E já estava a perder o controlo da situação e de suas emoções. Aquela atitude junto aos hóspedes tinha sido lamentável. Logo ela que pregava a cortesia e o bem servir e que cobrava isso com muita veemência de todos do hotel...
Para mal de todos os seus pecados, aquela mulher pareceu ter entendido o seu destempero. É, sua língua já não era tão remota assim, não depois da internet e da música e cantores nacionais ganharem projeção internacional.
Aqueles olhos não lhe saiam da cabeça. E não só, tinha mais alguma coisa naquela mulher que era familiar. Varreu a mente tentando encontrar a solução para aquele enigma, mas quanto mais mergulhava, mais sem respostas ficava.
--Quase dez da noite...eu deveria ficar sossegada aqui no meu canto, mas não consigo. Preciso averiguar se meu descontrole não causou danos maiores.
Saiu de casa com passo firmes. Precisava pedir desculpas à sua sócia que tinha contornado muito bem a situação e ainda encontrar uma forma convincente de agradar a bendita hóspede.
Claro que Greta já não estava no hotel. Se estivesse com a cabeça no lugar, saberia disso. Sua frustração aumentava e era acompanhada de um outro sentimento que beirava à ansiedade.
O hotel estava na mais completa paz, havia apenas um casal de hóspedes a conversar na área comum de práticas recreativas. Aquilo era bom sinal. Greta tinha conseguido apagar aquele breve incendio. Foi à receção para concluir a sua ronda tardia.
--Dona Walkiria, boa noite. - A moça quase pulou da sua cadeira. Não era esse o impacto que Walkiria queria provocar nos seus colaboradores.
--Boa noite, Ísis. Só passei para saber se está tudo bem. - Tentou imprimir um tom mais amigável possível. Sentia-se tão mal...
--Está tudo bem. Só temos um casal que ainda não se recolheu, mas eu estou atenta para o caso de precisarem de alguma coisa. A dona Greta foi embora há pouco tempo...
--Ok! E os hóspedes que chegaram...sabes se estão todos recolhidos?
--Sim senhora. Dona Greta foi pessoalmente levar um lanche de boas-vindas em cada quarto. A senhora Burke ficou na kitnet que estava disponível. Estão todos bem e acredito que a dormir. Pareciam tão cansados...
--Se os hóspedes que estão no lounge, não se recolherem até à meia-noite, podes ir embora que eu fico aqui na receção. O teu namorado já está lá na entrada à tua espera.
A moça apenas maneou a cabeça enquanto tentava esboçar um sorriso tímido.
O desconforto de Walkiria aumentava. Um dia para esquecer, definitivamente.
Fim do capítulo
Olá :)
Vamos comentar? A troca é muito importante :)
Boa semana a quem passar por aqui.
Com amor, Nadine
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Dandara091
Em: 07/02/2023
Alô autora!
Pra se esquecer de uma boca tem que ter beijado muitas! Essa mulherada não é fraca! E com um mistério no pedaço a parada vai ficando cada vez melhor.
#bocasecreta
#misteriosachegandoae
#negritudepoderosa
Resposta do autor:
Alô Dandara rsrsrs
Se ela tivesse beijado a boca de Nahima, talvez se lembrasse rsrsrs
Muito obrigada. Bjs
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Marta Andrade dos Santos
Em: 07/02/2023
Eita quem será a hospede misteriosa?
Resposta do autor:
Jura que nao sabes? kkkkkkkk
Bjsss e muito obrigada
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rebarlow
Em: 06/02/2023
Cinco anos se passaram. Ansiosa pra saber todas as novidades referente as nossas heroínas.
Sinto que vem chegando vendaval de emoções para Wiki!!!
Preparada para o próximo ;)
Resposta do autor:
Vendaval, com certeza.
O próximo vem ai...até porque eu não consigo parar de escrever rsrsrs
Muito obrigada. Bjs
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NovaAqui
Em: 06/02/2023
Poderiam esperar mais um pouco...
O que será que isso significa? Meu achismo - sou péssima para achar alguma coisa - rsrs mas meu achismo acredita que seja da parte financeira
Agora é reconhecer a pessoa que no passado incentivou Wiki a abrir seu hotel!
Teremos muitas emoções nos próximos capítulos
Abraços ♥
Resposta do autor:
Muitas emoções, tantas que eu nao me aguento rsrsrs
Eu estou apaixonada por esse universo...muito apaixonada.
Muito obrigada. Bjs
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brunafinzicontini
Em: 05/02/2023
Ah... meu Deus! Será que Walkíria foi manifestar seu mau humor com quem suspeito que isso aconteceu? Novamente desconcertada por um olhar... Como é que não se lembrou? Ansiosa pelo desenrolar da história...
Que situação intrigante! Walkíria "enrolada" com Dália e esta mandando-lhe "um presente" de mão beijada... Vejamos como Wiki resolverá a situação.
Quanto à Greta... algumas interrogações. Qual o papel dela na vida de Wiki? O que houve entre elas?
Aguardando ansiosamente o próximo capítulo.
Beijos,
Bruna
Resposta do autor:
Walkiria é doida e quando está com raiva, affff
Dália deu um show mesmo sem imaginar rsrsrs. Trapalhadas que dão certo...
Greta, personagem TOP dessa história. Siga os próximos capítulos rsrsrs
Muito obrigada, meu bem. Bjs
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HelOliveira
Em: 05/02/2023
Essa hóspede vai dar o que falar.......
Calma Walkiria acho que alguém vai te dar a paz para pensar e resolver seus problemas ...
Boa semana
Resposta do autor:
Também acho que sim. Se será apenas paz, não sei kkkkkkkk
Muito obrigada. Bjs
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