Capitulo 2
Capítulo Dois
Já beirava às oito da noite quando Luciana deixou o Instituto, pegou o seu carro esportivo no estacionamento e dirigiu para sua mansão. Sua prima Angélica Fiori e suas duas filhas, Ana, 10 anos, e Arya, 16 anos, vieram da Itália passar um tempo ali em Vila Velha. Aproveitariam os trinta dias de férias escolares das meninas. Seria bom recebê-las em sua casa. Angélica era uma mulher exemplar, ética e uma excelente amiga e confidente. Eram como irmãs, tanto que Ana e Arya chamavam Luciana de tia.
Luciana ligou o som do carro e logo uma melodia clássica de Whitney Houston-I Have Nothing invadiu todo o interior do veículo. A voz imaculada daquela belíssima artista fazia qualquer ser humano se teletransportar para outra dimensão. Era indescritível a sensação e o privilégio de escutar aquela voz de anjo celeste. Apertou mais as mãos na direção do veículo e fechou os olhos por um instante. Chegara aos 39 anos de idade sem encontrar um motivo especial para preencher o vazio de sua vida. O máximo que conseguiu fazer desde sua adolescência foi mergulhar de cabeça nos estudos, depois no trabalho. Não era uma mulher feliz. Nunca fora. No Instituto todos sabiam disso, mas por respeito e medo de perderem seus empregos muito bem pagos, ninguém ousava tocar no assunto. Além de ser uma mulher bastante respeitada por todos, era também temida. Nenhum funcionário gostava de entrar em sua sala, não por um motivo banal ou genuíno, mas sim por causa de sua rigidez em querer tudo numa performance perfeccionista. Não tolerava coisas mal feitas. Absolutamente tudo dentro daquele Instituto deveria ser levado a sério e com cautela. Um dos princípios basilares que o regia era o da Primazia Moral, ética e profissional.
Num suspiro afável Luciana voltou a abrir os olhos. Até hoje se perguntava como uma mulher decidida como ela deixara outras pessoas ditarem as rédeas de sua vida. Não sabia onde estava com a cabeça, quando deixara isso acontecer. Foram trinta e nove anos de sua vida, jogados ao lixo. Foram anos casada com um homem a quem jamais amou. Hoje e desde sempre se achava uma pessoa incapaz de nutrir um sentimento tão forte e puro assim por alguém. As pessoas não lhe inspiravam a menor confiança. Jamais seriam dignas de um sentimento tão imaculado e puro como o amor. Ela mesma se achava incapaz de algum dia sentir algo de tamanha proporção.
Nos dias de hoje, Luciana Ferrazza era apenas uma empresária de sucesso, extremamente competente, de uma moral e ética admiráveis, todavia, uma mulher fria e amargurada pelas consequências trágicas de um destino que os pais, inconsequentemente, escolheram para ela.
Outro suspiro lhe escapou dos lábios. O olhar negro e deslumbrante prestava atenção numa linda estrada margeada por belos coqueiros imperiais. Era a entrada que dava acesso ao condomínio de luxo em que se localizava a mansão dela. Uma propriedade de alto padrão, branca, com belíssimas janelas de vidro e ampla vista para o mar.
A alguns metros da propriedade uma porta de madeira nobre se abriu dando acesso para a garagem situada no subsolo onde Luciana deixou seu carro estacionado ao lado de outros dois veículos de luxo. Desceu dele e travou as portas. Com a bolsa num dos ombros e as chaves do carro na mão pegou um pequeno elevador e subiu para a sala de estar. Encontrou com a sua empregada, uma senhora de seus cinquenta e tanto anos. Pomposa, baixa, pele pálida e cabelos grisalhos. Há anos trabalhava para Luciana e adorava a patroa. Não negava para ninguém. Sabia que ela era uma boa mulher, só não era feliz, mesmo diante de toda a riqueza que possuía. Luciana nunca falava sobre a vida privada. Esta era guardada a sete chaves.
— Boa noite, dona Luciana.
— Boa noite, Zete, tudo bem?
— Tudo sim. — Sorriu. — Sua prima Angélica já chegou com as filhas. Manoel as foi buscar. O jantar já está pronto. Perguntei se elas gostariam de jantar, mas preferiram esperar pela senhora. — Comunicou.
— Tudo bem, Zete. Coloque a mesa, falarei com elas, tomarei um banho e desço para o jantar. — Disse já se afastando para a sala de estar em que se encontravam as primas.
— Sim senhora.
A empregada sorriu e seguiu para a cozinha.
***
O último ciclo de oração daquele dia terminou às 7:00 h da noite. Clara tomou um banho quente, vestiu sua camisola e deitou em sua estreita cama. Todas as noites quando deitava a cabeça no travesseiro ficava a se perguntar por que justo ela tivera de nascer com aquela doença incurável. Por mais que a medicina estivesse caminhando a passos avançados, a uma longa marcha, a cura para aquela sua enfermidade ainda não fora achada. Com uma angústia infindável lhe rasgando o peito e um nó preso em sua garganta fitou uma pequena cruz impregnada numa das paredes do aposento decrépito e mal iluminado por uma vela branca.
Durante todos os dias de sua vida ficava a se perguntar quem era ela. De onde viera. Era uma pessoa sem passado e sem expectativa de futuro. Uma pessoa como ela não tinha o direito de estar na sociedade, de chegar perto de outras pessoas, de conviver com outras pessoas. Pensava, ao passo que sentia o peito doer e as lágrimas mornas molharem o travesseiro. Num suspiro triste fechou os olhos e puxou as cobertas até o pescoço. A noite estava um tanto fria e sua imunidade não era das melhores. Amanhã seria outro dia e mesmo angustiada precisava seguir em frente. No orfanato havia crianças que precisavam do seu carinho e afeto. E enquanto pudesse ajudar aquelas crianças, faria.
***
— Tia Luciana!
Ana exclamou andando rapidamente na direção da empresária.
— Olá, querida, como você está? — Inclinou-se para abraçar a menina.
— Estou bem, tia. A senhora está esbelta e elegante, como sempre.
Luciana sorriu ao receber o elogio da criança e um abraço apertado.
— E você também está linda, Ana. — Beijou os cabelos castanhos da menina.
— Ahhhh, mas não mais que a senhora tia Luciana.
— Oh, minha florzinha, você é um doce.
— Está bom, Aninha, deixa eu e tua irmã cumprimentarmos a tua tia.
Angélica disse aos risos.
— Está bem, mãe. Mas seja rápida, por favor, pois já estou bastante faminta.
Todas riram com os dizeres verídicos da criança.
— Oi, tia Lu. A senhora realmente está linda. Morri de saudades.
— E você também, querida. — Respondeu abraçando Arya, depois deu um forte abraço em Angélica.
— Estávamos morrendo de saudades, Lu.
— E eu de vocês, Angel. E a vida lá pelas bandas da Itália, como anda? E Fernando, tudo bem com ele? Por que não veio com vocês.
— Ah, Lu, como você bem sabe, Fernando é CEO da Central Tecnologia, vive cheio de reuniões e afins. As férias do Fernando nunca batem com as férias das meninas, então...
— Entendo, Angel. Quanto mais alto o cargo, maior a retenção de trabalho.
— Infelizmente.
— Bom, vou tomar meu banho, mas já pedi para que Zete preparasse a mesa. Fiquem à vontade. A casa é de vocês.
Luciana já se afastava na direção da escadaria de mármore que levava para o piso superior, em que ficava oito suítes e uma sala de piano e pintura cuja pianista e pintora fora um dia a mãe de Luciana.
***
A porta do quarto de Clara foi aberta devagar. Uma figura mediana entrou no aposento, enrolada por um lençol branco. Logo em seguida surgiu no eco do silêncio escuro daquele quarto a voz tenor de Ester.
— Clara? Clarinha?
O coração de Clara bateu mais forte ao ouvir a voz da amiga. Ainda enroscada em seus lençóis quentes ergueu um pouco a cabeça para olhar Ester com mais precisão e saber o que ela queria àquela hora.
— O que houve agora, Ester? — A voz saiu numa mesclagem de sono e presunção.
— Como assim o que houve, garota? — Jogou o lençol na cama de Clara. — Esqueceu que vamos telefonar para papai às 20:00 h?
— Claro que não esqueci, mas ainda são 19:45 h da noite. Ou seja, faltam exatos 15 minutos.
— Ai, Clarinha! Meu Deus, mulher. Não seja tão metódica e perfeccionista. Você às vezes é muito estranha, sabia?
— Você que é meio sem juízo, Ester. Chega aqui no quarto e entra parecendo uma figura fantasmagórica. Quase a me matar do coração.
— Olha, amiga, se esses rituais de orações que a gente faz quase todo santo dia neste convento não espantar os demônios malignos não sei o que mais possa espantar. — Gargalhou e deitou na cama ao lado de Clara, abraçando-a com carinho.
— Ai, Ester, assim você me asfixia.
Ester gargalhou de novo e começou a fazer cócegas na barriga de Clara, que ria algures.
— Por favor, Ester, pare com isso, menina. Não consigo respirar! — Ria sem conseguir se conter. — Se a Madre Superiora passa por aqui nós já éramos. Estaremos perdidas.
— Você é muito certinha, Clarinha. Precisa se soltar mais. Lá fora tem um mundo, têm pessoas, têm vidas. Sabia?
Clara deu de ombros.
— Lá fora não há absolutamente nada que me interesse minimamente.
— Você diz isso porque esteve lá poucas vezes. Precisa se permitir, Clara. Permita-se. Você é jovem, inteligente, bonita, não acredito que deseje passar o restante da vida presa dentro deste convento.
— Esta é a minha vida, Ester. A única que conheço.
— Se você diz, só que eu não concordo.
— Bom, isso pouco importa. Vamos levantar logo e falar com a Madre Constança para pedir permissão de usar o telefone. Então, ligamos para o seu pai, você fala sobre as bolsas e depois cada uma vai para sua cama dormir. Amanhã a gente tem que estar de pé às 5 h da manhã para o primeiro ciclo de oração.
No convento não era permitido aparelhos celulares e muito menos computadores e afins. Era um lugar rústico e que fazia jus à antiguidade.
— Aiiiii, está bem, Santa Clara da Seriedade.
Ester ironizou levantando e saltando da cama.
Clara fez o mesmo. Estava cansada e só queria uma noite de sono pacífica para tirar o cansaço de seu corpo extenuado pelos afazeres do dia a dia.
— Vamos rápido antes que a Madre Constança se recolha para dormir.
— Certo!
Ester concordou e saiu do quarto ao lado de Clara.
As duas caminhavam pelo corredor frio e escuro, cada uma segurando um lampião para que pudessem enxergar o caminho mergulhado numa escuridão sombria e decrépita com rota até o gabinete da Madre Superiora.
***
A luz tênue de uma luminária antiga iluminava o gabinete rústico de Madre Constança, que estava sentada atrás de uma escrivaninha de madeira envelhecida, há muito tempo trazida de Roma pelos antigos passageiros daquele Convento e suas composições.
Constança era uma idosa de mais de sessenta anos. Pele negra, olhos castanhos, cabelos cacheados e grisalhos, os quais escondia diariamente debaixo de seu hábito marrom. Há mais de cinquenta anos deixara o Estado de Minas Gerais para se tornar freira no Estado do Espírito Santo, no qual vivia até os dias de hoje. Herdeira de uma família de classe média alta, optou por abrir mãos da boemia que o dinheiro de sua família podia ofertar e decidiu seguir um caminho religioso e devoto à Santa Bíblia. Sempre fora uma mulher de adoração a Deus e aos seus mandamentos. Muitas vezes chegara a ser julgada por ser uma mulher religiosa, fora julgada até por sua fé. Todavia, ali estava e pretendia permanecer até que a vida se esvaísse de seu corpo.
Em meados do ano de 1960, quando chegara ao convento Nossa Senhora de Alexandria, a irmã Bárbara já era uma das jovens enclausuradas. Recordava-se de ser ela uma bela moça de cabelos flamejantes, vermelhos como fogo, olhos castanhos e algumas sardas na cara pálida. Os dias se passaram, tornara-se sua grande amiga e logo a história de vida dela viera à tona. Bárbara não estava no convento por vontade própria, mas sim pela vontade unilateral de seus pais, pessoas influentes e pertencentes à burguesia local. Bárbara era uma jovem de pouca idade quando engravidara de um rapaz comprometido a casamento, já no sétimo semestre da faculdade. Os pais a queriam forçar fazer um aborto, porém ela se recusou e decidiu seguir com a gravidez até o fim, momento em que deu à luz a menina a qual viu pela primeira vez na sala de parto do hospital. Incapazes de aceitar a neta bastarda, os pais de Bárbara a forçaram se desfazer da criança e a mandaram para o convento Nossa Senhora de Alexandria, onde ficaria enclausurada pelo restante de seus dias de vida na terra. Aquela fora a primeira e a última vez que Bárbara falara de sua triste história. Os dias se passavam à sua própria marcha e ela se tornava cada vez mais uma mulher amargurada e rabugenta, principalmente, com as aspirantes à freira. Bárbara guardava uma grande mágoa mesclada a uma saudade inesquecível em seu coração, porém jamais tocava nas suas feridas abertas, ainda que considerasse irmã Constança sua grande amiga e confidente.
— Você não deveria ter aceitado aquela jovem caprichosa e mimada neste convento, Constança. — Recriminava debruçada por cima de uma velha poltrona posta diante da escrivaninha da Madre. — Não vê que ela está colocando asneiras na cabeça de Maria Clara? — Meneou a cabeça num gesto de nítida reprovação.
Constança parou de escrever algo em seu livro de capa marrom e encarou Bárbara, de sobrancelhas erguidas em sinal de interrogação.
— Não se esqueça de que este convento vive de caridades, Bárbara. Como sabemos, o pai da jovem Ester é um dos que faz caridade para que este lugar continue funcionando. Ademais, não vejo um motivo plausível para não ter aceitado aquela moça aqui.
Bárbara suspirou fundo, enquanto também fazia uma expressão de desagrado para Constança.
— Um motivo plausível? Ora, Constança! Não me venha com essa. Aquela moça é presunçosa e bastante caprichosa. Está claro que este lugar não passa de uma diversão para aquela garota mimada.
— Não nos esqueçamos dos motivos pelos quais estamos aqui hoje, Bárbara.
— Não precisa me lembrar de meu passado, Constança, pois este eu já sei de cor. — Falou em tom de irritação.
— Não a estou lembrando sobre seu passado, mas sim sobre julgamentos de maneira pejorativa à vida do próximo.
— Não adianta, Constança, você sempre acha que...— foi interrompida pela entrada alvoroçada de Ester e Clara, no gabinete. — Que escândalo é este?! — Repreendeu imediatamente e se virou para encarar as duas jovenzinhas.
Clara e Ester arregalaram os olhos ao virem irmã Bárbara ali.
— Desculpe-nos, irmã Bárbara, apenas vimos falar com a Madre Constança.
Ester se adiantou em dizer.
— E sobre o quê? Posso saber? — Questionou de maneira arrogante.
— É sobre...
— Deixe as meninas, irmã Bárbara. — Interveio. — Eu assumo daqui. Ainda sou a Madre Superiora deste convento.
Bárbara não gostou do que ouviu, no entanto, acatou as palavras de Constança e levantou encarando Clara.
— E você, pecado? Também veio falar com a Madre? — Perguntou encarando Clara nos olhos.
A jovem engoliu em seco, diante da figura alta e imponente da irmã Bárbara.
— Si...sim, irmã Bárbara. — Respondeu de olhos altivos. Era uma jovem bastante respeitadora com as pessoas, mas sempre mantinha uma pose altiva e convicta perante às situações extremas da sua vida.
— Irmã Bárbara, por favor, deixe-me a sós com as meninas.
Constança pediu de maneira firme, mas em sua calma sempre tão plácida.
Bárbara respirou fundo, encarou Clara mais uma vez e saiu do gabinete, deixando-as a sós.
Assim que a porta foi fechada, as duas jovens sorriram e sentaram bem mais à vontade, diante da escrivaninha de Constança , que as fitou de sobrancelhas franzidas e um ar sorridente na face.
— E então, meninas, a que devo o prazer da presença de vocês a esta hora da noite? — Tirou seus óculos de leitura e os colocou sobre o livro que acabara de fechar.
— Bom, Madre, na verdade, eu e a Clarinha gostaríamos de pedir seu consentimento para fazermos uma ligação para papai.
— Ligação a uma hora dessas, Ester?
— Sim, Madre, durante o dia estávamos abarrotadas de afazeres.
Constança sorriu.
— Está bem, crianças, podem fazer a ligação, mas não se demorem muito, vocês sabem que amanhã teremos o primeiro ciclo de oração às 5:00 h da manhã.
— Sim senhora, Madre!
Ester sorriu e deu um forte abraço em Constança, que já se levantava para sair do gabinete e se recolher em seu aposento.
— Já sabem, não se demorem. — Avisou mais uma vez antes de sair e fechar a porta deixando as meninas sozinhas.
— Ouviu o que a Madre disse, Ester, por favor, seja rápida.
— Serei, amiga. Fica tranquila, pelo amor dos deuses. De rabugenta já basta a velha Bárbara. — Soltou uma gargalhada travessa e riu mais ainda quando Clara a olhou de maneira reprovadora.
— Você só falta a peruca colorida e o nariz vermelho, para virar uma palhaça.
As duas gargalharam.
Ester sentou numa cadeira que havia perto do telefone e discou o número do celular do pai.
***
Após o jantar, as filhas de Angélica foram para a mini sala de cinema da casa, enquanto Luciana ainda ficou à mesa degustando de um vinho na companhia da prima.
Angélica nunca entendera por que Luciana decidira permanecer sozinha após a morte do marido. Difícil entender um motivo plausível para que uma mulher linda, inteligente e rica como ela optara por seguir a vida solo. Luciana nunca se abria sobre seus reais sentimentos, mas era perceptível que por trás daquela figura poderosa e naturalmente intocável habitava uma grande tristeza interior. Poucas vezes a via sorrir de verdade. Não havia alguém a esperando voltar de um dia de trabalho cansativo, alguém com um sorriso e um abraço apertado, alguém com quem ela pudesse conversar, tomar um vinho, alguém para alegrar seus dias, não havia herdeiros, não havia nada em sua vida a não ser o trabalho. Luciana era uma mulher maravilhosa demais, para desperdiçar as chances de ser feliz, para se permitir ser amada de verdade por alguém.
— As meninas estão enormes, Angel. Como o tempo passa. — comentou e sorveu um gole do vinho rosé. Um gosto da bebida fazia jus ao seu paladar sofisticado e à sua taça refinada.
— Nem me fale, Lu, o tempo voa. E te digo mais, criar filhos não é nada fácil. É uma responsabilidade que levamos para o resto da vida.
— Sim, sei que é...
— Não tens vontade de ter filhos algum dia, Lu?
— Um dia já tive essa vontade, mas hoje não mais. A idade também já não me ajudaria tanto. Já tenho 39.
— Ah, tua performance continua perfeita, Lu. Continua lindíssima e fina como sempre.
As duas riram.
— Beleza e fertilidade são coisas bem diferentes, Angel.
— Isso lá é, mas nada é impossível nesta vida.
— Não, não. Impossível é aquilo que já foi, de alguma maneira, tentado.
— Exatamente! Por isso, não diga que seu corpo não produziria um bebê.
— É mais ou menos isso.
— E o Instituto? Muito trabalho?
— Como sempre. Uma correria sem tamanho, sabes que tenho de estar a par de tudo. É uma responsabilidade que tomei para mim a partir do momento que me tornei presidente. Todos os dias surge uma responsabilidade nova, precisamente, quando o desafio é achar um antídoto para alguma enfermidade de urgência.
— E pensar que mesmo com a medicina avançando a passos enaltecedores, temos inúmeras doenças sem antídotos cem por cento eficazes, apenas tratamentos dolorosos pelo resto da vida.
Angélica falava com certo pesar.
— Infelizmente, sim, ainda existem doenças incuráveis em si, mas que são tratáveis, um caso específico é o Vírus da Imunodeficiência Deficiência Humana – HIV. Isso porque já temos cientistas e infectologistas ao redor de todo o mundo, desde os primórdios da década de 1980, trabalhando noite e dia na cura do HIV e da AIDS em si, não apenas em seus tratamentos com antirretrovirais, mas focando na ceifa fatal do vírus no corpo.
Angélica observou uma grande tristeza nos olhos de Luciana. Como se ela carregasse sobre os ombros uma culpa indesculpável. Dali a três dias completariam exato quarto anos desde o fatídico falecimento de Sérgio. Sabia que, por alguma razão, aquela era uma das datas mais difíceis da vida de Luciana.
— Tenho certeza de que um dia a cura será encontrada, para que pessoas que hoje vivem com essas enfermidades possam ser ainda mais livres do que já são, livres do preconceito de uma sociedade ainda retraída e involutiva.
Luciana suspirou, como que cansada.
— Esse tem sido um dos maiores desafios científicos dos últimos tempos, mas é para isso que trabalhamos diariamente, para que outros possam ter a felicidade de realmente viver, e não sobreviver apenas.
Angélica notou que aquilo parecia um conselho de Luciana para si própria.
— Sejamos otimistas, Lu! Um brinde! Um brinde à vida!
Angélica disse erguendo a taça ao alto e brindando com Luciana.
***
Ester desligou o telefone e correu para dar um abraço em Clara.
— Meu pai disse que amanhã mesmo me dará uma resposta, Clarinha! — Sorriu animada. — Ele ficou superfeliz com o pedido. Com certeza, arranjará um jeito de conseguir nossas bolsas para ingressarmos no curso. Aiiiii que felicidade, Clarinha!
Ester não escondia a euforia que pulsava em seu peito tanto quanto seu coração quente, já Clara mordiscava o lábio inferior de uma maneira apreensiva. Estivera poucas vezes do lado de fora do convento, mesmo quando estivera cursando Biotecnologia, optara cursar a distância, haja vista seu receio e pavor em se aproximar das pessoas. Sabia muito bem que jamais seria normal como aquelas pessoas. Jamais! Sentiu um forte aperto no peito e um nó na garganta, porém, conteve o choro, para que Ester não percebesse nada.
— Ai, Ester. Não precisa me asfixiar. — Clara reclamou se afastando um pouco. Tinha um receio enorme de chegar muito perto de qualquer pessoa. Tratava sempre de manter uma certa distância. Era um peso grande demais que carregava sobre seus ombros. Pensava, angustiada.
— Você vai gostar, Clara. Quem sabe você encontra sua alma gêmea por lá! — Sugeriu morrendo de rir das caras e bocas que a amiga fazia.
— Não há espaço em minha vida para essas coisas, Ester. Não seja boba, menina. Em breve farei meus votos na Ordem das Freiras Carmelitas e me tornarei uma freira dedicada a atividades comunitárias e filantrópicas. Não há nada lá fora para uma garota como eu, Ester. Por favor entenda.
Com os olhos cheios de lágrimas e o peito cheio de angústia, Clara saiu correndo da sala e foi para o seu quarto. Trancou-se ali e entregou-se a um choro compulsivo. Ouvia as batidas abafadas de Ester, na porta de seu quarto, mas não a abriu. Adorava a amiga, mas naquele momento só desejava o amargo conforto da solidão.
Chorou copiosamente, em desespero, até um soluço estrangular a tristeza que se abatia dentro de seu peito.
Fim do capítulo
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Anny Grazielly
Em: 02/10/2022
Fazia tempo que não vinha por aki.... mas fica impossível ver uma nova historia sua e nao comentar... ja amando esta história, como todas as outras.... kkkkk...
Eu acho que a historia da filha desaparecida da irmã ainda vai aparecer.. kkkk... e esperando loucamente o momento que Clara e Luciana irão se conhecer...
Resposta do autor:
Oi, Anny, que honra, meu bem! Fico feliz. Espero que goste dessa nossa nova jornada! RSRSRS.
Humm...só digo que teremos inúmeras surpresas e reviravoltas. Rsrs
Bjsssss
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Vanderly
Em: 28/09/2022
Olá Thaa!
Nossa, já vi que a autora gosta mesmo de dramas. Risos!
Bom, já vi que as duas precisam mesmo de colo urgente.
E ao que parece, a inocente tristeza de Clara, vai aquecer o coração da fria Luciana.
Volta logo! Ansiosa aqui.
PS.: Eu já li A bela vingadora no wattpad, mas o carregamento dos capítulos é péssimo e acaba que a leitura fica pela metade. Aqui no Lettera dificilmente acontece isso, e quando acontece a gente volta e carrega o capítulo novamente e dá tudo certinho. Por isso parei de ler lá. Espero que a autora atualize por aqui.
Abraço.
Vanderly
Resposta do autor:
Oi, meu bem, drama é o meu forte, nada como um bom drama num romance, né? Rsrsrs. Eu amo de mais.
Luciana e Clara têm muito para nos mostrar, por assim dizer.
Voltando hoje...rsrs
PS: A Bela Vingadora, depois do Wattpad irá completa para o Amazon.
O que me incomoda no Wattpad é a centralização do texto e o excesso de anúncio, agora isso, é legal.
Bjssss
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Marta Andrade dos Santos
Em: 23/09/2022
Eita Clara vai dá tudo certinho.
Resposta do autor:
Oi, meu bem, vai sim! rsrs.
Bjsssss
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