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A tragicomédia de Morgana por shoegazer

Ver comentários: 2

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Palavras: 4854
Acessos: 457   |  Postado em: 13/12/2022

Notas iniciais:

Alguém pronta para o capítulo de hoje?

Corpos expostos

 

Parabéns pra você, nessa data querida, muitas felicidades, muitos anos de vida! É big, é big, é big é big é big! É hora, é hora, é hora é hora é hora, ra, ti, búm! Morgana, Morgana! Viva a Morgana, viva!

Faça um pedido, minha filha. Fez? Você pediu o quê? Ah, não vai contar pro papai? É segredo? Quer que se realize? Então vai se realizar!

Foi no dia 27 de dezembro.

O que a gente sente quando morre? Nós sabemos que estamos morrendo ou nossa vida só se esvai, como se estivéssemos pegando no sono?

Seguro uma maçaneta, e abro a porta.

 

Vejo aquela cena. Aqui estou eu e ele.

 

Olha o que o papai comprou pra você!

Ele entrega o presente nas minhas mãos e retiro o papel de embrulho.

Romeu e Julieta? Como o senhor sabia que eu queria?

Porque eu vi você olhando pra ele da última vez que saímos, me perguntando se conhecia. Aproveite! Sei que vai gostar.

 

Meu pai é o melhor pai do mundo.

 

Minha mãe é a pior mãe do mundo.



Cheiro de pele queimada. Olho para mim. É minha pele queimada em brasa de cigarro, ainda vermelha, viva, sangrando, com cinzas em cima dela. Numa região que ninguém pode ver pra ninguém perguntar quem fez.


Foi a mamãe que fez, ali, no canto da barriga.


Não toquei no tom certo, e ela estava de mau humor.

Fiquei com vergonha depois disso.

 

Minha boca está amarga.



— Morgana!

Um grito de dor de fundo. Tem alguém me chamando?

Quer dizer...

Qual é mesmo meu nome?

 

 

 

Morgana, desculpe, mas eu não aguento mais essa vida. Eu nunca vou ficar bem.

Não, por favor, não, Valentina, pensa melhor. Você só está pensando assim porque não está tomando seus remédios e...

Estou cansada de ser dependente deles pra viver.

O que eu vou fazer sem você?

Vai ficar melhor sem mim, com certeza.

Não me abandona, por favor.

Você está sofrendo, eu vejo no seu rosto o medo de estar fazendo alguma coisa errada e que me deixe pior. Não posso mais viver assim...

Não sei o que fazer sem ti... Eu te amo por você mesmo, mas por favor, não me abandona! Não quero mais viver sozinha...

Não se preocupe, eu não estou te abandonando, só quero ir pra outro lugar que não seja refém da minha mente.

É esse o problema, não é? Eu sou covarde...

Não, tudo bem, eu sei que você será feliz bem longe daqui...


Não, por favor, Valentina, não!

 

Nota de pesar

O corpo da jovem V. fora encontrado já sem vida no seu quarto no hospital psiquiátrico ao qual residia há um ano e meio. Estudante de Farmácia, estava no último período quando teve seu primeiro surto psicótico. Fora internada poucos meses depois.

Filha mais nova do casal M. e F., ela será velada no cemitério israelita local.

O que chama atenção é que M. , amiga íntima que encontrou o corpo ainda de manhã, não aguentou acompanhar o velório. Chorou ajoelhada pedindo ela de volta. Após uma síncope, fora carregada de volta para a clínica onde as duas residiam.

Boatos concisos alegam que ela acabou tendo que ir para a ala de tratamento mais severo após o acontecimento.

Os pais negam qualquer envolvimento amoroso entre as duas.

 

 

Eu fui feliz algum dia?

Não entendo o que é ser realmente feliz.

Onde está essa tal felicidade? Em alguém, em alguma coisa? Dentro de nós?

Não a encontrei em lugar nenhum.

 

O que ele está

fazendo?

Isolda,

quem te machucou?

Você está machucada, não está?

 

Por que

você

está

sangrando?

 

Quem te machucou,

maninha?

 

— Morgana!

 

Mais um grito desesperado. Essa pessoa está desesperada.

 

Eu conheço essa voz? Não tenho certeza.

Oxigênio,

barulho de rodinhas.

Lágrimas nos olhos.

 

Quem será essa Morgana que tanto chamam?



O palco vazio novamente. Aplausos. Cadeiras vazias ao redor. O som do trompete de fundo, iniciando a cena.

 

Meu mundo começou a se dissolver no dia 07 de dezembro daquele mesmo ano, duas semanas e meia antes de tudo. Foi quando soube de tudo.

 

Desde quando isso está acontecendo?

Desde meus treze anos.

Vou vomitar.

Vomito nos meus próprios pés, ali mesmo, mas logo não tem mais nada.

O barulho de piano no palco. 

Levo o olhar até lá. Uma garota de cabelos pretos até os ombros e olhos compenetrados toca. Há uma orquestra a acompanhando. Eu conheço essa música.

— Foi a primeira música que você tocou em público, quando tinha cinco anos.

Eu reconheceria aquela voz em qualquer lugar.

— Como se lembrou disso?

— Porque se eu não te elogiasse nesse dia, você não continuava.

Uma apresentação de balé clássico começa. Mais aplausos. Ela sobe no palco, mas continua ali, e o par começa a dançar no ritmo que é tocado. Assistimos a aquilo em silêncio.

 

 

Alguma coisa acontece de fundo.

Há um incômodo na minha garganta.

Alguém está perdendo a pressão e precisa de alguma coisa... Adrenalina? Pelo menos é o que eu entendi.

Parece uma conversa abafada de fundo. Está muito longe para que eu ouça direito.

 

 

A apresentação continua. Ela toca muito bem mesmo.

— Valeu a pena? - Eleanor pergunta pra mim - Renegar nosso nome e seu talento a troco de viver essa vida?

— Está me perguntando se me arrependo do que fiz? - nego com a cabeça - Acho que me arrependo do momento em que nasci de você, Eleanor.

Ela dá um riso alto, mas as pessoas que tocam parecem não se incomodar.

— Você sempre foi emotiva demais, Morgana - ela balança a cabeça com ironia - e isso que acabou te matando.

— Acho que nunca vai aceitar que não sou o que você quis.

— Ou admitir que no final das contas, você me odeia por sermos a mesma pessoa...

— O que faz a senhora dizer isso?

A pessoa do palco começa o terceiro movimento, frívola, como se tocasse por sua vida, ou melhor... Para manter atenção daquela que tanto a olha da plateia.

Porque só isso importava pra mim quando ela estava lá.

— Ambas fingimos ter uma vida que não temos, nós duas ignoramos as coisas que nos fazem mal porque não conseguimos lidar com elas, e... - Ela se volta pra mim - Eu e você fugimos da realidade.

— Quer me comparar a você? - meus olhos seguem a bailarina - Suas duas filhas, vindas do seu ventre passaram pelo que passaram e você sequer teve consideração de nos visitar ou perguntar por nós, e quer dizer que somos iguais?

— Com a diferença que você ainda tem esse maldito coração que pulsa incessante em seu peito...

O piano toca ainda mais urgente no fundo.

— Você era realmente talentosa, Morgana - ela diz séria - seu futuro nos palcos era promissor, e você...

— Eu passei sete anos em um hospício, a única pessoa que amei se matou, você me maltratou de todos os jeitos, meu pai era uma mentira, nossa vida foi pra dentro de um buraco! - digo quase gritando -  Você sequer se importou com Isolda ou comigo!

— Acha que tinha tempo pra aguentar o choro descabido de vocês duas? - ela fala com rancor - Isolda já era um caso perdido, mas você, Morgana?

— Eu nunca fui vista como uma filha - nego novamente - eu era só uma continuação do seu nome, tudo sempre foi só sobre você. Algum dia a senhora parou pra pensar em nós?

— Baboseiras sentimentais nunca levam ninguém a lugar nenhum, isso só te estragou - seu tom soturno que bem lembro - e você... - ela pega a cigarreira de prata e pega um dos cigarros, acendendo, jogando a fumaça de fundo - era a minha única herdeira.

— Foi por isso que nunca nos visitou? - digo com notável tristeza - Por que pra senhora fracassamos?

— Não, é bem pior que isso... - ela engole em seco - Porque e olhar pra vocês era sinônimo do meu próprio fracasso.

E me encara com os olhos vazios, como se sua alma tivesse sido perdida no trajeto em um doloroso martírio.

— Você acha que foi a única que não soube lidar com isso?

 

 

 

— A oxigenação está muito baixa, chamem os reforços!

Mais um grito desesperado de longe chamando por essa Morgana.

— Temos que...

 

 

— A pergunta é - ela dá um longo trago - você prefere viver uma linda mentira ou a triste realidade?

— Primeira opção - digo com amargor - quando eu lembro de quem eu sou, tenho uma profunda tristeza. Quando eu penso em quem posso ser, tenho esperanças. Foi o que eu fiz até aqui.

— Tolo é aquele que diz não querer viver na mentira - ela encara crítica os movimentos da bailarina - quando a verdade te trucida até a alma. A realidade é feia, mas você a escolheu. Nunca conseguiu viver muito tempo na mentira.

— As pessoas não entenderiam o que aconteceu... - encaro-a de soslaio, e ela continua fumando - Mentimos por necessidade, não por prazer.

— Mas a sua consciência pesou - ela me olha de volta - por isso se culpa tanto.

— Me culpo porque sempre acreditei que tudo que aconteceu foi culpa minha - digo entre os dentes - Você mesmo não disse isso?

Ela termina o cigarro silenciosa, e dá um sorriso consigo, apagando a bituca na cigarreira ao lado.

— Você preferiria que eu admitisse que ela fosse a minha? Você bem sabe o que aconteceu depois provou que não.

É, ela tem razão.

Mas agora, Eleanor fecha os olhos, parecendo aproveitar o momento.

Nunca pensei que pudesse me ver naquela posição, tocando com afinco, uma orquestra acompanhando, e a bailarina seguindo cada movimento como se fossem parte de uma coisa só. Sequer conseguem acompanhar o ritmo em que o piano é tocado.

— Não temos como saber o final se fosse diferente.

Bato as mãos com força no teclado encerrando a música, e a plateia vazia aplaude fervorosamente.

Ela abre os olhos e me encara séria, voltando a olhar para o palco.

Morgana vai pra frente, e agradece os demais junto com a bailarina. Elas juntam as mãos, e fazem uma reverência à plateia. Eleanor se levanta para aplaudi-la.

As cortinas se fecham.



— Estamos perdendo ela...

 

 

Estou em uma cama, com eletrodos colados em mim. Eu estou segurando o apetrecho do lado de fora, regulando a voltagem com a roupa do hospital. Já eu fico amarrada na maca.

— Não acha que sua sexualidade é fruto direto dos traumas da sua vida?

— Não, eu já era assim desde antes de...

Ela aperta o botão, e recebo uma onda de choque no corpo. Meu olhar contra mim é de prazer velado.

— Sua mãe deve te odiar porque você é gay. Nunca parou pra pensar nisso? Fez tudo o que podia, e ainda assim não foi o suficiente.

— Ela me odeia porque sou filha dela, não...

Mais choque. Ela coloca um pano na minha boca para que eu não morda a língua.

— Se eu te consertar, talvez ela te aceite de volta.

Não consigo falar nada. Meu corpo inteiro se balança, meus olhos se reviram, e Morgana ri com sua roupa de algoz.

— Estou fazendo isso pro seu bem, Morgana - ela se aproxima de mim - estou te machucando porque gosto de você.

A onda é mais forte dessa, sentindo contra o meu peito.

Acabo apagando.

 

 

Quando acordo, estou no meio do nada. Um grande vão em que meus pés tocam uma superfície inexistente. É tudo escuro, mas ainda assim consigo enxergar.

Na minha frente, estou eu novamente. Mesmas roupas, mesmo corte, mesmas marcas. Nos encaramos. Quando mexo minha mão, ela mexe a dela também. É como um reflexo no espelho.

— Passamos a vida toda nos amarrando a quê? - sua pose, gestos são iguais aos meus - Pessoas que nunca se importaram, traumas, medos... Pra que serviu a nossa existência? Pra nada além de sofrimento e migalhas de alegria?

Eu nunca consegui responder a essa pergunta.

— Eu sei disso - eu, que no caso é a outra, responde por mim - por isso nada mais importou.

— Porque não importasse o que fizesse...

— Eu continuaria sendo aquilo que sou.

— Farsa.

— Fraude.

— Fracasso.

— Uma falha.

— Alguém a ser esquecido.

— Um problema na vida de todo mundo.

— Eu não deveria...

— Ter...

— Existido - dizemos ao mesmo tempo.

Ela puxa uma faca, e segura meu rosto. Faço o mesmo.

— Isso logo vai acabar.

Lentamente encostamos a ponta na testa uma da outra, e nos furamos. Não sinto dor alguma, muito menos receio. No mesmo modo que ela crava a lâmina, o mesmo aparece nela. A palavra “erro” em letras garrafais, talhadas em sangue repleto de remorso. Nossas lágrimas são as mesmas. Estico a mão para enxuga-las.

— Sempre acabamos chorando no final.

— E sozinhas.

— A vida é um trajeto solitário, no final das contas.

— Ainda me sinto tão... Ferida.

— Eu sei bem disso.

Ela me deita lentamente naquele chão, com a faca em punhos. Seus olhos são tortuosos. As mãos estão cravadas junto com a faca, assim como eu.

— Só nós sabemos pelo que passamos.

— E ainda assim... - minha voz sai como um sussurro - não queremos acreditar.

— É mais fácil quando fingimos que não.

— Só acabe logo com isso.

E só um golpe certeiro é suficiente para que tudo se apague novamente.

 

 

 

Barulho de mar no fundo. Meu corpo está gelado.

Abro os olhos, e estou na beira da praia. O som da água batendo nas pedras, a água passando pelas minhas costas, como se tivesse dormido e acordado ali. Levanto. Minha roupa está toda molhada.

Toco o meu rosto. Está molhado, mas não sei dizer se de lágrimas ou água do mar. Estou sozinha. Olho pra cima, não tem sol, mas está tudo claro.

Não sinto nada.

Questiono-me se eu morri e se sim, se é isso que tem do outro lado.

Entro na água devagar, e está frio. Sinto o sal no ar, e fico com a água até a cintura. Mergulho e volto. Não sei nadar para ir para longe. Olho para trás. Não tem casas, cidades, só areia até o horizonte. Do outro lado, mais água.

Não tem como contar o tempo que passei na água antes de sair. Pode ter sido cinco minutos, mas também pode ter sido meia hora, uma. Isso realmente não importa ali.

Me deito na areia. Está claro, mas não há sol. O vento bate na roupa molhada, insistindo em secá-la.

— Estou atrapalhando?

Ela deita do meu lado.

— Não.

A brisa bate com um pouco mais de força. Ela usa seu vestido preferido.

— Está se sentindo melhor?

Dou com os ombros. Não sei como responder a essa pergunta.

— Não sinto nada.

— Você tinha prometido pra mim que não faria isso... - ela diz descontente - Por quê?

— Poderia te dar muitas justificativas, mas a verdadeira é que... - pressiono os lábios - No final das contas, não estava pronta pra isso, entrei em crise e minha cabeça só pensava em acabar com tudo de uma vez.

— Não estava ou só achou que não?

— Como poderia ter uma vida nova se a antiga sempre vai estar comigo? Sabe como ninguém que o que me dava esperanças era isso de esquecer toda essa merd*...

— Mas a mesma pessoa que é lá fora era que era lá dentro - ela se vira pra mim - com a diferença que mudou de nome e fingiu que não sabia tocar.

— É mais fácil criar uma realidade do que ter que lidar com a minha...

— Elas gostavam de você o suficiente pra não se deixar levar por isso... Ficou com medo de te julgarem?

— É claro, nunca foi fácil falar sobre isso.

— Não estou falando que é fácil, nunca é, mas até onde eu lembre, você fazia terapia justamente pra se aceitar e aceitar o que aconteceu em vez de ignorar.

Dou com os ombros. Ela tem razão.

— E agora sabem, e estão sofrendo por isso.

— Por que está dizendo isso?

— Quer dizer - ela ri com desdém - o que te diz que você não morreu e descobriram posteriormente o seu passado e agora se culpam por não terem te ajudado justamente por não saber?

— Não faz diferença...

— Você só vai começar a ter paz quando se aceitar, Morgana. Cansei de te dizer isso, e parece que você teve que ir até o limite pra saber disso.

— Do que está falando?

— No dia que você fizer as pazes consigo mesmo e aceitar que a culpa não foi sua e que você só é uma vítima de toda essa merd* que nem foi sua irmã.

— E como é que faz isso?

— Você se lembra quando começamos a compartilhar nossa vida escrota uma com a outra e veio me falar feliz que estava tendo melhora na terapia? - assinto que sim - Seria tipo isso.

— Assim parece simples, mas você era diferente Valentina, você... - engulo em seco, colocando seu cabelo para trás como gostava de fazer - eu te amava, não tinha como...

— E não é porque você amou uma vez que não amará novamente, Morgana - ela diz séria, me olhando de soslaio - você fora a única pessoa que eu gostei de fato na minha vida, e gostava o suficiente pra querer te ver feliz. Eu sempre quis que você fosse...

Ela segura meu queixo.

— E algum dia eu fui?

— Você se sentia triste quando tomávamos banho de sol e esfregávamos nossos pés uma na outra? Quando líamos as peças? Quando dormíamos juntas?

Nego com um aceno.

— Não se sentiu feliz quando viu a praia? Quando saiu com suas amigas? Quando passou a noite vendo filmes e rindo, falando sobre qualquer baboseira?

— Eu não me sentia infeliz...

— Então aí estão a resposta - Valentina dá um sorriso acanhado, e eu retribuo com uma careta.

— Então quer me dizer que não sei reconhecer a felicidade?

— Quando um ser só é agredido a vida inteira e em um dado momento ele recebe afeto, ele vai entender aquilo como carinho ou como algo estranho?

Dou com os ombros. A resposta parece óbvia.

— Por que teria que confiar se, no final das contas, sempre acabo machucada?

— Porque, no final, sempre acabamos sendo otimistas...

Meus olhos pesam, tremem querendo chorar, mas não conseguem.

— Estranho vindo de alguém que me abandonou no meio da merd*.

— Eu não te abandonei - ela passa a mão contra a minha bochecha, me acariciando - eu só desisti de mim mesmo, é diferente.

— E você se arrepende?

Ela dá com os ombros.

— Não posso responder algo que não sei.

Valentina se levanta e dá as mãos para mim.

— Vamos?

— O quê?

— Estou te devendo um banho de mar, não estou?

Seu rosto ainda é o mesmo que eu lembro. Seus trejeitos, modos, o toque da sua mão quente contra a minha me faz sorrir... Seus lábios acanhados de lado me levando até a água gelada.

Estamos indo até o fundo. Hesito, mas ela aperta minha mão, falando que está tudo bem.

Então, ela conta até três, e mergulhamos.

Um.

Dois.

Três.



 

— Senhoras e senhores, por favor, fiquem nos seus lugares. A peça já vai começar.

Voz de interfone. Passos em todos os lugares.

Estou na fileira da frente mais uma vez e também estou em cima com um microfone. Agora as cadeiras estão cheias de rostos conhecidos. São conhecidos? Uso uma espécie de paletó preto, com uma gravata mal colocada na mesma cor em um número maior que o usual.

Minha figura no palco não deve ter mais que doze anos e se veste de forma igual a minha. Foi bem na época que comecei a ler peças e ensaiar minhas primeiras histórias.

Sei por conta desse corte de cabelo, e também porque sei que foi daí que as coisas começaram a dar errado e comecei a me questionar o que faria se eu tomasse um rumo diferente do que queriam.

Então, até que faz sentido me ver nessa posição.

— Eu agradeço a todos que vieram assistir minha peça, é realmente muito importante ver tantos rostos conhecidos...

Só pode ser um sonho. Jamais teria essa desenvoltura pra falar em público, ainda mais tão nova.

Meu pai está no meu lado, e minha mãe do outro. Isolda se encosta atrás de mim. Os demais devem ser as outras pessoas que conheço.

Sim, é um sonho. Meus pais próximos assim sem brigar jamais aconteceria.

— Então, com vocês... "Como minha vida foi fodida!"

Bom título, a propósito. As cortinas se abrem.

Ah, essa cena aí eu conheço.

Primeiro ato.

Morgana volta com as roupas da escola, e está tocando o piano. Eleanor vai e apaga um cigarro no braço dela.

— Ai, mãe, isso dói!

—Vai doer mais se não tocar direito!

A plateia ri, e Eleanor ao meu lado concorda.

— Se você não for a melhor, ai, ai viu, Morgana!

Eles começam a gargalhar, e Morgana corre para o quarto cenográfico, deitando na cama, pegando a caneta e um caderno. Tudo é bem caricato como uma peça de teatro escolar com cenários improvisados com materiais gastos e figurinos de segunda mão.

— Quando eu crescer, as pessoas vão encenar as minhas histórias... Vou ser tão boa que minha mãe vai ter que aceitar que vou ser a melhor no que eu escolhi, e não só tocando!

O barulho de fofura sai da plateia. A atuação também é bem burlesca.

O palco gira e Morgana está apanhando mais uma vez.

— Filha minha não é sapatão! Promíscua! Vou te fazer ser gente em um instante!

Gira de novo.

— Calma, filha - o pai cenográfico diz - vai ficar tudo bem, o pai está aqui. Vou conversar com sua mãe, tá bom? - eles se abraçam - Eu amo você.

Mais sons que imitam que acham a cena fofa.

Segundo ato.

Ele está em cima dela, indo e voltando. Eu vendo a cena no canto sem reação. Meu pai aplaude.

Isolda chora.

— O que ele está fazendo contigo? - a atriz fingindo que sou eu balança os braços de Isolda - Ele está fazendo isso desde quando?

Desde os treze anos, repito na minha mente.

— Já falou pra mãe? Não? Está com medo de quê?

— Que ela me culpe, e talvez a culpa seja minha... Eu devo ter feito alguma coisa errada pra ele fazer isso comigo.

— O que ele disse pra você?

Que eu estou muito gostosinha, que é melhor um de casa que um de fora... repito na minha cabeça novamente.

— Temos que falar pra mãe!

— Não, por favor, não! - a Isolda da plateia diz.

— Você está machucada - as mãos dela manchada de líquido vermelho, se ajoelha e começa a chorar abraçada com a irmã.

— Ele já fez isso contigo alguma vez?

Nunca, repito em minha mente.

— Jamais faria isso com minha filha - meu pai diz ao lado - ela é tudo pra mim! Já a bastarda... Bem, ela está sempre me provocando, e eu sou homem, não é?

Terceiro ato.

O jantar.

Eles começam a brigar, derrubando todo o cenário. Morgana está no canto, com as mãos na cabeça.

— Seu monstro, como teve coragem de fazer isso com minha filha?

— É mentira! Além de uma bêbada, é uma mentirosa! Não vale nada!

— Morgana jamais seria capaz de inventar uma coisa dessa!

— Morgana? - ele diz incrédulo - Filha, você me traiu?

— Me desculpe, pai - ela diz chorando - eu não aguento mais ver Isolda sofrer.

— Eu vou te matar, Renato! - Eleanor corre para a escrivaninha, e puxa a pistola dele de lá.

Ele levanta os braços. Ela treme e chora.

A plateia parece ir ao delírio.

— Quem você é pra falar alguma coisa? - ele diz entre os dentes - Você não gosta dela, afirma a todo tempo que ela foi um erro do seu primeiro homem, e maltrata nossa filha sempre que pode. Se eu sou um ser humano de merd*, você é pior!

— Cala a boca senão te mando direto pro inferno!

— Então carregue essa culpa por resto da sua vida, Eleanor! De nunca ter sido mãe e ter escolhido um monstro pra ser o pai daquela que nunca vai herdar seu trono!

— E você acha que é digno de me julgar, Renato? Baseado no que? Que você é homem? Que é um bom pai que desvirtuou os valores de minha filha com essa maldita conversa de seguir o que ama com essa escrita estúpida e uma vida de sodomia?

Esse diálogo tomou uma bela licença poética. Quem dera tivesse sido assim. Morgana fecha os olhos e tampa os ouvidos.

Ele puxa uma arma do coldre, e aponta pra ela.

— Então ambos pagaremos pelos nossos pecados.

— Você vai perder a melhor parte? - diz meu pai do lado, e respondo que sim.

Eu já sei bem como termina.

Eles atiram entre si, e caem. Morgana vai até o pai aos prantos.

— Não chore, minha filha. Eu vou ficar bem.

Dessa vez não tem aplausos, mesmo sendo o ponto alto da história.

Ato final.

Morgana, no chão, com a boca ainda espumada é levada sedada em uma camisa de força, em uma ambulância de papelão.

— Me diz que ela vai ficar bem, por favor - minha tia diz aos prantos abraçada com minha irmã.

— Quem sabe? - diz o enfermeiro - Só o tempo irá dizer, mas vamos torcer para que sim.

E acaba.

As cortinas se abaixam, e a plateia vai ao delírio. Meus pais se levantam, mas encaro sem dizer nada.

Morgana e os outros atores entram, formam uma fileira para receber as honras da plateia.

Jogam flores, e Eleanor vai até o palco entregar o buquê para elas. Elas se abraçam. Meu pai sobe e vai abraça-la também. Isolda vai em seguida, e os quatros vão mais para frente receber mais aplausos.

Todos estão felizes ali.

Toco meu rosto, que está previamente úmido pelas lágrimas. Aplaudo a mim mesmo, que dá um longo e animado sorriso, acenando pra mim, pulando.

O som de aplausos começa a se misturar com um bipe de longe. É um barulho contínuo, e não consigo me concentrar bem no que está acontecendo.

Morgana ainda acena para os demais. A família acena, e a plateia ovaciona a todos. Ela transparece tanta felicidade que sequer consigo conceber que seja eu ali mesmo.

Não sei...Não consigo compreender o que está realmente acontecendo. É como se fosse sumindo e ficando confuso.

Então fica tudo escuro por um longo período, como se tivesse submersa. Aquele barulho de longe parece me chamar. O que sei é que está frio, e tenho consciência de que meus olhos estão fechados, e que estou em algum lugar. Tem algo macio embaixo de mim.

Me esforço para abrir os olhos, mas não consigo de primeira. O barulho fica mais intenso. É como carregar algo pesado nos braços o qual você se esforça muito pra segurar enquanto anda. Tem alguma coisa presa na minha garganta, sinto com o ir e voltar da minha respiração.

Então, eu consigo. De primeira, é um pequeno fio de horizonte iluminado que então, lentamente, vai se abrindo.

Vejo meus pés cobertos por um lençol branco, assim como o resto do meu corpo. Só agora reconheço que é um barulho mecânico bem ao meu lado. Minhas mãos...Tem alguns fios presos nela, principalmente na ponta dos meus dedos, e outros colados a mim.

Tem alguém dormindo ali, mas não consigo compreender quem seja. É como se eu soubesse, mas esqueci quem fosse em um lapso de memória que está na ponta da língua. Aperto brevemente minha mão direita. Tem alguma coisa nela. Quando faço um pouco mais de força, soa um apito. A mulher se levanta no mesmo instante, chocada, surpresa, sem ar, e corre para porta, falando alguma coisa.

Não sei, desculpe, está tudo muito confuso pra mim.

Só sei que as pessoas com roupas... Brancas, acho que é essa a cor, chegam, e ficam ao meu redor, com uma luz nos meus olhos e aquele barulho fica mais intenso, e aquela coisa na garganta piora. Começo a sufocar.

— Chamem o médico, agora! - uma das pessoas grita com urgência - Ela acordou!

A mulher no canto parece chorar aliviada com a mão na boca, olhando para mim.

O que aconteceu comigo?

Fim do capítulo


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Comentários para 33 - Corpos expostos:
Billie Ramone
Billie Ramone

Em: 14/12/2022

Eu estava esperando por esse momento, mas... estou perplexa... meio que adivinhava o que se passava com Isolda, e o motivo de Morgana ter perdido a sanidade assim, enfim.

Só uma dúvida me resta: a Morgana tem Transtorno de Personalidade Borderline?


Resposta do autor:

E aí, o que achou? Era algo mais ou menos do que esperava?

E, bom, eu acredito que sim! Eu acho que com o que ela faz, como suas atitudes e certos tipos de pensamentos condizam com quem tem esse transtorno, infelizmente.

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Marta Andrade dos Santos
Marta Andrade dos Santos

Em: 13/12/2022

Misericórdia mulher tu voltou dos mortos glória.


Resposta do autor:

Essa aí flerta com a morte viu

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