Capitulo 2
-- Eiiiii, não acelera tanto. Que mulher doida!
-- Ah, não me diga que tens medo de velocidade?
-- Acho que tenho medo é de ti e dessa minha faceta extemporânea.
-- Não consegui ouvir. Podes repetir?
-- Nada importante! Dirija com cuidado. Meu Deus, onde é que eu estava com a cabeça? Sabes o que estás a fazer? - Gritava nos ouvidos de Nimah, visto que o vento era muito forte.
--Vamos para Buracona. Ouvi dizer que fizeram obras de requalificação e que o paraíso ficou ainda mais perfeito. Aceitas?
--Eu lá estou em condições de contrariar-te?
--Ahhhhh...-Ela girou o pescoço e encarou Walkiria com aquele mesmo sorriso, que agora tinha um leve tom zombeteiro.
--Sim, quero ir e preste atenção nessa estrada, pelo amor de Deus.
Nimah manobrou e entrou na estrada de asfalto, para alívio de Walkiria. Enquanto a moto deslizava numa velocidade considerável, Walkiria se negava a pensar com clareza. Na realidade, não conseguia. Ninguém em sã consciência entraria numa loucura como aquela que estava a viver e muito menos ela, que desconfiava até da própria sombra. Vagar pelo deserto da ilha com uma desconhecida e numa moto? Só uma loucura instantânea justificaria tal ato...
O fato é que estava naquela moto e sem nenhum medo das consequências. Mas quais consequências? A mulher seguia na estrada certa, sem desvios, e o lugar para onde iam estava sempre lotado de turistas. Nenhuma razão para medos.
Na Buracona, que era quase um oásis em meio à aridez daquela região da ilha, Nimah parecia ainda mais encantada com tudo que via.
--Fizeram um milagre aqui!
--Sim! E tudo ideia de um nacional, um amigo meu. - Walkiria se orgulhava.
--Está lindo! Perfeito! - Encantava-se.
--E não sei que milagre aconteceu que não está lotado de turistas...
--A mim não me desagrada nada que esteja quase deserto. Sou turista, mas permita-me dizer que mais de 10 no mesmo espaço, ninguém merece.
Walkiria riu, concordando com a cabeça.
--Vamos ver Blue eye, com certeza que vai te surpreender. - Puxou Nimah pelo braço que a seguiu sem pestanejar.
--Ah eu quero mergulhar. Agora está muito mais seguro. Quero!
--Não quer nada. Estás doida? Eu vou embora...
--Calma! Está bem, vou outro dia...da próxima vez que vier para cá.
--Mas não ias embora hoje?
--Eu sempre volto para Cabo Verde...
Walkiria respirou fundo e esboçou um leve sorriso. Aquela mulher doida e de espirito aventureiro estava tirando a sua paz.
--Nesse horário a senhora já não pode mergulhar. O sol já não reflete na gruta e fica perigoso. - Avisou o guia do parque.
--Entendeu agora a minha aflição? Não sou exagerada, mas não gosto de correr riscos desnecessários.
--Entendi, e não sou inconsequente. Talvez um pouco impulsiva, só um pouquinho, ah e hás de convir que a tua terra é apaixonante. - Ela piscou e Walkiria só sabia rir.
--Vamos sair daqui. Esse teu espirito aventureiro também alberga alguns minutos de paz?
--Alberga qualquer coisa, desde que seja em boa companhia.
--Se me carregaste até aqui, algum encanto devo ter.
Riram juntas e isso já não era novidade.
Sentadas numa espécie de coreto, que ficava literalmente sobre o oceano, ora trocavam amenidades, ora se deslumbravam com a beleza estonteante do lugar. Walkiria não costumava dar muita atenção aos encantos da sua terra, mas encantava-se com o deslumbramento de Nimah. A sensação era de liberdade...
--Então trabalhas com o turismo? Em quê, concretamente?
--Desenvolvo produtos turísticos para grandes operadoras, trabalho com consultoria empresarial na área de turismo, auxilio estrangeiros que queiram investir aqui...e outras tantas coisas.
--Hmmm, interessante. Trabalhas por conta própria?
--Sim, disso não abro mão. Gosto de ter autonomia...
--Entendo e eu também funciono melhor assim. Gostas do que fazes?
--Não posso me queixar...
--Hmmm, pode parecer presunção minha e se calhar é, afinal eu te conheci agora e...
--E?
--Não me pareces muito satisfeita com a carreira.
--Essa minha cara...
--O que tem a tua cara?
--Meus amigos sempre dizem que não consigo disfarçar nada. Expressiva demais...
--Mas isso é bom, pelo menos para quem convive contigo. - Riu.
--E péssimo para mim. Estás certa, não estou muito satisfeita com o rumo da minha vida, ou com a falta de rumo.
--Eu, tu, o mar e todo o tempo do mundo, ah, e garantia de segredo guardado. - Cruzou os dedos sobre os lábios, arrancando mais uma risada de Walkiria.
--Eu sempre ouço que muita gente daria a vida para estar na minha posição, mas o que as pessoas não sabem, é que eu quero outra coisa. A vida trouxe-me para esse momento e tudo parece confortável, mas não é isso que quero.
--Então? - Cruzou as pernas abraçando-as e encarou Walkiria como quem tinha todo o tempo do mundo.
Walkiria relatou o sonho que tinha desde a adolescência, ser proprietária de uma pequena unidade hoteleira, nas montanhas de sua terra. Um lugar idílico, para onde os hóspedes sempre voltariam. Descreveu tudo nos mínimos detalhes e sempre com os olhos brilhando e carregados de esperança.
--Aproveita que queres tanto, e realiza. Descreves tudo com tanto amor e entusiasmo, que eu sei que vais conseguir.
--Parece fácil...- Disse sem ânimo.
--Pode ser. É tão bom quando temos sonhos e força para realizá-los.
--No meu caso, parece um delírio...
--Se entendi bem, queres construir um paraíso nas montanhas. Não há de ser aqui...
--Não! Gosto do mar, é vital para o meu equilíbrio, mas meu sonho é ter um pequeno hotel nas montanhas. Conheces as ilhas todas?
--Não, quem me dera. Mas sei que as montanhosas são, Santo Antão, Santiago, São Nicolau...
--Conheces tudo! - Sorriu. - Sou apaixonada por Santo Antão, mas meu projeto é no interior de Santiago. Bom, se algum dia sair do papel...
--E o que te impede?
--Adivinha, o de sempre.
--Dinheiro. Mas tu não trabalhas com investidores externos?
--Hum-hum.
--E já apresentaste o teu projeto a algum deles?
--Não...
--E por que não?
--Medo. E também um certo apego ao meu projeto, medo que queiram modificar...medo de ouvir tantos nãos a ponto de me desmotivar...medo...
--O que estás disposta a abrir mão em prol do teu sonho?
Walkiria encarou-a sem saber o que responder. A partir daquele instante, aquela questão começou a martelar na sua cabeça até provocar ruídos.
--Vamos seguir viagem? - Nimah percebeu a inquietação no olhar de Walkiria e tratou de mudar o foco. Afinal tinham poucas horas para se divertir...
--Eu acho que és doida, mas devo estar um grau acima...
Nimah riu e puxou-a para juntas ficarem de pé.
--A senhora quer ir para onde? Eu estou à mercê da tua loucura, já não há voltas a dar.
--Salinas da Pedra de Lume!
--A senhora manda. - Sorriu enquanto era puxada pela mão.
*****
O encantamento de Nimah pelas Salinas era contagiante e Walkiria já via tudo com olhos mais apaixonados. Claro que gostava das Salinas, aliás, era o lugar que mais indicava aos clientes e amigos de outras ilhas, mas parecia que Nimah sentia tudo de uma forma muito mais intensa. Ela sorria, ria, levava as mãos à cabeça, ao coração. Se agachava, e depois erguia e pulava, abria as mãos e corria. Era uma cena linda...inesquecível.
--Ei, maluca. Tu nunca tinhas estado aqui? - Gritou porque Nimah já descia a rampa rumo às dunas de sal.
--Acreditas que não. Parece um pecado e é. Eu vivia enfiada num resort, fazia programas no resort...só me dei conta deste paraíso nos últimos 6 meses que vivi cá e mesmo assim nunca passei da entrada das Salinas.
E correu feliz como uma criança. Por essa altura, Walkiria já tinha percebido que ela não falava quase nada da própria vida. Diria que a estrangeira tinha ocupado o seu lugar. Ela que sempre era reservada e nunca se expunha, principalmente a estranhos, já tinha contado tanta coisa. Tinha falado do seu sonho, que era seu maior tesouro, e por isso, guardado a sete chaves. Estava ali exposta, com uma estranha. É, talvez fosse esse o motivo. Era uma estranha que ela não veria nunca mais...
--Eiiii, vem. Vamos tomar um banho nas salinas. Disseram que depois de um banho nessas águas, tudo melhora.
--Folclore! Lenda para enganar turistas. - Riu alto.
--Ah, deixa de ser chata. O sal é bom para a pele, é ciência.
--Não posso. Não com essa roupa e não vou entrar nua, tem muita gente e não posso ser culpada pela síncope de ninguém. - Riu alto e foi acompanhada pela turista.
--Comigo não tens escapatória. Vem cá.
Walkiria caminhou até ela com as mãos na cintura e segurando a vontade de rir.
--Nessa mochila tem um short e um top, limpíssimos, antes que me questiones.
Walkiria não controlou a risada escancarada.
--Por favor...- E sorria, a tal arma de longo alcance e impacto profundo.
--Ok! Vou lá no vestiário. - Bufou, fingindo impaciência.
A caminho do vestiário que ficava no alto de uma colina, Walkiria seguia se questionando que poder era aquele. Até que se lembrou que não tinha dormido quase nada. Claro, privação de sono explicava toda aquela loucura sem precedentes. E repetia vezes sem conta que não estava atraída pela mulher. Isso com certeza explicaria aquele vendaval de acontecimentos sem sentido. Quando queria uma mulher, não media esforços até conseguir os seus intentos. Depois, bem, depois era uma outra história. Não estava minimamente interessada nela. E mais, a mulher era casada e nesse tipo de encrenca ela não entrava nem que a dita em causa fosse a Cate Blanchett, seu terno crush.
De volta às lagoas de sal, Walkiria resistiu um pouco a entrar. Acabou sendo contagiada pela leveza que Nimah emanava, deitada sobre a água. A concentração de sal era tamanha, que o corpo não afundava. Flutuava...parecia música...leve...
--Pareces tão integrada com esse cenário que custa acreditar que nunca tinhas cá estado.
--Nunca e que bom que vim hoje...poderia ficar aqui para sempre...
--Se calhar a vida estava te reservando essa maravilhosa experiência, conhecer as salinas comigo. - Walkiria resolveu provocar a estrangeira. Já tinha enlouquecido mesmo...
-- Até agora a experiência tem sido bastante satisfatória. - Soergueu-se.
--Ah, bastante satisfatória é o caralh*. Eu aqui me doando a uma estranha e...ai, desculpa. Meu Deus, que vergonha. Perdoa-me a grosseria...está tudo fora do lugar e eu deveria voltar para a minha casa...
E a outra ria. Simples assim.
--Eu ia tão bem e pelo meio solto um caralh*. O que uma noite sem dormir faz com a educação de uma mulher...
--Eu não tenho nada contra. - Encarou-a com aquele sorriso zombeteiro.
--Eu tenho! - Walkiria mais uma vez falou sem pensar.
--Não parece. Já ouvi alguns palavrões desde que a senhora resolveu fazer a boa vontade de me acompanhar nessa aventura.
--Ah, deixa isso para lá. - "Eu estou enlouquecendo e pensando asneiras." - Walkiria se martirizava.
Afastou-se um pouco e deixou-se levar pelos movimentos suaves da ondulação. Deitada de costas e de olhos fechados, não conseguia pensar nada. A cabeça estava leve, o corpo mais ainda. Precisava voltar mais vezes para limpar as energias naquelas águas. Imersa num imenso e maravilhoso nada, ouviu ao longe um redemoinho na água e quase que em camera lenta, olhou o que estava a acontecer.
--Ei, cuidado. Se a água respingar nos teus olhos, teremos um problema.
--Tarde demais...- Ela esfregava os olhos, que com certeza ardiam.
--Oh mulher, isso não...não esfregues os olhos que pioras a situação. Vamos sair. - Guiou-a para fora da lagoa.
--Fui ajudar uma criança que escorregou e...
--Tudo bem. Esses turistas são inconsequentes e os guias às vezes deixam muito a desejar. Ainda tens água engarrafada?
--Sim, procura na minha mochila. - Ela tentava não esfregar os olhos, mas era visível o desconforto.
O resto de água engarrafada não fez milagre algum e os olhos de Nimah já estavam vermelhos. O ardor aumentava e ela que sempre estava a rir e aparentemente feliz, já demonstrava alguma aflição.
--Eu sei que queres muito ver o por do sol na baía da Murdeira, mas vamos ter de passar em casa da Dina para lavares bem os olhos.
--Quem é Dina?
--Uma amiga minha que mora logo ali. Ela foi colega de trabalho da minha mãe quando eu era adolescente e é uma senhora maravilhosa.
--Achas necessário? Se calhar sim...- Fez uma careta revirando os olhos que ardiam.
--Claro! O sal nos olhos costuma ser um inferno. Prometo que ainda consegues ver pelo menos os últimos raios de sol na Murdeira.
--Alguém já te disse que és uma chata cativante?
--Ah, não imaginas a quantidade de vezes que escuto que sou chata...
--E cativante!
--Bom, isso eu já não sei, mas se eu pensar que não queres me largar desde o inicio da tarde...
Nimah riu com vontade e a risada dela talvez fosse afrodisíaca.
--Tu és sempre assim?
--Como?
--Calma, ri de tudo, não se irrita com nada. E esse sorriso...
--Da boca grande. Acreditas que na adolescência eu era goz*da por ter boca grande. Já me chamaram de cada coisa...- Sorriu.
Walkiria olhou pela primeira vez para a boca dela. Pela primeira vez com vagar. Guardaria a sua opinião para si. Era melhor, bem melhor.
--Ah e sobre a tua cara feia e gente que adora resmungar, com certeza não me assusta. - Concluiu.
--Vamos logo lavar esses olhos, antes que eu me arrependa e te largue sozinha por aqui. - Brincou.
--A chata mais meiga da ilha do Sal, sim, eu a conheci.
Riram alto.
*****
Chegaram em casa de Dina que ficava a poucos metros das Salinas, e imediatamente Walkiria arrependeu-se daquela atitude. Quis ajudar a estrangeira e acabou esquecendo da boca sem freio da amiga de longa data.
--Cuidado com o que dizes, ela entende e fala um pouco de crioulo. - Tentou ser discreta e falar baixinho no ouvido de Dina, mas não adiantava quase nada.
--Como é que não explicaste à moça que o sal nos olhos é veneno?
--Claro que expliquei, mas acidentes acontecem. E ela sabia...
--Eu sabia, mas fui ajudar uma criança e...
--Dina, ela precisa lavar os olhos. - Walkiria tentava apressar as coisas com receio de Dina sair atropelando tudo como era habitual.
--Ela não vai lavar os olhos. Vão tomar um banho e tirar esse sal todo do corpo. Sal concentrado do umbigo para baixo, não é bom e arde mais que nos olhos.
O que Walkiria temia acontecia e ela não tinha como controlar. A boca metralhadora de Dina no seu auge. Olhou para Nimah e claro que ela ria. Tinha que fazer alguma coisa, porque Dina não tinha limites.
--Toalha, e essas coisas? Tudo no banheiro? - Walkiria queria apressar aquele momento e seguir viagem.
--Sabes que sim. Leve-a e que fique à vontade. A casa é tua, amiga da Wiki.
--Nimah, acho que ela esqueceu de me apresentar. - Riu e piscou para Dina.
Walkiria empurrou Nimah para o banheiro. Queria sair dali o mais rápido possível.
--Desculpa essa loucura toda. Não demore no banho que ainda dá tempo de veres o por do sol. Se precisares de alguma coisa, é só pedir...vou estar aqui ao lado...
Nimah apenas sorriu e deslizou o polegar de leve no queixo de Walkiria.
*****
--Walkiria, mas tu não cansas de ser teimosa. Um banho de 5 minutos não mudaria em nada os vossos planos.
--Dina, minha pele adora o sal e estamos com pressa.
--Mas a tua namorada não vai provar o meu famoso café com bolo de mel? Já agora, esclareça-me um ponto que ainda não entendi. Essa é bem diferente das que costumas trazer aqui. Resolveste ouvir os conselhos dessa velha e arranjar uma mulher de verdade?
Walkiria queria sair voando dali, mas as pernas simplesmente estavam pregadas ao chão. Olhou rapidamente para Nimah que parecia se divertir muito com seu constrangimento.
--Dina, estamos atrasadas. Ela vai viajar daqui a pouco e...
--Viajar? Mas tu não consegues parar quieta com ninguém? E eu me iludindo que tinhas tomado juízo.
--Dina, estás a constranger a moça. Ela entende a nossa língua...vamos?
--Muito obrigada, Dina. O banho salvou a minha vida e fico com pena de não experimentar o café com bolo.
--Não voltas mais para cá? Wiki, voltem para almoçar amanhã.
--Dina, ela está atrasada. Vai viajar hoje e ainda quer ver o por do sol na Murdeira e...
--Ela é sempre assim. Só vive na correria, não se aquieta. Mas tu me pareces uma mulher mais ponderada, quem sabe não exerças uma boa influência nessa minha menina que é um amor, mas que precisa de novos rumos.
--Dina, pelo amor de Deus. - Walkiria estava a ponto de ter um ataque de nervos. Dina não se calava e nem percebia que estava a ser inconveniente. E a outra apenas ria e parecia se divertir.
--Então a Walkiria tem um gosto duvidoso para escolher as namoradas? É isso?
Aquela mulher não tinha noção do perigo...
--Ah minha filha, ela nunca me visita, e quando vem, aparece com umas meninas que devem ser muito boas para... tu sabes, mas para acompanhá-la pela vida, cruz credo...
--Quem sabe ela só quer se divertir...
--Mas essa fase passa, e ela já está grandinha...
--Nós realmente nos conhecemos hoje e não somos namoradas ou algo que se pareça.
--Ela deve ter gostado de ti. Minha Wiki é desconfiada e às vezes bem...
--Chata! Até ela já sabe disso, Dina. Podemos ir? - Walkiria já nem se esforçava para aplacar a fúria intempestiva de Dina. O balde já tinha transbordado mesmo...
--Não voem nessa moto. Wiki, dê noticias mais vezes. Eu tenho saudades.
--Sim, prometo voltar. Obrigada!
--Obrigada, Dina. Foi um prazer.
--Se voltares para cá, apareça, será um gosto.
A senhora ficou acenando da porta enquanto a moto levantava poeira pela estrada de terra.
*****
Na baía da Murdeira, puderam ainda apreciar o final do espetáculo que era o pol do sol naquele recanto da ilha. O sol, num tom laranja quente, parecia mergulhar no mar cintilante. Entre elas, um silêncio quase cúmplice. Walkiria, apreciava aquele momento com uma leveza na alma e concluía que precisava aproveitar mais as coisas boas que a sua ilha tinha para oferecer. Nimah ganhava a força que viera buscar e agradecia por cada segundo daquele dia...
O tom alaranjado do céu, já dava lugar a um azul mais escuro, quando Walkiria precisou chamar a atenção de Nimah, afinal ela tinha uma viagem de regresso marcada para aquela noite.
--E eu trouxe-te para cá...desculpa. Acho que me empolguei e...
--Não entendi...
--Não moras em Espargos? Como vais voltar para casa?
--Ah, é isso? Eu vou para Santa Maria. Moro sim em Espargos, mas estou cuidando da casa de uma amiga que está em viagem e tenho as chaves.
--Então tens onde dormir?
--Ah, entendi. As loucuras da Dina fizeram eco na tua cabeça. Eu não sou nenhuma criança inconsequente.
--Isso nem passou pela minha cabeça. Só não quero mudar completamente a tua rotina...se bem que não faz muito sentido, não é mesmo?
Riram e Walkiria olhou para o mar enquanto retratos daquele dia invadiam-lhe a mente.
--Hoje, vivi completamente fora da rotina. A senhora foi um vendaval na minha vida toda planeada.
Riram juntas.
--Experimentei tanta coisa diferente ao longo dessas horas...
--Eu também! Precisava tanto dessa energia, mas nem nos meus sonhos mais perfeitos, imaginei cruzar caminho com a chata mais perfeita das ilhas.
--Ah, vá passear. Podemos voltar?
--Para onde? - Sorriu.
--Tu gostas de provocar a minha ira, não gostas?
--Melhor diversão dessas minhas miniférias.
Riram.
Sentadas na moto e ainda apreciando o cair da noite na Murdeira:
--Devo concluir que fui salva por uma frase aleatória num bote de pesca?
-- Agradeça à cantoria no Hiace, foi o momento inusitado mais apaziguador do dia.
Riram.
-- Vou me lembrar de ti como uma tablete do melhor chocolate com gotículas de ouro.
Nimah parecia devanear. Pela primeira vez naquelas horas todas...
Walkiria parou de respirar. Não estava à espera daquele elogio. Seria um elogio? Quase sucumbiu a um impulso insano. Uma vontade doida de ouvir mais. Saber mais. Saber tudo. Mas, limitou-se a soltar o ar com força e a fazer uma careta.
Mas tinha mais...
--Os resíduos do sal das salinas na tua pele morena, é simplesmente lindo...é sério, parece ouro sobre chocolate. Quando vi, quase não acreditei...quem me dera ter talento para compor uma música, ou escrever um poema...
E ela tocava a pele de Walkiria. Deslizava o dedo, fazendo círculos...
--Já que estamos em momento de despedida, eu vou me lembrar de ti como a turista que tinha tudo para roubar a minha paz e, no entanto, revelou-se uma excelente companheira de aventura. Vamos? - Precisava correr dali. Aquele cenário perfeito, aquela mulher que parecia irreal de tão intrigante, que mistura explosiva para seu célebre autocontrole.
--Vamos!
Seguiram viagem rumo ao sul da ilha, rindo, sorrindo, com a mente leve...
*****
--Eu posso ficar por aqui...- Walkiria apressou-se a dizer assim que chegaram em Santa Maria.
--Ah, e eu seria mal-agradecida a esse ponto? Orienta-me por essas ruas, que deixo-te à porta de casa.
--Não precisa...já estou em casa...quase...
Nimah parou a moto, desceu e encarou Walkiria com as mãos na cintura. Tudo muito rápido, e de certa forma exagerada. Fugia à imagem de calmaria que ela exalava.
--A quota de simpatia acabou?
--Hã?
--Parece que, de repente, queres correr de mim. Tens algum compromisso? Ah, desculpa, talvez tenha extrapolado...
--Não! Não é nada disso. - Respirou fundo. - Preciso ser sincera.
--Sim, por favor.
--Eu tive uma tarde tão diferente...boa...- Precisava esclarecer qualquer mal-entendido.
--Isso eu percebi. Até porque eu me diverti como há muito não acontecia...
--Eu...- Suspirou mais uma vez, descendo da moto e se posicionando ao lado de Nimah que agora estava de braços cruzados e com o semblante mais sério.
--Estás arredia, ou é impressão minha? Eu não costumo morder...- Sorriu.
--Eu não gosto que fiquem com uma ideia equivocada a meu respeito...
--Podes ser mais clara, por favor?
--A Dina fala demais. Ela é maravilhosa, mas não tem senso critico e...
--Estás assim porque graças à Dina e à sua maravilhosa espontaneidade, eu descobri que namoras garotas?
--Fiquei com receio que pensasses que eu passei a tarde toda contigo, porque queria...
O raciocínio dela foi interrompido por uma sonora gargalhada de Nimah.
--Nem sequer passou pela minha cabeça, até porque se estivesses interessada em mim, eu preciso dizer, que tua arte de seduzir é péssima. - Riu alto.
--E eu ainda perco o meu tempo com essa doida...
--Fique calma, mulher. Eu sei muito bem quando alguém tem algum tipo de interesse sexual, ou algo nesse nível, por mim. E mais, o que fazes na tua cama, não me interessa.
--Ufa! - Fingiu alivio. Riram juntas.
--Só mais uma coisinha...
--Diga!
--Vê lá se melhoras o teu gosto por mulheres. - provocou.
--Ah, vá á merd*! E eu ainda te levo a sério...
--Dina que denunciou teu gosto duvidoso por novinhas, sem graça. Palavras dela. Eu já tenho 35 anos. Completamente fora da faixa. - Fez uma careta.
--Idiota! Mas é idiota, essa mulher.
E riam, descontraídas.
--Jantas comigo? Ainda tenho algumas horas antes de partir...
A mulher sabia ser intensa, ainda que transparecendo leveza. A forma como falava, devagar, tentando não errar as palavras e o sentido do que queria dizer. O sotaque que Walkiria ainda sequer tinha notado de onde vinha e que era a coisa mais sexy do mundo. Aquele sorriso...e o olhar doce, profundo, que invadia sem pedir licença...perigo iminente. E tinha mais um pequeno detalhe que simplesmente era irresistível, o convite para jantar escondia uma leve ansiedade...talvez no olhar, na forma como mexia a boca...
Hesitou um pouco, mas foi vencida por mais um gesto doce acompanhado de um olhar que convidada a viagens loucas, a tantas coisas...
--Juro que não peço mais nada. - Sempre a sorrir, cruzou os dedos sobre os lábios.
--Onde estás hospedada?
Fim do capítulo
Boa leitura e bom fim de semana.
Nadine
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rebarlow
Em: 10/02/2023
Opaaa, voltei aqui no cap 2 para comentar do personagem Dina. Você tem um personagem com esse nome na obra, "Sob o sol de Naya, que inclusive estou relendo. Mãe da Raquel. ..
Mas a dona Dina da outra obra tinha a língua menos solta kkkkk.
Bjos!
Resposta do autor:
Pois é, e eu nem me lembrava rsrsrs
Devo gostar desse nome, Dina. Lembra o da minha avó, talvez seja por isso :)
A Dina de Sob o sol de Naya era comedida rsrsrs
Bjs
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NovaAqui
Em: 29/01/2023
Wiki envergonhada com os comentários de Dina.
Acho que esses comentários vão levantar uma curiosidade em Ninah.
Aguardemos o jantar
♥
Resposta do autor:
A Dina é doida rsrsrs e o pior é que ela é realidade na minha vida kkkk e amooooo demais minha desbocada :)
O jantar vem aí...
Bjssss e muito obrigada.
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Dandara091
Em: 28/01/2023
Alô autora!
Negritude na área!
E eu que sempre gostei de uma parada salgada...
#arainhaestadevolta
#bora pra ilha
#negritudearrasa
Resposta do autor:
Negritude, sim!!!
Parada salgada kkkk, gostei dessa
Bjs e muito obrigada.
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brunafinzicontini
Em: 27/01/2023
“O resíduo do sal das salinas na tua pele morena é simplesmente lindo... é sério, parece ouro sobre chocolate.” E ainda queria fazer música ou poema com essa inspiração... Pobre Walkíria! Como resistirá? Ela está analisando melhor a moça – o sorriso irresistível, o sotaque sexy... e ainda vão compartilhar o jantar. Emocionante! A história promete! Palmas para Dina, que coloca pimenta no tempero da conversa, atropelando a discreta Wiki. (Saudosa lembrança de outra Dina, importante presença em outra história maravilhosa...)
Delícia de enredo, Nadine, e de quebra somos presenteadas saboreando maiores detalhes do cenário lindo que sua ilha oferece. Muito bom!
Grande beijo, querida autora! Bom fim de semana.
Bruna
Resposta do autor:
Olá querida,
Que bom que estás a gostar :)
Não sei como a Walkiria resiste, eu nao resistiria affff kkkkkkkk
Já teve alguma outra Dina nas minhas histórias? Eu nao consigo me lembrar rsrs, bom, podes estar a falar de outra história, uma que nao fui eu quem escreveu.
Bjsss e muito obrigada por comentar.
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