Capitulo 9
Capítulo 09
O sextou no bar da faculdade foi bem mais produtivo e gostoso do que eu imaginava, beijar a Bruna foi algo encantador. Apesar de eu sempre estar com uma língua diferente na boca, posso garantir que a dela estava bem treinada. Vou dizer a vocês que a baixinha manda muito bem nesse aspecto. Depois que o Gabriel e a Bia foram embora, eu e ela ficamos um tempo a mais ainda lá no bar, nos pegando. Só nos separamos a mais de 50 cm quando o celular dela tocou.
- Preciso atender. Desculpa. É do jornal.
- Atende claro. - tentei não ficar olhando pra ela, mas ela mesmo fazia caretas me chamando a atenção, como se a conversa fosse chata.
- Faz a formatação e me manda. Eu já olho e te retorno. Nem precisa desligar a ligação. Coloca a segunda imagem, segurando o troféu. - ela ficou falando com o celular. Alguns segundos depois olhou para a tela, mexeu para um lado e para o outro - Qual você prefere Flávia?
- Ah, não sei.
- Rápido, a primeira ou a segunda?
- A quadrada.
- Coloca a quadrada Drica. Formata essa página e depois me envia para eu aprovar a edição, ok?- ela se afastou um pouquinho, falando no celular, mas não uma distância muito grande. Eu me mantive na frente do bar, olhando ela e o entorno, sempre atenta. Quando ela terminou a ligação, voltou para próximo de mim. - Desculpe, precisa resolver esse problema da edição de amanhã.
- Tudo bem Bru, é trabalho. Quer ficar mais ou ir embora? - perguntei esticando meu braço mais uma vez, pra ela poder se aninhar enquanto pensava.
- Podemos ir indo? Você está de moto? Vou pedir um uber para mim - falou quase se soltando do abraço mais uma vez, mas eu segurei um pouco mais ela.
- Te deixo na sua casa, só que estou de moto. Tudo bem? Você quer? - ela lançou um sorriso fofo acompanhado de uma balançadinha da cabeça como se disse-se ‘pensando bem’.
- Não te atrapalha me deixar lá?
- Claro que não, e passamos um tempinho a mais conversando. O problema é que estou com a moto.
- E qual o problema da moto?
- Nenhum, deixei ela na frente do DP. Vamos ter que andar até lá, dá uns dois quarteirões. Ou você quer me esperar aqui, eu pego e venho?
- Jamais, vou lá com você. A ideia não é passar mais tempo conversando? - perguntou se aproximando mais ainda do meu corpo para mais um beijo leve. Quando nos soltamos seguimos em direção a delegacia, inicialmente fomos separadas, mas antes mesmo de chegar na esquina, ela já tinha pego minha mão e enlaçado. Achei estranho, repentino, mas me permiti, sempre que coisas assim acontecem, me deixando com uma sensação estranha, penso no Cantão falando que preciso me permitir ou que preciso arrumar uma mulher. Enfim, permiti que segurasse a minha mão - foi tudo bem na prova?
- Ah, foi sim. Como era de direito penal, pra mim foi tranquila até. Tinhas umas questões desnecessárias, próprias para ferrar os alunos. Mas deu pra fazer. A ana lu conseguiu colar, tudo certo. - falei pra ela
- Ela é sua amiga há bastante tempo?
- O tempo do curso mesmo, conheci ela na segunda semana se não me engano. É muito gente boa. Sempre me dá um apoio legal nas matérias e na lista de presença.
- Isso é importante, uma ajuda com as listas de presença. Quando eu estava em Coimbra a lista de presença era pela digital, então ficava bem mais difícil de fazer uma gambiarra, mas a parte que eu fiz no Brasil era bem de boa.
- Você ficou quanto tempo lá? - perguntei à Bruna.
- Dois anos. Eu recebi um programa de bolsa que incluía o primeiro e último ano aqui e os dois anos do meio lá.
- Entendi. Eu nunca saí do país, imagino que conhecer outros lugares, por exemplo a Europa, permita um aprendizado cultural bem importante.
- É bem isso, a faculdade ficava em um prédio histórico. Valeu a experiência. Eu estava trabalhando a maior parte do tempo, mas mesmo assim deu para ter uma boa imersão cultural.
- Você vai viajar? - perguntei pra ela, olhando pra frente, eu tinha ouvido a conversa dela com o Cantão lá no bar.
- Vou sim, por uma semana. Vou na terça feira e volto na sexta da semana seguinte. Dá um pouco mais do que uma semana na verdade.
- Entendi - não tinha mais o que falar na verdade, eu não sei até onde posso explorar ou não, não tenho absolutamente nada, não posso nem questionar. Rolou um silêncio entre as duas, enquanto ainda andávamos em direção a delegacia
- Você é sempre tímida Flávia?
- Eu tímida? - olhei pra ela, incrédula com tal observação
- É, às vezes você dá umas travadas. Eu acho um barato, você fica linda toda sem graça.
- Não sou tímida não. Até parece. Eu não sou muito sociável, isso é verdade. Pra eu começar a falar demoro, mas não é timidez não.
- Você dá umas travadas as vezes.
- Bem delicada você hein - falei em tom de brincadeira, ela riu e levantou a sobrancelha, como se disse-se “ é verdade” - Mas deve ser isso, eu sou meio anti social, cara fechada, levo um tempo pra começar a falar.
- Pode ser isso, você é mais reservada.
- sim, ninguém precisa saber das minhas coisas - finalmente chegamos na frente do DP - a moto está ali na frente. Hoje eu trouxe um capacete extra.
- Pretendia levar alguém de carona? - ela falou em um tom lascivo, explorando o espaço.
- sim, a Ana Lu. Sempre que posso dou carona pra ela. A casa dela é na mesma direção da minha, aí não custa deixar ela lá.
A bruna então deu uma sacudida leve do rosto, concordando, como se tudo fizesse sentido. Abri a maleta que fica na traseira da moto, peguei o capacete vermelho e entreguei pra ela. Primeiro colocou a pasta (daquelas mochilas que coloca a tira colo) cruzada no tórax, liberando as duas mãos, com uma segurou o capacete e com a outra jogou o cabelo para trás, em um movimento cotidiano, simples, mas que eu observei milimetricamente ela fazendo. Quando o cabelo estava atrás, colocou o capacete prendendo os fios de modo que eles não caíssem nos olhos. Abriu a viseira e sorriu pra mim, como se estivesse surpresa em eu estar olhando, mas na verdade ela estava fazendo bem de propósito e eu atonica olhando.
- O que foi? - a Bruna perguntou quase que inocente
- Nada, só estava olhando.
- Humm - sorriu mais uma vez, como se tivesse conseguido algo - Vamos?
- Sim, sim. mesmo lugar que te deixei na terça?
- Sim, lembra como faz pra chegar?
- Até um trecho eu lembro, o resto você me guia, pode ser? - ela concordou. Eu coloquei o capacete, sem nada de sensualidade. Quase derrubei ele na verdade. Subi na moto e dei a partida. - Consegue subir?
- Encosta aqui na guia, fica mais fácil. - perguntei sem brincadeira mesmo, minha moto é de um modelo alto, bem difícil de subir mesmo. Manobrei e encostei na guia, ajudando na altura para ela subir. Assim que sentou e se acomodou, colocou a pasta nas costas. Eu fiquei na mesma posição de sempre, claramente tensa, por mais que eu quisesse disfarçar. A Bruna se aproximou mais das minhas costas e passou os braços pela minha cintura, tão próximos que eu pude sentir quando os seios dela encostaram. - Pronta?
- Sim - Engatei a marcha e acelerei em direção a zona norte. No outro dia que eu dei a carona pra ela, principalmente por eu ser uma estranha, ela segurou nos ferros laterais da moto, sem contato físico algum, foi difícil eu dirigir porque o ar passava entre as duas e tirava um pouco da estabilidade. Mas hoje ela está tão justa e colada que está difícil a direção por causa da proximidade e da maneira como meu corpo responde a isso, a ela.
O trajeto foi rápido, fiz em cerca de 15 minutos, tentei não xingar tanto os outros motoristas, por mais que minha vontade fosse essa todo o tempo. Quando passamos pelo metrô Santana eu pedi para me guiar novamente até a rua onde ficava o prédio dela. Da vez anterior, assim que entramos na rua ela havia ficado tensa, mas dessa vez se manteve leve, colada ao meu corpo.
- Bru, chegamos - falei quase que com dor da separação dos dois corpos. Estava tão gostoso e confortável ela abraçada em mim. Mas não pude ter essa sensação por muito tempo, ela logo soltou o braço e deu um pulinho para trás, arrumando espaço para poder se estabilizar na saída da moto. Encostei mais perto da guia para facilitar a descida dela. Assim que os dois clackers bateram no chão eu mexi de novo a moto, estacionando-a. Desci do veículo, tirei o capacete e coloquei sob o retrovisor. Arrumei rapidamente o cabelo.
- Nossa, muito mais rápido e confortável com você. - ela já havia tirado o capacete, segurava ele na mão e esticou pra mim assim que eu me arrumei. Peguei o capacete vermelho da mão dela enquanto respondia.
- Meus serviços de moto taxi estão a sua disposição senhorita.
- Apenas as habilidades de direção? - Direta, por sorte eu não fico vermelha igual a Bia.
- Quem sabe o que eu posso oferecer não é mesmo?! - sorri, tentando disfarçar. Eu sei bem qual será a próxima frase dela e eu não quero ouvir.
- Vem cá - ufa, não falou que eu estava com medo. Coloquei o capacete dentro da caixinha da moto e bati a tampa. Fiquei na rua e ela em cima da guia, nos encontramos no meio fio. As alturas estavam quase igualadas e a Bruna jogou os braços por baixo dos meus ombros, aproximando os dois corpos. Eu estava ao mesmo tempo concentrada na menina linda que estava na minha frente como na segurança da rua, atenta a cada movimento.
- Bru… a rua não é muito segura esse horário. Melhor você subir - falei com ela ainda me abraçando.
- A rua é bem calma policial. Fica tranquila. Vem cá, me dá mais um beijo gostoso - quando ela me pediu isso, com um sorriso fofo, puxado para um dos lados da boca, como se estivesse com vergonha, eu não resisti, por alguns segundos deixei meus medos e meu passado para trás e busquei atentamente sua boca. Primeiro nos aproximamos mais, com calma, mas quando os dois lábios se encostaram, não houve marcha lenta. As bocas se encaixaram uma na fenda da outra, enquanto minha mão procurou novamente a nuca dela, gosto da sensação do cabelo passando entre meus dedos e a sensação de domínio. Mordida no lábio inferior, seguido de um leve puxão. As línguas procurando espaço para se conhecerem melhor, dançando na mucosa áspera. A mão dela já havia achado um espaço por baixo da minha camisa, para encostar pele com pele, na região da cintura. Já as minhas não saíram do pescoço e do rosto, sempre fazendo carinho, sutil.
- Habilidade de beijo também é de qualidade - foi a primeira coisa que a Bruna falou assim que nossos lábios se soltaram.
- Oi?!
- Nada não, só quis dizer que gostei do beijo.
- Ah, estou à disposição quando quiser mais - troquei mais um selinho com ela - Acho melhor eu ir, está tarde e amanhã o dia vai ser cheio.
- Vai fazer o que amanhã?
- De manhã vou pegar a chave do meu apartamento e à tarde eu vou jogar rugby. Quer ir? - ela fez uma expressão parecida com a de quando a conheci, de não dá, comprimindo os lábios.
- Amanhã eu não consigo Flavinha. Já tenho uma questão pra resolver pela manhã e tem o vietnamita a noite. É véspera de edição - ela se desdobrou tentando explicar.
- Tudo bem meu anjo, tranquilo. Se quiser aparecer me avisa que te falo o lugar, caso não de, nos vemos a noite. Depois combinamos o horário e onde nos encontrar pode ser?
- Claro - ela olhou para o chão, como se quisesse pedir algo, depois levantou rápido o rosto - Quer subir? Pra conhecer meu apartamento?
Cacete, porque elas sempre precisam me convidar para subir? É claro que o objetivo nunca será apenas conhecer o apartamento.
- Hoje não, Bru, já está tarde - A expressão de decepção foi imensa, a ponto de me deixar sem graça - Eu já vou indo linda. Obrigada por tudo hoje. Gostei muito.
- Eu também, me diverti bastante, apesar do corpo todo dolorido da academia.
- Eu avisei quanto ao peso. Me escute na próxima - ela deu uma risadinha, meio que sem graça - Quando quiser repetir só me avisar. Eu vou indo, está bem tarde mesmo - Ainda mantendo uma altura quase que igual, nos abraçamos, ela encostou o rosto no meu tórax por alguns segundos, seguido de um beijo que dei na testa dela, de carinho. Ela soltou o corpo, se afastando, soltou um tchau sem som, apenas com o lábio e seguiu em direção a portaria do prédio, sumindo dos meus olhos segundos depois.
Retornei a minha moto, coloquei o capacete e sentei. Que sensação de decepção comigo mesmo, eu preciso ser menos careta, mas não consegui subir para o apartamento dela, não posso me forçar também. Tentei me concentrar na direção e no vento que batia no meu rosto. Uma das coisas que mais tenho prazer na vida é sentir o vento enquanto dirijo, sentir as gotas de chuva quando estou em baixa velocidade. São coisas tão simples, mas que me acalmam, me fazem sentir que ainda estou viva e que meu corpo ainda é real.
O dia foi até bom, mas está mais longo que o comum e depois de não ter dormido nem um pouco bem nas últimas quatro noites, hoje o que eu mais quero é sentir meus ossos relaxarem e conseguir dormir. Acho que vou mesmo seguir o conselho do Cantão e tomar o remédio que o psiquiatra passou, pra eu conseguir pelo menos uma vez apagar e dormir a ponto de relaxar.
Cheguei na Brasilândia para mais de meia noite. Apesar de eu ter saído cedo da faculdade, esse é o meu horário habitual. Durante o trajeto todo eu fiquei pensando na ocorrência de hoje cedo, preciso sentar com o Cantão para estudarmos o caso para a coleta do depoimento. Não podemos perder o gancho de descobrir algo desses dois suspeitos, principalmente porque tráfico de órgãos sempre tem alguém grande envolvido. Esse caso pode ser a minha ponte para o cargo de delegada no próximo ano, só preciso fazer dar certo. Estacionei a moto na vaga de sempre e mantive o ritual de prender o capacete, pegar a mochila e subir os 120 andares do térreo até o quarto andar. Confesso que estou torcendo ardentemente para a minha mãe estar dormindo, não estou no pique de terminar a briga da manhã, sobre dar dinheiro para a dívida de tráfico da Roberta.
Depois de subir todos os degraus, não só percebi que minha mãe está acordada como esbarrei com a Roberta saindo do apartamento, como um rato, como se ninguém fosse perceber sua “sutil” presença. Esbarrar com ela era o que não me faltava nesse dia cansativo. Quando ela virou, depois de fechar a porta e deu de cara comigo, quase que sua melanina evaporou, a garota ficou branca. Olhei rápido pra ela, está mais magra que a dois meses atrás quando foi a última vez que a vi,o rosto está ch*pado e os olhos fundos, a pele brilhosa se tornou mais opaca e toda a leve beleza dela se perdeu no consumo de drogas.
- Flávia?
- Roberta. Você não estava de viagem?
- Foi suspensa por um tempo mano. Eu descolei uns quebrados aí pra pagar o Ervilha.
- Descolou uns quebrados? Ou sua mãe se enfiou em mais uma dívida pra resolver seus problemas?
- “Qualé” Flávia? Ela quer me ajudar, qual o caô?
- Você não tem vergonha mesmo, fazer uma mulher quase idosa, trabalhar igual uma condenada e se enfiar em dívida por pagar pelo seu pó, tenha a santa paciência. Se você não se ama, ama ela pelo menos.
- Eu amo ela, até fiz uma tatoo pra ela - ela esticou o antebraço mostrando a tatuagem recém feita, ainda envolta em um plástico, escrita Clélia.
- Nossa, quanto amor. A grana que você gastou nessa tatuagem não dava pra pagar sua dívida não?
- Cuida da sua vida sapatao. Não mexe comigo - falou esticando o pescoço e chegando mais perto de mim. Pelo tamanho da pupila dela, pura a Roberta não estava.
- Cresce Roberta. Começa a assumir suas merd*s.
- Pelo menos eu não sou uma decepção pra todo mundo. Ninguém fala, mas você é uma decepção Flávia, Maria macho.
- É pra me ofender? Já ouvi muito piores na rua. Agora dá licença que eu quero tomar um banho, trabalhei e estudei dia todo.
- Você se acha não é milico?
- Da licença Roberta.
- Não vou sair da frente não. Vai fazer o que?
- Sai da frente cacete.
- Vai Flávia, mostra que você ainda é a estourada que bate em todo mundo, mostra. - cara, que vontade de meter a mão na cara da Roberta
- Vocês duas vão ficar dando show na porta de casa? Querem plateia? - minha mãe de pijama saiu na porta de casa, tentando apaziguar alguma coisa. Minha raiva estava gigante, só não maior que o meu cansaço. Eu entrei pra dentro de casa assim que a Roberta virou o corpo para olhar o que minha mãe falava. Eu cresci, não sou mais a pessoa que resolve tudo no braço, na porr*da, sem tracejo algum.
- Vai fugir não é Flavia? Não consegue cuidar de ninguém, não cuidou nem da sua mulher. Cadê ela agora? - Eu parei no meio da sala e fiquei. Se ela abrir a boca pra falar da Fabi eu quebro os dentes dela.
- Fica quieta Roberta, vai embora. Chega. - minha mãe soltou.
- É Flavia, vou embora. Quem sabe eu arrumo uma putinha igual a sua lá na beira da pedreira - Mas não deu outra, da mesma forma como eu estava disposta a ignorar a Roberta, eu voltei disposta a quebrar a cara dela. Por sorte minha mãe não estava fisicamente entre as duas, acelerei o passo em direção a Roberta, que acabou se assustando, imagino que não acreditava que eu iria pra cima. Eu levantei a direita, firme, em direção ao rosto dela. Minha mão não chegou nem a encostar, mas de tão drogada que estava se assustou, desequilibrou e caiu colocando a mão no rosto, procurando o sangue que não tinha.
- Chega Flavia, entra agora. Roberta, vem aqui, deixa eu ver - Minha mãe me mandou entrar pra casa e ficou na beira do apartamento socorrendo a Roberta, socorrendo de uma queda sentada só.
Entrei no meu quarto direto, eu ainda estava com a minha mochila nas costas e o capacete na mão esquerda, eu não cheguei nem a descarregar minhas coisas de um dia absurdo de trabalho, estudo e prova. Coloquei minhas coisas na cama, quase jogando na verdade e sentei na cama. Estou completamente puta e decepcionada comigo por ter caído na pilha da Roberta, que raiva. Eu sou muito melhor que isso, mas quando ela chamou a Fabi de puta eu não segurei muito, não aguentei, fui pra cima mesmo, no final nem bati.
Sentada na minha cama eu ouvi minha mãe falando com a Roberta, colocando ela pra dentro de casa novamente. O problema dela não é o quase soco que tomou e sim o pó que está colado no nariz e as pupilas dilatadas. Ela usa tanta coisa que não deve mais nem fazer efeito direito. Ver a Dona Clélia colocando ela dentro de casa foi o fim dos tempos para mim, eu já estava conseguindo me acalmar um pouco, bem mais centrada que a segundos atrás, esse é um dos lados bons de trabalhar sobre pressão o tempo todo.
Levantei da cama com o máximo de calma que eu pude. Abri a porta seguindo para a lavanderia, como se nada no mundo tivesse acontecido. Passei pela sala, sem nem reparar na cara feia da minha mãe ou nem da expressão de dó que a Roberta fazia, minha decisão já está tomada. Peguei minha toalha e segui para o banheiro. Olhei rápido para o meu relógio, já se passava da meia noite e meia, estou cansada. Tomei um banho rápido, como se eu estivesse no DP e retornei ao meu quarto.
Coloquei uma calça jeans confortável, mais larga e uma camiseta leve, fresquinha. Abri meu guarda roupa e de lá puxei uma mala de viagem, daquelas de fazer compras no Brás. Coloquei ela sobre a minha cama e fui pegando algumas peças nas gavetas e organizando na mala. Não pode ser muito grande pois estou de moto, mas o essencial para um ou dois dias pelo menos, depois volto para pegar o resto. Na minha mochila que eu nem desmontei coloquei o meu computador com o máximo de cuidado. Com tudo pronto, coloquei minha mochila nas costas e a bolsa de viagem na mão. Na outra mão eu peguei o capacete da moto.
- Pra onde está indo Flávia? - essa foi a reação da minha mãe assim que me viu com as malas, não sei se pelo dinheiro ou se por um cuidado comigo mesmo.
- Estou indo embora. Hoje foi suficiente pra mim - A Roberta ficou quase que atonica sentada no sofá, imagino que nem ela nem a Dona Clélia estavam esperando por essa reação minha. Estou completamente plena e decidida em meus atos, calma.
- Volta pro quarto Flávia, amanhã nós conversamos com mais calma.
- Eu já estou bem calma mãe. Essa é a minha decisão. Você teve sua escolha hoje, duas vezes e as duas vezes escolheu a filha que te causa problema. Foi sua escolha.
- Eu não posso largar ela, ela precisa de cuidados.
- Sim, por isso eu estou indo embora, para a senhora cuidar dela da melhor maneira. Quando o dinheiro acabar não me procurem.
- Não faz isso filha.
- Já fiz, amanhã ou depois eu volto para pegar o resto das minhas roupas e pertences - A Roberta estava pálida no sofá, não imaginava nem que eu iria ter essa atitude nem que isso era real, mas eu não estou nem aí, amanhã cedo sem drogas as duas que lidem com suas escolhas de vida. Eu preciso cuidar de mim, do meu corpo e da minha carreira.
Segui em direção a porta, abri calmamente e coloquei a bolsa de viagem no chão, do lado de fora. Dei mais dois passos saindo oficialmente do apartamento, esse foi o único momento em que minha mãe levantou do sofá, imaginei que fosse ter alguma atitude, mas como sempre não teve. A Roberta se manteve na mesma posição, com a mesma expressão de atonica drogada. Eu fechei a porta atrás de mim, mantendo a calma externa, mas por dentro eu estava quebrada e bem machucada.
Quando cheguei na avenida Inajar de Souza que finalmente consegui parar para pensar em alguma coisa. Parei no mesmo posto de gasolina que mais cedo, 24 horas para poder pensar no que eu iria fazer. Já era uma da manhã e meu corpo dava sinais que precisava desligar logo. Abri meu celular, tinha mensagem da Bruna, da Bia e do Cantão, mas não olhei nenhuma delas. Entrei no google e procurei algum hotel ou hostel perto do DP, até que me veio a imagem de um, três ruas acima. Espero que dê certo, sem ter reserva prévia. Subi novamente na moto, com a mochila na maleta de trás e a bolsa de viagem amarrada no banco.
Quando meu corpo sentiu o fofo do colchão embaixo da coluna, o resto dele em automático sentiu a gravidade empurrando-o. Antes de dormir eu tomei um dos comprimidos para ajudar no sono, que o psiquiatra passou e eu me imponho não tomar. Esse dia foi tão longo e cansativo que o que eu não posso e não devo é ver a Fabíola ensanguentada mais uma vez, hoje eu preciso dormir. Meus olhos quase fechados foram abruptamente abertos pelo som da mensagem que recebi no celular, melhor eu dar uma olhada. O sono estava tão importante que sentei na cama do hostel para conseguir responder. A primeira que abri foi da Bruna, já tinham algumas anteriores precisando ser respondidas.
- Chegou bem Flávia? Estou preocupada. - tadinha, eu falei que em 20 minutos avisava pra ela que cheguei em casa, mas já se passaram 2 horas na verdade.
- Oi Bru, desculpa. Cheguei bem sim, está tudo bem. Aconteceram diversas coisas quando cheguei em casa, mas amanhã eu te conto tudo.
- Ufa, fiquei preocupada. Está tudo bem?
- Sim, foi só uma confusão familiar. Mas amanhã te conto.
- Tudo bem, qualquer coisa me dá um toque ok?!
- Pode deixar Bru. Obrigada por se preocupar.
- Que nada Flavinha. Ah, obrigada por hoje. Eu adorei o bar e os beijinhos.
- Hahaha, o bar tem toda sexta se quiser. Já os beijinhos é só pedir, tenho um estoque bom deles.
- Bom saber que tenho carta branca para roubar alguns.
- Todas as cartas. Bru, meus olhos estão fechando eu preciso dormir um pouquinho. Tudo bem?
- Claro. Bom descanso. Não esquece amanhã, ok?!
- E perder a chance de te ver novamente? Jamais. - ela respondeu com uma carinha de envergonhada e outra sorrindo. Eu não sou boa nessa arte de encontros e repetir figurinha por mais de duas vezes, mas confesso que estou tentada a arriscar com essa jornalista. Quem sabe não faz parte do projeto vida nova?
A mensagem seguinte que eu olhei foi a do Cantão falando que tinha chegado bem na casa dele e que deixou a Bia na casa dela antes disso.
- Sapatão, amanhã 9 horas na frente do prédio?
- Responde Flávia!
- Eu vou dormir e você vai sozinha amanhã!
- Se fosse mensagem da Bruna você respondia na hora! - eu não aguentei e mesmo com sono acabei rindo da mensagem dele e ele tem razão mesmo, respondi a dela primeiro.
- Caraca, que hetero top ansioso. Não consegui mexer no celular.
- Ficou com a Bruna até agora? Isso não é problema.
- Aha, você não tinha ido dormir Bocó?
- Você me acordou.
- Aff, até parece. Amanhã 9h no prédio, já confirmei com a dona do apartamento.
- Tá fechado. Fui
A última mensagem que eu tinha que responder era a da Bia. Eu estava meio que preocupada com ela e essa crise de ansiedade que ela teve no bar, principalmente pelo fator desencadeante ter sido um homem em um carro. Eu não vou forçar a barra com ela, jamais, mas preciso ganhar intimidade com ela para saber o que está acontecendo, tanto por ela como pelo Cantão.
- Flávia, obrigada pela ajuda e cuidado comigo hoje, e mais ainda obrigada pela discrição. Acho que o Gabriel nem percebeu o que aconteceu. Obrigada mesmo, de verdade.
- Não precisa me agradecer Bia. Sei que você faria o mesmo. Não sei o que aconteceu e nem precisa me contar, estou aqui. Se algum dia você quiser conversar estou disponível. Quero você bem, apenas isso. Tenta descansar e dormir um pouco. O dia foi bem pesado para nós. Bom descanso - da Bia não houve resposta, acredito que pelo horário ela já tenha dormido. Já meus olhos chegam a estar ardendo por causa do sono que estou.
Quando o som ficou mais forte e incômodo, acabei percebendo a luminosidade do ambiente. Onde estou? É diferente do habitual. Abri os olhos. Ah, estou no hostel, verdade. O celular estava convulsionado do meu lado na cama. A foto do Cantão sacudiu a tela do aparelho. Que horas são?
- Oi - falei com voz de sono, desorientada.
- Fala sapatão, você não vem não?
- Ir onde Gabriel? Que horas são?
- Nove horas Flávia, nove horas.
- Puta que pariu - dei um pulo da cama - me dá uns 20 minutos e chego aí. Só o tempo de jogar uma água no corpo. 20 minutos.
- Você está na sua casa? Não chega aqui em 20 minutos.
- Não estou em casa
- Está na Bruna? Passou a noite com ela?
- Não bonitão. Vinte minutos. Pega alguma coisa pra eu comer. Tchau - eu pulei da cama completamente desnorteada. Ontem a noite eu consegui chegar no hostel e por sorte tinha cama vaga, na verdade peguei um quarto coletivo de 6 camas, mas que ninguém está hospedado. Peguei rapidamente minhas coisas e corri para o banheiro, que tem no quarto mesmo. Em menos de 10 minutos eu já estava trocada, penteando o cabelo que amarrei em um coque nele mesmo. Estendi minha toalha na cabeceira da beliche e sai correndo, não literalmente.
Passei pela portaria, rapidamente. Me apresentei ao recepcionista do dia e deixei a chave do quarto. Por ser um espaço coletivo, mais pessoas podem acabar se hospedando no mesmo quarto no decorrer do dia. A moto eu deixei na frente do hostel, subi nela rapidamente, soltando o coque que eu acabei de fazer e colocando o capacete. O trajeto até o apartamento não foi de cinco minutos, é um caminho que facilmente eu faria a pé se não estivesse tão atrasada. Quando acessei a rua, logo avistei o Cantão, vestido de bermuda e um camisetão do Mario Bros, bem ao estilo final de semana. Ao lado dele, para a minha surpresa estava a Bia, também bem diferente do estilo perito, ela estava com uma calça mais leve, um sapatênis e uma baby look florida, diferente da camiseta preta que usa no DP.
- Bom dia meninos. Desculpa o atraso. - falei antes mesmo de descer da moto, mas já sem capacete.
- Chegou rápido. Onde você estava?
- Ali naquele hostel da rua de cima do DP, sabe? - falei com ele enquanto descia da moto.
- “Tava” fazendo o que lá?
- Longa história Gabriel. Bom dia Bia - falei abraçando-a, que soltou da mão do delegado para retribuir - Está melhor da cólica?
- Estou sim, outra pessoa - me olhou entendendo a pergunta e respondendo não sobre a cólica, mas sobre a crise de ansiedade.
- Ótimo - olhei rapidamente no meu celular - A corretora falou que já chegou, que podemos subir.
- Tá bom. Nem deu tempo de pegar nada pra você comer FLávia.
- Tudo bem, depois de ver o apê passamos para comer alguma coisa. Estou só com o petisco do bar, verde de fome.
- Não comeu nada desde ontem - a Bia incrédula perguntou enquanto andávamos para entrar no prédio.
- Não, foi uma correria só Bi, perdi a hora porque mal dormi. Mas esquece, nada importante pra agora. Não sabia que você vinha junto hoje.
- A Bia aceitou conhecer seu apartamento sapatão, ela está pensando em dividir com você - o Cantão falou sem nem imaginar como essa notícia é boa.
- Sem compromisso Flavinha - a Bia completou.
- Só de você vir conhecer já é um bom caminho. Vê o que você acha e como se sente - toquei a campainha da portaria, me identificando. Assim que o porteiro abriu seguimos pelo corredor comprido do prédio antigo, passamos pela portaria e seguimos ao segundo bloco, mais ao fundo do condomínio. Parei de frente para o elevador, seguido pelo casal que estava todo o tempo de mãos dadas. Achei fofo os dois estarem se acertando, formam um casal bonito. As portas de metal se abriram, dando acesso a um elevador grande, revestido de madeira, característico de prédios antigos.
- Esse treco não cai não né Flávia? - Cantão perguntou fazendo graça
- Não mais que seu time.
- Aff, não sabe brincar. Já vem na grosseria - falou fingindo contragosto, fomos subindo com o equipamento até o 20o. andar, depois seguimos por mais dois corredores, até chegar ao 2025, minha casa - Cara, o bom desse apartamento é que ninguém invade, é a unidade mais longe de todos.
- Exatamente, é uma unidade bem segura - ele não percebeu, até por que não sabe, mas eu olhei pra Bia no decorrer deste comentário. É um apartamento seguro. Não sei quem era o cara do mini cooper ontem, mas tem que ser bom para conseguir chegar até esse ape. Ela entendeu bem o recado pois olhou pra mim sacudindo a cabeça pra cima e pra baixo, concordando.
Toquei a campainha, segundos depois a corretora abriu a porta. O espaço dele é amplo, bem característico de apartamentos antigos. Ele tem dois quartos, um ao fundo e outro como se fosse no lugar da sala, ambos à esquerda. À direita é possível ver o banheiro e em seguida a cozinha, também grande, que dá acesso a uma lavanderia pequena. Não há sala, pois a moradora anterior fechou o espaço com uma parede para ser o segundo quarto. É pequeno, mas até que para um apartamento é grande e confortável. Ele está todo mobiliado, organizado com os itens da moradora antiga, com o tempo eu vou organizando e trocando por peças e móveis novos.
- Bom dia Flavia.
- Bom dia. Esse aqui é o Gabriel e a Bia, meus amigos.
- Sim, Bom dia.
- E aí, já posso mudar?
- Já sim. A chave está aqui - ela me entregou um molho de chaves velhas, com todas. A felicidade em finalmente pegar a chave do meu próprio apartamento não cabia no meu peito, só eu sei o quanto esse lugar me custou, não só financeiramente, mas emocional. Meu sorriso não cabia no rosto e as lágrimas não cabiam nos olhos e acabaram caindo.
- Está emocionada Flávia? - o Cantão perguntou, por estarmos com outra pessoa no recinto ele não me chamou de sapatão.
- Estou, você é dos que sabe tudo que isso aqui significa pra mim.
- Claro que eu sei. Vem cá - chegou mais perto de mim e me abraçou. Ele estava lá quando tudo aconteceu, quando minha vida se perdeu.
- Ela está feliz pela sua conquista, sei que está - falou no meu ouvido enquanto me abraçava, dando um carinho que eu realmente precisava nesse momento, sendo o amigo que sempre foi. Fiquei abraçada ao Cantão por segundos, não posso me deixar cair, muito menos hoje. Levantei o rosto, me afastei dele, sequei os olhos e enchi o peito de ar.
- Quer conhecer lá dentro Bia?
- Quero sim - deixei o Cantão e a corretora conversando e segui com a Bia para um tour no grande apartamento. Primeiro fomos no quarto do fundo, já com armários na parede e uma janela para o centro histórico de São Paulo.
- O bom daqui Bia é que tem dois quartos, pode trazer o Cantão sempre que quiser - a menina ficou completamente vermelha, quase roxa. Eu não fiz de propósito, mas acabou saindo. Nos duas demos risada automaticamente. Ela é uma boa menina, só deve ter tido uma vida difícil dentro da realidade dela.
- O apartamento é grande, eu gostei daqui. Tem uma vista legal, uma cozinha boa.
- Sim, eu estava pensando em levantar uma parede na cozinha, deixando ela do tamanho de cozinha de apartamento e o espaço que sobrar ficar como uma sala, pequena mas uma sala confortável. Colocar duas poltronas e a TV no fundo.
- Também é uma boa ideia Flavinha. Te permite mais conforto. Você já vai mudar ou vai esperar arrumar tudo?
- A ideia era mudar depois de arrumar tudo, mas depois da merd* que deu ontem a noite, vou mudar agora.
- Está tudo bem?
- Sim, saindo daqui a gente senta pra tomar um café e eu conto pra vocês. Gostou?
- Sim, achei aconchegante.
- Pensa com carinho Bi, eu adoraria dividir o apartamento com você, mesmo. É perto do DP, vai ter a segurança da portaria, mas te garanto que vai ser o apartamento com mais policial civil possivel e o Cantão pode vir quando você quiser.
- Posso pensar e te dou a resposta?
- Claro. Pensa com calma. - Sorri pra ela, terna, calma, passando a segurança que ela precisa para tomar essa decisão.
Fim do capítulo
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Elliot Hells
Em: 30/10/2023
Momento meio complicado da Flávia, iria adorar dar um suporte psicologico aí! E a Bia também, meu lado nesse aspecto está fascinado com o perfil de cada um!
Atenderia todos!
Marta Andrade dos Santos
Em: 20/01/2023
Eita vestida pra matar Flávia kkkkk
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Marta Andrade dos Santos
Em: 20/01/2023
Eita vestida pra matar Flávia kkkkk
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