Cambridge, Massachusetts, Estados Unidos

 

Elza e Luiza conversavam em um restaurante vegetariano após terem concluído sua refeição.

 

--Gostei muito daqui. – Luiza comentou empolgada – Mas não sabia que a major havia se convertido ao vegetarianismo. – sorriu – Daqui a pouco me converte também! -- brincou

 

--Sabe como é a vida, minha cara. – limpou os lábios com guardanapo – A gente influencia mas também sofre influências. – pensava em Yara

 

--Falando em influenciar, achei muito arriscado e estranho que você tivesse deixado suas redes nas mãos da tenente Patrícia. – olhava para a negra – Sabe que ela é toda pró Montanauro! – revirou os olhos – Fico passada em ver mulher assim!

 

Achou graça. – Como te disse, o projeto junto aos civis não é mais meu há muito tempo, mas do coletivo do qual fazemos parte e a tenente vinha se destacando na dedicação que demonstra. Na sua e na minha ausência, não haveria alguém melhor pra assumir a liderança. Além do mais, ela é a mais moderada do grupo, apesar de pró Montanauro. – explicava – Não é de hoje que separei esse trabalho e nosso periódico das minhas redes pessoais. – pausou brevemente – Que ela e os outros iriam guinar o discurso das redes pra extrema direita durante nossa ausência já seria inevitável, então é o que dizem: o que não tem remédio, remediado está.

 

Suspirou. – Pior que sou forçada a concordar... – reconheceu – E com o caos que já se estabeleceu no país só nesse mês de janeiro, o pessoal do Montanauro vai vender cada vez mais o discurso do “nós somos a única solução!” – fez aspas com os dedos – Tem acompanhado? – gesticulou brevemente – Surto de febre amarela, rebeliões em presídios, queda do avião do ministro Blavatsky... – enumerou nos dedos – E mais gente sendo presa ou afastada pela Caça Rato... a coisa tá pesada!

 

--Tô sabendo... e enquanto isso, Ronald Rump foi empossado e já causou polêmica com o discurso que fez! – revirou os olhos – Ele é o Montanauro daqui. Só que versão cor de rosa! – riram brevemente

 

--Mas deixemos a política de lado e vamos falar de vida. – Luiza pediu – Como vai o trabalho como adida militar? – perguntou curiosa – A gente mal teve tempo de se falar nesse mês!

 

--Continuaremos falando de política porque a adidância é muito política! – esclareceu – Frequentei algumas reuniões, fui apresentada a alguns nomes da equipe do presidente Rump e tenho batalhado o acordo de confidencialidade relativo ao projeto do Z-Plane, mas já vi que isso vai ser um parto de ouriço! – gesticulou – Fiz um curso onde comecei a estudar o controle de enxames de drones... – pausou brevemente – Em suma, ainda tenho um longo caminho pela frente! -- sorriu

 

--Deixa só eu entender uma coisa: você vai ter que lidar com membros da equipe do Rump? – ficou pasma

 

--Eu tenho que estreitar relações com as autoridades militares locais e fazer reportes ao nosso Estado Maior. – explicou – O lado bom é que parece que Castrodeza Craig foi escolhida para integrar a equipe do Estado Maior daqui e ela é alguém que eu admiro muito. – pensava na mulher – Uma negra empoderada, grande economista, influenciadora, autora de dois best sellers... Será um prazer poder conversar com ela, mesmo que só de vez em quando!

 

–Nossa, vai ser uma verdadeira imersão na ultradireita estadunidense! – admirou-se – E cuidado com a Castrodeza, porque se ela tá com Rump é sinal de que virou pra direita um pouquinho demais!

 

Achou graça. – Não necessariamente! Lembre-se que tudo é um jogo. E não sabemos quais jogadas ela tem feito ou pretende fazer! – discordou gentilmente – Mas e você? Fez algum curso de férias antes de iniciar o doutorado sanduíche? – queria saber

 

--Fiz sim e vou fazer outro agora nesse mês, mas tô doida pra março chegar e começar o doutorado pra valer! – falava como criança – Mas deixa eu te falar outra coisa: detestei o alojamento! – desabafou – Entendi porque quando você estudou aqui fez questão de arrumar um apartamento pra morar sozinha!

 

Achou graça mais uma vez. – Viver em alojamentos exige muita paciência e desde aquela época eu descobri que já não tinha mais! – respondeu divertida – E agora tive muita sorte porque consegui alugar o mesmo apartamento onde tinha ficado; aquele onde você chegou a passar uns dias, lembra? Ele tá até melhor, sabia?

 

--Ah, é? – calou-se por uns segundos -- Será que... eu poderia ir passar uns tempos lá com você enquanto não encontro um lugar pra ficar? – perguntou envergonhada

 

Ficou sem graça. – Luiza... – ajeitou os cabelos – Mil perdões, mas isso me traria alguns problemas. – pensou em Yara mais uma vez – “Imagina! Ela ficaria furiosa comigo!” – considerou mentalmente

 

--Ah... a sua namorada, né? – abaixou a cabeça – Tudo bem... eu vou engolindo sapos até encontrar um lugar pra ficar por mim mesma. – respondeu constrangida

 

--Vou te ajudar a encontrar um lugar, pode deixar. – garantiu – Logo você não vai mais precisar engolir nada além de comida! – tentava mudar o clima de constrangimento

 

--Elza... – olhou para a outra – Você... ama mesmo... aquela professora? – perguntou com certa tristeza

 

--Amo, Luiza! – respondeu convicta – Muito mais do que talvez até ela mesma possa imaginar...

 

 

Goiânia, estado de Goiás

 

Yara e Kedima tomavam café no abrigo junto com padre Camilo.

 

--Eu adorei que o senhor viesse nos visitar! – a indígena comentou sorridente – Fazia tanto tempo que não nos víamos! – bebeu um gole de café

 

--Visita muito boa! – a idosa concordou – Sabe que as portas da casa tão sempre abertas! – bebeu um gole de café também

 

--No que lhes agradeço muito a boa receptividade! – sorriu – Desejava revê-las, mas tenho que confessar que fui impelido pra esta cidade por causa de um sonho! – olhava para as mulheres – E como os desígnios de Deus são insondáveis, nem pensei muito e obedeci!

 

--Como assim? – a professora perguntou curiosa

 

--Eu promovi uma vigília junto aos fiéis pedindo a Deus pelo bem da nação, pra tentar fazer nossa pequena parte no esforço de desmanchar esta nuvem de ódio que paira sobre o Brasil. – explicava-se – E ao dormir sonhei com o saudoso padre Ignácio, que Deus o tenha! – todos se benzeram – Ele me aconselhou a fazer várias coisas e uma delas foi a vir aqui, pra te ver. – olhava para Yara – Sabendo que amanhã teremos paralisações pela Greve Nacional, decidi que o momento não seria mais oportuno!

 

--Nossa, que coisa incrível! Sonhei com ele também mas não me lembro do que me falou! – Yara confessou

 

--Tudo isso é sinal que essa greve de amanhã não vai ser fácil! – Kedima considerou – Vocês vão, mas tenham muito cuidado! – aconselhou – Qualquer coisa estranha, gritem e corram!

 

--Pode deixar, dona Kedima, estaremos atentos! – a professora deu um beijinho na testa da idosa

 

--Aconselho que rezemos o terço pra garantir. – o padre bebeu o último gole de café – Seria bom se os outros residentes do abrigo participassem. – olhou para Kedima

 

--Pode deixar que eu boto a cambada toda nas reza! – garantiu – E é pra já! – colocou xícara e pires sobre a mesa e se levantou

 

 

Brasília, Distrito Federal

 

Yara discursava na via em frente ao Congresso do País. Segurava um microfone ligado a uma caminhonete portando uma imensa caixa de som.

 

--A greve de hoje é uma movimentação de gigantescas dimensões, como há muito tempo não se via nesse país, e posso lhes dizer que ela ocupou todo o território nacional! – gesticulava -- Temos centenas de categorias mobilizadas em TODOS os estados e aqui, no Distrito Federal, unidas contra as reformas da Previdência e do Trabalho e contra a massificação das terceirizações, nas quais salários rebaixados e condições de insegurança imperam! – olhava para os demais – Nós bloqueamos uma série de vias como essa, -- apontou para baixo – e vamos marcar presença com atos culturais e discursos! – olhou para Maria – Puxa aí, camarada! Agora tá com você!

 

A indígena começou a cantar usando outro microfone. – Me diz pelo que você luta? – olhava para as pessoas -- Que ar você respira, senão o meu fôlego? Que comida você come, senão a que eu dou? – gesticulava -- Abra a sua mente antes da sua boca. É o Brasil que ninguém vê! – fechou os olhos brevemente -- Tic, tac, tic, tac, o Agro não é tech, não é pop e também mata! – cantava com vontade -- Vestem rosa ou azul, com as mãos manchadas de vermelho!

Kaê Guajajara – Mãos Vermelhas [1]

 

--Essa greve tá impressionante! – padre Camilo comentou com João – Bonito ver como a organização de sindicatos, centrais, movimentos sociais, como o dos Sem Posses, foi capaz de fazer o país parar! -- sorriu

 

--E com a minha mulher cantando fica ainda mais bonito! – o indígena sorriu orgulhoso – Mas, como era de se esperar, tão dizendo que a greve tá vergonhosamente ignorada pela mídia golpista! – gesticulou – Só que pra azar o deles, também tão dizendo que a hashtag #BrasilParouEmGreve tá batendo o primeiro lugar disparado no Fuçawitter em tudo que é lugar! – olhava para o padre – Tem gente da Nicarágua, da Venezuela, de Cuba e até dos Estados Unidos saudando a organização da classe trabalhadora contra o golpista do Brener e seus aliados!

 

--Não se pode esconder a verdade em todo tempo, meu filho! – o padre considerou

 

--Porr*! – Renata assistia algumas imagens do movimento em uma televisão no pátio da penitenciária – Daria tudo pra tá lá! – falou com sinceridade – Tudo! – derramou uma lágrima discreta

 

--E só essa emissora pra mostrar o trem! – outra detenta comentou – Nas grandes é silêncio total!

 

--Alda, -- outra detenta mais ao longe se aproximava da colega com um caco de vidro enrolado num pano – tá aqui. – entregou a arma improvisada para ela

 

--Vaza. – Alda respondeu entre dentes e se encaminhou rapidamente para a direção da loura

 

--Camarada Lucas, -- Yara enviava um aúdio pelo aplicativo QQOV? – fala pro nosso droneiro caprichar na filmagem porque a greve tá linda! – pediu empolgada – Tá demais! – sorria sozinha

 

Padre Camilo sentiu um pressentimento ruim e olhou para todos os lados. “O que será isso?” – pensou intrigado – “Acho melhor ir para perto de Yara!” – lembrou-se do sonho

 

Mais ao longe, um atirador escondido dentro de um carro buscava condições de mirar na professora.

 

--Puta, quanta gente! – Renata continuava babando diante da televisão – “E pensar que por tantas vezes estive nesse meio e não dei o devido valor...” – lamentou-se mentalmente – A gente faz muita merd* nessa vida... – pensou em voz alta

 

--E paga por elas! – Alda afirmou antes de cravar o vidro pontiagudo nas costas da loura

 

--AHAHAHAH!!!!!!! – Renata berrou de dor e desmaiou

 

--Não adianta fingirem que não tá acontecendo nada! – Yara voltou a discursar – Nós paramos o Brasil! PARAMOS!! – gritou

 

Um barulho de tiro se fez ouvir e mesmo sem saber o que fazer, Camilo empurrou a indígena para o lado e caiu no chão.

 

--AH!!!!!!!!! – o homem berrou sentindo dor

 

Yara foi escorada por dois jovens e quando se firmou, todos correram na direção do padre.

 

--Ô, Meu Deus, nos defenda, Pai! – a indígena percebeu o sangue no peito do homem e começou a chorar – Padre Camilo, por favor, aguente firme! – sentou-se no chão e tirou o casaco – ALGUÉM CHAME UMA AMBULÂNCIA AGORA!! – gritou – ALGUÉM!! – pressionou o casaco contra o ferimento

 

--Minha Nossa Senhora! Calma, Yara! – Maria pegou o celular e ligou – Atende, pelo amor de Deus! – sentia vontade de chorar – Ai, meu Senhor, salvai o padre! – olhou para cima

 

--Padre... – a professora olhava para o homem com o rosto banhado em lágrimas – Eu me sinto tão culpada... esse tiro era pra mim! – tentava estancar o sangramento, mas sem sucesso

 

--Eu tinha uma dívida... – afirmou com voz fraca – Agora acho que paguei... não? – deu um sorriso cansado antes de fechar os olhos e perder os sentidos

 

 

São José dos Campos, estado de São Paulo

 

--O dia terminou em tragédia na capital federal! – um repórter anunciava seriamente – Durante as mobilizações que marcaram a Greve Nacional em Brasília, o padre Camilo Roldó, que trabalhava na arquidiocese de Salvador, foi baleado e veio à óbito antes mesmo de receber o atendimento de emergência. – narrava com pesar – O crime incendiou ainda mais os ânimos e os atos de repúdio envolveram a Comissão Nacional dos Religiosos Católicos do Brasil, da qual o padre fazia parte. – mostravam-se imagens dos manifestantes e em seguida Yara aparece com o rosto banhado em lágrimas – O padre Camilo era um cristão legítimo, um nobre líder religioso que sacrificou sua vida pra me salvar, porque aquele tiro era pra mim! – reconheceu – O assassino dele, assim como os mandantes do crime, não se limitaram a matar um homem honrado e merecedor de todo nosso respeito! Um tiro no peito de padre Camilo representa um tiro do peito dos povos originários, um tiro nas crianças e mulheres que ele tirou da prostituição na Bahia, um tiro nas pessoas trans que ele vinha acolhendo, um tiro nos pobres, nos moradores de rua e em todos aqueles que ele passou a vida pra defender! – a professora encerrava sua fala

 

--Meu Deus! – Goulart assistia nervosamente

 

–A Comissão Nacional dos Religiosos Católicos do Brasil exige investigações e punição dos responsáveis! – dom Emiliano discursava diante dos repórteres – Não é aceitável, sequer razoável, que durante uma manifestação pacífica, garantida pelos princípios da democracia, um ser humano, um representante da Santa Igreja Católica, seja assassinado e fique por isso mesmo! – cobrava responsabilidade – Nós não deixaremos esse crime cair no esquecimento! – prometeu

 

--Isso não podia ter acontecido... – Goulart se levantou agoniado e circulou a ermo pela sala

 

--Quase que simultaneamente ao atentado que ceifou a vida do padre Camilo Roldó em frente ao Congresso do País, a ex deputada pelo Partido dos Labutadores, Renata Vilani, sofreu uma agressão enquanto assistia TV no pátio da Penitenciária Feminina da capital. – o repórter voltava a narrar – A responsável foi a detenta Alda Maria Duarte, que cometeu suicídio logo após ter cravado um pontiagudo caco de vidro nas costas da ex deputada. – mostravam-se imagens do pátio ensanguentado – A detenta era esposa de Cupertino Duarte, Justiceiro conhecido no Distrito Federal, que morreu em 2015 durante uma troca de tiros em Taguatinga. – um retrato 3x4 do casal foi brevemente exibido – Alda vinha manifestando comportamento maníaco depressivo e estava presa desde pouco antes da morte do marido. – a imagem do repórter voltou a ser exibida – Renata Vilani foi internada no Hospital da Base de Brasília e encontra-se em estado grave na UTI.

 

--E não para de vir notícia ruim! – Goulart cruzou os dedos por trás da cabeça

 

--O Partido dos Labutadores não vai aceitar a versão de que o atentado contra a ex deputada Renata Vilani foi um evento acidental, fruto da mente insana de uma mulher desequilibrada! – uma conhecida representante do partido falava com paixão – Sabemos que isso foi tão encomendado quanto foi encomendado o atentado que se destinava a silenciar a companheira Yara Saraíba, mas acabou por tirar a vida do padre Camilo Roldó em frente ao Congresso do País, uma vergonha! – gesticulava – Isso não vai ficar assim!

 

Goulart tremia e sentia uma agonia no estômago.

 

--Isso tudo é uma grande farsa! – Jaqueline chorava diante das câmeras – Minha filha errou, todos sabem, mas ela assumiu isso e devolveu todo dinheiro que ilicitamente chegou em suas mãos! – passou um lenço sobre os olhos – E ela denunciou uma série de corruptos que tão aí, soltos, sem terem devolvido um centavo sequer! Então por que ela tá presa até hoje? Por que não recebe nem o direito a uma condicional? – perguntava-se indignada – Eu quero justiça! Chega de farsas e golpes nesse país! -- cobrou

 

Goulart encostou-se na parede e começou a chorar contidamente.

 

--Do Vaticano, o Papa Assis emitiu uma nota de pesar pela morte do padre Camilo, condenou a espiral de violência política e ideológica que tem imperado no Brasil e cobrou das autoridades que sejam realizadas investigações sérias para a devida identificação e punição dos responsáveis. – a reportagem se encerrava

 

--Isso tudo não pode ter sido culpa minha... – Goulart chorava – Não foi culpa minha... não foi! – sentia medo e remorso

 

***

 

--Então quer dizer que o sub vai se encontrar com a tal da Beleza Negra no Rio de Janeiro? – Fernandão perguntou empolgada – Final de semana promete! – esfregou as mãos uma na outra

 

--Sargento Fernandão, sentido! – deu voz de comando e a mulher ficou em posição – Observai vossos modos, pois não sou ser masculino de fanfarronices ou patifarias aleatórias! Especialmente em cidade alheia! – ralhou

 

--Ei, não foi o que eu quis dizer! – saiu da posição de sentido – Mas, enfim, desejo que tudo dê certo e que dessa vez o PIMBA tenha acertado! – sorriu – Por que não aceita o convite da Alana e fica na casa da minha sogra? – não entendia – Seria mais barato, seguro e agradável!

 

--Vossa esposa fora deveras delicada, assim como vossa sogra, porém não desejo incomodar senhoras cariocas com minhas tentativas pimbísticas! – respondeu resoluto – Pousarei em honesto estabelecimento e a partir de tal logradouro encontrar-me-ei com a dama que o malévolo aplicativo me indicara. – explicou os planos – E que desta feita seja uma indicação assertiva! – desejou

 

--Tô levando fé! Agora vai! – Fernandão respondeu confiante – “Se foi o Rio a me desencalhar, o mesmo vai ser com o sub!” – pensou esperançosa

 

 

Rio de Janeiro, estado do Rio de Janeiro

 

“Minha dama houvera informado que trajaria um vestido estampado com flores cor de rosa.” – Machado pensava reparando no ambiente – “Até o aprazado momento não vislumbro senhora ostentando tal apresentação!” – constatou – “Enquanto isso, melhor ir ao lavatório de senhores e reparar se algo desabona minha figura militar!” – decidiu antes de seguir para o banheiro

 

“Ele disse que ia tá de calça social preta e camisa social azul marinho!” – a mulher pensava enquanto passava um batom e se admirava no espelho – “Não vi ninguém assim quando cheguei. Será que ele desistiu?” – questionou-se

 

Machado e Beleza Negra haviam marcado um encontro em um restaurante de frutos do mar na Ilha do Governador.

 

“Melhor aguardar diante dos vitrais.” – o homem admirava a paisagem através da janela – “A ansiedade impede-me de sentar como um cavalheiro deveria!” – pensava

 

“Oh, acho que é ele!” – avistou o homem assim que saiu do banheiro – “Negro e vestido como me falou que estaria!” – ajeitou-se toda – “Vou até lá!” – o coração disparou

 

“Que ela não tenha reações anafiláticas por causa de produtos de cacau!” – olhou rapidamente para a caixa de bombons em suas mãos – “Oh, nervosismo atroz!”

 

--Boa tarde? – a mulher cumprimentou incerta – Negro Gato? – arriscou

 

--Beleza Negra? – virou-se de frente para a mulher e arregalou os olhos – Oh! – surpreendeu-se – Senhora Malu? – sorriu – Que grata surpresa!

 

--Seu Machado? – surpreendeu-se também – “Por essa eu não esperava!” – pensou – Acho que o aplicativo nos pregou uma peça... – sorriu envergonhada

 

--Mas... uma vez que as mãos benfazejas do destino trouxeram-nos para tão aprazível restaurante, -- puxou uma cadeira para a mulher se sentar e ela assim o fez – sirvamo-nos das delícias que o mar nos oferta! – sentou-se em seguida – Isto é para a senhora! – entregou-lhe a caixa de bombons

 

--Obrigada! – recebeu ao sorrir – “Melhor eu acessar o dicionário online pra garantir que vou entender o que ele fala!” -- pensou

 

***

 

--O malévolo aplicativo apresentara-me a outras senhoras, mas... com o devido respeito a elas, todas um tanto tresloucadas. – falava com jeito – Desta feita, outrossim, canto alvíssaras em júbilo! – sorriu

 

Malu espiou no dicionário e olhou para o homem. – Ah, de minha parte eu também não havia conhecido homens muito interessantes. – confessou – Sempre querendo tudo rápido demais e seriedade nenhuma! – reclamou

 

--Posto que há muitos fanfarrões! – concordou – Contudo, posso garantir-vos que junto a mim, tal não se dará! – olhava para a mulher – Desde o passamento da minha saudosa Edna, matriarca de cujo ventre originou-se meu empoderado rebento militar, nunca mais estive em quaisquer entrosamentos com outra senhora, por razão que fosse. – dizia a verdade

 

--Também faz muitos anos que eu não namoro... – admitiu envergonhada – E talvez por isso... não me sinto à vontade pra ter pressa...

 

--Eu tampouco. – o homem garantiu

 

--Então... o senhor concorda em irmos nos conhecendo melhor aos poucos? – perguntou esperançosa – Mesmo com o problema da distância?

 

--Absolutamente! – respondeu animado ao sorrir – E para mostrar-vos meu caráter compromissado, eis que de chofre o malévolo PIMBA será extirpado! – sacou o celular e buscou desinstalar o aplicativo

 

Malu pesquisou no dicionário e entendeu a intenção do homem. – Eu vou desinstalar o meu também! – decidiu – E chega de PIMBA! – desinstalava o aplicativo

 

--Senhora, -- guardou o celular no bolso após desinstalar o PIMBA – peço-vos que me permita anunciar à vossa família que entre nós inicia-se respeitoso relacionamento afetivo! – anunciou

 

--Nossa, já? – achou graça – Tudo bem... – sorriu – Podemos ir hoje à noite visitar a casa da minha irmã. – concordou – “Ele pode falar difícil e ser meio diferente mas me parece um bom homem!” – pensou animada – “Além de ser bonitão, arrumadinho e super em forma!” – suspirou

 

“Esta senhora Malu é uma dama como poucas!” – pensou – “Um verdadeiro ode à beleza negra!” – suspirou

 

 

Cambridge, Massachusetts, Estados Unidos

 

Elza e Castrodeza Craig conversavam em inglês na sala de trabalho da mulher mais velha.

 

--I hope you didn’t get me wrong, but always ask my guests to put their cel phones turned off inside of my safe box. (Espero que você não tenha me entendido mal, mas sempre peço aos meus convidados que coloquem seus celulares desligados dentro do meu cofre.) – cruzou as pernas – You know… I prefer to guarantee nobody else will be listening my conversations. (Você sabe... eu prefiro garantir que ninguém mais ouvirá minhas conversas.) – sorriu

 

--Sim, eu entendo. – respondeu em inglês polido – Nenhum problema para mim! – sorriu também

 

--Eu não sou de muitos preâmbulos, então vamos direto ao assunto. – recostou-se na cadeira – Convidei-a para esta reunião informal pois não é sempre que conheço mulheres negras em posição de relevo. – explicou-se – Então, quando conheço, faço questão de uma conversa para ver quem está do outro lado da mesa. – olhava para Elza

 

--No que me sinto honrada! – respondeu com empolgação – Admiro muito o trabalho da senhora e o acompanho na medida do possível! – dizia a verdade

 

--Hum, folgo em saber. – gostou do que ouviu – Mas, por favor, não me chame de senhora. – pediu gentilmente -- Diga-me Elza, -- cruzou os braços – soube que você tem sido uma influenciadora no seu país. – pausou brevemente – Qual o seu posicionamento político após todos os desdobramentos ocorridos desde o impeachment da presidente Vilma? – queria saber

 

Gastou uns segundos calada antes de responder. – Eu não apoiava o governo dela, mas não concordei com o impeachment, porque nada se resolveu, muito pelo contrário. – respondeu com a verdade – Hoje temos um governo impopular, que trabalha pela aprovação de pautas que de outras formas não evoluiriam. – cruzou as pernas também

 

--E qual a sua opinião sobre a Operação Caça Rato? – continuava perguntando

 

--Considero que seja calcada em bases legítimas, tenho certeza de que há série de profissionais sérios e comprometidos envolvidos no processo, mas também penso que a Operação se perdeu em meio a objetivos políticos. – pausou brevemente – Acaba por servir a objetivos que não são os reais da nação.

 

Balançou a cabeça pensativa. – E o que você acha de uma possível ascensão de alguém como o deputado Montanauro à presidência da república? – continuava sondando

 

--Temerário. – respondeu simplesmente

 

--Elza, Elza... – riu brevemente – Concordo com sua opinião, mas... talvez você ainda não saiba a real diferença entre os heróis, mártires e os estrategistas. – debruçou-se sobre a mesa – Heróis e mártires sacrificam-se por uma causa, escrevem o nome na História, porém sem jamais colher os frutos daquilo pelo qual tanto lutaram. – gesticulou brevemente – São perdedores românticos. – considerou – Estrategistas passam discretos, muitas vezes até desconhecidos, porém colhem todos os frutos e estão sempre bem, não importa quem esteja sob as luzes dos holofotes. – reparava na outra – Você acha que eu tenho algum respeito por um idiota como Ronald Rump? – perguntou à queima roupa – Acha que eu, sendo mulher e negra, apoio ideias machistas e racistas como as que ele defende? – balançou a cabeça negativamente – Porém, os Estados Unidos estão em crise e as crises sempre puxam por lideranças autoritárias, às vezes retrógradas! – olhava nos olhos – Mas isso também passa! E o importante é estar em posição segura enquanto o tsunami vai varrendo os mais fracos do mapa!

 

Espantou-se com o que ouviu. – Desde o começo me surpreendi em vê-la na equipe deste presidente, embora a senhora... embora você seja uma legítima republicana. – considerou – Mas... como consegue lidar com tamanha contradição, ou seja, como consegue estar trabalhando ao lado de alguém cujas ideias despreza? – queria entender – E o custo social de tudo isso? Não lhe dói a consciência?

 

Achou graça mais uma vez. – Deixe as dores de consciência para os idealistas de esquerda! – aconselhou – Querida, seria inevitável a vitória do Rump, como acho que será inevitável a vitória do Montanauro. Então, não é inteligente lutar contra a onda pois ela te arrastará junto com os fracos! – gesticulou – Surfe na onda e permaneça na crista enquanto ela durar. – continuava aconselhando – Quando o inimigo é mais forte que você, melhor se aproveitar dele que se desgastar lutando contra. – falava com voz hipnótica – Você não prefere voltar para o Brasil como uma... how could I say it in Portuguese? (como eu poderia dizer isso em Português?) – pensou por uns instantes – Tenente coronel? – falou o nome do posto com um sotaque arrastado – A extrema direita, Elza Machado, pode ser uma aliada, ainda que temporária, muito útil!

 

Elza ficou calada pensando.

 

 

Goiânia, estado de Goiás

 

--Em todos esses anos eu nunca me meti no seus parangolé, mas hoje eu me meto pra lhe pedir: -- Kedima gesticulava – não vá pra esse protesto de Fora Brener em frente o Ministério da Agricultura! – olhava para a indígena – Meu coração tá me dizendo pra não te deixar ir!

 

Não gostou do que ouviu. – Mas eu não posso passar o resto da vida escondida com medo de levar um tiro! – retrucou como criança – Vai ser um protesto importante e...

 

--Se você tem um pinguinho de respeito por mim, você não vai! – a idosa interrompeu a fala da outra – Se não tem... aí tá por sua conta! – deu as costas e se afastou caminhando com sua bengala – Depois não me venha querendo colo que vou te dar é desprezo! E o meu desprezo é maligno! – saiu da cozinha revoltada

 

A indígena deu um suspiro profundo. “Já vi que vou ter que obedecer isso aí...” – pensou contrariada

 

***

 

Yara estava em sua sala na faculdade quando um homem corpulento, acompanhado por dois policiais, param na porta.

 

--Professora Yara Saraíba? – o corpulento perguntou com voz grossa

 

--Pois não? – olhou desconfiada para o trio – Quem são os senhores e o que desejam? – debruçou-se sobre a mesa

 

--Eu sou o deputado Tisael Farias e estes policiais me acompanham porque a senhora é acusada de incitar vandalismo no Ministério da Agricultura e deve ser presa por isso! – fez sinal para os homens entrarem na sala da mulher

 

--Ei, alto lá! – levantou-se e ergueu os braços – Eu sequer estive nesse protesto! – dizia a verdade – Os senhores não têm nada concreto que justifique a minha prisão! – percebeu que os homens ficaram surpresos – Tampouco sou idiota e conheço meus direitos!

 

--Também pesam contra a senhora uma série de denúncias de membros do movimento Escola Apartidária a respeito da sua doutrinação marxista praticada diariamente nessa faculdade! – o deputado novamente argumentou

 

--E o Escola Apartidária até hoje não conseguiu fazer aprovar um projeto de lei sequer! – devolveu de pronto – Quer saber? Vou ligar pro meu advogado agora! – pegou o celular e ligou para um advogado do Comuna

 

 

Cambridge, Massachusetts, Estados Unidos / Goiânia, estado de Goiás

 

Elza e Yara conversavam pelo aplicativo QQOV?.

 

--E aí cheguei até a ir com eles pra delegacia junto com mais alguns professores e alunos que serviram de testemunha. O advogado do Comuna já tava até lá esperando e o trem desenrolou rápido. -- contava o caso – Natália cutucou meio mundo e hoje a história apareceu na televisão. – cruzou as pernas – Só serviu pra fortalecer o movimento dos que clamamos por justiça pela morte do pobre padre Camilo, pelo atentado contra Renata e pelo primeiro atentado que sofri.

 

--Meu Deus, isso tá ficando preocupante demais! – a militar respondeu enquanto caminhava pelo apartamento onde vivia – Eu tenho acompanhado tudo por aqui mas ainda não tava sabendo dessa tentativa escrota de te prender! – ajeitou os cabelos – Dona Kedima falou pela boca de um anjo quando não te deixou ir no protesto!

 

--É verdade! – deitou-se na cama – Na hora não gostei de obedecer, mas se eu tivesse ido teria tido muito mais trabalho e talvez tivesse mesmo sido presa! – reconheceu

 

--É nítido que tão armando pesadamente contra você! – afirmou convicta – Primeiro o assassinato do padre na greve de abril e agora, menos de um mês depois, essa tentativa de prisão! – salientou -- Yara, você precisa dar um tempo! – aconselhou

 

--Dar um tempo? Não mesmo! – respondeu indignada – Enquanto houver enxame com meu nome, de uma forma ou de outra isso me protege! Além do mais não sou mulher de me fazer intimidar! E quero sim, ver justiça sendo feita! A morte de padre Camilo não pode passar impune! – sentou-se novamente e calou-se por uns instantes – Ele morreu pra me salvar... Por minha culpa... – abaixou a cabeça – Devo muito a ele...

 

--Pelo amor de Deus, pare de viver se culpando! – a negra pediu agoniada – A culpa é de quem o matou e a escolha de te proteger foi dele! Uma atitude nobre e muito bonita! – dizia o que pensava – Não crie mais motivo pra se martirizar! Ao invés disso, deveria dar um tempo como tô te falando! – insistiu

 

--Perdão, minha linda, mas dessa vez não vou te dar ouvidos! Sem essa de dar um tempo! – reiterou

 

Suspirou. – Desisto! – fez cara feia – E Renata? Ainda internada ou o que?

 

--Não, ela saiu do hospital já faz um tempo. Mas voltou pra penitenciária. – esclareceu – Parece que tá agora numa espécie de solitária e recebe cuidados especiais.

 

--Nunca pensei que fosse dizer isso, mas... coitada! – Elza lamentou – Não desejo a ninguém o que ela tem passado.

 

--É mesmo... – concordou – A morte do padre Camilo e isso que aconteceu com ela foram coisas que me deixaram muito triste... tenho lutado contra os maus sentimentos...

 

--Por que não faz uma terapia, amor? Pode ser bom pra você! – a militar recomendou

 

--Tenho pensado nisso... faz muitos e muitos anos que não faço algo do gênero. Desde que eu era criança, pra ser sincera... – desejou mudar de assunto -- E você tá sabendo da maior? A chapa Vilma e Brener foi absolvida pelo Tribunal das Eleições! – achou graça

 

--Claro, né? Senão como justificar a permanência dele no poder? – respondeu de pronto – É ridículo! – balançou a cabeça contrariada – Mais uma prova de que o impeachment não passou de um golpe!

 

--Eu já te contei tudo que se passou por aqui nos últimos tempos, mas ainda não ouvi de você, minha linda. – sorriu – Como vão as coisas por aí?

 

--Muito trabalho burocrático, aliviado somente pelos cursos que tenho feito e por finalmente termos conseguido assinar o acordo de confidencialidade com a empresa FlySky! – respondeu animada – Tô adorando conhecer o projeto do Z-Plane!

 

--Imagino que seja massa! – concordou – Mas confesso que me preocupa muito te ver diariamente envolvida no reduto ultradireitista dos Estados Unidos! – reclamou – E com Luiza bem pertinho, diga-se de passagem!

 

Achou graça. – Não se preocupe! Ninguém vai lavar meu cérebro e se quer saber, mal vejo Luiza. – gesticulou – Penso até que, finalmente, depois de tantos anos ela desencanou de mim!

 

--Deus te ouça! – bateu na madeira

 

--E Jurema? – perguntou de imediato

 

Riu brevemente. – Também desencanada, relaxe! – pausou brevemente – Mas... você jura que não tem risco de mudar de lado, meu bem?

 

--Não! – respondeu convicta – Eu sei jogar, amor! Confie em mim! -- sorriu

 

--Cuidado é com aquela tal de Castrodeza! – advertiu com veemência – Aquela mulher cheia de papinho pro seu lado! – franziu o cenho – A hosana dela chega tá é doida pra louvar tuas aleluias! – acusou

 

Riu gostosamente. – Ai, ai, minha indiazinha tarada! – brincou – Castrodeza é casada com homem e uma pessoa super séria! – assegurou – Tem nada disso de hosana e aleluia! – riu novamente

 

--Sei... – a indígena respondeu descrente – Por mais que ela deseje te levar pro lado podre da força, também tem um foguinho no rabo estadunidense... – afirmou contrariada – Eu tô só vendo!

 

--Vendo como, se você nem tá aqui? – colocou as mãos na cintura – A gente podia fazer uma chamada de vídeo... – entrou no quarto e se sentou na cama -- E aí eu ia deixar você ver umas coisas, sabe? Tipo a camisola nova, curta e transparente que eu comprei pra esse verão que se aproxima... e tô usando ela agora... – propôs insinuante – Cê quer ver, amor?

 

--Ô, glória! – engoliu em seco – “Ela sabe me deixar sem argumento! Lambe, língua de fogo!” -- pensou empolgada

 

 

São Paulo, estado de São Paulo

 

--Senhores, a situação saiu totalmente de controle! – Goulart falava nervosamente – Yara Saraíba sofreu dois atentados, sendo que em um deles um inocente foi morto, -- olhava para os demais -- aquela ex deputada quase morreu depois do que aconteceu na penitenciária e agora um conhecido estudante desta cidade morre durante um inexplicável acidente de moto! – citava os fatos – Em tudo isso, os Justiceiros sempre aparecem de alguma forma e cada vez mais o movimento que exige identificação e punição dos responsáveis vai ganhando corpo! – alertava para a gravidade dos fatos – Temos todos os partidos de esquerda, o Movimento dos Sem Posses, o tal do Povo Faz Medo, a Comissão Nacional dos Religiosos Católicos do Brasil, grupos estrangeiros e até artistas endossando esse coro!

 

--E por que tanto receio, brigadeiro Goulart? – um homem perguntou sem entender – Não somos Justiceiros, não ordenamos quaisquer atentados e não temos as mãos sujas de sangue de forma alguma!

 

--Claro que não, mas será que os senhores não percebem? – insistiu – As pessoas que estão sendo atacadas fazem parte da nossa lista de lideranças de esquerda que precisavam ser anuladas politicamente!

 

--Nossa? – outro homem questionou – Sua lista, brigadeiro Goulart! – afirmou de pronto – Sua lista, cujos nomes foram escritos de próprio punho! – olhava para ele – Não temos absolutamente nada com isso!

 

Chocou-se com o que ouviu. – Mas eu jamais quis insinuar que alguém deveria ser assassinado e sim anulado politicamente! São coisas totalmente distintas! – respondeu nervosamente – E não fui eu quem fez a lista chegar nas mãos dos Justiceiros!

 

--Nem nós! – mais um homem afirmou de imediato – Mas ao que tudo indica, ela chegou nas mãos deles e se alguém tem responsabilidade em tudo isso... não somos nós!

 

Goulart ficou ainda mais tenso e preocupado.

 

 

São José dos Campos, estado de São Paulo

 

--Sub, não acha que ultimamente o brigadeiro Goulart tem andado muito esquisito? – Fernandão perguntou enquanto caminhavam – Ele parece que vive tenso e à beira de uma crise de nervos! – observou

 

--Quem poderá decifrar-vos os mistérios? – Machado respondeu com a cabeça no ar – Talvez, faltar-lhe-á um novo amor... – suspirou embevecido

 

Os dois militares haviam acabado de almoçar e voltavam caminhando para o local de trabalho.

 

Achou graça. – Enquanto isso, o suboficial Machado vive nas nuvens! – olhava para o outro – Não dou muito e teremos um casamento acontecendo! – afirmou brincalhona

 

--Só depois que minha Beleza Negra retirar-se das atividades laborais no mundo da estética afro! – esclareceu – Ela me dissera que tal se dará nos idos de junho de 2019. – repetia o que ouviu

 

--Eita, e será que esse coração aguenta até lá? – perguntou sorridente – O Negro Gato anda subindo pelas paredes, né, não? – provocou

 

Parou de andar. -- Sargento Fernandão, sentido! – deu voz de comando e a mulher assumiu posição  – Vigiai vossas expressões orais pois o relacionamento que ora se desenvolve não é cabível para vulgaridades! – afirmou decidido

 

--Entendido, senhor! – prestou uma continência rápida e saiu da posição – E a Elza? – perguntou curiosa – Ela já sabe?

 

--Sim e faz muito gosto! – respondeu satisfeito

 

--É, meu amigo, sub... – voltaram a caminhar – Agora que sabemos que a solução tá na família da Alê, acho que valia a gente batalhar tia Norminha pro brigadeiro Goulart! – considerou – Vai que ele volta ao normal depois disso?

 

Machado não respondeu por nem ter ouvido. Havia acabado de receber uma mensagem de Malu pelo QQOV? e parou de andar para ler com segurança. Fernandão percebeu e balançou a cabeça divertida.

 

 

Brasília, Distrito Federal

 

--Eu acho que finalmente agora você vai ganhar sua condicional! – Jaqueline comentava animada – O advogado falou que desse ano não passa!

 

--Não sei, mãe... ouço isso há tanto tempo e até agora nada de sair daqui! – respondeu desanimada – Acho que me querem morta porque falei demais... – especulou

 

--Meu bem, -- segurou as duas mãos da filha – você já ficou tão abatida depois daquele atentado, por favor, não se entregue também ao desânimo! – pediu gentilmente – Sei que você tem sofrido muito, mas há que se perseverar na fé!

 

Suspirou. – Tudo bem, mãe... – concordou – Eu vou fazer um esforço...

 

--O atentado acabou virando a maré pra você! Agora já tem muita gente dizendo que você é que tava certa, que quiseram te matar porque você saiu das tretas e entregou os poderosos... – tentava reanimar a filha – Vai dar certo, querida! Dessa vez, vai! – acreditava

 

Renata deu um sorriso triste e nada respondeu.

 

 

Cambridge, Massachusetts, Estados Unidos / Goiânia, estado de Goiás

 

Elza e Castrodeza haviam acabado de jantar na casa da mulher mais velha. Conversavam na sala enquanto bebiam vinho.

 

--Esse vinho é maravilhoso! – a militar elogiou após saborear um gole – Simplesmente divino!

 

--Vinho do seu país! – respondeu ao sorrir – Produzido no sul, padrão exportação e premiado por quase uma dezena de vezes! – olhava para Elza

 

--Oh, really? (Oh, sério?) – perguntou surpresa – Agradeço então pela gentileza em ainda me recepcionar com um vinho do Brasil! – agradeceu polidamente

 

--Não precisa me agradecer! – levantou-se do sofá e caminhou até o aparelho de som – Gosta de jazz? – perguntou sem se virar

 

--Não conheço muito, mas... acho sempre interessante ouvir novos sons. – bebeu mais um gole de vinho

 

Escolheu uma música apenas instrumental e colocou para tocar. – O jazz é um ritmo quente e ao mesmo tempo elegante... – virou-se de frente para Elza -- Aguarde-me uns instantes, pode ser? – bebeu mais um gole e colocou a taça em cima da mesa – Preciso ir rapidamente até o meu quarto! – sorriu

 

--Por favor, não se incomode comigo. – tranquilizou-a

 

A mulher foi para o quarto e Elza se levantou para admirar a estante de livros.

 

***

 

Yara e Jurema entravam na casa desta última.

 

--O Colegiado de hoje foi puxado! – Yara comentou – Mas gostei muito da sua atuação! – elogiou – Acho que podemos trabalhar a minha sucessão através de você em bases definitivas. – olhava para a outra – Já estou na presidência há tempo demais e isso não é bom. Vicia o pensamento e a estrutura! – considerou

 

--Não diga isso! – discordou gentilmente – O Partido ainda precisa muito da sua liderança e não é o momento de agir como camarada Celeste agiu quando te passou o bastão. – colocou a bolsa sobre a mesinha

 

--Tudo bem que ela era mais velha que eu sou hoje, mas sou a favor da alternância.

 

--Pode me esperar um pouquinho? – Jurema pediu ao mudar de assunto – Preciso tomar um banho rápido porque esse calor de novembro... não dou conta, não! – sorriu – Depois você vai pro abrigo porque ainda temos o que conversar.

 

--Fique à vontade, mulher! Sinta-se em casa! – brincou

 

Jurema fez uma careta divertida e foi para o quarto. Yara ficou admirando os livros que ornavam a estante.

 

***

 

--Eu não costumo a trazer visitas para esta casa, -- a mulher apareceu novamente na sala – mas se a trouxe, -- caminhou para perto da outra – é porque é... – reparou-a de cima a baixo – Especial! – caprichou no olhar

 

--Castrodeza?! – Elza derrubou a taça vazia no chão – Mas... você é casada! – andou um pouco para trás

 

A mulher vestia um sexy baby-doll transparente.

 

--Casamento de fachada, meu amor. – aproximou-se sensualmente – Steven é gay e eu... – deslizou um dedo sobre os lábios de Elza – Sou tão lésbica quanto você! – afirmou sedutora

 

--E como você sabe que eu sou lésbica? – perguntou um pouco nervosa

 

--Your body talks! (Seu corpo fala!) – respondeu convicta

 

***

 

--Yara Saraíba, precisamos de uma conversa séria agora! – Jurema chegava na sala com decisão

 

--Uai, mas por...? – virou-se de frente para a outra – Ô, glória! – arregalou os olhos

 

Jurema apareceu usando apenas uma lingerie preta ornada por correntinhas douradas. Calçava sapatos de salto.

 

--A gente já perdeu tempo demais com desencontros amorosos! – afirmou resoluta – E agora eu não quero saber de mais nem meio mais! – empurrou a outra que caiu deitada na poltrona

 

--Ô, Minhas Sete Chagas! – olhava para a amiga – Jurema, o que é que te deu? – não entendia

 

--O que me deu, -- sentou-se em cima da outra – foi que quase te perdi por duas vezes e não quero mais viver o arrependimento de não ter tentado! – segurou-a pelo rosto com as duas mãos e a beijou com paixão

 

***

 

--Castrodeza, é melhor eu ir. – Elza preparou-se para sair – Acho que está havendo um imenso mal entendido aqui!

 

--Não mesmo! – segurou-a pelos cabelos da nuca – Você só sai daqui após nosso último suspiro de prazer! – puxou-a para junto de si e a beijou com desejo

 

 

 

Fim do capítulo