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A tragicomédia de Morgana por shoegazer

Ver comentários: 3

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Palavras: 4213
Acessos: 511   |  Postado em: 12/12/2022

Notas iniciais:

Coloquem a armadura de vocês, porque o gatilho nesse capítulo vai rolar solto.

Maçã podre

 

Ela não me respondeu mais.

— Morgana?

Encaro as teclas a esmo à minha frente. Não atendeu as minhas ligações.

— Morgana - Cris fala de fundo em uma entonação mais longa, mas não consigo prestar atenção.

O que eu fiz de errado?

— Morgana! - ela balança meu ombro, chamando minha atenção.

— Desculpe, acho que... - minha voz falha - não estou no clima de tocar hoje.

— E desde quando você precisa de inspiração pra tocar?

— Não consigo me concentrar - viro o banco e me volto para ela, que coloca seu instrumento de lado, e suspira insatisfeita.

— O que está te incomodando?

Certo. Eu não me envolvia com ninguém assim há anos, e possivelmente nunca a esse ponto, já que anteriormente tinha suas, digamos, particularidades. Então, depois de tanto evitar, acabei cedendo aos meus sentimentos e, consequentemente, me senti tão à vontade que fiz algo que jamais pensei fazer um dia, que é dormir com alguém novamente e pior, achar que foi a melhor coisa que já fiz.

Depois disso, ela sai sem dizer nada e não fala mais comigo. Já vai fazer uma semana. Me sinto péssima. Há uma coisa presa na minha garganta que não sai, só se acumula, e pesa em meus ombros. Checo meu telefone com frequência esperando uma resposta que não chega e me sinto ainda pior.

— Acho que estou frustrada.

— Com seu novo trabalho? Pensei que estava indo tudo bem.

— Não é com ele - digo relutante - é com outras coisas.

— Mas, até onde eu bem lembro - ela abraça o violoncelo - você sabe lidar muito bem sob pressão.

Isso foi antes de tudo, e do que adiantou? Levou minha saúde mental a frangalhos e anos até me recuperar em parte. Se lidar com essa cobrança horrenda fizesse bem, eu estava ótima, e não do jeito que estava.

— As coisas mudam - e olho para as teclas de relance. Ela ri.

— Sei bem disso - e abraça o violoncelo - o que não muda é que você continua sendo a melhor pianista que conheço.

Dou com os ombros, e Cris pigarreia.

— Não sei porque desperdiça seu talento fazendo historinhas.

— Por que, diferente de ti, eu não tocava por amor, eu era obrigada - digo em um tom sério. Ela realmente não mudou nada - ou já esqueceu disso?

— Não tem como esquecer - ela nega fazendo uma careta - mas, sinceramente Morgana, você é talentosa pra caramba. Se as companhias soubessem que...

— Não vão saber.

— Você ainda toca, vão brigar entre si só pra te ter - ela afasta o violoncelo e vai para o meu lado, se apoiando no piano - e não é nem pela sua mãe. É por ti.

Não tenho o que dizer, então só a olho de relance e volto a encarar o teclado.

— Ela sabia que você ia ser mais famosa do que qualquer um da família - Cris olha para sua frente sem me encarar - vai ver por isso insistiu tanto pra levar o sobrenome pra frente.

— Como se fama fosse sinônimo de alguma coisa - respondo com desdém.

— Por isso sumiu? - ela se volta pra mim - Não quis mais carregar esse fardo?

— Só não quero mais ter que carregar um peso que não é meu, isso... - cerro os olhos - Só me causou sofrimento.

— Aí resolveu usar seu talento nato nas teclas de um computador - ela ri com sarcasmo, e a encaro séria.

— Por que se incomoda tanto eu não ter seguido a mesma carreira que você? - levanto do banco. Parece o tipo de conversa que teria com minha mãe, e isso começa a me deixar angustiada.

— O que me incomoda é ver você viver uma vida medíocre fora dos holofotes enquanto é bem maior que isso, Morgana - ela leva as mãos para o ar - era pra estar tocando nas maiores companhias da Europa, mas está em um apartamento alugado sendo empregada.

— Talvez eu seja medíocre.

Dou as costas, indo pegar minhas coisas.

— Você não é medíocre, Morgana...Morgana, espera aí! Você vai fugir de novo?

Paro de caminhar. Respiro fundo. Ela realmente lembrou disso?

Encaro-a de soslaio, e lá está ela, com os braços cruzados, olhando para o lado para não ter que olhar pra mim.

— Não gosto de discussões.

— Desculpe se eu falei algo que soou grosseiro, pelo visto, às vezes não consigo medir minhas palavras.

— Você nunca conseguiu fazer isso mesmo.

Ela dá um riso contido, abaixando a cabeça.

— Tudo bem que você agora queira escrever, mas não deixe de tocar - ela volta a falar com certo temor - sério, você é boa de verdade.

Volto a caminhar em sua direção, colocando a mochila de lado.

— Tudo isso pra que eu toque contigo? - dou um sorriso de canto.

— Não se ache por ser a única mulher que me humilho pra conseguir alguma coisa - ela revira os olhos, indo de volta pro violoncelo - e aí, vai fazer isso por mim ou vai continuar com frescura?

— Quando é que recusei alguma coisa que me pediu?

Ela ri, entendendo o teor da pergunta e, pelo menos conversando com ela, me sinto melhor e mais focada para fazer isso. Tocamos por quase duas horas entre uma e outra pausa. Só paramos quando a exaustão de nossas mãos começa a aparecer.

— Se você passasse uma temporada na Europa comigo - Cris diz assim que saímos do estúdio - ia mudar de ideia.

— Esqueci que quando você bota uma coisa na cabeça, é difícil de tirar - rio envergonhada, e descemos as escadas.

— Desculpe, mas que não consigo associar ainda com isso de você escrever em vez de tocar - ela me encara - nem parece que estou falando da mesma pessoa.

— Acontece - dou com os ombros, como se a vida tivesse dessas coisas.

— Então se não for tocando, que seja passeando, pegando inspiração. Conheço lugares incríveis os quais você ia ficar encantada, sem contar que os teatros de lá são outra coisa...

— Tentador - faço um bico com os lábios - posso mesmo? - ela assente que sim - Vou pensar melhor sobre, então.

— Você vai participar da turnê da sua mãe, a propósito? Ou vai ser só espectadora?

Sinto uma pontada no meu coração. O que ela acabou de dizer?

— Que turnê, Ana? - cerro os olhos para não ter que deixar explícito o choque. Ela me encara como se fosse algo óbvio.

— A turnê de despedida... - Cris pega o telefone, e meu coração gela. Lá está ela, com o folder escrito que realmente é uma turnê, com várias datas e locais - Você não...Eu pensei que...

— Eu tenho que ir - dou as costas sem pensar duas vezes.

Estou suando frio, e começo a sentir enjoo. Minha cabeça gira sem parar. Mal consigo digitar o nome da tia minha e ligar para ela.

— Alô, tia? Que história é essa que ela vai voltar pra cá? Quando? A senhora não sabia?! Por que não me falou nada? - minha voz falha pelo desespero - E a Isolda? O quê?! Não, não, eu...

Desligo. Acho que vou desmaiar.

Apoio minha mão na parede do prédio ao lado, tentando respirar. Estou muito nervosa, se eu não me controlar, eu vou acabar hiperventilando... Já estou. Meu telefone volta a tocar, mas ignoro.

O caminho de volta pra casa é tortuoso. Parece que vou desmaiar a cada esquina. Minhas pernas bambeiam, minha visão fica turva de vez em quando.

“Eu soube ontem quando divulgaram e não falei nada porque você pediu pra não ser incomodada sobre. Liguei pra ela e ela não atendeu, nem me respondeu. Sua irmã soube e também me ligou, mas não quero que se preocupe com isso querida, ela já está sendo amparada. Quando eu...” foi quando desliguei.

Mal chego em casa. Não é culpa da Cris, nem da minha tia, não é de ninguém. Eu ia saber disso mais cedo ou mais tarde.

Meus olhos ficam marejados. Ela vai voltar e não nos procurou. Por que achei que seria diferente?

Preciso conversar com alguém senão vou ter uma crise. Bato na casa de Isabela, e não tem ninguém. Tudo bem, ela está chegando tarde por conta da finalização de sua pesquisa, ela não tem culpa, ninguém tem culpa...

Eu preciso falar com alguém. Meu coração está batendo tão rápido que não consigo controlar.

Recebo uma mensagem. É Raquel perguntando se estou em casa. Digo que sim, e ela fala que está indo. Fecho os olhos, agradecendo em silêncio que tenha dito isso bem na hora que preciso de alguém, mesmo estando há dias sumidas. Ela devia estar ocupada mesmo. Depois de longos quinze minutos, o interfone toca.

Tento me olhar no espelho. Meu coração bate fora do tom e minha cara transparece que alguma coisa está errada, mas vou me esforçar pra não deixar isso tão evidente. Eu consigo.

Abro a porta, mas ela me olha séria. Seus lábios formam uma reta sem expressão, seus olhos me encaram como se me julgasse. Ela está com raiva, mas do quê? A mistura dos sentimentos fomentados durante os últimos dias junto com a da novidade começa a pesar em meu peito.

— Você não quer...

— Qual é seu nome, Morgana? - ela fala em um tom sério.

Isso não deve ser um bom sinal.

— Meu... - minha voz falha perante o nervosismo que começa a piorar - nome?

— Seu nome completo - ela fala pausadamente, e isso me angustia, porque é quando alguém está com raiva, mas tenta se controlar como pode pra não parecer rude.

Como é mesmo? Espera, eu preciso me concentrar. Respiro fundo e deixo o ar escapa pelo nariz

— Morgana Rodrigues Alencar.

— Certo - seu rosto é tomado por ainda mais raiva, e recuo - está me dizendo que seu nome é Morgana Rodrigues Alencar.

— Raquel, o que você...

— E quem é Morgana Kercher Villela, então?

Tudo para. Ela passa por mim, e entra em casa.

— Quem é, Morgana? - Raquel gesticula para o alto, visivelmente chateada.

Meu corpo inteiro paralisa. Sequer consigo mexer a boca pra poder falar sim ou não.

Ela engole em seco, pegando o telefone, deslizando até parar em uma foto. Minhas mãos não param de tremer e as suas também. É um recorte de jornal antigo, e começa a passar as fotos, vídeos meus tocando, por aí vai.

Olho para tudo estarrecida. É como se meu corpo ficasse, mas minha consciência fosse desligada dali e visse tudo o que está acontecendo de fora.

— Por que você mentiu pra mim?

Como ela soube disso? Não quero perguntar, mas ao mesmo tempo quero, mas também não consigo. Estou morrendo de medo, tanto que meu corpo recua contra a parede, e ela volta a falar.

— Eu não quero discutir, eu só... - ela expira devagar, cerrando os olhos - Quero entender o que é tudo isso.

Tudo isso? O que ela já sabe?

Meu sangue parece congelar, assim como meus lábios que tremem. Preciso falar alguma coisa, mas quando entreabro os lábios, nada sai. Ainda estou chocada demais pra conseguir digerir o que realmente está acontecendo.

Ela já sabe o que aconteceu?

Coloco minha mão contra o peito, sentindo um breve enjoo.

— Você estava mentindo só pra mim?

O que me dói é a sua feição atordoada de alguém traído e que não entende o motivo disso ter acontecido consigo.

Mas eu não fiz pelo mal dela, pelo contrário, mas você não entende. Ninguém entende.

Ela volta a pegar o telefone, e coloca uma apresentação minha com Cris no bar.

— Você toca - ela volta a encarar o telefone com a música ainda de fundo até que ela clica novamente na tela - muito bem por sinal...

— Você não entenderia... - é a única coisa que consigo dizer.

— Então me responde, Morgana - sua voz é tomada pela dor ainda contida - Por que você está mentindo pra mim?

Ela não está só com raiva. Deve estar tão frustrada quanto eu, triste, decepcionada.

Com o coração partido.

— O que você é que eu não posso saber?

Olho para o chão, e vejo a primeira lágrima descer. Não estou pronta pra lidar com isso.

Não estou...

— Vá embora - digo em um sussurro.

— Por favor, Morgana! - ela fala alto - Me diga quem você é!

— Vá embora! - digo em um tom mais alto, já sentindo as demais descendo, mas sem consegui encará-la - Por favor!

Antes que fique pior.

Ela engole em seco, e sai sem dizer nada. Quando ela fecha a porta, deslizo até o chão, com as costas apoiadas na parede. Elas descem uma a uma até caber em um choro desenfreado, daqueles que você não consegue controlar por mais que tente.

Não quero me lembrar disso, mas eu vou. Seu rosto decepcionado, seus olhos que clamavam por uma resposta, meu silêncio. Continuo a chorar mais. Quero parar, mas não consigo.

Não queria decepcionar ninguém. Não queria ter que deixa-la daquele jeito. Eu nunca quis nada disso...

Mas nunca consigo fazer diferente.

Tudo em mim dói.

Eu sou uma fraude.

*

Imagine aquela cena de filme em que um personagem fica parado no meio da multidão que passa por ele como vultos, enquanto ele encara a câmera sem expressão. Ele está perdido, sem rumo.

É exatamente como me sinto.

Faz três dias desde aquela discussão. Há três dias que não durmo, não como, não existo. Está confuso demais para ser compreendido. Tudo não passa de um borrão.

Não que Isolda esteja em uma situação melhor que a minha. Nos encaramos sem dizer nada. Suas olheiras marcantes, o cabelo ressecado e quebrado, lábios rachados, a constante expressão descontente.

— Você está um lixo - ela diz, apoiando as pernas na cadeira. Assinto que sim.

— Sua situação não é diferente.

— Quando eu penso que as coisas não podem piorar... - assinto novamente com suas palavras.

— Acha que ela vai querer nos ver?

— Não - ela responde ríspida - se quisesse, tinha entrado em contato, não tinha?

— Tia Berenice disse que não sabia - Isolda revira os olhos - ela tentou falar com ela, mas não conseguiu.

— Acobertando ela como sempre, isso sim - ela diz entre os dentes.

— Não saberia a reação que teria se eu a visse... - olho para Isolda, que exaspera, balançando a cabeça.

— Eu sei bem a minha - seu olhar fica soturno - mas... O que está te deixando tão mal, Morgana? É só essa questão da mãe?

— Digamos que isso foi o que pesou, mas... - apoio os braços na mesa - As coisas só se acumularam.

Não quero a preocupar dizendo a ela quais são os pensamentos que assombram a minha cabeça de uns dias pra cá.

— Morgana.

Seu tom de voz é sério.

— Por que quanto mais fugimos de uma coisa, mais ela nos persegue? - minha irmã se vira pra mim, e seu rosto é tomado pela tristeza.

— Porque elas nunca vão sumir totalmente... - nego com a cabeça - Só aprendemos a lidar com elas com o passar do tempo.

— Às vezes acho que seria melhor se eu tivesse morrido...

Ficamos em silêncio. Pra ela dizer isso, quer dizer que está realmente sóbria.

— Mas pelo menos uma de nós consegue seguir em frente.

— Não estou - respondo com pesar - só... Me esforço pra mascarar isso bem, mas, eu... - fecho os olhos - Tem dias que é realmente bem difícil... - Tal qual como os últimos.

— Você sabe que quando sentir esse peso, tem que procurar... - ela fala sem me encarar.

— Não adianta, Isolda - engulo em seco para não começar a chorar de novo. Meus olhos ardem de tanto que fiz isso nos últimos dias - por mais que tenha mudado tudo na minha vida, parece que fui amaldiçoada com isso. Talvez seja nosso destino.

Ela bate os dedos contra a mesa, pensativa.

— Acho que tivemos mais do que provas de que ela não liga para nós.

Ela tem razão.

— O que sugere, maninha?

Ela engole em seco, suspirando. Logo vejo seus olhos marejados, e suas mãos a enxugando antecipado.

— Não sei, Morgana, mas estou preocupada contigo - sua voz toma aquele tom fraternal que bem conheço - você não me parece bem. Está com receio que descubram sobre nós?

Já sabem. Não consigo esconder isso em meu semblante, e Isolda, a pessoa que melhor me conhece nessa vida, já deve ter percebido isso no momento que me sentei aqui.

— Estou me sentindo péssima - seus olhos começam a acusar mais lágrimas - me sinto incapaz por não fazer nada por ti, eu...Eu não consigo me perdoar. Não tem um dia que eu não me lembre de tudo que aconteceu.

Levo minhas mãos até as suas, ela desvia o olhar, piscando algumas vezes na tentativa de enxugar as lágrimas antes que elas voltem.

— Não sou o suficiente, Morgana - ela fala sério, pausado, olhando para nossas mãos - por mais que eu tente, eu sempre acabo caindo, me desculpe. Eu deveria ter te poupado disso.

Ficamos em silêncio mais uma vez.

 — Eu vou foder com a vida dela exatamente como ela fez com a gente... - Isolda diz em um sussurro consigo, mas o suficiente para que eu ouça - Eu juro.

— Vingança leva a algum lugar, Isolda?

— Não, não leva - ela diz negando com a cabeça - mas pelo menos reconforta.

— E como quer fazer isso?

— Não se preocupe - minha irmã engole em seco, olhando para o outro lado imersa em seus pensamentos - mas sabia que isso não vai ficar assim.

— Esquece isso, eu vou ficar bem - digo por fim - foque em melhorar, está bom? Esquece a Eleanor, nós não precisamos dela.

— Você promete pra mim que você ficar bem mesmo?

— Sim, eu prometo.

Ela parece suspirar aliviada, e tento conversar sobre outras coisas.

Mas sei que ela está mentindo em parecer aliviada, e ela sabe que eu estou mentindo. Isolda me conhece bem o suficiente pra saber que isso é ensaiado para não preocupar mais ninguém, e ela compra a ideia porque sabe que, se insistir, vou negar o máximo que puder. 

Há dias que vivo por viver, muito antes de tudo isso. Meu corpo começa a fraquejar pela falta dos cuidados, mas ignoro completamente.  Acho que me iludi pensando que poderia ser feliz algum dia. Vai ser sempre assim.

Um vislumbre de alegria para mascarar a tristeza que vai pra sempre me perseguir. Sou marcada pela tragédia tal qual um personagem vivo de Shakespeare, a todos sabemos como acaba. Ou morre pela falta de amor, ou por vingança em si mesmo.

Não consigo fazer nada direito. Eu tentei ter uma vida nova, mas fracassei. Tentei amar e ser amada, mas falhei. Não consigo manter minhas amizades. Isabela bate na minha porta pelo menos três vezes no dia, mas não atendo.

Desliguei o meu telefone e o joguei pela janela pela madrugada. Temi tanto que chegasse alguma coisa com a minha cara que evitei antes que acontecesse. Vai ver por isso ela está batendo perguntando se estou ali. Como a resposta é o silêncio, vou deixar ela entender que não tem ninguém.

Eu quero que esqueçam que eu um dia existi, assim como eu quero esquecer quem eu sou.

Que grande fraude você é, Morgana.

Seria melhor se ninguém tivesse te conhecido mesmo. Por mais que se esforce, tudo vai sempre dar erado. Você nasceu para o fracasso. Não sei porque ainda tentei fazer diferente. Sério, eu realmente pensei que teria um final feliz.

A questão não é Raquel saber quem eu sou, o ponto é saber que descobriram sobre mim e ter o efeito contrário do que esperava. Ela me olhou com tristeza, amargura, e isso me fez sentir como se tivesse sido partida ao meio. Eu não fiz isso por puro prazer, agi assim para me proteger, proteger as demais. Tomei essa atitude porque eu não queria ser vinculada ao que eu sou.

Mas até nisso eu errei. Começo a chorar. Não consigo fazer nada direito. Eleanor tem razão em ter me machucado. Só assim que eu posso ter aprendido.

Meu peito dói de forma insuportável. Não consigo respirar, sinto enjoos, tremo a maior parte do dia. O que minha vida se tornou se não a resposta imediata das minhas ações?

A uma hora dessa, todo mundo já deve saber sobre mim e Isolda. Então, tudo que fiz até agora serviu para nada.

 No final, vou continuar sendo Morgana, a mesma antes de tudo.

Por que essa merd* teve que acontecer comigo? Meu choro se torna mais audível na medida que caminho de cabeça baixa, sozinha, agradecendo por não ter ninguém perto de mim. Por que teve que acontecer com nós?

Eu me odeio, me odeio tanto quanto Eleanor me detestava e eu a repudio. Nosso ódio é recíproco.

Sou um amontoado de dor, culpa e raiva. Não sou mais ninguém além do que eu tentei ser.

Pura perca de tempo achar que tudo vai ser diferente só porque em um momento as coisas foram boas. Elas sempre vão voltar a serem ruins e você vai ficar sozinha, assim como foi durante todo esse tempo.

Não consigo nem pensar direito. O caminho até de volta ao apartamento é um borrão. Entro e fico na sala por minutos incontáveis sentada no sofá, no escuro.

Ela realmente esqueceu de nós. Pergunto a mim mesmo se também esqueceu do que aconteceu até aqui. Vou pro quarto, arrasto o guarda-roupa. É um esconderijo conhecido, e ali vejo meia cartela de medicamentos pra dormir. É mais que o suficiente.

Valentina dizia que não tem remédio que não tenha um potencial pra te tirar da realidade.

— Você vai se matar?

Sei que não tem ninguém falando comigo, mas ainda assim presto atenção.

— Não é bem a minha intenção.

— Então por que esse tanto de medicamento?

— Porque não consigo ficar em paz - ando até a cozinha, sabendo que estou falando sozinha, mas ainda com a impressão de que ela está ali, caminhando do meu lado - sabendo que eu tentei, me esforcei, e deu errado.

— Quer dizer que sua vida acabou por que alguém descobriu algo que já estava óbvio de acontecer? - posso ouvi seu tom sarcástico.

— Sabe que não é só por isso...

— Pior ainda - seu tom fica ainda mais acusatório - por alguém que nunca ligou pra ti? Vai dar esse gosto pra Eleanor mesmo em provar que sua vida não existe sem a aceitação dela?

— Eu não quero me matar, só quero ficar dopada o suficiente pra ficar inconsciente e não lidar com isso - vou até o armário atrás do resto - mas se eu morrer por superdosagem, pouco importa.

— Mas e sua irmã? E suas amigas, seu trabalho? E a menina que está apaixonada por você?

Fico em silêncio olhando os comprimidos.

— Estou fazendo um favor pra todas.

— Você não perde o mau costume de fugir do que sente.

— E o que eu sinto?

— Você está se sentindo sozinha, acuada e está com medo de pedir ajuda. Não consegue reconhecer que tem pessoas que se importam contigo e quer resolver tudo sozinha.

— No que vai adiantar se eu me abrir para as pessoas além de me sentir pior do que estou sentindo?

— Elas vão te acolher de um jeito melhor que eu não pude fazer.

— Você está mentindo!

Apoio minhas mãos na bancada, respirando fundo, com a visão turva.

— Eu não estou mentindo, Morgana, você está!

— Não quero mais sentir isso...

Encaro os comprimidos, e encho minhas mãos com eles.

— Se isso tivesse fim, você não teria ido embora.

— Você ainda acredita que pode ser diferente... Se não, não estaria hesitando.

Olho para minhas mãos vacilantes juntas uma a outra, balançando a cabeça na tentativa que aquela voz desapareça.

— Porque ainda tem um lado meu que acha que as coisas podem funcionar, mas...

Encho o copo com água e disponho metade das pílulas em um gole, as outras no outro.

— Isso sempre vai embora.

Dizem que, quando alguém toma essa atitude, se arrepende no mesmo instante. Fica tudo em silêncio. Não sinto arrependimentos até agora. Possivelmente, não terei. Depois de alguns minutos, começo a tropeçar. Meu corpo está fraco, e ando até o banheiro.

Encaro minha imagem esquálida no banheiro. Pálida, sem expressão, os lábios perdendo a cor gradativamente, arroxeados.

No reflexo sou eu, Morgana. Kercher, Alencar, tanto faz, continuo sendo eu.

Minhas pernas tropeçam para nenhum lugar em específico. A sensação de não pertencimento é ainda maior. As luzes ficam mais baixas, e meu corpo parece se desprender dali.

E aquela onda vem mais uma vez.

Acho que agora consigo dormir.

 

Fim do capítulo


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Comentários para 32 - Maçã podre:
Marta Andrade dos Santos
Marta Andrade dos Santos

Em: 13/12/2022

É complicado!

Responder

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Marta Andrade dos Santos
Marta Andrade dos Santos

Em: 13/12/2022

É complicado!

Responder

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Billie Ramone
Billie Ramone

Em: 13/12/2022

O capítulo anterior foi um deleite. Geralmente quando o pessoal aqui escreve cenas de sexo eu já vou passando adiante, porque é sempre o mais do mesmo. Parece que as autoras dão ctrl+c ctrl+v umas das outras. Mas a sua descrição foi sensível, poética, bastante sentimental e intensa.

Embora triste pelo que veio depois, devo dizer que estou muito ansiosa pela catarse que deve acontecer na vida de Morgana, aquele momento doloroso e necessário em que ela vai encarar os demônios do passado de frente e não mais fugir. Curiosa demais pra descobrir o que a maldade da mãe dela fez com ela, e vê-la se libertando disso.

 

Continue, está cada vez mais instigante!  (:

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