Cabo Frio, estado do Rio de Janeiro

 

--Olha lá que lá vem outra, me segura aqui, dona Kedima! – Yara pediu animada – E mergulha furando a onda! – aconselhou sorridente

 

--MISERICÓRDIA, PAI, AVE MARIA, MEU SANTO ANTÔNIO DA TIBAIA! – a idosa gritou preocupada com a onda que se aproximava

 

--Vamo de jacaré, pessoal! – Fernandão gritou como criança – Como é que é mesmo, amor? – olhou para Alana

 

--Agora não dá mais tempo, abaixa! – Alana respondeu antes de submergir

 

Malu furou a onda junto com Jonas porém Machado não conseguiu acompanhar.

 

--Minha nossa, meu pai levou um caldo daqueles! – Elza arregalou os olhos – Olha pra isso, meu! – acompanhava os braços e pernas do homem que de vez em quando apareciam por fora d’água – Pelo menos o mar cuspiu ele de volta pra terra! – acompanhava atenta

 

--Cara, eu tô me divertindo com essa galera na praia! – Alessandra comentou bem humorada – Tia Malu tá a salvo com Jonas, mas Alana tá tendo uma certa dificuldade com Fernandão! – reparava achando graça – Enquanto isso, tua namorida orienta dona Kedima que faz um escândalo surreal a cada onda que vem! – riu brevemente – E teu pai, coitado! Tá levando mais porr*da do mar que pandeiro na mão de sambista! – riu de novo

 

--Namorida... – achou graça – Pra alguém que não é acostumada com praia, ela tá indo super bem, né? – olhava na direção da indígena – Yara é foda em tudo que faz... – comentou apaixonada – Mesmo naquilo que eu não concordo...

 

--Hum, que amor, hein? – deu um tapinha no ombro da outra – E até que finalmente, depois de séculos de relacionamento, você sai um pouquinho do armário e se permite viver isso aqui! – gesticulou brevemente – Até que enfim, amiga!

 

Alessandra e Elza estavam sentadas em cadeiras de praia apreciando o mar.

 

--Você não tem ideia do quanto chegar até aqui foi difícil pra mim! – desabafou

 

--Eu não imagino, amiga. – Alessandra respondeu compreensiva – Mas permita-se andar só pra frente! Retroceder jamais!

 

--AHAHAH!!! – Kedima, Machado e Fernandão gritaram ao mesmo tempo ao ver uma onda grande que se aproximava

 

--Me segura aqui, dona Kedima! – Yara abraçou a idosa

 

--AMOR, ME ABRAÇA, QUE EU QUERO MORRER CONTIGO! – Fernandão fazia um drama junto de Alana

 

--OH, DAMA DA CAPA PRETA E FACE DE CAVEIRA, POUPAI-ME DESTE MAL! – Machado gritou

 

--AH, MISERICÓRDIA!!! – Malu clamou

 

--Gente, olha isso! – Alessandra ria – VAI LÁ, AMOR, SALVA ESSE PESSOAL AÍ! – gritou para Jonas e riu novamente – Tia Malu nem parece que é carioca, que vergonha, gentem! – divertia-se

 

--Mas essa praia das Dunas tem cada puta ondão! – Elza arregalou os olhos ao se levantar – Vou lá pra ajudar! – olhou para a amiga – Você também deveria vir, né? – colocou as mãos na cintura

 

--Eu quero é ficar aqui e me divertir vendo vocês pagando mico! – respondeu brincalhona – Vai lá, major! Mostra bravura e faz bonito em alto mar, vai lá! – fingia que enxotava a outra – Mas se ficar dando gritinho vou te zoar até o fim da vida! Imagina, teus subordinados vendo você passando vexame na praia? A toda poderosa major Elza Machado? – riu divertida

 

--Palhaça! – jogou um pouquinho de areia nos pés da outra e correu

 

***

 

--Hoje aquele mar não tava pra peixe, né? – Malu comentou ao chegar no quintal carregando um balde – As águas mais cristalinas do mundo, mas cada ondão... – colocou o balde no chão -- Morri de medo! – sorriu timidamente e começou a estender algumas roupas no varal

 

--Deixai-me ajudar-vos nesta lide doméstico praiana! – Machado se levantou rapidamente e começou a estender roupas também – De fato, doce senhora, as belíssimas águas do litoral fluminense pareciam clamar pelas almas de nós outros. – sorriu – Quiçá Netuno enciumara-se ao mirar as brejeirices afrodescendentes que não poderia ter! – elogiou a mulher

 

--Ah, é. – respondeu sem entender – “Eu nunca entendo o que ele fala!” – pensou inconformada – Obrigado por me ajudar, seu Machado. – agradeceu gentilmente – Num instante terminamos.

 

--À disposição, distinta senhora. – respondeu cavalheiresco – Saiba que estarei sempre de prontidão para em conveniente momento lhe dar um...

 

--PIMBA!! – o aplicativo gritou

 

--O que?? – a mulher arregalou os olhos – Ora, seu Machado o que significa isso? – afastou-se dele e colocou as mãos na cintura – Tá pensando que eu sou o que?

 

“Oh, aplicativo malévolo!” – o militar pensou revoltado enquanto buscava o celular no bolso da bermuda – Explicar-vos-ei, senhora! – pegou o aparelho – Por obséquio, de forma alguma ponhais-vos a me mal interpretar! – pediu – Compreendo perfeitamente que a senhora é um ser feminino para...

 

--PIMBA!! – outra notificação

 

--Mas é muito descarado mesmo! – gesticulou de cara feia – Eu não esperava isso do senhor, não!

 

--Vide, senhora, mirai vossos olhos aqui! – pediu aflitamente ao mostrar a tela do celular – Este som que vossos ouvidos captam é devido a um aplicativo que a garbosa sargento instalou no meu aparelho de telecomunicações! – tentava explicar – Objetiva auxiliar homens e mulheres que desejam um...

 

--PIMBA!! – mais uma notificação se fez ouvir

 

--Pois eu entendi muito bem e fiquei decepcionada! – não quis nem saber – Nunca imaginei que justo o senhor fosse o tipinho de homem que vive atrás de mulher só pra...

 

--PIMBA!!! – o aplicativo novamente se fez ouvir

 

“Que maldição desditosa! O indiscreto aplicativo nunca houvera me notificado e justo agora recebo um verdadeiro coletivo pimbístico!” – pensou revoltado

 

--Com licença! – Malu pegou o balde e se retirou a passos rápidos

 

--PIMBA!!! – e tome do aplicativo soar

 

***

 

--E aí, galera, vamos pra night hoje? – Alessandra propôs animada – Tô super a fim de me acabar dançando!

 

--Eu topo! – Alana respondeu de pronto – E Fernandão vai comigo nem que não queira! – gesticulou brincalhona

 

--Vamos também, amor? – Elza virou o rosto para o lado e olhou para Yara – Adoro dançar! – sorriu

 

--Não vai ter provocação, não, né? – a indígena olhou para a amada também

 

--Hum... – achou graça e segurou o queixo dela com uma das mãos – Não! – beijou-a nos lábios – Então, vamos? – insistiu

 

--Tá bom, minha linda. – concordou – Vamos. – beijou-a também – Duvido que dona Kedima vá querer ir, mas ela vai ter a companhia de tia Malu, que falou que tava cansada e ia até dormir cedo.

 

--Meu pai acho que se anima! – Elza comentou

 

--Opa, peraí, o que é isso de não vai ter provocação, hein? – Alessandra perguntou curiosa – A major andou aprontando por aí, professora? – olhava para o casal

 

--Nem queira saber, Alê! – Yara pensou no lance ocorrido em Santiago – Nem queira saber... – abraçou a negra pela cintura

 

Elza, Yara, Alessandra e Alana estavam na varanda. As duas irmãs dividiam a rede enquanto o casal estava sentado no chão, com a indígena encostada no muro e a negra sentada entre as pernas dela, recostando-se em seu tórax.

 

--Eu sempre soube que essa tal de Elza Machado era uma diabinha! – Alessandra brincou – E agora que soltou as frangas, ninguém segura! – riram brevemente

 

--Ai, ai... – Alana suspirou – Quem anda uma diabinha é Aline! – comentou – Toda hora de namorado novo! A cada vez que falo com ela, tá com um diferente! – achou graça – Não sei como arruma tanto homem!

 

--Bem vinda ao maravilhoso mundo dos aplicativos de namoro, meu bem! – Alessandra respondeu divertida – Cê acha que Aline não veio pra cá por que? Ficou lá no Rio, curtindo com o da vez. – gesticulou – E mamãe ficou também pra evitar qualquer coisa dentro de casa! – achava graça – De quebra, manteve o salão aberto pra atender quem queira cuidar das afro madeixas! – brincou – Depois que instalou o PIMBA no celular, nossa irmã vive assim: enquanto não encontra o cara certo, vai curtindo com os errados! – riu

 

--Tem isso, aplicativo de namoro?? – Yara perguntou em choque – E o nome é PIMBA?? – achou graça – Eu que não instalava um trem desse no meu celular!

 

--E nem ouse, Yara Saraíba, nem ouse! – advertiu ciumenta ao dar um tapinha na coxa da indígena -- Eu tô sabendo disso aí porque até meu pai instalou o PIMBA! – a negra comentou achando graça – Quer dizer, ele não; Fernandão instalou pra ele! – riu brevemente

 

--E já conseguiu alguma coisa? – Alana perguntou curiosa

 

--Até agora não deu PIMBA com ninguém! – Elza contava a fofoca desatualizada

 

***

 

--Sargento Fernandão, sentido! – Machado aplicava uma voz de comando no quintal – Fique sabendo que graças ao vosso aplicativo acabo de passar vergonha incomensurável diante de distinta senhora! – reclamou de cara feia

 

Desmanchou a posição de sentido. – Mas por que, sub? – não entendia – Passou vergonha por que e diante de quem? – queria saber

 

--Estava eu em aprazível colóquio com a senhora dona Malu, quando um coletivo pimbístico anunciou-se em meu aparelho de telecomunicações! – narrava insatisfeito – Ela saiu furiosa e me considerando um desavergonhado ser masculino!

 

--Coletivo pimbístico? – estranhou – Então deu PIMBA? – sorriu – Mostra aí, sub, vamos ver isso! – pediu empolgada

 

--Ora! – pegou o celular e deu na mão da amiga – Eu vos narro um episódio desditoso e a garbosa só pensa em ver no que deu PIMBA? – cruzou os braços revoltado

 

--Claro, tem que saber! – clicou no aplicativo – Meu, olha pra isso! – arregalou os olhos – Seis PIMBAS! – sorriu – “E eu pensando que aquele Negro Gato seria um total fiasco!” – pensou – Aí, sub, demorou mas abalou! – brincou com o amigo

 

--Seis PIMBAS quer dizer o que? – Machado perguntou sem entender – Seis senhoras que o aplicativo mapeou como em afinidade com minha pessoa?

 

--Exatamente! – bisbilhotava o app – Vamos ver quem são as pretendentes: -- começou a ler – Maripousa Serelepe, Gazela Saltitante, Lampreia Lânguida, Popozuda das Antigas, Biquinho de Lacre e Vampira Ch*pa-Suga! – virou a tela do celular para o homem – E aí, qual vai ser?

 

Machado arregalou os olhos em choque.

 

***

 

--Dentre todas as nossas viagens, essa terá um lugar bem especial no meu coração! – Yara dizia ao sorrir – Não que as outras não tenham, mas essa aqui é especialíssima. – olhava para a amada – Nunca me senti tão dentro da sua vida quanto agora! – beijou-a – Fico muito, muito feliz!

 

--Eu sei que demorei absurdamente a deixar esse tipo de coisa acontecer... – Elza acariciava o rosto da amada – Mas aconteceu no meu tempo... – sorriu – E eu também fiquei muito feliz! – beijou-a

 

Elza e Yara conversavam sozinhas, perdidas no meio das dunas durante as primeiras horas da manhã.

 

--Tivemos grandes evoluções, é inegável! – a indígena reconheceu – Revi sua família, conheci o pessoal da Alê, dona Kedima tá aqui com a gente... – beijou-a – Você até me chamou de amor na frente desse povo todo! – brincou

 

--Imensas evoluções! – concordou – Até meu pai tá vestindo roupas à paisano! Nem me lembro da última vez em que não o vi de farda ou com o uniforme do treinamento físico militar! – riram brevemente – Só faltou mesmo o tio Goulart... – lamentou – Mas ele não quer fazer parte disso, né? – deu um sorriso triste

 

--Confesso que fiquei muito orgulhosa em saber o que você falou pro seu tio, mas... – pensava em como dizer -- Você sabe que não será tão simples... – segurou uma das mãos da namorada – Mais uma vez ele deu provas de que pode usar os caminhos que conhece dentro dos recursos da Inteligência se isso for visto como necessário. – pausou brevemente – E bem ou mal, desculpe dizer, você sabe que ele tentou te chantagear no momento em que julgou oportuno!

 

Abaixou a cabeça brevemente. – Dou o braço a torcer. Você tinha razão quanto a isso o tempo inteiro. – reconheceu – Mas tio Goulart não é um mal feitor! – afirmou de pronto – Ele não vai tentar te matar ou fazer nada grave, mas admito que ele também não vai ficar parado apenas assistindo!

 

--Eu não sei o que ele vai fazer, mas com certeza não vai ficar parado mesmo! – concordou – E isso me faz lembrar do que você me propôs em Santiago. – entrelaçaram os dedos – Você vai ter forças pra encarar, Elza? – tinha dúvidas – Sabe que é um risco e que você será muito pressionada a mudar de lado! – olhava nos olhos – Esse ano vai mudar tudo! Não só pra nós, mas pro país inteiro!

 

--Eu sei, pode acreditar que sei! – respondeu com firmeza – Não vai ser fácil, mas... Confie em mim, amor! – pediu mais uma vez – Não vou te decepcionar! – prometeu – Não vou! -- beijaram-se mais uma vez

 

 

Curitiba, estado do Paraná / Goiânia, estado de Goiás / São José dos Campos, estado de São Paulo

 

Renata havia prestado uma Deduração Sorteada na esteira do processo da Operação Caça Rato. Seu depoimento, no entanto, fora vazado e estava sendo veiculado em rede nacional de TV.

 

--Deputada Renata Vilani, a senhora está ciente de que o recurso da Deduração Sorteada poderá ajudá-la a reduzir sua pena de um a dois terços, abrandando o cumprimento dela? – o procurador perguntava com seriedade – E também tem ciência de que deve dizer a verdade e nada mais que a verdade, pois qualquer questão que ponha em dúvida a veracidade da sua fala, anulará toda a Deduração?

 

--Estou ciente, sim senhor. – a loura respondeu simplesmente

 

--Deixa eu entender isso aí. – Kedima falava intrigada diante da televisão – Não diz que esse trem de Deduração tem que ser sigiloso? – achava estranho – Como é que passa assim, pra todo mundo ver, uai? – cruzou os braços

 

--Essa é mais uma das inconsistências desse pretenso combate à corrupção. – Yara comentou para a idosa – Uma Deduração tem que ser conduzida sob sigilo judicial durante as investigações, mas a senhora tá vendo. – apontou para a TV – Misteriosamente, tivemos um vazamento à imprensa. – afirmou com ironia

 

--Assim sendo, deputada, o que a senhora tem a nos dizer sobre o esquema vil e incomparável de corrupção que se estabeleceu sob a liderança do seu partido político? – o procurador questionou

 

A loura sorriu. – Com todo respeito, senhor, eu não diria que o esquema se estabeleceu sob a liderança do meu partido, mas que foi mantido e continuado por ele. Além de, claro, esta ter sido a primeira vez em que a sujeira veio à tona. – corrigiu educadamente – Pelo menos parte dela. – considerou -- Eu mesma fui introduzida na prática dos subornos e propinas por influência de empreiteiras acostumadas a esse tipo de relação incestuosa com o governo há décadas! – destacou – Pelo que tantas vezes me disseram, a coisa vem desde a ditadura militar, que foi quando tais empresas cresceram vertiginosamente e se tornaram as gigantes de hoje.

 

O homem não comentou sobre o que ouviu. – E como foi, especificamente, o seu ingresso nesse esquema? – insistiu

 

--Esses esquerdopatas não passam sem culpar o governo dos militares por tudo! – Goulart reclamava sozinho em casa – Pois sim que naquela época tinha isso! -- duvidou

 

--Antes de ser do Partido dos Labutadores cheguei a ser presidente do Partido Comuna e durante minha gestão tratei de algumas obras na nossa sede. – a loura lembrava – Uma vez trabalhando na transição dos governos Ferdinando Patrick/Luiz Horácio, tive a oportunidade de ingressar na Secretaria de Estado dos Direitos do Povo e... devido a minha experiência prévia com obras e por ter cursado uns anos de Escola Técnica, fui convidada a cuidar de algumas licitações pra obras públicas. – passou a mão nos cabelos – Então, lá pelos idos de 2004, numa tomada de preços fui abordada por uma empreiteira que me ofereceu uma propina de 20% do valor da obra e... eu aceitei. – confessou envergonhada – Daí não parei mais.

 

--Então o Partido Comuna também se envolveu nos esquemas? – o procurador perguntou

 

--Nunca! – respondeu enfaticamente – Somente eu e meu assessor, à época também do Partido, éramos os beneficiários. O Comuna nunca teve qualquer participação ou envolvimento. – garantiu – Foi exatamente por eles serem tão idealistas e não darem espaço pra muita coisa que eu pulei fora. Depois me candidatei a deputada pelo Partido dos Labutadores.

 

--É ruim da Yara dar mole pra vocês virem com esse tipo de coisa no Comuna! – Elza falava sozinha com a TV – Duvido que a minha índia fosse deixar! – sorriu vitoriosa

 

--E como sua participação no cartel das obras evoluiu, deputada? – o homem continuava perguntando

 

Gastou uns segundos calada antes de responder. – A corrupção é como um vício. É tudo um grande jogo e quando você ganha, fica tentada a apostar mais e mais e mais... É uma coisa que parece não parar nunca! – confessou -- Eu fiquei direto envolvida com obras públicas e cada vez mais dava espaço pras empreiteiras do meu esquema levarem pequenos, médios e grandes contratos. – assumiu – Até fiz uma pós na área de obras públicas, já era contadora, então... – pausou brevemente – Digamos que eu fiquei bastante entendida do riscado e acabei... me destacando, por assim dizer.

 

--E como a senhora justifica os trezentos milhões de dólares depositados em uma conta em nome da senhora sua mãe, em um banco nas Ilhas Cayman?

 

--O QUE?? – Yara, Elza, Kedima e Goulart se perguntaram em suas respectivas localidades

 

--Foi o meu pecado mais mortal... – respondeu pensativa – Aconteceu depois que permiti que meu orgulho chegasse nas alturas e me sentisse acima do Bem e do Mal. Simplesmente a mais safa, a mais inteligente dentre todos! – riu de si mesma – Que nada! Fui uma grandíssima idiota, pega pra pato, enquanto tá todo mundo aí: livre, leve e solto! – gesticulou – E minha mãe não sabia de nada! Fazia anos que não nos víamos e pensei até que estivesse morta. – falou a verdade

 

--Seja mais clara sobre a situação, deputada! – o homem pressionou

 

--Esse dinheiro não é apenas meu! – respondeu de pronto – Aliás, minha parte era a menor no meio dessa bolada! Chega nem a 5% do total! – olhava para o procurador – Esse dinheiro, a quase totalidade, foi desviada por políticos que fazem parte do meu partido e de todos os outros partidos mais relevantes da política brasileira! – acusou – Incluindo-se o partido desse deputado Montanauro, que tanto ataca a presidenta Vilma e a mim! – falava com firmeza – Querem nomes? Eu posso dar uma lista completa com os nomes de todos os envolvidos! – garantiu – E lhes digo com muita segurança, que tudo isso que tá acontecendo faz parte de um grande golpe! – continuava acusando – O impeachment que tanto desejam pra presidenta Vilma, nada mais é que uma continuação sórdida do nefasto golpe que nos levou pra uma ditadura cruel de 21 anos de duração!

 

--Eu não vou mais ver isso! – Goulart decidiu ao pegar o controle e desligar a TV – Luiz Horácio é réu em 7 processos, Vilma praticou uma série de galopadas fiscais e ela tem a cara de dizer que é um golpe! – levantou-se revoltado – Essa esquerda corrupta tem que ser anulada de uma vez por todas!  – falava consigo mesmo – Temos que investir no patriotismo das pessoas pra poder resgatar o Brasil dessa gentinha!

 

--Eu tenho que dar razão a ela! – Elza continuava falando sozinha – Isso tudo é um golpe e não há inocentes nessa história... – balançou a cabeça contrariada – Meu Deus... – olhou para o alto – Serei encurralada dentro em breve... o que eu faço? – suspirou—Como sobreviver a isso o mais ilesa possível? – perguntava-se

 

--Uai? E na hora que ela ia dar os nomes acaba o trem? – Kedima reclamou – Queria saber quem são os safado que tão envolvido nisso!

 

--O nome dessa Deduração tinha que ser Deduração Seletiva ao invés de Sorteada. – Yara respondeu – Primeiro porque tem réu que assume abertamente a opção de incriminar algumas pessoas de forma seletiva. E segundo porque quando o réu faz como Renata, que joga a titica toda no ventilador, eles interrompem a transmissão e não deixam o público saber. – criticava – É uma grande pouca vergonha e ainda tem gente que endeusa tudo isso! – fez um bico 

 

--O que eu sei, -- a idosa afirmou ao desligar a TV – é que essa Renata foi passarinha que dormiu com morcego e acordou de cabeça pra baixo! – levantou-se com dificuldade – De cabeça pra baixo e presa! – caminhou para perto das escadas – Deixe ver o que os outros desse abrigo tão fazendo porque estranho não ter ninguém com a gente nessa sala! – começou a subir devagar

 

--Vou com a senhora! – a indígena correu para ajudar – Essa calmaria aqui tá estranha mesmo! – sorriu

 

--Sabe que fiquei com pena daquela menina? – Kedima comentou enquanto subiam devagar – Ela me parece que realmente se arrependeu e se envergonha. – considerou – Pode ter sido canalha, mas acho que aprendeu a lição.

 

--Que nada! – Yara discordou – Renata não presta! – segurava o braço da idosa – Aquilo ali é fingida de carteirinha! O problema dela foi que se sentiu muito por cima e se deu mal.

 

--Você não acredita que uma pessoa possa mudar, filha? – perguntou estranhando

 

--Depende muito. – respondeu de pronto – Gente do tipo de Renata, eu duvido! Há pessoas que não prestam!

 

Kedima ficou triste com o que ouviu mas nada comentou.

 

 

Goiânia, estado de Goiás

 

Yara debatia com os alunos em sala de aula sobre alguns assuntos relevantes do contexto nacional.

 

--Recentemente há estudos que sugerem um nexo causal entre a microcefalia e o contágio de gestantes pelo Zika vírus. – um jovem comentou para a turma – Também tenho lido muitas críticas sobre a irresponsabilidade dos governos de esquerda que negligenciaram o controle de vetores como o mosquito, gerando por consequência o retorno de doenças erradicadas no passado e a rápida propagação de outras como a Zika e a Chikungunya!

 

--Pessoal, vamo lá! Teve surto de dengue também antes dos governos de esquerda! Eu peguei essa porr* no ano 2000 e em 2001! – uma jovem lembrou – A imprensa tá fazendo esse alarde todo só pra somar fatos contra a presidenta e emplacar a merd* desse impeachment! – gesticulou – Não duvido que essa conversa de microcefalia e Zika vírus seja só mais um papo fiado pra sacanear o Partido dos Labutadores! -- acusou

 

--Em psicologia, temos o conceito de viés de confirmação, ou seja, se alguém diz algo que eu concordo, minha tendência imediata é o de aceitar aquele discurso sem contestação. O oposto também é verdadeiro. – Yara explicou – Temos que ter sempre cuidado e exercitar nosso senso crítico. – advertiu – Que existe uma pressão pelo impeachment e que tudo isso é um grande golpe me parece uma leitura muito razoável, mas nem por isso podemos fingir que não percebemos os erros do partido em questão. – olhava para a turma – O descuido de vários governos com assuntos de Saúde Pública vem de longa data e não à toa. Deve-se, dentre outros fatores, às crescentes restrições de verbas devido às condições impostas pelo Fundo Condenário Internacional aos empréstimos que concederam ao Brasil por tantas vezes. – esclareceu – O Partido dos Labutadores condenou tudo isso mas não fez diferente. Pra fazer, tem que ter pressão popular, luta e resistência ao que vai contra os interesses da maioria! – aconselhou – Nada vem de graça, não se enganem! – olhou para a jovem – São equipes de vários países estudando a relação entre microcefalia e o Zika vírus. Pouquíssimo provável que as conclusões de nexo causal sejam pra perseguir a presidenta, no entanto, concordo se você disser que o alarde que a imprensa tá fazendo é exatamente pra isso e não por realmente se importarem com o caso. – gesticulou – Se o impeachment acontecer, capaz do assunto silenciar.

 

--Professora, e essa tal de Escola Apartidária? – outro rapaz perguntou – Minha irmã é professora de história do município e anteontem foi um boyzinho filmar a aula dela, dizendo que recebeu denúncias de doutrinação marxista!

 

Franziu o cenho. – A que ponto chegamos! – Yara reclamou – Esse é um movimento da ultradireita, apoiado por grupos fundamentalistas religiosos no meio evangélico e católico. – esclareceu – Aquele deputado Montanauro tem dado muita visibilidade pra esse pessoal e eles têm investido em projetos de lei pra caçar o pensamento democrático nesse país! – suspirou – Vergonhoso!

 

--A senhora não tem medo? – outra moça perguntou – Denunciante de um genocídio, líder de esquerda, presidente de partido, teve assento na Comissão de Investigação do Regime, professora, lésbica assumida... nos dias de hoje ser assim é quase um crime!

 

--“O medo pode ter alguma utilidade, mas a covardia não!” – a indígena fez uma citação – Enquanto eu tiver forças pra lutar, meus queridos, é o que vou fazer! – garantiu – Não importa o que!

 

 

São José dos Campos, estado de São Paulo

 

--E a coisa tá saindo do controle, Elza! Eu não sei o que fazer! – Luiza afirmava preocupada – Há anos você nos envolveu no trabalho junto aos civis e sempre foi bacana! A gente apresentava os ideais militares aos jovens, mostrava perspectivas de vida no nosso meio, os valores que sustentam nossas Forças Armadas, divulgava os trabalhos e pesquisas que fazemos no Instituto... – gesticulou – Não tinha nada partidário, nada que visasse influenciar o voto das pessoas... mas de uns tempos pra cá... – olhava para a major – Eu não tenho conseguido quase escalar ninguém pra ir comigo fazer as visitações, sabe? Porque sempre descamba praquela coisa de promover o deputado Montanauro, discurso de ojeriza à esquerda... – suspirou – Preciso da sua orientação pois não sei mais como me conduzir! -- confessou

 

--Também vivo a mesma dificuldade! – Elza confessou – Na minha última visita, um aluno me perguntou se o escândalo do Panamá Papers não seria mais uma evidência de que o Capitalismo não presta e por isso deveríamos passar logo prum regime Comunista. – contava – Respondi que o problema não é o Capitalismo e sim a falta de regulação, de controle sobre grandes fortunas e a recusa dos países em geral em considerar que evasão de divisas é crime sob quaisquer hipóteses. – olhava para a colega – Tenente Flávio e sargento Laura ficaram indóceis mas não os deixei falar pra que aquele assunto morresse logo. E na volta pra cá, eles, muito cuidadosamente, reclamaram comigo porque eu deveria ter feito uma dura fala anti Comunismo e anti esquerda. – contava – E claro, queriam que eu fizesse uma certa defesa ao nome de um certo deputado! – criticou – Outra dor de cabeça pra mim é o nosso periódico! Reviso todas as edições duas vezes antes de publicar porque senão sai coisa pró ultradireita!

 

Elza e Luiza haviam almoçado no Instituto e conversavam enquanto caminhavam de volta as respectivas salas.

 

--E o que fazer? – a capitão perguntou novamente – Diariamente parece que a adesão a esse deputado e ao que ele defende só cresce no nosso meio! – constatava – Mas eu não me alinho com isso! Definitivamente não! E também não posso ir cortando os colegas do nosso trabalho junto aos civis assim, sem mais! – gesticulou – Especialmente considerando que muitos estão nessa iniciativa há tanto tempo!

 

--Na verdade, esse trabalho junto aos civis já deixou de ser meu há muito tempo. Ele é nosso, do nosso coletivo! – a negra reconheceu – Mesmo se eu quisesse agir pela hierarquia e cortasse todo mundo que defende o Montanauro e suas ideias, algum superior viria em cima de mim e reverteria isso! – admitiu – “Certamente o tio Goulart.” – pensou

 

--Seu tio agora é brigadeiro! – Luiza comentou – Será que ele não poderia nos ajudar nisso? – perguntou inocentemente

 

--E ele é um árduo defensor do Montanauro. Só digo isso. – respondeu de pronto -- Embora nossas respectivas instituições não defendam ou ataquem um candidato, o posicionamento dele é muito forte e inequívoco nesse sentido!

 

--Eu me sinto muito insegura. – Luiza confessou – Não sou de esquerda, mas tampouco de ultradireita. – pausou brevemente – Tenho medo de retaliações. – confessou

 

--Nunca houve retaliação aqui dentro por causa de questões partidárias. – Elza respondeu convicta – Continuemos com nosso bom trabalho e estará tudo certo!

 

--Mas as coisas nunca foram como estão hoje! – Luiza retrucou – Pelo menos não dentro da minha experiência profissional. – garantiu – Você realmente acredita que será tão simples? – queria saber

 

--Tudo isso é um jogo, Luiza! – olhou brevemente para a colega – O que precisamos fazer é saber jogar!

 

***

 

--Major Elza Machado se apresentando, senhor! – a mulher prestou continência na porta da sala do superior

 

--À vontade, major. – Goulart respondeu formalmente – Por favor, feche a porta e sente-se. – convidou

 

A negra desfez a continência e agiu conforme instruída. – Pois não? O senhor mandou me chamar? – olhava para o homem

 

--Sim, eu mandei. – debruçou-se sobre a mesa – Afinal de contas ainda não havíamos conversado neste ano. – pausou brevemente – Como foram as festas do final do ano passado? E as férias de janeiro? – queria saber – Afinal de contas, não fui convidado para coisa alguma. – afirmou com certa mágoa

 

“Que estranha essa atitude dele!” – pensou desconfiada – Foi uma decisão do senhor criar a obrigação de assumir um lado. – respondeu calmamente – Nada pudemos fazer se os nossos lados não são os mesmos. – olhava para ele – Aliás, meus parabéns pela promoção, brigadeiro Goulart! Sabia que conseguiria. – cumprimentou com sinceridade

 

Gastou uns segundos calado antes de começar a falar: -- Em maio, Vilma será afastada. Disso não vai passar! – garantiu – E, no mais tardar em agosto, esse processo de impeachment se conclui e ela sairá de vez! – afirmava em tom profético – Brener assumirá como interino e nas próximas eleições, estou certo, o deputado Montanauro será eleito presidente! – olhava nos olhos – Estamos em abril, isso significa que você tem pouco tempo pra... mudar de lado, vamos dizer!

 

Sorriu pelo absurdo. – Se Vilma saísse, os militares assumissem o poder pra restabelecer a ordem e convocassem novas eleições, eu seria a favor desse impeachment! – a negra afirmou de pronto – E se Montanauro não fosse o nome a nos representar, eu apoiaria um candidato militar pra essas eleições, mas do jeito que está... – balançou a cabeça negativamente – O que eu tô vendo aqui, é novamente os Estados Unidos decidindo o destino desse país, só que dessa vez usando o dispositivo moderno da guerra híbrida, e nós, os militares, indo à reboque de tudo isso! – pausou brevemente – Assim não tem defesa, brigadeiro Goulart! E eu estou fora!

 

O homem deu um soco na mesa e se levantou. – Como pode ter deixado aquela comunista lavar seu cérebro dessa forma? – perguntou irritado – Ora, Elza, só me falta agora você também virar uma comunista! Tá faltando pouco!

 

--Ninguém controla o que eu penso, tio! – levantou-se também – Nem ela e nem o senhor. – prestou uma continência rápida – Permissão para me retirar, senhor! – não desejava insistir naquele assunto de sempre

 

Respirou fundo antes de responder. – Permissão concedida. – olhou com tristeza para a mulher e antes que ela saísse perguntou: -- Por que vocês não gostam mais de mim? – controlou as emoções – O que aquela mulher tem de tão especial que fez com que vocês preferissem ela e não eu? – os olhos marejaram

 

Elza parou diante da porta e novamente virou-se de frente para o homem. – Nunca dissemos que deixamos de gostar do senhor! – olhava para ele – Mas foi o senhor quem nos deu um ultimato e nos forçou a escolher entre ficar do lado de tudo que Montanauro representa ou não. – pausou brevemente – E nós escolhemos pelo não. Consequentemente, o senhor se afastou e nós nem tivemos clima pra lhe incluir em nada! – dizia a verdade – Quanto àquela mulher, que se chama Yara, minha namorada, ela nunca ocupou e nem vai ocupar o espaço que é só seu! – os olhos marejaram – Assim como o senhor nunca ocupou e nem vai ocupar o espaço que é só dela! – abaixou a cabeça brevemente – Eu não deveria ter que implorar sua bênção pro meu relacionamento e decidi que não faria isso! Mas nunca se tratou de deixar de gostar do senhor. – calou-se por uns segundos – Eu nunca deixei de amá-lo! – declarou-se – E duvido que meu pai ou Fernandão tenham deixado também!

 

--Vocês não entendem que tudo que eu faço é pelo bem de todos nós! – lamentou

 

--E o senhor não entende que cada um tem o direito de fazer suas próprias escolhas! – retrucou – E que elas devem ser respeitadas, mesmo que o senhor não concorde!

 

Andou brevemente pela sala. – Eu não quero perder vocês! – confessou com tristeza – E muito menos quero perder a minha filha pelo coração!

 

--Também não quero! – respondeu de pronto

 

--Eu... – pensava em como falar – Eu não vou mais me meter com esse seu namoro, mas não quero dividir espaço com... sua namorada! – cruzou os braços agoniado – Será que assim pode ser? – perguntou inseguro

 

--Também não vai mais ficar me pressionando a ficar do lado daquele maldito deputado? Vai respeitar minha oposição a ele? – queria saber

 

--Sabe que isso vai te custar! – novamente advertiu – Veja que você não foi promovida porque havia um major mais antigo na sua frente e ele foi contemplado. Eu nem sabia dele, mas... foi justo. – explicou – No ano que vem a realidade será outra, as mentalidades serão predominantemente outras, e você não vai levar nada se continuar na oposição!

 

--Coisas da vida! – não se abalou – E ainda aguardo a sua resposta, brigadeiro Goulart! – cobrou

 

--Por favor, Elza, -- abriu os braços – me chame de tio? – pediu com humildade – Eu vou respeitar... seja lá o que for que você decida, mas não fique longe de mim porque isso me dói muito!

 

--Own! – correu até ele e o abraçou – Eu amo o senhor, meu tio turrão e teimoso! – fechou os olhos

 

--Também te amo, minha menina! – abraçava-a com força

 

 

Goiânia, estado de Goiás / São José dos Campos, estado de São Paulo

 

Yara e Elza conversavam pelo Fuçaype. A indígena estava na faculdade e a militar no Instituto. O horário de expediente de ambas já havia encerrado.

 

--E aí é isso, minha linda. – a professora se explicava – Não poderemos estar juntas nas férias de meio de ano!

 

--Eu não acredito nisso! – exclamou revoltada – É tão absurdo que você tenha a coragem, o desplante de me colocar de lado por causa dessa sua maldita militância! – reclamou – Fico puta com isso, Yara! Puta! – falava de cara feia

 

--Elza, pelo amor de Deus, você não vê que a situação exige? – argumentou – Tem muita coisa importante em jogo e o maior número possível de pessoas têm que se mexer! – protestava – Essa PEC do teto de gastos públicos congelados por 30 anos, a Reforma do Ensino Médio, a Reforma da Previdência! – enumerava – A gente precisa evitar a aprovação da PEC, lutar contra essas reformas e dar força pros estudantes que ocupam as escolas! – gesticulava – Vivemos na era das bombas ideológicas, as pessoas estão sendo manipuladas em quase tudo e o governo interino tá aproveitando pra fazer passar todas as tranqueiras, por mais absurdas que sejam! – olhava para a tela do notebook – O maldito golpe midiático, jurídico-parlamentar já conseguiu afastar a presidenta e logo vão concluir esse impeachment! O momento de agir é esse!

 

Balançou a cabeça contrariada. – Nunca haverá um momento de paz, Yara! – retrucou – Não vivemos num mundo perfeito!

 

--E ainda assim nós estivemos juntas por várias vezes! – respondeu de pronto – Não tantas quanto eu gostaria, é verdade, mas viajamos na maior parte das vezes quando nossas férias chegam! – passou a mão nos cabelos – Mas esse é o ano da virada, amor! É o ponto de inflexão na História do Brasil, eu diria! – afirmou com ênfase – Você não vê? – perguntou aflita – Até a Inglaterra saiu da Comunidade dos Europeus depois de uma tremenda manipulação da vontade eletiva dos ingleses! Você sabe que o conhecimento em neurociência e muitas notícias falsas foram essenciais praquilo acontecer! – lembrava do caso – Tenho certeza que Ronald Rump será eleito nos Estados Unidos e o Brasil será um laboratório das lições aprendidas lá e na Inglaterra pra fazer Montanauro ganhar! – sentia medo pelo futuro – Eu não poderia apenas assistir, me perdoe, mas não dá!

 

Deu um suspiro profundo. – Faça o que quiser, Yara! Mas não espere por mim se acabar sendo presa de novo! – olhava para o notebook

 

--Não esperarei! – devolveu de imediato – Eu nunca esperei... – confessou

 

--E já é tarde, né? – a militar olhou brevemente para o relógio – Boa noite, professora Yara Saraíba! Vá pra sua casa porque dona Kedima certamente a espera! – preparou-se para desligar o notebook

 

--Boa noite, major Elza Machado. – respondeu de cara feia antes de ver a ligação encerrar

 

 

São José dos Campos, estado de São Paulo

 

--O país está um caos! – um homem dizia – Manifestações por todos os lados, estudantes secundaristas ocupando escolas e partidos de esquerda querendo aparecer! – criticou – Esse impeachment tem que ser concluído logo e Brener precisa ser devidamente situado!

 

--Mas é bom que as coisas estejam assim! – outro homem afirmou – Montanauro é, inclusive, o candidato anti Sistema. – gesticulou – Quanto mais as pessoas estiverem descrentes do Sistema, melhor!

 

--Entendo, mas acho que algumas lideranças de esquerda são muito perigosas e deveriam ser colocadas em seus devidos lugares. – Goulart afirmou – Muitas vezes basta uma fruta podre pra que se apodreça todo o resto! – olhou para os demais

 

--Lideranças de esquerda? – mais outro homem questionou – Quais lideranças hoje representam uma ameaça à ordem nacional? – queria saber

 

--Em todo tempo os anarquistas resistem! – Goulart afirmou de imediato – Essa gente não pode mais continuar estragando o Brasil!

 

 

Brasília, Distrito Federal

 

Renata e a mãe conversavam na sala de visitas da penitenciária onde a deputada estava presa.

 

--Sinto muito que tenham anulado sua Deduração, minha filha. – a mulher mais velha dizia – Mas devo confessar que desde o começo me parecia que fariam isso. – afirmou com cuidado – Seu depoimento não atendeu ao que se esperava dentro dessa coisa toda que estamos vendo acontecer no país.

 

--Pelo menos tentei. – respondeu de cabeça baixa – Pra mim também é nítido que vou ser caçada. Acho até que vão votar pra deixar a presidenta e eu inelegível por sete, oito anos... – lamentou – Mas... nisso não posso reclamar... Eu mereci. De fato, traí o povo brasileiro. – pausou brevemente – De fato, traí tudo que um dia aleguei defender... – confessou dolorosamente

 

--E você se arrependeu? – perguntou com brandura

 

--Como nunca saberei explicar! – olhou para a mãe com os olhos úmidos – Esse inferno que tenho vivido me fez refletir... que pessoa horrível eu sou! – admitiu – Não me admira que tenha me abandonado...

 

--Ei, não diga isso! – pediu de imediato – Você não teve culpa, nunca teve culpa pelos meus erros! – respondeu com emoção – Eu fui embora, porque... – suspirou – Fui vítima de um estupro e não soube lidar com isso! – confessou – Nem eu e nem seu pai...

 

--O que?? – surpreendeu-se – Estupro?? – não sabia – Mãe, mas como...?

 

--Eu não quero detalhar, mas fui estuprada por um homem que foi muito amigo do seu pai e... – gesticulou brevemente – Pirei, sabe? – deu um sorriso triste – Eu tinha que ir embora, senão acabaria te fazendo muito mal... A você e ao seu pai... – passou a mão nos olhos úmidos

 

--Eu não sabia... – derramou uma lágrima – Ah, mãe, e por todos esses anos eu pensei que... – não conseguiu continuar a frase – Eu pensei que... -- ajoelhou-se diante da cadeira dela e a abraçou com força

 

--Não pense mais no passado! – pediu com carinho – O presente é o que vivemos hoje e precisa ser cuidado! – acariciava a cabeça da outra – Estou aqui pra você e aqui vou continuar enquanto Deus me permitir! – fechou os olhos – Você errou, mas eu nunca te condenei! Trabalhe pra se reerguer e conte comigo! – pediu – Você também tem qualidades, meu bem! E já é mais que na hora de deixá-las superar suas fraquezas!

 

--Ah, mãe... Me perdoa pelos meus erros! – chorava – E fica comigo! Eu também... quero te... ajudar a superar... a dor que você ainda... deve carregar... – falava entre soluços

 

--A gente se ajuda, meu bem... – chorava contidamente – A gente se ajuda...

 

 

***

 

Yara discursava do alto de um carro de som em frente à Esplanada dos Despautérios.

 

--O Ensino Médio brasileiro não bateu a meta estipulada pro Índice de Qualidade da Educação! – a professora dizia -- E como o governo reagiu a isso? Inventando uma Reforma do Ensino Médio, não dialogada com a categoria docente, com os estudantes e com a população em geral. Uma reforma que nada resolve, que não melhora as condições de trabalho ou de aprendizagem, agravada ainda pelo PEC da restrição dos gastos da União com Saúde, Educação, Segurança e Infraestrutura! – denunciava – Querem poupar? Então por que não fazem a auditoria da Dívida Pública e extinguem logo de uma vez esse esquema que drena anualmente quase metade de tudo que o Brasil gera em termos de riqueza? – provocou – Não acabam com isso porque não é interessante pra uma série de aproveitadores! A Dívida Pública gera muita grana pra um grupinho de felizardos que nada produzem mas lucram muito as nossas custas! – gesticulava – Enquanto isso, prossegue o processo de impeachment e o governo interino avança com as piores pautas que poderiam ser trabalhadas! – olhava para as pessoas – Estamos vivendo uma intervenção internacional mascarada, disfarçada pelos novos artifícios da modernidade, e tais intervenções não têm limites! – passou a mão nos cabelos – Tais intervenções não têm o menor compromisso ético com a reconstrução das sociedades que dinamitam! E tenham certeza: seremos dinamitados!

 

Um jovem do Partido Comuna operava um drone quando avistou um lance esquisito. – Camarada Lucas! – chamou o colega ao lado – Liga pra camarada Jurema agora! – pediu aflito – Camarada Yara corre perigo!

 

--Meu Deus! – Lucas pegou o celular e ligou rapidamente

 

--Uai? – Jurema sentiu o aparelho vibrando no bolso da calça e viu que era um camarada de Partido – Alô? Camarada Lucas? – perguntou enquanto descia do carro de som – Deixa eu sair daqui pra te ouvir melhor.

 

--NÃO!! – gritou nervosamente – VOLTA PRA LÁ E MANDA CAMARADA YARA DESCER AGORA! – advertiu em voz alta – ELA TÁ CORRENDO PERIGO!! – alertou

 

--O QUE?? – Jurema colocou o celular no bolso e subiu gritando – YARA, DESCE DAÍ AGORA!!! – estava nervosa

 

A indígena continuava discursando, alheia ao que se passava a alguns metros de onde se encontrava.

 

 

Fim do capítulo