Capitulo 13 - Uma noite e mais uma vez obrigada pelas lembranças
Localizada no Noroeste do estado de São Paulo, a cidade turística de Holambra era um dos locais favoritos de Mari, que arranjou a maneira perfeita de unir os funcionários de seu restaurante, pelo menos os que toparam ir, porque alguns decidiram apenas descansar em suas próprias casas no feriadão.
O endereço de Fernanda e Lorena foi o último que Mari passou para buscar, onde a advogada e a sous-chef já esperavam na porta do prédio com malas e mochilas.
- Estava olhando na televisão agora há pouco, acho que vamos pegar chuva na estrada. – Disse Fernanda, enquanto esperava a motorista Mari abrir o bagageiro atrás da van.
- Acho que sim, mas no resto do feriado vai fazer sol. – Mari comentou.
Ao abrir o porta-malas, a primeira pessoa que Fernanda viu dentro da van foi ninguém mais ninguém menos que Ingrid.
- Mari, você pode entrar no prédio comigo rapidinho, por favor? – Fernanda sussurrou.
Sem questionar, a dona do restaurante seguiu Fernanda.
- O que está acontecendo? – Mari perguntou.
- Espera um pouco.
Fernanda então foi até o porteiro, que foi com ela até um quartinho de dispensa, e de lá voltou com um rolo de esparadrapo.
- Coloque isto em algum dedo. Se alguém, principalmente Lorena, perguntar porque demoramos, diga que se cortou.
- Por que eu precisaria me justificar? E o que está havendo?
- Lorena é bem curiosa, vai querer saber porque estamos demorando. E vamos demorar mais ainda se você não me explicar o motivo de minha ex estar naquela van. Sophia me prometeu que Ingrid não iria com a gente!
- Mas o que é que tem? Achei que vocês tivessem mantido a amizade.
- Lógico que não! Eu não estou nem olhando na cara dela! Ela não comentou isso com você?
- Comigo não! E se comentou com Sophia, ela não falou nada para mim. Mas por que você está assim com ela?
- Por nada. – Fernanda logo cortou. – Droga, certeza que isso é ideia da Sophia para me fazer voltar a falar com a Ingrid.
- Você não precisa conversar com ela na viagem. Quer ir dirigindo? Assim evita olhar para ela. E vocês podem pegar quartos distantes.
- Mari, confesso que até perdi a vontade de ir.
- Por favor, não faça isso, é o chá de bebês da sua melhor amiga e colega de apartamento. Como você vai explicar para Lorena que não quer ir?
Assim que terminou a pergunta, as duas ouviram a porta do prédio se abrir.
- Meninas, aconteceu alguma coisa? – Lorena questionou, preocupada.
- Um pequeno acidente, Mari machucou o dedo no zíper de uma das malas. – Mentiu Fernanda.
- Sim, por mais que seja só um corte e não esteja me incomodando, Fernanda é quem vai dirigir. – Mari complementou, enquanto sentava no banco ao lado do motorista.
- Mari, pode plugar meu celular para ouvirmos a minha playlist? – Questionou Ingrid.
- Claro. – Respondeu a gastrônoma.
Fernanda apenas ouviu em silêncio, irritando-se ligeiramente ao escutar o som da voz da ex namorada. Quando a primeira música começou a tocar, a motorista respirou fundo. Só podia ser de propósito.
I watched you suffer a dull aching pain
Now you decided to show me the same
No sweeping exits or offstage lines
Could make me feel bitter or treat you unkind
A música era Wild horses, da banda Rolling Stones. Foi a música que Fernanda escutou após a primeira briga das duas, ainda quando faziam faculdade. Quando fizeram as pazes, Maria Fernanda revelou isto à namorada, que prometeu também ouvir a mesma música toda vez que brigassem para que se lembrassem que sempre, no final, voltariam a ficar juntas.
Nos mais de cinco minutos de música, Fernanda tentou manter a calma. Perto do final, ela levantou o olhar e, pelo espelho retrovisor interno, viu Ingrid, que logo percebeu e olhou de volta, esboçando um sorriso. A motorista logo voltou seu olhar para estrada e se recompôs, como se tivesse saído de uma espécie de transe ou feitiço.
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Pouco mais de duas horas de viagem, e finalmente o grupo chegava na cidade situada na microrregião de Campinas. Alguns quilômetros à frente, e logo estacionavam na casa de férias da família de Mari, um sobrado de três andares com uma ampla área de serviço, o ambiente ideal para uma festa, ou, no caso, chá de bebê. No térreo, Lorena ficou com um dos quartos e Fernanda ficou com outro. No andar de cima, Heitor, o chef do restaurante, ficou em um dos quartos, Pedro, o garçom, ficou com outro, e Ingrid ficou com o quarto ao final do corredor. No último andar, Mari e Sophia ficaram com a suíte.
Uma parte do grupo resolveu tirar o resto da sexta-feira para descansar, enquanto Mari e Sophia saíram para comprar os preparativos da festa. Ingrid, sentindo-se meio deslocada em ficar, resolveu acompanhar as amigas.
- Vamos ver as bebidas primeiro. – Ingrid comentou. – Não sei se consigo passar esse feriado sóbria.
- Vou pegar algo não alcoólico para a protagonista da festa, alguns ingredientes para o bolo e os quitutes. – Disse Mari, saindo daquele corredor.
Sophia e Ingrid então ficaram escolhendo as bebidas. Observaram marcas, preços, até começarem de fato a compra.
- Você planeja conversar com Fernanda hoje? – Sophia perguntou, enquanto pegava dois fardos de cerveja.
- Se ela ao menos olhasse no meu olho, eu falaria. Mas está difícil. – Ingrid suspirou, enquanto colocava três garrafas de vodka no carrinho.
- Fiquei alguns meses separada da Mari também, antes de tudo dar certo. – Sophia comentou, pegando a garrafa de tequila.
- Porém Mari é bem mais compreensiva que Fernanda... – Ingrid disse, enquanto pegava a garrafa de rum.
- Fernanda é extremamente empática e ainda ama você, tenho certeza disso. – Sophia tentou levantar a moral da amiga, enquanto pegava a segunda garrafa de tequila.
- Não depois do que eu fiz. Se eu ao menos pudesse apagar da nossa memória aquela ligação telefônica que fiz a ela...
Mari então reapareceu com uma cesta preenchida até a metade com itens açucarados e algumas frutas.
- Aí nesse carrinho tem bebida para quantas pessoas? – A dona do restaurante perguntou, surpresa.
- O suficiente para me dar amnésia nesse feriado. – Ingrid riu.
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Retornando para o sobrado, o grupo se organizava para curtir a noite na cidade turística. Heitor e Pedro iriam para um bar local, enquanto Mari e Sophia iriam em um restaurante tradicional para um jantar romântico.
Lorena estava fazendo um sanduíche natural na cozinha enquanto Fernanda tomava uma lata de cerveja planejando voltar para seu quarto e dormir mais cedo. Ingrid, então, apareceu.
- Sophia acabou de me mandar mensagem, estão indo para uma balada, ela perguntou se nós vamos também, para passarem aqui.
- Você quer ir, Fer? – Lorena perguntou.
- Não.
- Bem, depois que os gêmeos nascerem não sei quando eu vou poder badalar novamente, então vou aproveitar. Mas se não tiver nenhum banco para eu ficar sentada, vou ter que voltar.
- Vou avisar que você vai, Lorena. Mas acho que vou ficar em casa também. – Ingrid anunciou.
- Pensando melhor, acho que vou. – Disse Fernanda. – Já que estou aqui vou aproveitar.
- Já que todo mundo vai então eu vou também! – Disfarçou Ingrid, sabendo que Fernanda não negaria novamente para não dar nenhuma suspeita.
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O ambiente estava lotado, e Fernanda aproveitou para puxar Lorena e ficar ao lado dela longe do resto do grupo, principalmente de Ingrid.
- Perfeito, uma balada com sofá! – O sorriso de Lorena se expandiu ao se jogar no aconchego. – Ótimo, agora as pessoas estão olhando para a mulher grávida com o barrigão jogada no sofá da balada.
- É que o botão e o zíper da sua calça estão abertos, Lorena. – Fernanda comentou.
- Ai caramba! – Lorena se assustou. – Minha barriga está tão grande que eu nem consigo ver direito se fechei ou não. Acho que emperrou, você pode conferir para mim?
- Não acha melhor vermos isso no banheiro? – Fernanda perguntou, um pouco desconfortável ao ver mais gente reparando.
Ao chegar no toilet feminino, a dupla se deparou com duas meninas se beijando de forma mais intensa, sendo que as mãos de uma já estavam debaixo da blusa da outra. Fernanda, extremamente desconfortável, abaixou-se e desemperrou o zíper da amiga rapidamente.
- Elas estavam mandando ver, hein! – Lorena comentou, ao sair do banheiro.
- Pois é. – Pigarreou Fernanda.
Aproximando-se do banheiro, Ingrid acabou encontrando a dupla.
- Vocês sumiram! Achei que tivessem pedido um carro para voltar. – Comentou a ex namorada de Fernanda.
- Lorena teve um problema com a calça dela, mas já foi resolvido. – Respondeu a ex de Ingrid, objetivamente.
- Uau, você disse uma frase completa para mim! – Comentou Ingrid.
- E por que ela não diria? – Perguntou Lorena, curiosa.
- Ingrid cometeu um erro... no expediente de trabalho... e isso acabou me prejudicando. Por isso não estou falando muito com ela. – Mentiu Fernanda.
- Sério? Mas não pode ter sido um erro tão crasso assim. – Lorena contestou. – Vocês têm uma amizade forte para ser afetada por um dia ruim no trabalho.
- Foi mais do que isso. – Fernanda engoliu seco. – Foi algo que me prejudicou muito, Lorena. Você não sabe como funciona, então não sabe como foi grave.
- O que foi que aconteceu afinal? – Lorena interrogou.
- Deixa para lá. – Respondeu Ingrid, entristecida. – Vou voltar para onde Mari e Sophia estão. Se precisar de algo, ou quiserem ir embora antes, mandem mensagem para uma de nós.
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O grupo de garotas resolveu ir embora mais cedo para começar os preparativos no dia seguinte com disposição. Pedro também voltou mais cedo, enquanto Heitor apareceu bem depois do almoço.
- Já era hora hein! – Mari reclamou, enquanto batia a massa do bolo de morango. – Você prometeu que faria os cupcakes hoje de manhã!
- Acabei encontrando uma garota lá, e a gente foi para a casa dela, e quando eu vi já era meio dia, desculpa. – Heitor se justificou. – Aproveitei e passei no centro da cidade para comprar um presentinho. Onde a Lorena está?
- Tirando um cochilo. – Fernanda respondeu, enquanto mexia uma tigela de vodka com gominhas de açúcar.
- O forno apitou? Juro que ouvi um barulho. – Apareceu Sophia, que havia se encarregado de fazer os salgadinhos assados.
- Foi impressão sua, meu amor. – Mari respondeu. – Ainda faltam seis minutos.
- Heitor! Que bom que está aqui, você tira os salgadinhos do forno para mim? Vou terminar a decoração da área externa com Ingrid e Pedro.
- Por que estamos decorando afinal? Não vai ser só a gente na festa? – Perguntou Fernanda.
- Sim, mas daí podemos tirar várias fotos. – Respondeu Mari. – Lorena precisa dessas recordações, desses pequenos momentos para esquecer o que a família fez com ela.
- Ela comenta com você sobre a família dela? – Questionou Fernanda.
- Conversamos bastante sobre isso, até. Ela ainda tem muita mágoa guardada dos pais por terem expulsado de casa.
- Ela nunca mais tocou no assunto comigo.
- Talvez porque você conheça os pais dela há anos, ela não quer ficar voltando no tema. Mas o desprezo da família a machuca, e como somos a nova família dela, quero que essa festa seja perfeita.
- Uau. – Surpreendeu-se Fernanda.
- O que foi? – Perguntou Mari.
- Agora entendo porque Lorena lhe admira tanto. E eu esqueci de lhe agradecer por ter me ajudado a ser uma espécie de amortecedora ao longo do dia e me ajudar a evitar Ingrid.
- Eu sei que Sophia está fazendo de tudo para que você tenha uma conversa com Ingrid. Mas entendo que cada um tem seu próprio tempo. Só não odeie minha esposa por tentar juntar vocês duas, ela tem um coração enorme e sempre faz de tudo para ver a melhor amiga feliz. Temos esse costume de fazer isso com quem é importante para nós às vezes.
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O cochilo de Lorena foi tão que acordou já no início da noite. Ainda teve tempo de tomar um banho e se arrumar antes que tudo ficasse pronto. Quando foi para a área externa, não se conteve e começou a chorar ao ver uma decoração com diversos balões coloridos e um letreiro escrito “Chá de Bebês da Lorena”.
- Vocês realmente não precisavam se dar a esse trabalho... – Disse Lorena, em prantos.
- Ô minha flor, você é uma parte de nós, isso aqui é o mínimo! – Mari respondeu, abraçando Lorena.
- Nós iríamos colocar os nomes dos bebês em balões com formato de letra, mas você não nos falou quais são! – Comentou Heitor.
- Pois é, nem eu faço ideia! – Do choro, Lorena foi ao riso. – Quero descobrir na hora do parto, aí eu decido os nomes na maneira que meu coração mandar!
- E para aqueles que não estão gestando, temos bebida à vontade! – Exclamou Sophia.
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Algumas brincadeiras básicas desse tipo de festa foram feitas, como adivinhar o sabor da papinha e brincar de STOP na versão universo infantil. Com quase todos bêbados, com certeza ficou tudo bem mais divertido.
Já havia passado das duas da manhã, Mari e Sophia resolveram dormir. Heitor foi curtir o resto da noite e arrastou Pedro para outra festa. Fernanda juntou o lixo, e depois tomar um banho para dormir. Amarrou uma toalha em volta do corpo e foi para seu próprio quarto, encontrando Ingrid sentada ao pé da cama.
- Vai para o seu quarto, cara. Eu quero dormir. – Reclamou Fernanda.
- Não até conversarmos.
- Não tem o que conversarmos. Sai daqui.
- Lógico que tem! Você simplesmente desligou o celular na minha cara aquele dia e nunca mais tivemos uma conversa completa.
- Ingrid, você transou com a Eleanor. Você transou com a Eleanor quando estávamos juntas! Alguns dias depois de deixarmos Emma na delegacia, você me traiu com uma de nossas clientes! E ainda continuamos juntas por um tempo enquanto você dormia com ela!! – Fernanda tomou todos os cuidados de jogar tudo na cara de Ingrid em um tom quase de sussurro para não ser ouvida.
- Eu sei, e quando eu confessei tudo para você naquela chamada, eu pedi perdão! Você não faz ideia do quanto tudo isso me consumiu!
- Você pediu perdão, mas eu não lhe perdoei! E repito: eu não lhe perdoo! E eu, bem trouxa, ainda achava que você estava a fim de Emma. Errei até a amante.
- Eu estava insegura com você. Toda aquela história da Lorena, e depois a Jennifer... quem garante que você também não estava fazendo algo escondido? – Ingrid indagou.
- Eu nunca iria lhe trair! Sabe por quê? Porque eu lhe amava, sua otária!
Ingrid então lentamente se levantou e se aproximou de Fernanda, que estava perto da porta. Então, pressionou a ex namorada contra a porta, fechando-a com força. Olhou fundo nos olhos de Fernanda, e se aproximou o suficiente para perceber a respiração ligeiramente ofegante dela. Ingrid fechou os olhos e aproximou sua boca à de Fernanda, que deixou o álcool falar mais alto e a beijou reciprocamente. Um beijo regado à certa mágoa e raiva que se tornou intenso, e, ao final, se converteu em um tapa no rosto de Ingrid.
- Vagabunda. Eu odeio você. – Disse Fernanda, encarando a ex.
- Você me odeia. Eu sei. – Ingrid respondeu, erguendo levemente sua própria perna e pegando a mão de Fernanda, colocando debaixo do vestido dela, sem calcinha.
- Você já está molhada? – Fernanda perguntou, sentindo as paredes do canal vagin*l de Ingrid com dois dedos.
- Ver você de toalha me excita. – Respondeu Ingrid, ao pé do ouvido de Fernanda.
- Tira esse vestido. – Ordenou Fernanda.
Ingrid logo acatou. Fernanda, por sua vez, jogou a toalha no chão e praticamente voou sob o corpo de Ingrid, jogando-a na cama.
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Lorena não conseguia dormir naquela noite. Começou a sentir algumas dores e, somado ao pico de açúcar no sangue, a insônia tomou conta. Pela janela, viu que alguns pratos haviam ficado do lado de fora, então foi buscá-los para lavar.
Ao empilhar os pratos, ouviu alguns barulhos estranhos. Alguns xingamentos. Ainda do lado de fora, Lorena percebeu que vinha do quarto de Fernanda. Uma fresta da cortina da janela do quarto da advogada, que estava de luz acesa permitia que Lorena tivesse acesso visual ao que estava acontecendo. Ao se inclinar para observar, seus olhos se depararam com uma cena cuja qual pensou que jamais veria: Ingrid, completamente nua, com as pernas abertas, enquanto Fernanda, também nua, por cima dela, fazia movimentos de penetração com uma das mãos, enquanto o outro braço se apoiava na cama. As duas pareciam bem concentradas, enquanto trocavam xingamentos de baixo calão, ofendendo-se de maneira que parecia excitá-las cada vez mais.
- Eu odeio você, sua desgraçada.
- Eu odeio você mais ainda, sua p...
Lorena assistiu à cena por quase dois minutos inteiros. Viu Fernanda parar por alguns segundos para trocar de mão, enquanto passava a se apoiar com o joelho, e com a outra mão livre, apertava o pescoço de Ingrid, que parecia sentir prazer na situação.
- Eu quero ch*par você. – Pediu Ingrid.
No breve segundo em que Fernanda saiu da posição para poder sentar no rosto da ex, Ingrid virou ligeiramente o rosto em direção à janela, e, percebendo rapidamente, Lorena se escondeu, abaixando-se completamente, enquanto começava a ouvir os gemidos de Fernanda. A sous-chef respirou fundo para tentar desacelerar as batidas de seu coração, que parecia sair da boca. Fechou os olhos por um segundo por não acreditar no que acabara de ver. Ficou atônita, sem reação, boquiaberta. Sentiu algo dentro de si que não conseguia nem ao menos descrever. Não sabia dizer se era bom ou ruim aquela sensação interna confusa. Concluiu que seria apenas o sentimento de ter visto algo inédito, que a surpreendeu, até porque isso mudaria completamente a maneira que veria Fernanda a partir daquele dia.
Como se não bastasse, ao retornar para dentro de casa, Lorena começou a sentir fortes contrações, de intensidade suficiente para deixar os pratos caírem de sua mão e se quebrarem.
Ao ouvir o som de louça se quebrando, Fernanda se assustou e saiu de cima da ex namorada. Ingrid se vestiu correndo e Fernanda pegou as primeiras peças de roupa que achou na mala e as colocou. Quando Fernanda abriu a porta do quarto, viu Lorena quase chorando de dor na sala.
- Vai chamar a Mari, acho que Lorena está tendo contrações. – Fernanda ordenou à Ingrid.
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Mari então foi com Fernanda para levar Lorena ao hospital. Enquanto o médico consultava a gestante, a gastrônoma e a advogada ficaram na sala de espera, apreensivas.
- Acho que fiz besteira hoje. – Comentou Fernanda.
- Como assim?
- Transei com a Ingrid.
- Pelo visto você a perdoou então.
- Muito pelo contrário. Eu ainda a odeio.
- Foi bom, pelo menos?
- O sex*? Sempre foi bom. Quimicamente combinamos. Mas cansei de me machucar. Eu ainda tenho que resolver meu rolo com Ângela e Pâmela.
- Vai ficar de vez com alguma das duas?
- Não sei, talvez seja hora de eu ficar um pouco sozinha.
Nesse momento, um dos médicos abordou a dupla.
- Alguma de vocês é Mariana?
- Eu. – A dona do restaurante respondeu.
- A paciente Lorena pediu para que a acompanhasse. As contrações já estão com intervalo de quatro minutos e dois dedos de dilatação. Ela já está quase em início de trabalho de parto. Pode iniciar a qualquer momento, portanto já vamos interna-la. Venha comigo para colocar avental, luvas e touca.
- Ela não falou nada sobre alguma Fernanda? – A advogada questionou.
- Apenas Mariana, senhorita. E só podemos levar um acompanhante.
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O dia já estava amanhecendo, e Fernanda aproveitou para tomar café na lanchonete do hospital. Não muito tempo depois, Sophia e Ingrid apareceram, encontrando-a quase pegando no sono em uma das mesas.
- Fernanda, não quer voltar para casa? – Sophia perguntou.
- Oi? Ah, bom dia... – Fernanda bocejou. – O que estão fazendo aqui?
- Mari me ligou, pediu para trazer a mala de Lorena.
- E o que ela está fazendo aqui? – Fernanda apontou para a ex.
- Eu vim para lhe fazer companhia, ué. – Ingrid respondeu.
- Prefiro ficar sozinha do que mal acompanhada.
- Não foi isso que você disse à noite...
- Eu estava bêbada, está bem? Bêbada e com ódio.
- Meninas! – Exclamou Sophia. – Mari acabou de me mandar mensagem! As crianças nasceram!
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Mari conseguiu tirar algumas fotos antes dos bebês serem levados para serem examinados e irem para a maternidade. Ela combinou de se encontrar com sua esposa, Fernanda e Ingrid na sala de espera.
- Vejam, um menino e uma menina! – Mari mostrava, sorrindo.
- Que bebês fofos! – Sophia admirava as fotos. – E Lorena, como está?
- Com um pouco de dor, mas está bem, logo estará voltando para o quarto.
- E quando eu posso vê-la? – Fernanda perguntou.
- Assim que ela estiver no quarto, creio que será permitido fazer visitas.
- E os nomes, ela já escolheu? – Ingrid questionou.
- Ela disse que o menino se chamará Mariano, em minha homenagem. – Mari respondeu, orgulhosa. – A menina, ela disse que ainda está em dúvida quanto a dois nomes, mas não me disse quais.
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Finalmente no quarto, Lorena teve acesso aos seus filhos e também a visitantes. Sophia, Ingrid e Mari se derretiam com os dois pequeninos, enquanto Fernanda foi diretamente falar com a melhor amiga.
- Você está bem? – Perguntou a advogada.
- Estou sim... as piores dores já passaram.
- Certo... posso lhe fazer uma pergunta?
- Pode sim, o que é?
- Por que você chamou a Mariana para estar com você na sala de parto?
- Porque eu já vi você passar mal na aula de educação física quando uma colega nossa teve uma fratura aberta no meio de um jogo! – Lorena explicou.
- Ah... – Fernanda riu. – Vi que você deu a versão masculina do nome da Mari para um dos bebês.
- Pois é, ela merece, ajudou-me desde o início, e me fez sentir em família.
- E a menina?
- Bem, eu estava em dúvida, mas acho que já decidi, ela se chamará Lilian, em homenagem a sua mãe Liliane. Se não fosse por ela, com certeza eu não teria vindo para cá e mudado minha vida completamente.
- Mariano e Lilian então? – Ingrid, que ouvia a conversa, aproximou-se.
- Sim. – De repente, Lorena ficou desconfortável e séria.
- Se eles nasceram em Holambra, eles são Holambrianos? – Ingrid questionou.
- Holambrenses. – Lorena respondeu mais uma vez objetivamente.
- Meninas, vou voltar para casa e buscar os garotos para visitar. Devo levá-los de volta à São Paulo, mas posso voltar a noite. – Mari sugeriu.
- Sem problemas, Mari. Lorena ainda tem que ficar aqui por mais dois ou três dias. Eu alugo um carro e levo Lorena de volta. – Fernanda sugeriu.
- Você trabalha na segunda e na terça, Fernanda. – Lorena interveio. – Heitor entrará de férias a partir de amanhã, conversei com ele agora há pouco por telefone, ele disse que vai ficar uns dias por causa dessa garota que conheceu em uma festa, então essa semana ele aluga um carro e me leva.
- Heitor vai ficar? – Mari perguntou, surpresa. – Pois bem. Vou deixar a chave da casa com ele então, talvez vocês precisem da casa por uns dias, de qualquer forma não sei se é seguro levar dois recém-nascidos assim na estrada nos primeiros dias de vida.
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Fernanda voltou para seu apartamento vazio, com o quarto dos bebês ainda com os berços desmontados, enxoval por todos os lados, e decoração pela metade. Como ainda achavam que teriam pelo menos mais duas ou três semanas, adiaram os pormenores. Para não ter que fazer tudo sozinha, engoliu seu orgulho e fez uma ligação.
Ingrid, em menos de uma hora, estava lá com uma caixa de ferramentas.
- Eu sabia que uma hora você iria precisar de mim. – Ingrid provocou.
- Eu só chamei porque você montou meu armário uma vez. E porque você tem uma caixa de ferramentas.
- Eu sei, eu estava brincando, bobinha. – Ingrid respondeu, enquanto lia o manual de instruções dos berços.
- Eu gostaria de conversar sobre a noite passada. – Fernanda foi direto ao ponto.
- Sério? – Ingrid segurou o sorriso e voltou os olhos à leitura. – Digo, sou toda ouvidos.
- Aquilo foi uma recaída. E não vai acontecer novamente.
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Algumas horas depois, no tapete do chão do quarto dos bebês, Fernanda e Ingrid, seminuas, deitavam lado a lado.
- Acho que aconteceu novamente... – Ingrid comentou, olhando para o teto.
- Pelo menos um dos berços já está quase montado. – Fernanda resolveu mudar de assunto.
- Estou aqui há quase três horas e nem 50% do trabalho está feito.
- Acho que agora entendi como se faz, eu consigo sozinha. – Disse Fernanda.
- Mas você precisa de ferramentas, e eu não vou deixar as minhas com você.
- Tudo bem, amanhã eu compro uma caixa nova de ferramentas, eu estava precisando mesmo.
- Isso é uma tentativa sutil de dizer que tenho de ir embora agora?
- Não. Eu não estava tentando ser sutil.
- Uau... – Ingrid arqueou uma sobrancelha. – Você melhorou bastante no quesito resposta rápida desde que terminamos.
- Na verdade melhorei depois que peguei ódio de você.
- Você sabe que amor e ódio são separados por uma linha tênue, né?
- Ingrid, vamos falar sério agora. Há certas coisas que meu coração não consegue aceitar. Por exemplo, nunca perdoei Jennifer por ter me traído e me contado por uma ligação. Anos depois, e isso ainda me machuca, só que com o passar do tempo a ferida vai sendo trocada por uma simples indiferença, mas eu nunca mais tive vontade de ficar com ela.
- Acho que eu deveria ter esperado para lhe contar pessoalmente o que aconteceu, então. – Ingrid suspirou.
- Pensando melhor, no fim das contas, não teria feito diferença. Eu estaria magoada de qualquer maneira.
- Teria sido melhor não ter lhe contado então?
- E viver uma vida de mentiras?
- Não é o que você vive com Lorena?
- Não é uma boa hora para você me jogar na cara a respeito da minha vida no armário, Ingrid. São coisas bem diferentes. Acho melhor você ir embora.
- Entendo. – Ingrid então se levantou e vestiu sua calça. – Só queria que você soubesse que eu me martirizo dia após dia por ter cometido esse erro com você. A gente só valoriza quando perde o amor da vida da gente.
Fim do capítulo
Alguns títulos se referem a pedaços de algumas músicas que ouvi enquanto escrevia o capítulo.
A música referente a esse capítulo é esta: Fall Out Boy - Thnks Fr Th Mmrs (Audio) (HD) - YouTube
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