Capitulo 33
ÁGATA
Depois de ter conseguido seu objetivo, Becca me deixou sozinha. Elisa retornou um pouco depois, vinha correndo, com o rosto afogueado.
-- Cadê a Becca? Ela te fez alguma coisa? - Perguntou Elisa, preocupada.
-- Tá tudo bem, amor-- Disse para acalmá-la.
-- O que ela queria?
-- Encher o saco como sempre - Falei.
-- Eu sabia! -- Exclamou Elisa, convicta -- Ela nunca vai se conformar com a gente.
-- Becca me contou algo sobre Gabriela - Revelei -- Quer saber o que ela disse?
Elisa refletiu por um instante.
-- Quer dizer que agora ela está implicando com a Gabi? Bem, isso não é novidade. Mas, quer saber, Ágata, prefiro que você não me diga nada. Não quero mais confusão para minha cabeça. Prefiro não saber sobre as tramoias da Becca.
-- Tem certeza? - Perguntei.
Ela respondeu que sim.
-- O que seus pais queriam? -- Indaguei, curiosa.
-- Queriam me apresentar a uns pais de alunos.
-- Hum, legal. - Comentei.
-- Na verdade, uma chatice. Nunca gostei disso, como sou filha única eles adoram me mostrar para todo mundo. Meus pais, às vezes, não tem noção, querem me monopolizar até na festa de comemoração do meu time. Já não basta nas reuniões familiares... -- Disse ela, emburrada. -- E tem mais, Ágata, eles querem que eu volte lá, só que não quero te deixar sozinha...
Ficar longe dela não era algo que me agradava, a noite estava maravilhosa antes de Becca aparecer.
-- Você pode ir. -- Falei, compreensiva, sem deixar transparecer meu desagrado -- Não quero que fique mal com seus pais.
-- Tudo bem mesmo?
-- Sim, vou voltar para a comemoração com as meninas do time.
Combinamos de nos encontrarmos mais tarde, Elisa se despediu de mim com um beijo estalado em minha bochecha.
***
As meninas do time se encontravam em uma roda de conversa animada, alheias às canções pop que a banda tocava, elas conversavam e riam alto. Quando cheguei perto, Natália me puxou para o meio da roda e fui abraçada por todas.
-- Tava se escondendo onde, Ágata? -- Perguntou, Natália, curiosa.
A curiosidade se estendeu para as outras garotas que insinuaram que eu estivesse por aí namorando o que neguei veementemente, mas meu embaraço era visível.
-- E aí Ágata, não vai ficar bom esse braço? -- Perguntou Mary, arrancando risinho das meninas.
-- Para breve, pessoal -- Respondi.
-- Sabe da novidade? -- Disse Paula -- Nossa querida morena matadora aqui foi convidada para jogar num time da cidade.
Gabriela que estava mais quieta diante da euforia das demais, não deixou de esboçar um sorriso.
-- Essa é uma grande notícia! -- Exclamei -- Parabéns, Gabi.
Naquele momento, meus sentimentos eram confusos. Eu estava feliz por ela, de verdade. Mas por outro lado, não conseguia perdoá-la por ser a grande mentirosa que era.
Eu queria esclarecer as coisas, por isso, esperei até as meninas deixarem Gabriela de mão, e me dirigi a ela:
-- Preciso falar com você -- Disse sem rodeios.
-- Tudo bem.
-- Mas não aqui. Vem comigo.
Gabriela me acompanhou sem fazer perguntas. Levei-a até as arquibancadas que após o jogo estavam vazias.
-- Que é isso, Ágata, você me trouxe logo para cá? Você sabe o que o pessoal vem fazer aqui, né? Olha que a loirinha já tá mordida de ciúmes de mim...
A morena não perdia mesmo uma oportunidade de tirar sarro de uma situação. Todos do colégio sabiam que os casais marcavam encontros atrás das arquibancadas nos intervalos das aulas ou mesmo durante as aulas.
-- Acho que me lembro. -- Falei -- Quando estávamos aqui, Gabi e o que você queria.
Gabriela não ficou indiferente ao meu tom de voz hostil.
-- Eu já pedi desculpas por isso, Ágata. -- Disse ela, na defensiva.
-- Gabi, que merd* você queria com a Becca, hein? -- Explodi, colocando-a contra a parede.
Ela franziu o cenho.
-- Com a Becca? Não quero nada com aquela psicopata.
-- Não adianta mais vir com seus ardis para cima de mim, Gabriela, eu já sei de tudo. Nossa amiguinha Becca fez questão de rir de mim por ser tão idiota em acreditar em você.
-- O que aquela vadia andou te dizendo, Ágata? -- Retrucou Gabriela, ríspida.
Senti o sangue ferver.
-- Ela disse a verdade. O que você não é capaz de dizer, não é? -- Acusei.
-- Você não sabe de nada, Ágata. -- Rebateu ela, desafiadora.
-- Como você pôde? -- Perguntei, indignada -- Como pôde se aliar a aquela garota sem escrúpulos?
-- Você não sabe de nada. -- Repetiu a morena.
-- O que eu não sei, me explica, Gabi. -- Falei, quase gritando -- Qual o seu problema? Não era você que dizia que odiava as pessoas que se faziam passar pelo que não eram. Sendo você mesma uma dessas pessoas?
De repente, aqueles olhos verdes adquiriram uma expressão profunda. A morena parecia travar uma luta interna, quando ela finalmente começou abriu a boca, sua voz era vacilante:
-- Você tem razão, eu menti para você. -- Confessou -- Não que eu não tenha te alertado sobre isso.
Não a interrompi, deixando-a à vontade para falar. Ela sentou-se no chão com as pernas cruzadas e eu a acompanhei no mesmo gesto.
-- Becca me procurou um tempo depois daquela confusão que você e eu tivemos. Ela queria te afastar da Elisa de qualquer maneira, até mesmo apelando a mim. Naquele momento me pareceu uma boa ideia. Becca disse para me aproximar de você, ela tinha certeza que acreditaria por ser boba e ingênua. Mas eu disse que você era esperta e não cairia nessa, ainda assim me pareceu um bom plano.
-- Por que você aceitou participar disso, Gabi?
-- Eu estava com o orgulho ferido, Ágata. Você me desprezou, me ignorou, quase fez eu perder meu lugar no time. Eu não poderia deixar barato e além do mais, garota nenhuma nunca fugiu de mim...
-- Então é isso.
Gabriela percebeu minha decepção e baixou a cabeça. Após um tempo, disse, sem dirigir o olha a mim:
-- Mas as coisas mudaram, Ágata. Depois de passar um tempo com você, acabei me afeiçoando... gostando de você. Eu não estava mais com raiva de você, eu estava com raiva de mim por ter me unido àquela vadia da Becca que eu tanto odeio.
-- Você nunca me disse por que todo esse ódio. O que ela fez a você, Gabi?
-- História antiga... -- Comentou a morena, evasiva.
Fiz Gabriela me encarar.
-- Eu quero ouvir -- Falei.
Gabriela respirou fundo.
-- Isso é muito constrangedor -- Disse ela.
-- Diz paara mim, Gabi. -- Encorajei -- O que ela te fez de tão grave para te deixar assim?
-- Tudo bem -- Respondeu Gabriela, derrotada -- Ela aprontou comigo, Ágata. Há uns dois anos atrás, tinha esse cara, um idiota qualquer, costumava dar festas quando os pais dele tinham viajado. As festas eram regadas a muito bebida alcoólica e todo tipo de liberdades que você imaginar. Becca não perdia uma e numa dessas ela veio para cima de mim... Não me olha assim, Ágata... Ela era gostosa, tá? E eu não neguei fogo, embora conhecesse a fama dela. Acontece que estávamos lá ficando na festa, até que as coisas esquentaram e ela me chamou para um quarto da casa. Imagine a minha surpresa quando cheguei lá e vi aquele idiota que estava dando a festa esperando a gente no quarto completamente nu.
-- Sério? -- Interrompi, chocada -- Então...
-- Isso mesmo que você está pensando, ela queria me usar para experiência dela de um ménage.
-- Que vadia! -- Comentei, indignada.
Gabriela continuou:
-- Me recusei e sai daquela festa aturdida. Sentindo-me uma idiota. Prometi a mim mesma nunca mais deixar ninguém me fazer de boba. No dia seguinte, encontrei com ela e chegamos a um acordo de não contar para ninguém nada do que tinha acontecido. Assim, eu evitava o constrangimento de saberem como fui enganada. Já Becca não queria que ninguém soubesse que ela tinha ficado comigo, principalmente Elisa. Imagina se toda a escola soubesse que aquela homofóbica da Becca era uma enrustida.
-- Você acha que Becca é lésbica?
-- Ela é uma hipócrita, Ágata. Não sabe o que quer. Aquela garota tem sérios problemas psicológicos, é cheia de questões não resolvidas.
-- Não entendo porque ela é tão obsessiva em relação à Elisa. Você acha que ela... que ela a ama? Digo, do mesmo jeito que eu amo a Elisa?
-- Amar? Ágata, Becca só ama a si mesma. -- Disse Gabriela, sábia -- Olha não sou psicóloga, mas acho que essa obsessão dela pela sua namorada é só loucura da cabeça da Becca. Ela é possessiva, Ágata. E Elisa é só um objeto que sempre pertenceu a ela.
-- Não sei, Gabi. Talvez você esteja certa. Mas prefiro acreditar no julgamento de Elisa, ela a conhece a vida toda. Talvez a entenda melhor que nós.
-- Você é tão ingênua, Ágata -- Disse a morena, amarga -- Eu gostaria de ter seu otimismo, mas meu coração é podre.
-- Não, não é -- Me apressei em dizer -- Não sou tão ingênua quanto pareço, Gabi. E sempre soube que não podia confiar em você, até o momento em que eu quis confiar. Não acho que estou errada em relação a você. Tem um grande coração. Eu a vi com sua família, vi o que você esconde por baixo de sua arrogância. Você não deveria ter vergonha de mostrar esse lado sensível.
Gabriela enrubesceu. Depois sorriu, tímida.
-- Então, não está mais chateada comigo, Ágata?
-- Não -- Falei -- E fico feliz que você tenha me contado sobre a Becca, agora eu entendo melhor.
-- Percebe então o cuidado que temos que ter com aquela garota. -- Alertou a morena -- Ágata, escuta o que estou falando, ela está aprontando. Eu não sei bem o que, mas é coisa grande. Ela não vai parar até te separar da Elisa.
Suspirei fundo.
-- Tem certeza? Logo quando as coisas andam tão bem entre mim e a Elisa.
-- Principalmente porque as coisas vão bem entre vocês.
-- O que eu faço?
-- Não sei, às vezes o melhor é não fazer nada. Deixar que ela meta os pés pelas mãos.
-- Mas se Becca é tão esperta quanto você diz, ela não vai fazer isso. -- Comentei.
Ficamos em silêncio, cada uma com seus próprios pensamentos.
-- Vai contar pra Elisa sobre o que te falei? -- Quis saber Gabriela, após um tempo.
-- Você sabe que prometi só dizer a verdade a ela. Mas esse é um segredo seu, não me pertence. E, além do mais, tive uma conversa com Elisa e ela prefere não saber das enrolações da Becca. E acho que é melhor assim.
-- Entendo. Essa é uma situação muito delicada.
-- É um saco isso sim. Só queria que as coisas fossem menos complicadas.
-- Carpe diem, Ágata. Melhor relaxar e deixar que a vida siga. É como dizem o que não tem remédio, remediado está. - Disse Gabriela, a mesma garota que há pouco dissera não ser nem um pouco otimista.
-- Você tem razão. Vamos aproveitar as coisas boas. E por falar em coisas boas, eu estou orgulhosa de você, Gabi. Jogar num time profissional. Coisa grande, hein?
-- É o máximo, não é? Minha família comemorou bastante. Até o idiota do Lionel.
Gabriela estava muito feliz, disse estar realizando um sonho.
Voltamos para a festa. Elisa me esperava e pareceu um pouco desconfiada quando me viu com Gabi.
-- Toma sua namorada de volta -- Brincou Gabriela com Elisa, vendo sua cara de preocupada.
-- Ah, muito gentil da sua parte em devolvê-la -- Disse Elisa, mais relaxada, entrando na brincadeira.
-- Disponha.
Dizendo isso, a morena se afastou.
-- Quer dançar? -- Perguntou Elisa, me surpreendendo.
-- Dançar? Eu não sei dançar. -- Falei, aterrorizada.
-- Eu te ensino. Vem!
Elisa me puxou para pista onde as pessoas dançavam. As bandas já haviam se apresentado e um DJ tocava música eletrônica.
Mesmo não sabendo dançar, deixei Elisa me conduzir.
-- Relaxa, Ágata é só se mexer. -- Explicou ela.
Era tarde demais para fugir. Sem opção, obedeci a Elisa. Depois de um tempo até entrei no ritmo não sem antes ter de aguentar Gabriela que também caía na pista tendo acessos de riso ao ver minha tentativa ridícula de aprender a dançar.
-- Não liga para ela -- Disse Elisa -- Você está indo bem.
E a noite seguiu descontraída. Com todos se divertindo. Exceto por uma sombra parada na escuridão, que me observava com os olhos cheios de ódio.
Não pude deixar de acreditar nas palavras de Gabriela. Aquele olhar de Becca não me deixava dúvidas, ela não ia descansar até conseguir me separar de Elisa.
Fim do capítulo
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