Capitulo 54
ÁGATA
Roberto retornou. Roger já parara de chorar e soltamos nossas mãos. Minha garganta estava seca. Um gole de água gelada foi bem-vindo. Antes mesmo de meu copo esvaziar, fomos surpreendidos com a chegada de um grupo de pessoas. Eles rodearam o diretor Roger e perguntavam ansiosos por Elisa.
Roberto permaneceu ao meu lado e me explicou quem eram aquelas pessoas. O homem de cavanhaque era Carlos, irmão de Roger. A mulher ao seu lado era sua esposa. Os três jovens que estavam com eles eram seus filhos, Thiago, Sabrina e Beatriz. Todos loiros e assustadoramente pálidos. O senhor e a senhora de idade eram, como eu presumira, os avós de Elisa, o senhor e a senhora Freitas. Roger também tinha uma irmã, Carla, uma mulher que se vestia de modo sofisticado. Havia mais um primo e um amigo da família. Eu havia esquecido que os Freitas eram numerosos e algo me dizia que havia muitos que ainda não estavam ali. Dona Marta que era órfã fora acolhida por aquela grande família.
Comecei a me sentir desconfortável, percebi que eles me olhavam se interrogando sobre quem eu seria. Talvez uma amiga de Elisa. Me sentia como uma intrusa. Disfarcei meu desconforto e liguei para os meus tios. Algo que eu devia ter feito há mais tempo. Dizem que notícia ruim corre rápido, melhor eles saberem por mim. Quando lhes informei o que aconteceu, eles ficaram consternados e prometeram vir imediatamente. O primeiro impulso de tia Viviane foi tentar me tranquilizar. Disse-lhe que eu estava bem, na medida do possível.
Depois liguei para Gabriela. Ela me atendeu prontamente.
-- Gabi, você pode vir ao hospital? -- Disse com a voz controlada.
-- Hospital? O que aconteceu? Você está bem, Ágata? -- Ela perguntou, exaltada.
-- Calma, eu tô bem. É a Elisa. Becca tentou matá-la, Gabi.
O silêncio no outro lado da linha pareceu durar uma eternidade. Até que Gabriela, falou:
-- Como isso foi acontecer! E Elisa como ela está?
-- Eu ainda não a vi, mas disseram que ela vai ficar bem. Melhor vir para cá, eu explico tudo.
-- Tudo bem. Tô chegando aí.
-- Espero você.
-- Ágata, aguenta firme.
-- Certo.
Ela desligou. Retornei ao meu lugar, discretamente. Havia muita gente ali, congestionando o trânsito do hospital. Estávamos numa área onde era permitido ficarmos, mas eu tinha impressão que logo o lugar estaria pequeno para a família e os amigos de Elisa, ávidos por notícia de minha amada.
Em determinado momento, ouvi senhor Carlos perguntar ao irmão quem eu era.
-- Ah, desculpem. Eu estava com a cabeça tão ocupada que me esqueci de apresentá-los. Esta é a Ágata. Ela é... bem, ela é namorada de minha filha.
O espanto foi geral. Todos os olhares estavam em mim com um misto de assombro e curiosidade. Por essa nenhum deles esperavam. Talvez aquele realmente não fosse um bom momento para tal revelação e eu não esperava que o diretor Roger me apresentasse como namorada da filha. Embora no fundo eu tenha sentido grande satisfação pelo pai de Elisa me aceitar.
Por um momento ninguém soube o que dizer. Até que a senhora Freitas, avó de Elisa, veio até mim e me abraçou. Eu estava tão surpresa que demorei para retribuir o gesto de carinho. Ela era baixinha e curvada, batia na altura de meu peito. Quando nos desfizemos do abraço ela me fitou com seus olhos cinzentos e simpáticos.
-- Você é uma menina encantadora, Ágata. E muito bonita, logo se vê que minha neta tem muito bom gosto.
Eu sorri. E todos sorriram. A única pessoa que pareceu não sorrir foi uma das primas de Elisa, Sabrina, que estava de braços cruzados e tinha um ar meio aborrecido. Por algum motivo seu jeito me lembrou Gabriela.
Depois do que aconteceu me senti bem mais leve. Eu não era mais um peixe fora d’água. Agora, eu me sentia fazendo parte da família. Afinal, Elisa que era tão amada por todos, havia me escolhido para ser sua companheira. E se ela me considerava sua família também, eles me aceitaram como tal. Ser aceita assim era um alívio em meio aquele mar de dor.
Um pouco depois meus tios apareceram, contei-lhes tudo o que havia acontecido. Eles me deram seu carinho e estenderam seu lamento a Roger e sua família. Quando Gabriela chegou, recebi seu abraço forte e acolhedor. E, enfim pude desabar com alguém sobre o que eu estava sentindo.
-- Desculpe a demora -- Disse ela.
-- Você não demorou, Gabi.
-- Como você tá? -- Perguntou ela, preocupada.
-- Bem melhor agora que sei que ela vai ficar bem.
Relatei para Gabriela passo a passo a cena que presenciei. Gabriela estava consternada.
-- Meu Deus. Becca chegou mesmo a esse ponto? -- Disse ela.
-- Ela sempre foi maluca. Agora pirou de vez. Eu sinto que eu devia ter feito algo, Gabi. Quando eu podia ter feito.
Gabi pegou meu rosto entre suas mãos e me fez fitar seus olhos.
-- Você não tem culpa, Ágata. Você e Elisa sempre se acham responsáveis por tudo, mas não é assim que vocês devem se sentir.
Assenti com um aceno de cabeça.
As pessoas ao redor faziam muito barulho. Então, levei Gabriela a um lugar mais calmo para continuarmos a conversar. Havia algo que eu precisava saber.
-- Gabi, preciso que seja sincera comigo. E nesse caso, você tem obrigação de ser.
-- Mas, eu não estou escondendo nada de você, Ágata.
-- Você sabe sobre o que estou falando, Gabi. Elisa ficou estranha depois que vocês foram à procura de Becca naquele dia que ela sumiu. Elisa estava me escondendo algo e você também. Ou acha que eu engoli aquela história que você bateu o carro. Sei que estavam agindo assim por algum motivo. Eu nunca falei nada, deixei que vocês tivessem um segredo. Vocês eram cúmplices e alimentei esperanças de se tornarem amigas de verdade. Mas agora eu preciso saber o que aconteceu. O que Becca aprontou. E você vai me dizer, Gabi.
-- Ágata, eu prometi para Elisa que não contaria...
-- Gabi, isso não importa agora. Deixa que depois eu converso com Elisa. Digo que pressionei você.
-- E é isso mesmo que você está fazendo. -- Comentou ela, acuada.
Lancei-lhe meu olhar de “eu não estou para brincadeira” que Gabi entendia muito bem.
-- Tá ok, Ágata. Mas vou logo dizendo não é algo agradável para se contar. -- Alertou ela.
-- Quero saber mesmo assim.
-- Tudo bem. Encontramos Becca em um lugar chamado “Rancho da Velha”.
Rancho da Velha. Pensei que nunca mais iria ouvir falar desse lugar novamente.
-- Rancho da Velha!? -- Exclamei em voz alta -- Rancho da Velha. Puta que pariu, Gabi.
-- Você conhece o Rancho da Velha? -- Perguntou ela, assombrada.
-- Claro que eu conheço esse lugar. Esqueceu onde eu já estive? Como eu não ia conhecer o maior antro que já existiu? Você levou Elisa lá?
Eu estava quase gritando. Apertava os dentes para não perder o controle de vez. Ainda estávamos em um hospital, eu não poderia esquecer disso.
A morena estava assustada, literalmente a coloquei contra a parede já que a medida em que eu ia me aborrecendo, ela recuava até se encostar na parede mais próxima.
-- Eu não queria, Ágata. Mas, Elisa estava determinada a encontrar Becca a qualquer custo e eu não poderia deixá-la ir sozinha, você me mataria.
-- Eu te mataria de todo jeito, Gabi -- Respondi, irritada. Pensei um pouco melhor sobre o que ela disse e falei mais relaxada: -- Tá concordo que você não poderia deixá-la ir sozinha, mas ainda assim aquele é um lugar perigoso para vocês duas.
-- Eu sei disso. E eu realmente não queria ir naquele lugar. Muito menos por Becca.
-- E ela estava mesmo lá?
-- Sim. Encontramos Becca. Ela estava estranha, não nos contou o que aconteceu, mas a garota estava tão aliviada em nos ver que depois ela até mesmo me abraçou. Mas, enfim saímos de lá vivas e intocadas. Pelo menos eu e Elisa. Já de Becca eu não posso dizer o mesmo.
-- Melhor eu nem perguntar como vocês conseguiram sair daquele lugar horrível.
-- Eu tenho meus truques.
-- Vocês tiveram sorte isso sim. Aquela louca da Becca se met*u naquele lugar, ela devia saber como sair de lá sozinha.
-- E foi isso o que você fez, Ágata. Quando estava nessa vida, você saiu de lá sozinha?
-- Não vem ao caso, Gabi. Não me compare a Becca. Eu estava numa fase autodestrutiva, inconformada com a morte dos meus pais. Eu queria me ferir mais do que tudo.
-- E Becca não? Ela sempre foi autodestrutiva, Ágata. Becca é vazia.
-- Gabi, se você está querendo justificar o que ela fez...
-- Eu não estou querendo isso, Ágata. -- Disse ela, enérgica -- Sabe, quando você ligou me contando sobre o que aconteceu, eu fiquei pensando enquanto vinha para cá. Perguntando-me como Becca chegou a esse ponto. É o que todos queremos, não é? Encontrar uma explicação para o mal. Mas, às vezes o mal é a falha do bem. Eu aprendi muito com você, Ágata. Desde que nos conhecemos. Compreendi coisas que eu não entendia antes. Coisas sobre o amor. Eu nunca soube sobre isso, mas agora acho que sei. Mesmo que eu esteja enganada. Você não se deixava ser amada, Ágata. Até conhecer Elisa. Eu sei que ela ama você como merece. Graças a ela, você abriu seu coração novamente e pôde até mesmo mudar as pessoas ao seu redor. Você me mudou. Me fez te amar como eu nunca pensei que pudesse amar alguém na vida. Ao ponto de somente em saber que você existe já me fazer feliz.
Gabi respirou fundo e continuou:
-- Você não deve está entendendo aonde quero chegar, mas a questão é que do mesmo modo em que há pessoas que não se deixam ser amadas, há pessoas que querem desesperadamente ser amadas. E Becca é uma dessas pessoas. Ela queria o que você e Elisa tem. Ela nunca foi prioridade na vida de ninguém. Pense bem, até mesmo Elisa preferia os livros. A atenção que Elisa dispensava a ela nunca foi o suficiente. Os relacionamentos de Becca eram vazios, baseados apenas em sex*. Quando encontrava alguém legal que gostasse dela de verdade, ela estragava tudo. Porque ela é assim. Estou só especulando e sei que isso não justifica o que ela fez, Becca tem que pagar. Tô tentando ver o outro lado dessa tragédia. Talvez você tenha razão e isso poderia ter sido evitado, se houvéssemos amado Becca em vez de odiá-la, embora ela nunca tenha facilitado as coisas para nenhum de nós, nem mesmo para Elisa.
Gabi terminou de falar. Seu discurso foi sincero e profundamente humano e me fez me sentir uma pessoa insensível. Gabi havia me surpreendido, me tocado. Fiquei orgulhosa de ouvi-la falar assim. Uma das coisas mais difíceis que pode acontecer é alguém mudar, mas quando isso acontece é como magia. Gabi tinha razão, eu não poderia deixar o ódio me corromper. Chega de tragédias. O ódio só cria mais ódio.
Abracei Gabi, mas dessa vez permaneci em seus braços, sentindo todo o conforto que ela me transmitia.
-- Amo você, Gabi.
-- Eu também te amo, Ágata.
Eu nunca saberia expressar a dimensão de meu amor por Gabriela. Se eu fosse comparar o que eu sentia por ela e sentia por Elisa, a definição mais próxima que eu chegaria era que ambos eram diferentes. Mas amor é amor. O que muda é o lugar que as pessoas que amamos ocupam em nossa vida.
Gabi era minha amiga. Não minha namorada ou minha amante. Tínhamos uma amizade que para mim estava além de algo físico. Talvez para muitos fosse difícil entender isso. Para Elisa foi assim no começo, mas ela passara a gostar de Gabi. Ela havia dito que não sentia mais ciúmes da morena. E eu tinha certeza que quando acordasse, Elisa ficaria feliz de ver Gabi nos apoiando em um momento difícil, como só os verdadeiros amigos fazem.
Fim do capítulo
Tentarei postar o restante em breve! Falta pouco!
Comentar este capítulo:
kasvattaja Forty-Nine
Em: 15/10/2022
Olá, Tudo bem?
Autora, querida Autora, espero que este seja o capítulo da virada, afinal as duas já tiveram muito dissabores até aqui. Vamos chutar essa Becca para escanteio. Já deu. Bora fazer nossas meninas felizes.
É isso!
Post Scriptum:
Acho que esse poema de Ferreira Gullar cabe no capítulo:
''Como dois e dois são quatro
sei que a vida vale a pena
embora o pão seja caro
e a liberdade pequena
Como teus olhos são claros
e a tua pele, morena
como é azul o oceano
e a lagoa, serena
como um tempo de alegria
por trás do terror me acena
e a noite carrega o dia
no seu colo de açucena
— sei que dois e dois são quatro
sei que a vida vale a pena
mesmo que o pão seja caro
e a liberdade, pequena''
Resposta do autor:
Bom dia!!
Não se preocupe! Está próximo a acabar! Logo, logo serão felizes de vez!
Bjs!
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Mille
Em: 14/10/2022
Nossa
Becca tem um amor doentio pela Elise, e espero que logo as duas sejam felizes no Canadá.
Senhor Roger não teve vergonha da nora.
Bjus e até o próximo capítulo
Resposta do autor:
Olá,
Sim, ela tem seus problemas.
Falta pouco para terminar!! Em breve, tudo terminará bem!
Bjs!
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